Draco On
Estava deitado confortavelmente sobre meus travesseiros, vasculhando minha galeria enquanto um amontoado de fios negros repousava sobre o meu peito nu. Eu lhes fazia carinho enquanto visualizava as inúmeras fotos do moreno que havia colecionado até agora, apreciando as fotografias indecentes. Que aparentemente haviam se tornado parte dos meus fetiches. E outras fotos mais normais, em que o moreno sorria ao conversar com seus amigos, enxugava o suor no meio de um jogo de futebol, ou até mesmo mexia no celular durante a aula de ética profissional
Parei para observar uma em específico, que eu me lembro de ter tirado às pressas no dia em que o moreno havia me provocado com aquelas mensagens bobas
Podia-se ver no enquadramento que minhas pernas estavam sobre o vaso sanitário, enquanto o alfa se encontrava de joelhos entre as mesmas, com a cabeça apoiada em uma das minhas coxas. Minha calça estava aberta e, embora a imagem tenha saído borrada nessa parte pela minha pressa em fotografar, não era preciso ser nenhum gênio para saber que só havia uma coisa que podia estar ali, minimamente ereta, entre as minhas pernas
Bom... Eu também não me importei em cortar essa parte da imagem
Parecia até melhor assim. Dessa forma ficava claro o que o moreno estava fazendo, e o motivo pelo qual ele tinha os olhos fechados em exaustão, os lábios entreabertos pela respiração ofegante e a boca lambuzada por uma porção de fluídos já quase completamente transparentes
Mas também... Depois de gozar tantas vezes, quem poderia me culpar?
–Arg... –Sendo pego de surpresa, ouvi um resmungo baixinho vir da direção do moreno, antes que ele levasse uma das mãos até as costas e massageasse o local por alguns segundos
Meu primeiro reflexo foi desligar o celular do jeito que estava e rapidamente jogá-lo em cima da mesa de cabeceira que havia ao lado da cama para evitar que ele visse o conteúdo. Vergonhoso. Da minha galeria
O moreno ergueu os olhos para me olhar sonolento, não parecendo ter notado meu desespero, e coçou um deles com preguiça em uma cena realmente muito fofa, murmurando em seguida bem baixinho:
–Malfoy? –Sua voz rouca ao acordar me causou arrepios por todo o corpo
Me mexi inquieto na cama por um reflexo, ao sentir todos pelos que tinha no corpo ficarem de pé apenas por ouvir sua voz, e puxei o ar entre os dentes ao imaginar quais seriam os efeitos caso seus lábios estivessem apenas um pouco mais próximos do meu ouvido
–Volte a dormir... –Beijei o topo de sua cabeça singelamente –Ainda temos tempo
–Não quero –Ele esboçou um biquinho emburrado –Da última vez você me enganou
–Eu não te enganei, bebê... Só fiquei preocupado com a sua condição caso você se forçasse a ir para a faculdade –Agora que ele estava acordado, pude tirar meu braço de baixo dele e alisar suas costas para evitar que ficasse chateado comigo
–Tão preocupado que me fodeu outra vez ontem à noite –Uma careta se formou em seu rosto
–Me perdoe, lobinho... Eu não consegui resistir
Suas sobrancelhas escuras se franziram ainda mais, e eu não pude evitar de soltar uma risada baixinha diante de tal expressão
–Eu estou falando a verdade. Você acordou cedo
–Tudo bem, então... Vou acreditar em você dessa vez –Sem exigir muito da minha insistência, a chateação em seu rosto se desmanchou e deu lugar a um gigantesco sorriso genuíno
Já faz um certo tempo que venho notando os estranhos padrões dos meus batimentos cardíacos. Surpreendentemente, meu coração costuma bater mais forte quando vejo ele sorrir... E isso não pode ser coincidência
Eu não sou tão cabeça dura ao ponto de negar meus próprios sentimentos, muito menos burro o bastante para não entendê-los. E por mais que isso machuque um pouco o meu orgulho, é óbvio que o ódio que eu sentia por esse alfa já soprou com o vento e voou para bem longe há bastante tempo
Eu não esperava odiá-lo para sempre, e sabia que meus sentimentos continuariam a mudar, inevitavelmente, conforme ficássemos cada vez mais próximos. Mas agora que estou me dando conta disso, não consigo deixar de me sentir nervoso
Não sou tão estúpido ao ponto de fingir que não sinto nada, mas... E se todos esses sentimentos não passarem de uma simples atração física?
Talvez eu devesse averiguar melhor essas emoções e ter certeza para dar um veredito
Mas... Como eu faria isso?
–Ei, Malfoy... Aconteceu alguma coisa? –Senti uma mão tocar meu rosto, me puxando de volta para a realidade –Você estava no mundo da lua
–Ah! –Suspirei surpreso –Não aconteceu nada, não se preocupe
Sorri para ele em um gesto tranquilizante e segurei a mão que alisava minha bochecha, ainda no meu rosto
–Mas... Sabe...
–Sim? –Ele demonstrou que eu tinha sua total atenção
–Como você... Percebeu? –Sussurrei um pouco tímido
–Percebi o quê? –O moreno. Em um ato nada surpreendente. Sorriu sem graça como alguém que obviamente não entendeu uma só palavra do que eu havia dito
–Sobre os alfas... –Tentei formular uma maneira mais discreta de perguntar –Como você descobriu que gostava de alfas e não de ômegas?
Sua expressão surpresa me fez abaixar os olhos em constrangimento, me sentindo um idiota por não conseguir pensar em uma forma melhor de perguntar sobre aquilo
–Por que quer saber?
–Eu... Errr... –Fingi uma tosse para ganhar um pouco mais de tempo –Estou curioso sobre você... Só isso
–Ah, entendi –Ele se contentou apenas com isso
O sorrisinho que surgiu em seu rosto me fez pensar que ele realmente havia acreditado em mim cegamente
Aquilo havia sido fácil demais, mas não era como se eu estivesse reclamando
–Bem... Já fazem alguns anos desde o momento em que eu passei a perceber que ômegas não eram muito a minha praia –Ignorei meus pensamentos para prestar atenção à sua história –Eu realmente achava que gostava de ômegas. Não parecia haver nada errado... Já fiquei com muitos ômegas no passado e, naquele momento, sequer se passou pela minha cabeça que não era isso o que eu queria
O moreno sentou-se na cama, indicando que uma conversa mais séria estava prestes a começar, e eu não demorei em acompanhá-lo para mostrar-lhe que estava prestando atenção
–As pessoas nunca percebem que não gostam de algo, até provar o que realmente gostam –Suspirou pesadamente –Você precisa ao menos olhar pra um alfa e se sentir estranho por achar ele mais bonito do que a maioria dos ômegas pra entender... Não é como se você pudesse descobrir sem nunca ter tido contato com um alfa na sua vida
–O que quer dizer com isso? –Mordi os lábios ansioso
–Antes de abrir mais a minha mente e reparar em alguns alfas por aí, eu não fazia a mínima ideia do que realmente estava acontecendo comigo. Na minha cabeça, todos os alfas se sentiam da mesma forma que eu em relação aos ômegas. Eu não pensava que o problema era minha falta de atração, mas sim que ficar com outras pessoas, no geral, simplesmente não era tão bom quanto eu estava esperando –Ele esclareceu minhas dúvidas de uma maneira assustadoramente específica –Pensei que beijar alguém não passasse mesmo de uma simples troca de saliva e por muito tempo permaneci na ignorância... Acreditando verdadeiramente que minhas expectativas apenas eram altas demais para o que os relacionamentos realmente significavam
–Você pensava que ficar com outras pessoas apenas não era tão bom quando diziam...
–Exatamente...
Ele sorriu entristecido, parecendo um pouco abalado com a chegada de uma nova parte da história
–Foi aí que, no primeiro ano do ensino médio, eu conheci um alfa que fez meu coração bater de um jeito estranho... Bater de um jeito que jamais bateu por nenhum ômega –Me mexi desconfortável com aquela nova informação, e confesso ter contido um rosnado com a menção desse tal alfa –De repente, ele se tornou o centro de tudo, e eu estava a todo momento tentando chamar sua atenção... Mesmo que ele não me desse a menor bola
O quê?! Então existe alguém que foi capaz de resistir às investidas dele com sucesso?
Se esse alfa já é charmoso sem ao menos tentar... Se esforçando, então...
Não tem como alguém recusar um cara como ele que está, esplicitamente, tentando chamar sua atenção... Isso é loucura
–Esse alfa... Estudou com a gente no ensino médio? –Precisei de alguma pista
–Sim... Estudou
Tudo bem... Eu tinha um leque de opções mais reduzido
Talvez se eu vasculhasse um pouco minhas memórias, conseguisse lembrar de algum alfa que o moreno perseguia com frequência
–Não adianta pensar muito sobre isso... Você não vai descobri quem ele é –Com uma risada seca, o moreno acabou com as minhas esperanças –Nem ele percebeu... Então suponho que eu consegui esconder meus sentimentos muito bem
Por algum motivo, a risada que ele deixou escapar não me pareceu muito genuína
–Bem... Não é como se eu estivesse escondendo o tempo inteiro, na verdade
–Mas você acabou de dizer que tentou esconder
–O problema é que eu demorei muito tempo para perceber o que eu sentia –Seus olhos entristecidos me encararam por algum motivo –E quando eu me dei conta... Já era tarde demais pra consertar as coisas
–Como assim? Vocês brigaram?
Não sabia exatamente o quê me causava tanta curiosidade, mas talvez eu pudesse me basear nessa história e não cometer os mesmos erros
–Brigamos... Brigamos feio –O moreno respirou fundo para se acalmar –Uma briga que acabou de vez com as minhas esperanças de consertar nossa relação
–Oh, bebê...
Percebi que seu estado de ânimo não era dos melhores, então resolvi puxar sua cabeça até meu ombro e alisar seus cabelos rebeldes para melhorar o seu humor ao menos um pouquinho
Estava com ciúmes do alfa que havia conquistado seu coração... Eu sei que estava
Mas minha vontade de consolar meu lobinho magoado era maior do que qualquer outra coisa
Até esse momento, eu não havia percebido o quanto meus sentimentos por ele haviam mudado...
–Foram dois anos até que eu me desse conta dos meus sentimentos... Dois longos anos de sofrimento e negação, até que eu aceitasse de uma vez por todas que não era como os outros alfas
–O quê?! Dois anos?! –Arregalei os olhos em descrença
Como alguém consegue ignorar seus próprios sentimentos por dois anos inteiros?!
–Sim... Eu só consegui me resolver comigo mesmo quando estávamos no último ano do colégio –Seus lábios foram mordidos em chateação –Eu sei que levou muito tempo... Mas na época, o simples pensamento de que eu estava gostando de outro alfa era o bastante para me fazer entrar em desespero
A carinha triste que surgiu em seu rosto preencheu meu peito com uma sensação horrível
–Não fique assim, lobinho... É claro que naquela época foi bem mais fácil negar... A adolescência é uma das fases mais difíceis da vida, e nós dois somos a prova viva disso –Dei risada para tentar descontrair o clima –Quem nunca se arrependeu de algo que fez aos quinze anos que atire a primeira pedra
–Tem razão –Um sorriso fraco voltou a estampar seu rosto –Mas eu ainda me sinto mal por nunca ter tido a chance de falar pra ele...
Seus olhos percorreram cada centímetro do meu rosto, me analisando, enquanto aquele par de íris esverdeadas pareciam tentar ler meus pensamentos mais profundos. Havia certa expectativa em sua expressão, e algo me dizia que o moreno estava à espera da minha resposta... Como se desejasse ouvir alguma frase de consolo, ou algo do tipo
Era um pouco estranho ter aquele tipo de olhar sobre mim pela primeira vez, mas eu não tive coragem de deixá-lo esperando por muito mais tempo
–Ele foi o único que saiu perdendo –Toquei sua bochecha brevemente –Se você não teve a chance de se declarar, azar o dele... Porque agora não tem mais volta
–Como assim? –A surpresa tomou seu rosto
–Você é meu agora... Podemos não estar em um relacionamento concreto, mas eu sei que já deixei bem claro para você –Segurei seu rosto com apenas uma das mãos –Eu sou um dono egoísta... Não gosto de dividir o que é meu
Seus olhos se perderam nos meus por apenas uma fração de segundo, que foi capaz de desestabilizar sua postura recatada e, de imediato, romper a expressão tranquila estampada em seu rosto
–A-Ah... –O moreno riu sem graça, e talvez um tanto envergonhado –Tudo bem...
Retribuí com um sorriso torto, porém reconfortante, e me aproximei um pouco mais para deixar um beijo no meio daqueles fios escuros. Lindos. Que pareciam incapazes de se manter no mesmo lugar
Como eu gostava de vê-lo envergonhado pelas minhas provocações...
–É bom poder acordar e perceber que você não fugiu de mim outra vez, sabia? –Levei uma das mãos até sua cabeça e alisei seu cabelo com os dedos singelamente
O moreno corou com a minha brincadeira, parecendo ainda mais envergonhado ao me ver rir baixinho pela sua reação divertida. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes, e naquele momento, apenas durante aquele mísero segundo em que seus olhos estavam presos nos meus, pude sentir meu coração ficar mais quente, me fazendo desviar os olhos por um reflexo e cortar aquele contato tão intenso
Eu confesso que, mesmo antes do incidente no banheiro, eu já era apaixonado por esses olhos... Mesmo que fossem um pedaço do Harry Potter que eu tanto odiava, mesmo que fizessem parte daquele rosto que eu sequer conseguia encarar por mais de cinco minutos, eu não podia negar que se fossem arrancado de suas pálpebras, aquelas íris. Que mais pareciam duas esmeraldas. Eram realmente encantadoras
Mas gostar dos olhos dele não significa que eu gosto dele também, certo?
Bem... Eu acho que sim
–Sabe, Malfoy... Você não está totalmente errado –A voz do moreno, agora mais suave, chamou minha atenção –Eu falei que me arrependo de não ter contado sobre os meus sentimentos, mas, se naquela época eu tivesse me declarado pra ele... Talvez eu não fosse capaz de suportar a dor da rejeição
–Como pode ter tanta certeza de que ele iria te rejeitar?
Não que eu quisesse que o relacionamento deles tivesse dado certo, mas era um pouco pessimista pensar dessa forma... O que era estranho vindo desse alfa tão empolgado e, naturalmente, radiante, que mais condiz com um exímio otimista
–É claro que ele me rejeitaria... Nossa relação nunca foi das melhores, pra começo de conversa –O moreno fechou os olhos e se inclinou para trás, buscando recostar-se sobre os travesseiros –Nós não escolhemos quem amamos, pois se eu pudesse... Com certeza não teria escolhido ele
–Esse alfa era alguém tão ruim assim? –Engoli em seco
–Não... Ele não era –Aquela resposta me rendeu um cenho franzido –Eu apenas me senti, estupidamente, impotente ao perceber que estava apaixonado por um alfa que nunca olharia para mim dessa forma
–Você gostava bastante desse cara, não é? –Engoli em seco mais uma vez
–Meus sentimentos por ele vão muito além do que você pode imaginar –Respondeu de forma ambígua –Mas de nada adianta sentir se, para ele, meus sentimentos são como um grão de areia em uma praia... Insignificantes, e praticamente invisíveis
–Talvez você tenha se enganado... Pode ter formado um julgamento errado sobre ele e deixou que os sentimentos afetassem sua percepção
–Esse tipo de coisa não é difícil de se perceber, entende? –Ele abriu os olhos outra vez, e me olhou um pouco entristecido –Passei tempo o suficiente encarando as costas dele durante as aulas, ou vendo-o conversar com seus amigos de longe, para não conseguir perceber quando ele realmente não gosta de algo... E, bom... Acontece que eu era esse algo
–Potter... –Me senti tão magoado ao escutar suas palavras, que sequer me dei conta do momento em que havia chamado por ele
–Harry
–O quê? –Me surprendi ao ser pego de surpresa por aquele novo avanço
–Você pode me chamar de Harry
Encarei por alguns instantes o sorriso encantador que se formava nos lábios avermelhados do moreno, e não resisti à vontade de deixar um selinho naquela boca tentadora, me separando de seus lábios com um barulho de beijo estalado
–Harry... –Sorri involuntariamente
–Sim? –O moreno entrou na brincadeira, mas riu logo em seguida pela nossa infantilidade
–Me chame de Draco...
–S-Sério?!
Sua expressão foi tomada por uma alegria anormal, antes que, após um pico de exitação que durou apenas dois segundos, ele voltasse à uma postura mais tranquila, disfarçando a surpresa inicial
–Sim, lobinho –Beijei sua testa aos risos, deixando claro que eu havia notado sua mudança repentina de expressão –Estou falando sério
–Então, quando não estivermos nas sessões... Posso mesmo te chamar pelo seu nome?
–É exatamente o que eu estou falando –Achei fofa toda aquela timidez
O moreno deixou escapar uma risadinha marota. Que me fez rir junto por impulso. Enquanto passava os braços envolta do meu pescoço e me beijava, do rosto até a orelha, para sussurrar logo em seguida
–Draco...
–Hm? –Inclinei a cabeça para o outro lado, lhe dando mais espaço para me agradar por aquela região
–Eu gosto do seu nome, Draco... Quero te chamar assim o tempo inteiro –Ele riu baixinho, próximo ao meu ouvido –Draco... Draco... Draco...
Céus... O diabos eles está fazendo comigo?
Estou ficando louco... Louco de verdade
Se continuar me chamando assim, teremos que faltar às aulas de hoje
–Tudo bem, bebê... Acho que você já aprendeu
–Hm? O que você disse... Draco? –E mais uma risada agraciou meus ouvidos
Revirei os olhos com um sorriso torto, não conseguindo acreditar em como pude ser tão cego, para ignorar a doce personalidade desse alfa por tanto tempo. Desacreditado por ter mantido uma imagem tão baixa dele em meus pensamentos, completamente equivocados
Talvez eu realmente esteja um pouco mais confortável na presença dele... Creio que isso já é um grande avanço
Eu realmente posso dizer que ainda o odeio à essa altura da nossa relação? Realmente posso dizer que meus sentimentos por ele eram de um simples ódio?
Rancor, talvez. Mágoa, com certeza. Por ter ferido meus sentimentos ao recusar minha amizade tão friamente
Mas ódio...
Será mesmo?
Uma criança de apenas onze anos é realmente capaz de odiar alguém por simplesmente ter rejeitado sua amizade?
Eu acho que não...
Talvez tudo não passou de uma simples mágoa, que foi crescendo com o tempo, e se tornando cada vez mais amarga conforme eu via mais e mais pessoas terem a chance de se aproximar dele, enquanto eu apenas podia assistir tudo de longe
Por que só eu não podia me aproximar? Por que você rejeitou só a mim? Por que, de tantas pessoas, eu era o único que você não queria?
–Harry... Eu sempre quis te perguntar uma coisa –Senti que precisava cuspir, logo de uma vez, aquelas dúvidas que estavam presas em minha garganta
–Pode perguntar, Draco –Ele sorriu ao pronunciar meu nome ao fim
–Quando tínhamos onze anos... No primeiro dia de aula –Engoli em seco, sem saber exatamente como deveria prosseguir –Por que você... Sabe...
–Por que eu não quis ser seu amigo? –Ele adivinhou todo o resto da pergunta, me encarando com certo receio, e talvez uma ponta de arrependimento
–Sim... –Suspirei entristecido, não me sentindo totalmente preparado para escutar aquela resposta
"Porque você era mesquinho e insuportável"
"Porque eu não queria ser amigo de alguém tão mau caráter"
"Porque eu não suportaria olhar para a sua cara e ter que chamá-lo de amigo todos os dias"
Essas eram algumas das possibilidades
Quanto mais eu pensava sobre isso, piores elas ficavam... E a demora do moreno em me responder apenas me fazia pensar em outras cada vez mais assustadoras
Por que não me responde?
É tão difícil assim falar na minha cara que, na verdade, você realmente me odiava?
Acha que eu ficaria magoado ao ouvir da sua boca, pela primeira vez na vida, um "eu te odeio"?
Por favor... Eu não sou tão coração mole
–É tão difícil assim me dar uma resposta? –Senti que precisava apressá-lo –Ou talvez você simplesmente não queira me responder...
–Não, não é isso... É só que... –Ele abaixou a cabeça envergonhado e, com um suspiro, continuou –Me desculpa...
–O quê?!
Não consegui conter a surpresa em minha fala quando, em um completo estado de choque, escutei as únicas palavras que eu realmente não esperava ouvir como resposta
O moreno parecia bem sério ao dizer aquilo, o que que me impediu de forçar uma risada e fingir que havia gostado da brincadeira. Diferente do que eu esperava, suas desculpas pareciam sinceras... Realmente sinceras... E seus olhos continham um arrependimento tão amargo, que até eu pude sentir suas emoções trasparecerem
–Por que está se desculpando comigo?
–Porque naquela época sequer se passou pela minha cabeça o que aquela rejeição poderia ter causado... Eu era jovem, e não sabia o que minhas ações poderiam desencadear, mas você também era apenas uma criança que não merecia escutar palavras tão duras –Ele lamentou com um suspiro –Naquele momento, sequer se passou pela minha cabeça que eu estava ferindo os sentimentos de um garotinho de onze anos... E por isso eu não culpo você por todas as brigas, ofensas e xingamentos... Por isso eu nunca consegui te odiar
Estava em choque, encarando aqueles olhos abaixados à procura de algum traço de mentira, ou à espera de uma risada divertida e um tapinha no braço ao ouvir que tudo não passou de uma brincadeira
Mas... Por que ele parecia tão sincero?
Ele realmente se culpava pelos nossos desentendimentos?
Bem... É verdade que ninguém nunca havia negado minha amizade daquela forma, mas não é como se ele fosse obrigado a ser meu amigo
–Não foi sua culpa... E eu tenho certeza que você não fez isso sem motivo nenhum –Passei a mão pelos seus cabelos
Sim... Era isso o que eu queria saber
O motivo por trás de tudo
–Eu não me orgulho nem um pouco disso... Se é o que quer saber
–Não, não é o que eu quero saber –Respondi por um reflexo –Quero saber o que te fez pensar que eu não seria um bom amigo
Era só isso o que eu queria... Apenas isso
Eu o deixaria em paz depois de saber, por mais doloroso que fosse... Então por que ele não me respondia logo de uma vez?!
–Não é tão simples assim...
–Então torne simples
–Você não entende! Não é algo tão fácil de explicar –O moreno ergueu a voz, parecendo um tanto indignado –Eu realmente me sentia perdido naquela época... Minha vida nunca foi das melhores, e se eu dissesse que, após a morte dos meus pais, alguém no mundo ainda me amava, eu estaria mentindo
Não... Não era isso o que eu queria
Não queria que ele revivesse esse tipo de lembranças... Eu não fazia a menor ideia de que ele as tinha
–Quando eu descobri que meus pais eram amigos do diretor Dumbledore, e que eu só precisaria ver meus odiosos tios nas férias caso resolvesse estudar naquela escola, eu aceitei sem hesitar... Qualquer coisa era melhor do que aquela casa, e mesmo que eu não conseguisse fazer amigos, pelo menos não estaria sendo maltratado por ninguém... Era o que eu esperava
–Seus tios... Eles-
–Isso não vem ao caso –Me interrompeu –O importante é que eu não suportava mais viver lá... E saber que só precisaria ver a cara gorda do meu tio e o nariz pontudo da minha tia alguns dias por ano me fazia chorar de alegria
Eles realmente eram pessoas tão ruins?
Eu pensei que ele vivia uma vida perfeita...
Tudo bem, assim como toda a universidade, eu sabia que seus pais haviam morrido pouco tempo depois dele nascer... Mas como o "garotinho perfeito" que ele era, pensei que não faltavam pessoas para amá-lo e dar-lhe os parabéns por ter feito algo certo, por mais insignificante que fosse
Eu estava errado sobre isso também?
–Quando entrei na escola, conheci Rony e Hermione. Os dois já sabiam que eram um beta e uma ômega, enquanto eu ainda não fazia a menor ideia. E por isso acabamos conversando bastante sobre o futuro, e até fazendo apostas sobre o que eu seria –Ele contou com um sorriso fraco, parecendo um pouco menos apreensivo –Enquanto Hermione não conhecia ninguém de lá, Rony parecia já ter ouvido sobre os nomes que alguns deles carregavam... E acabamos, de alguma forma, entrando nesse assunto
–E o maldito ruivo falou algo sobre mim... –Ri seco, rosnando em amargura –Eu já devia ter adivinhado...
–Ele era só uma criança... Estava apenas repetindo o que ouviu dos pais, assim como você também fazia com ele
Rosnei por impulso ao ver o moreno se colocar do lado dele, defendendo aquele ruivo ignorante bem na minha frente
–E o que os pais dele poderiam saber sobre mim?! –Cruzei os braços em desgosto –Eu teria me lembrado de ter conhecido figuras tão inconfundíveis quanto eles
–Não falamos sobre você em específico... Mas sim sobre o seus pais –Seus ombros se encolheram ao chegar naquela parte da história
Senti meu sangue ferver, e a vontade de xingar o alfa à minha frente de todos os palavrões que conhecia crescer exponencialmente em meu peito
Como aquele ruivo desgraçado ousou manipulá-lo dessa forma?!
Francamente... Sempre que algo de errado acontece na minha vida, coincidentemente, esse imbecil com cabelo de cenoura está metido no meio
Se eu não tivesse conhecimento da sua total falta de cérebro, diria que ele faz de propósito... Mas parece que ele só é naturalmente dotado da capacidade de me fazer querer socar sua cara
–Então você me julgou pela rivalidade entre meus pais e aquela família de ruivos idiotas?!
–Chega, Draco! Eu já disse que me arrependo! –Ele se incomodou com meus insultos
–Você sabe o que fez por culpa daquele imbecil?! –Gritei com ele por um reflexo, sentindo meus nervos à flor da pele –Quem eles pensam que são pra me julgarem pelo que sabem do meu pai?! Quem eles pensam que são para definirem o que uma criança pode ser?!
–Draco, não foi assim-
–É claro que foi assim! Você apenas não consegue aceitar que seus amados benfeitores são tão preconceituosos quanto as pessoas que recriminam! –Me levantei da cama em um impulso, passando as mãos pelo meu cabelo para tentar me acalmar –Alguma vez eles te deram a chance de me perguntar se eu queria ou não ser como o meu pai?!
–Draco... –O moreno se levantou da cama logo em seguida, resmungando um pouco pela dor, e caminhou até mim para me abraçar em conforto –Eu realmente sinto muito... Eu sinto muito, mas-
–Mas o quê?! –O olhei em incredulidade –Mas eu realmente era tudo o que eles alegavam? Mas eles estavam certos ao te impedir de se aproximar desse tipo de gente?
–Draco, por favor... Entenda o meu lado –Ele segurou meu braço apreensivo –Os Weasley's me salvaram... Eles foram a família que eu nunca tive e-
–E por isso não podem estar errados?! –Adivinhei com uma risada seca –Já entendi, Potter... Eles são os santos que tiraram você da miséria, e por isso você vai seguir tudo o que eles disserem como um cachorrinho preso na coleira. Afinal, não tem como você ir contra aquela família perfeita, não é?
–N-Não! Não é iss-
–Tudo bem, eu não ligo... Apenas fiquei curioso sobre algo depois de ouvir tudo isso –Aproximei meu rosto do dele, tão irritado que sequer fui capaz de colocar um sorriso no rosto –Você já contou pra eles que está comigo?
Seus olhos se abriram um pouco mais em surpresa, e notei uma engolida em seco passar pela sua garganta em nervosismo
Ele não parecia querer mentir pra mim, mas também não queria me dar mais um motivo para explodir de raiva
Era um grande dilema, mas aparentemente a primeira opção prevaleceu
–Não... Não contei
Sua resposta me fez rir em ironia
Que tipo de resposta eu estava esperando? É claro que ele não havia contado
–Não queria decepcioná-los... Eu entendo –Ri mais uma vez, tentando disfarçar toda a mágoa que surgiu com aquela informação –Se soubessem que o garoto de ouro que criaram como seu filho estava se agarrando com alguém como eu, provavelmente agora seriam apenas uma porção de cadáveres ruivos
–Draco, já chega...
–Não precisa se preocupar, Potter, nós dois não temos nada... Você pode esconder esse casinho deles sem remorso. Ou melhor, veja isso com uma forma de manter aqueles cabelos ruivos horrorosos deles em seu devido lugar
–J-Já é o suficiente... Eu já entendi, tá legal?!
–Estou curioso... Se eles te pedirem para se afastar de mim, você vai me deixar sem reclamar?
–JÁ BASTA, DRACO!
Antes que eu pudesse sequer ter a oportunidade de reagir, senti uma das mãos do moreno se chocar contra o meu rosto, desferindo um forte tapa em minha pele, que ardeu como se estivesse derretendo pelo fogo. Algo dentro de mim queimou também... Queimou de raiva... E naquele momento eu desejei nunca ter me aproximado dele, desejei desferir um forte soco em seu rosto e voltar a odiá-lo como nos velhos tempos, mas tudo o que consegui fazer foi dar risada
Uma risada miserável, porém irônica. Uma risada amarga e rancorosa que se espalhou por todo o quarto sem ao menos pedir licença
O alfa pareceu aterrorizado ao se dar conta do que fez, e eu pude notar que seus olhos brilharam pelo início de algumas lágrimas ao me ver levar uma das mãos até minha bochecha dolorida, com os olhos banhados em descrença
–D-Draco, me desculpa... Oh, céus... Me perdoe –Seus olhos foram tomados por um desespero, que eu nunca antes havia visto em seu rosto –N-Não foi minha intenção... Eu juro que eu não queria fazer isso
O moreno se apressou em tocar meu rosto, mas eu o impedi com um forte tapa na mão
–Sim... Você queria
Algo no meu peito ardeu, bem mais que minha pele, ao pronunciar tais palavras tão decisivas... Foi como se meu coração se encolhesse com um grito silencioso, assim como minhas esperanças de finalmente termos um relacionamento decente. Uma dolorosa facada no estômago, um golpe pelas costas, que me fez enxergar as coisas como elas realmente são
Nunca estivemos mais próximos... Era apenas conveniente dormir com ele
Seu corpo me agradava, e era apenas isso... Tínhamos uma boa química, mas realmente não combinávamos em nada
A ficha havia caído...
–O universo realmente sabe o que faz... –Fitei seus olhos com um sorriso desgostoso –Ainda bem que você não aceitou se tornar meu amigo, Potter... Eu deveria agradecer você
–Não, Draco... Por favor, não fala assim –Seus olhos se encheram d'água
–Somos bons inimigos e somos bons amantes, mas, para compensar... Somos um desastre como amigos
Sorri pra ele um pouco entristecido, enquanto suas mãos se apressavam em enxugar o trajeto molhado que as lágrimas deixaram pelas suas bochechas
–A única coisa que me interessa é o seu corpo, então só precisamos continuar como estávamos... Não vamos passar disso
–Não! Não, Draco! –Suas mãos agarram meu braço em desespero –Me perdoa... Por favor... Não se afasta de mim outra vez
Sua mão tocou minha bochecha lesionada, mas eu tratei logo de tirá-la dali com brutalidade
–Foi você quem me afastou primeiro... Ou melhor, sua "família" me afastou de você –Empurrei ele para longe –Sempre eles...
–Isso ficou no passado... Estamos bem agora, então pra quê trazer nossos erros à tona em um momento tão inconveniente?!
–Não, isso não ficou no passado. Você é o único que pensa assim! –Tentei abrir os olhos dele de uma vez por todas –A sua vida inteira foi controlada por eles... Ou você não percebe que tudo o que faz é para não decepcioná-los?
–N-Não... Não é isso!
–Como não? –Ri em descrença –Você demorou dois anos para aceitar quem realmente é, por medo de ser julgado pelas pessoas que te acolheram... DOIS ANOS!
–N-Não... Não...
–Deixa eu te contar um segredo, Potter... Se você acha que tudo vai desmoronar se souberem que você não é como eles querem que seja, é porque algo está errado nessa história –Joguei tudo o que se passava pela minha cabeça para fora –Se eles são realmente tão bons pra você, por que tem tanto medo de ser rejeitado? O que eles fizeram para colocar na sua cabeça que te abandonariam por gostar de alfas?
Pela sua falta de palavras, eu diria que havia cutucado uma ferida mais profunda...
Não era minha intenção magoá-lo, mas se eu precisava vê-lo chorar um pouco para abrir seus olhos e fazê-lo enxergar a realidade como ela é, eu o faria
–Eles já sabem que você gosta de alfas, ou nem pra sua própria família você teve coragem de se assumir?
Uma par de lágrimas escorreram pelas suas bochechas rosadas, enquanto seu nariz lentamente adquiria um tom mais avermelhado e anunciava o início de um choro
–O que te faz pensar que eles não estariam do seu lado? Me fala... –Plantei aquela dúvida na cabeça dele –Eles são uma família incrível, mas não ao ponto de te aceitar fora das suas expectativas?
–P-Para com isso... E-Eles não...
–Você realmente pode chamá-los de perfeitos, se nem ao menos conseguem passar por cima do preconceito de merda deles pelo seu proprio bem?
–D-Draco... Por favor...
–O que foi, Harry? –Deixei que ele apoiasse seu rosto em uma das minhas mãos –Foi um comentário que fizeram no jantar? Foi uma piada de mau gosto que te magoou em segredo? Ou foram algumas pequenas atitudes que deram a entender que gostar de outros alfas não era o que eles queriam para o seu futuro?
Ele não conseguiu me responder...
Suas mãos apenas seguraram a minha em sua bochecha com apreço, como se tirá-la de lá fosse o bastante para desencadear uma crise de choro
Aquela pequena atitude, para mim, foi como um "sim" silencioso, e ao mesmo tempo um pedido por conforto... Aquele simples gesto foi como um desabafo, um choro baixinho e praticamente inaudível, que ele estava se permitindo externar pela primeira vez em sua vida
O moreno permaneceu em silêncio, apenas chorando baixinho com as sobrancelhas unidas e os lábios trêmulos em impotência. Suas bochechas vermelhas foram molhadas pelas lágrimas, que desciam sem parar. Não importando o quanto suas trêmulas mãos tentassem pará-las. E seus lábios, que se abriam hora ou outra ao deixar escapar alguns choramingos, apenas tentavam segurá-los ao máximo que podiam
Queria beijar seu rosto e abraçá-lo até que a tristeza fosse embora, mas eu precisava fazê-lo entender de uma vez por todas que ele tinha a chance de caminhar com suas próprias pernas
Depois de ouvir sua história, eu precisava abrir seus olhos e mostrar que o problema não era ele. Precisava mostrar que ele podia ser tudo aquilo que quisesse ser, sem ter medo do julgamento alheio
Meu lobinho não merece passar por tudo isso...
E eu vou fazê-lo perceber que não deve se reprimir para obter a aprovação de ninguém
–Pense em tudo o que eu te falei com carinho, pode ser? –Passei os polegares pelo canto dos seus olhos para enxugar as lágrimas
Mesmo que todos se afastem, mesmo que ninguém te aceite como você é, e mesmo que todos os que te amam passem a odiá-lo. Eu continuarei sendo um ombro para você chorar, e um abraço apertado para cessar suas lágrimas
Então não implore para que nenhum deles fique... Ao invés disso, me coloque no lugar que deixaram vazio
–Vou fazer algo para o café da manhã... Tudo bem?
Esperei uma resposta por alguns segundos, mas, vendo que o moreno parecia pensar em silencio. Ainda um tanto magoado pelas minhas palavras grosseiras. Peguei meu celular da mesa de cabeceira e saí do quarto sem dizer mais nada, buscando deixá-lo um pouco sozinho para pensar sem empecilhos
Pelo relógio que brilhou na tela, pude ver que ainda nem passavam das seis horas... Tínhamos tempo de sobra
Bom, levando em conta que nós não voltamos do terraço tão tarde assim, creio que tivemos uma boa noite de sono
–Eu deveria fazer algo para ele comer –Falei sozinho enquanto me dirigia até os armários da cozinha à procura de algo que fosse comestível
Eu precisava fazer compras...
Não tenho o costume de comer nada pela manhã, então não havia muita coisa para se fazer no café. Era um hábito meu que realmente nunca me atrapalhou ou interferiu na minha saúde, então nunca dei muita importância a ele... Mas talvez estivesse na hora de mudar isso
–Talvez ele goste de torradas com geleia –Peguei o que tinha pelo armário e coloquei em cima da mesa
Duas fatias de pão foram parar na torradeira, enquanto eu voltava até os armários em busca de um prato, um caneca e um par de talheres. Coloquei uma porção de geleia em um canto do prato, enquanto as torradas ficavam prontas, e enchi a caneca com leite, colocando algumas colheres de achocolatado exatamente como o moreno gostava
Com as torradas feitas, montei um prato bem bonito. E enquanto eu colocava o leite no microondas para ficar bem quente, me dirigi até o banheiro para escovar os dentes antes que ficasse pronto, já que não planejava comer nada no café da manhã, de qualquer forma
Levar o café da manhã para ele na cama já havia se tornado um hábito que acabei desenvolvendo nesses poucos dias em que ele ficou na minha casa. As manhãs eram um pouco mais corridas e trabalhosas, já que eu tinha um ser humano a mais para cuidar, mas acabou sendo um pouco reconfortante acordar na companhia de alguém todos os dias
Valia a pena todo o esforço...
E, bom... Ele não estava em condições de ir até a cozinha por si mesmo, de qualquer forma
–Talvez eu tenha sido um pouco duro demais com ele... –Suspirei exausto
Ver o rostinho triste e banhado por lágrimas do meu lobinho era o bastante para me preencher com um arrependimento sem tamanho... Não gostava de vê-lo entristecido. Não mais. E agora que eu havia sido a causa de tudo isso, pela primeira vez na minha vida, me senti um monstro por ter sido tão rude
Tentei me convencer de que era para o bem dele, mas talvez não valesse a pena forçá-lo a superar isso... Talvez minha função fosse apenas assistir tudo calado e enchê-lo de beijos quando viesse chorando em busca de conforto
Talvez eu devesse ter ficado quieto...
–Tudo bem... Não é hora de lamentar o que já aconteceu –Dei tapinhas no meu rosto para acordar pra vida –Vamos apenas levar isso pra ele e agir como um parceiro amoroso para animá-lo um pouquinho
Decidido a mudar o humor cabisbaixo do moreno, peguei o prato junto à caneca e levei tudo com muito cuidado até o quarto em que ele estava, abrindo a porta com dificuldade e entrando no quarto em busca de qualquer superfície que pudesse acomodar tudo o que eu segurava
Olhei para os lençóis revirados na minha cama e pude ver, no meio deles, apenas um monte de fios escuros espalhados pelo travesseiro, que saiam para fora de um corpo coberto até o pescoço, encolhido bem no meio da cama como um pacotinho embrulhado por um papel de presente
Sorri ao presenciar aquela cena e deixei o prato e a caneca na mesa de cabeceira ao lado dele, me apressando em dar a volta na cama para sentar em sua frente
Seus olhos e nariz estavam vermelhos pelo choro e meu travesseiro estava um pouco molhado onde seu rosto repousava, embora eu não tivesse visto mais nenhuma lágrima escorrendo. Sua expressão não era muito boa. Havia um biquinho chateado em seus lábios, e ele abraçava o outro travesseiro da cama com muita força, enquanto suas sobrancelhas escuras estavam franzidas para cima, caracterizando uma expressão chorosa que me deixou com um enorme peso na consciência
Eu apenas disse tudo aquilo no calor do momento. Estava com raiva pela nossa relação ter sido estragada antes mesmo de começar e acabei descontando nele uma mágoa que não merecia
Ah... Se eu pudesse voltar no tempo
–Bebê... –Sussurrei tranquilamente, levando os dedos até seus cabelos revoltosos e lhes fazendo um carinho reconfortante
O moreno apenas fechou os olhos e apertou ainda mais o travesseiro que tinha entre os braços
–Amor? –Beijei aquele emaranhado de fios negros
–Não foi você que falou para sermos apenas amantes, e não passar disso? –Ele apertou os olhos ainda mais, parecendo magoado
–Oh, lobinho... Me desculpe –Me deitei em frente a ele com a bochecha em minha mão e o cotovelo apoiado sobre o travesseiro
Ainda na mesma posição, comecei a alisar seus cabelos com carinho, lhe fazendo um cafuné tranquilizante, buscando acalmá-lo apenas o suficiente para abrir seu apetite
–Vem cá... –Chamei ele para se aconchegar entre meus braços
O moreno não disse nada durante todo o processo, em que jogou o travesseiro no pé da cama e passou o braço pela minha cintura, afundando o rosto em meu peito e fungando algumas vezes pelo nariz entupido
–Isso, bebê... Isso mesmo –Apertei ele contra mim com toda a força em um abraço aconchegante –Não queria ter descontado minha raiva em você daquele jeito... Me perdoa
Ele apenas balançou a cabeça para os lados, esfregando o rosto em minha pele exposta em consequência
–Vamos... Eu vou me sentir mal se você não me perdoar –Beijei seu cabelo
Ele simplesmente negou com a cabeça mais uma vez
–Você não vai me perdoar? –Fingi que que estava prestes iniciar um choro
Desta vez não obtive qualquer reação por parte dele
–Você não vai me perdoar mesmo? –Me curvei em sua direção para me aproximar de seu ouvido –Nem se eu disser que trouxe pra você um prato com aquela geleia cara que eu não deixei você comer ontem de manhã?
Senti ele se mexer inquieto entre meus braços, e aí eu notei seu ponto fraco... A comida
–Sabe aquela geleia francesa deliciosa? Aquela que você estava babando em cima e- Aí, porra!
Fui surpreendido quando o moreno levantou a cabeça em um reflexo. Golpeando meu nariz com a testa usando toda a força que tinha. E me olhou com aquelas orbes esverdeadas brilhando em uma gula excessiva, porém um tanto receosa
Levei a mão até o rosto com um resmungo dolorido e massageei o local, pronunciando alguns palavrões bem baixinho. Sentia que meu nariz poderia ter quebrado se estivesse ao menos um milímetro mais próximo, mas, ao vizualizar os resultados de minhas provocações, senti que algumas simples dores no nariz não me fariam tão mal assim
–Onde está? –O moreno sorriu esfomeado, com um fio de saliva escorrendo pelo canto dos lábios
–Perto do abajur –Apontei para a mesa de cabeceira atrás dele
Não foi necessário um único segundo para que o moreno me empurrasse para longe. Agarrando aquele prato como se fosse uma maleta recheada com um milhão de dólares. E passasse a geleia nas duas torradas, que. Literalmente. Em um piscar de olhos, preencheram suas bochechas em uma cena adorável, capaz de fazer todo o trabalho que tive para trazê-las valer a pena
Vi um sorriso gigantesco surgir em seu rosto ao saborear a primeira mordida, e me senti orgulhoso de mim mesmo por ter tido a ideia de entupí-lo com essa geleia cara
Pra ser sincero, eu só não o deixei comê-la antes para perturbá-lo um pouquinho... A verdade é que, se dependesse de mim, esse pote inteiro estragaria dentro do meu armário sem sequer ter sido tocado
Não me importa se é boa ou não, eu não costumo comer esse tipo de coisa. Apenas me lembro de ter recebido ela de alguma ômega da faculdade que havia ido para a França nas férias e me trouxe de presente, quase como se esperasse algo em troca. Até pensei em dividí-la com meus amigos, mas agora isso já não era mais uma opção... A geleia é minha, e se eu quiser dar ela ao meu lobinho, apenas posso lamentar por Pansy, Blaise e Theo
Eles que viajem até a França e comprem a deles
–É boa? –Alisei seu cabelo enquanto o via terminar o último pedaço –Eu ainda não tive a chance de experimentar
–É sim! –O moreno sorriu radiante, sem mais qualquer traço da chateação aparente há pouco tempo atrás
Sim, essa foi a escolha certa... Era mil vezes melhor ver o sorrisinho nos lábios do meu bebê do que compartilhar a geleia com meus três amigos exigentes, que com certeza achariam o que reclamar sobre seu sabor ácido demais, ou demasiadamente homogêneo
–Fico feliz que tenha gostado –Beijei o canto dos seus lábios para provar da geleia saborosa, e me surpreendi pela explosão de frutas adocicadas que consumiu meu paladar
Se fosse assim... Acho que eu poderia começar gostar de geleia no futuro
–É delicioso... –Afirmei de forma ambígua, passando a língua pelos lábios em malícia
Antes que o moreno se rendesse à vergonha eminente, me inclinei por cima dele para pegar a caneca em cima da mesa e coloquei em suas mãos, sentindo que o leite ainda estava morno dentro dela. Seus olhos verdes encararam o conteúdo em curiosidade, com um sorriso bobo se formando em seus lábios, e me fitaram em seguida como se esperassem por uma explicação
–O que é isso? –Ele riu divertido
–Leite quente com Nescau
Não entendi muito bem o motivo daquela risada
–Eu não sou mais uma criança –Sua risada se intensificou
–É, você definitivamente não come feito uma –Me referia ao buraco negro que ele tinha no lugar do estômago
–B-Bem... Falando em comer...
Um sorrisinho maroto surgiu em seus lábios avermelhados, e eu não precisei pensar muito para adivinhar o que ele me pediria em seguida
–Quantas você quer mais? –Revirei os olhos com uma risada divertida
–T-Três! –Deus olhinhos brilharam em excitação
–Três?! –Arregalei os olhos em puro choque –Pra onde vai tudo isso?!
–E-Eu quero três, por favor... –Ele repetiu sem graça, buscando me impedir de continuar com meus comentários indiscretos
Aquela atitude foi tão fofa, que eu não pude resistir à vontade de beijar aqueles lábios rosadinhos ao menos três vezes, para que pudesse me sentir satisfeito por enquanto
Alternei os olhos entre seus lábios adocicados e suas íris esverdeadas, serenas, que. Para a minha felicidade. Já não continham mais a tristeza e a mágoa que até pouco tempo as assolava
Assim era melhor...
–Me perdoe por ter sido tão duro com você –Senti que precisava me desculpar com ele por todas as lágrimas que o fiz derramar
–Não, Draco... –Ele negou com a cabeça fortemente, parecendo um tanto frustrado –Tudo o que você disse estava certo...
–Mesmo assim... Eu deveria ter ficado quieto –Puxei ele pela nuca para colar minha testa na dele –Isso não é da minha conta, de qualquer forma
–Não –Senti seus braços envolta da minha cintura, antes que o moreno se agarrasse a mim com toda a força –Eu realmente precisava de alguém que me dissesse isso
Ele fungou algumas vezes, afundando o rosto no meu peito como antes, se desestabilizando outra vez
–E-Eu tenho medo de decepcionar a todos, Draco... N-Não quero que eles de afastem de mim –Pela sua voz, eu podia dizer que ele estava prestes a chorar
–Oh, amor... É só uma questão de tempo até que eles entendam o quanto erraram com você –Beijei sua testa em um gesto carinhoso –Gostar de ômegas ou gostar de alfas... Realmente faz tanta diferença?
–S-Sim... Faz sim...
–Mas não deveria... Pelo menos não para as pessoas que te amam de verdade
–M-Mas é estranho... Eu sou estranho por não ser como os outros –O moreno me apertou ainda mais forte contra si –O-O que eu devo fazer... O que eu devo fazer pra as pessoas gostarem de mim?!
Deixei que ele chorasse um pouco no meu peito. Sem me importar se sua lágrimas estavam molhando a minha pele ou não. E com um pouco de carinho, senti que ele estava se acalmando aos poucos, me dando a chance de falar algo para ajudar
–Você não precisa fazer nada, bebê... Todos te amam sem que você precise fazer esforço algum –Sussurrei tranquilamente em seu ouvido –Não corra atrás do amor daqueles que procuram um motivo tão tolo para se afastar de você
–M-Mas... M-Mas-
–Se alguém não quiser mais você por perto só porque seus gostos não são como todos esperam que seja, deixe-os ir... Se esse bando de idiotas quiserem se afastar por uma bobagem como essa, apenas significa que você não precisava dessas pessoas na sua vida
Queria ser capaz de fazê-lo enxergar com os meus olhos... Dessa forma eu poderia lhe mostrar como eu o via de longe, rodeado por pessoas com as mais diversas intenções, e poderia lhe dizer com mais confiança que bastava filtrá-las com cuidado para encontrar as que realmente o desejavam com sinceridade
–Olhe pra mim, bebê... –Ergui seu queixo, sentindo que precisava olhar nos olhos dele durante as seguintes palavras –Você não nasceu para ser o capacho de ninguém... Você é um líder nato, Harry. Alguém que nasceu para ser seguido e invejado... Apenas deixe que todos se aproximem para tirar uma casquinha dessa luz que você emite com tanta naturalidade, e conseguirá ver que, quando estiver rodeado de amigos que te amam, a boca que você resolver beijar não vai ser mais tão importante assim
O moreno fitou meu rosto, desacreditado. Seus olhos passando por cada centímetro do meu rosto, como se não conseguisse acreditar que estava escutando tais palavras serem pronunciadas pela mesma boca que lhe rendeu tantos xingamentos durante toda a sua vida
–D-Draco, isso foi... Muito doce de sua parte
Pela sua cara, parecia que eu havia lhe contado a maior mentira do século... Mas era a mais pura verdade
Existem tantas pessoas desesperadas para arrancar um pedaço do famoso Harry Potter, que todos aqueles que resolverem maltratá-lo por gostar de alfas não farão a menor falta
Que vão embora, e não voltem nunca mais... Família, amigos, fãs, ou qualquer outro. Todos podem ser substituídos com o tempo
Seja quem for, se resolver deixá-lo por algo tão bobo quanto gostar de alfas, é porque não passava mesmo de alguém inútil e descartável
–A decepção é sempre culpa daquele que se decepciona, entende? –Tirei a franja de sua testa com carinho
–O que quer dizer? –Uma expressão um tanto fofa surgiu em seu rosto confuso
–Os seres humanos não são perfeitos... E se nós não conhecemos nem a nós mesmos, como podemos conhecer os outros? –Expliquei com tranquilidade –Não há ninguém que verdadeiramente conhecemos, e você colocaria sua mão no fogo por alguém desconhecido?
–Eu acho que não...
–Exatamente... É assim que são as expectativas das pessoas –Criei uma boa analogia para que ele pudesse compreender sem muito esforço –As expectativas não passam de ilusões que colocamos em pessoas que não conhecemos por completo. E se nossas expectativas são frustradas, não quer dizer que aquela pessoa falhou, mas sim que fomos arrogantes o bastante para pensar que conhecíamos alguém o suficiente
Sim... A frustração é dolorosa, mas as vezes é a única forma de abrir os olhos de uma pessoa
–Mesmo que sua família se decepcione com você por gostar de alfas. Ou pior, se decepcionem com você por estar comigo. Não quer dizer que você falhou com eles –Deixei um beijo no topo de seus cabelos –Não é sua obrigação alcançar as expectativas deles, mas sim deles adequarem suas expectativas à pessoa que você é
–M-Mas então... O que eu devo fazer? –Seus olhos esverdeados me encararam em expectativa
Era até fofo vê-lo me escutar com tanta determinação
Ele realmente acha que aquela família de ruivos perderia o garoto de ouro que caiu em suas vidas como um presente dos céus com tanta facilidade?
Se fosse eles, faria de tudo para não afastá-lo. Afinal, qualquer um consegue imaginar o tipo de pessoa que ele se tornará no futuro
Esse alfa está destinado a ser alguém grande... Alguém que não pode ser ignorado
Cortar os laços com ele pelo simples fato de gostar de alfas seria pior pra eles do que me engolirem calados nos jantares de família
Só um louco seria capaz de afastar esse "garoto de ouro"
–Você não precisa fazer nada agora... Eu não estou dizendo essas coisas para te forçar a assumir para todos que gosta de alfas, nem nada do tipo –Senti que precisava esclarecer ao menos isso –Apenas quero que você entenda seu lugar no mundo... Quero te fazer enxergar que sempre haverão pessoas ao seu lado, independente de quantas se forem
Não era eu quem deveria estar falando essas coisas... Aquele bando de ruivos, aquela sabe tudo, ou até mesmo aquele garoto tímido e atrapalhado que as vezes fica na cola deles durante o intervalo... Qualquer um deles poderia ter dito isso antes de mim
Eles já deveriam ter curado essas inseguranças há muito tempo... Então por que o meu lobinho ainda estava tão quebrado, ao ponto de esconder as coisas deles por medo da rejeição?
Ele só havia tido coragem de contar aos dois melhores amigos que gostava de alfas após anos de desespero e sofrimento. Que tipo de melhores amigos eles são, para não perceberem quando o outro está sofrendo?
–Estão cuidando muito mal de você –Resmunguei mais para mim mesmo –Se as coisas continuarem assim, terei que te roubar deles
–O quê? –Perguntou em confusão, não parecendo ter me escutado em absoluto
–Eu disse que mudei de ideia –Menti descaradamente, aproveitando a oportunidade para mudar de assunto –Sobre permanecer apenas como amantes
–O que quer dizer com isso? –Vi suas bochechas ficarem lindamente avermelhadas
–Você quer recomeçar, Harry? –Sugeri com um sorriso radiante –Recomeçar de verdade... Do momento onde tudo começou a dar errado
–Mas esse seria o começo –Ele riu alto em divertimento
–Sim... Você aceita recomeçar comigo? –Aproximei nossos rostos, sem que a seriedade desse descanso em minha fala
Queria que ele soubesse o quanto aquilo me importava... Queria que percebesse que eu não estava brincando quando me dispus a esquecer tudo o que passamos e fingir havíamos voltado alguns anos no passado
Queria fingir que as brigas nunca aconteceram e, finalmente, ter a chance de me aproximar dele
Chamá-lo de meu... Ao menos uma vez em toda a minha vida
–Meu nome é Harry Potter... Mas você pode me chamar só de Harry –Recebi como resposta um sorriso gigantesco
Ele havia entrado no personagem sem ao menos precisar me perguntar algo, e isso havia me rendido certo divertimento
–Olá, Harry... –Abri um sorriso, talvez um pouco mais safado, enquanto me colocava por cima dele na cama e entrelaçava nossos dedos uns nos outros –Você é lindo, sabia?
Levei sua mão até meus lábios e beijei a pele quente das costas dela com um sorriso de lado, conseguindo deixar o moreno sem palavras
–Meu nome é Draco Malfoy... –Tirei a franja que cobria sua testa e a coloquei atrás de sua orelha em um flerte –Gostaria de ter um amigo tão bonito quanto você?
–Gostaria sim... –O moreno riu baixinho pela brincadeira e, com um sorriso ainda mais travesso, olhou para os lados à procura de algo –Quando ele vai chegar?
Sua risada se intensificou ao me ver resmungar um xingamento baixinho, com o cenho franzido pela sua brincadeira. Meu menino era levado, isso não era nenhuma novidade. E por isso não foi preciso muito tempo para que minha cara amarrada se desmanchasse em alegria pelas suas risadas, e involuntariamente o acompanhasse na sessão de risos
Surpreendentemente, estávamos protagonizando uma cena que nunca pensei participar em toda a minha vida... Estávamos rindo juntos
Não rindo um do outro... Mas rindo juntos
Felizes um com o outro
E, finalmente, em paz
–Parece que agora temos uma amizade colorida... –Abri um sorriso em malícia
–É... Parece mesmo
Com uma breve troca de olhares, e nossas posições se ajeitando na cama, não demorou para que eu me encaixasse melhor entre suas pernas, com meu pescoço sendo abraçado pelo moreno, e fizesse o mesmo com seus ombros, estreitando a distância entre nós dois em pouco tempo
Bastaram míseros dois segundos para que nossos lábios se juntassem com urgência e desespero. Cedendo passagem para as línguas um do outro de forma quase automática. E partilhassem de um beijo intenso com um sabor harmonioso de geleia, achocolatado e pasta de dente, que naquele momento, parecia delicioso
Estava viciado... Viciado em puxar aqueles cabelos desordenados. Viciado em arranhar aquela pele exposta, próxima ao final dos fios. Viciado em apertar aquelas pernas inquietas e me encaixar entre elas com perfeição. Viciado na textura daqueles lábios tentadores. Viciado agarrá-lo pelas costas e colar seu corpo ao meu. E viciado, por inteiro, naquele alfa tentador
O mesmo alfa que eu jurei odiar... O mesmo alfa que eu queria humilhar... O mesmo alfa que eu tanto desejei ver arruinado
Esse mesmo alfa agora era meu vício... E eu não sabia o que fazer para me curar
Não sei mais o que vai ser de mim quando você se cansar dessa brincadeira... Não tenho mais a confiança de deixá-lo ir
Estou perdido... Cavei minha própria cova quando me permiti ser controlado livremente. E agora não sei mais como é viver em liberdade
Já estou tão acostumado com as manipulações, travessuras e brincadeiras, que não sei mais como vou suprir essa falta
Quando isso acabar, não sei mais como preencher a lacuna que ficará... O espaço vazio que eu sequer havia notado que existia dentro de mim antes de te conhecer
–Você me fez enxergar uma parte de mim que eu sequer imaginava que existia... –Confessei em seu ouvido, após interromper o beijo com selinhos
–Acredite em mim. Você iria descobrir uma hora ou outra... Esse tipo de coisa é algo que já nasce dentro de nós –O moreno segurou meu rosto para olhar em meus olhos –Não é tão fácil encontrar alguém disposto a bater... Se é que me entende
Não dei muita atenção à malícia contida em sua última fala, e apenas continuei a observar cada traço do seu rosto, sentindo que precisava guardar seus detalhes com carinho para ser capaz de esculpí-los ao fechar os olhos
Queria ser capaz de me lembrar do seu rosto, melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Com uma riqueza de detalhes capaz de ser comparada à própria realidade
–Chega a ser um pouco irônico... –Tirei as mechas negras que caíam sobre seu rosto para conseguir apreciá-lo com mais facilidade –Alfas são mais resistentes e se curam bem mais rápido, mas então... Por que eu sinto que preciso cuidar de você, mais do que eu já cuidei de qualquer ômega?
–E-Eu... –Seu rosto foi tomado pela surpresa, enquanto suas bochechas avermelhadas apareciam em meio à fala confusa e mal formulada que escapou –E-Eu não sei...
Ele era fofo quando ficava envergonhado... E isso me fazia pensar que tais momentos eram infinitamente mais valiosos do que simples cinco minutos de fama, pelos quais eu faria de tudo para conseguir há algumas semanas atrás
Enquanto eu tiver você... Acho que não preciso da popularidade estúpida que eu tanto desejava no passado
Como pude ser tão cego, ao ponto de não enxergar uma jóia tão preciosa?
Eu posso ficar com isso... Não posso?
Se eu te pedisse... Você ficaria comigo?
–No que você está pensando para ter uma expressão tão concentrada no rosto? –O moreno me tirou da inércia em um susto
–Eu... –Olhei para ele, me sentindo ainda um pouco atordoado pelo choque –Honestamente... Eu apenas pensava em um monte de besteiras
–Gostaria de compartilhar essas besteiras com seu novo amigo? –Ele sorriu divertido
Retribuí deixando um beijo em sua testa, e resolvi mudar de assunto. Sentindo que seria vergonhoso demais compartilhar meus pensamentos com o moreno
–Acho melhor eu ir fazer suas torradas agora –Deixei um selinho naqueles lábios risonhos
–Qual é! Você não vai mesmo me contar?!
–Exatamente –Deixei um beijo em sua testa, enquanto me levantava da cama aos risos
–Draco... –Ouvi um choramingo
–Ora, por que você está tão triste? –Cruzei os braços em divertimento –Se me lembro bem, você também não me contou quem foi o alfa que roubou seu coração no ensino médio... Por que eu sou o único que precisa revelar os segredos nessa amizade?
–Chato! –Um biquinho emburrado tomou seu rosto, enquanto o moreno cruzava os braços em chateação –Só por causa disso, eu quero quatro torradas!
Seu comentário me arrancou uma risada, tão involuntária, que sequer poderia ser confundida com uma falsa
–Tudo bem... Trarei quatro torradas pra você, esfomeado
Sem obter qualquer resposta, apenas me deixei guiar até a porta. Sem que um sorriso bobo fosse capaz de deixar meus lábios
Era uma infantilidade um pouco doce... Eu realmente gostava de vê-lo agir de maneira mais fofa quando estava comigo
Principalmente sabendo que ele nunca agiria assim com seus amigos
Era fofa a forma como ele pedia por atenção, enquanto se deixava parecer frágil na minha frente de forma quase automática
Talvez fosse isso o que ele gostava nos alfas... O sentimento de não precisar parecer forte o tempo inteiro
–Já volto com a sua comida, dragãozinho –Brinquei antes de fechar completamente a porta do quarto, não dando a chance do moreno revidar com alguma ofensa ou piada improvisada
Não pude deixar de rir sozinho por ter dado a última palavra, relembrando a face indignada que se formou no rosto dele segundos antes da porta ser fechada por completo
Aquela expressão deixou meu peito um pouco mais aquecido
–Ah, bebê... O que eu devo fazer se acabar me apaixonando pela sua fofura? –Murmurei comigo mesmo, com um sorriso divertido em meus lábios
O que veio a seguir não foi nenhuma novidade, apenas precisei repetir o processo anterior e fazer outras quatro torradas para o leão esfomeado que descansava em minha cama. Não era algo trabalhoso de se fazer, e não foi nenhum grande sacrifício preparar tudo com um sorriso no rosto
Com a comida pronta, resolvi pegar meu celular e, pela primeira vez em muito tempo, publicar uma postagem no fórum da faculdade com uma foto da comida e uma legenda divertida
"Trabalhar para sustentar o filhote de dragão que estou criando"
Não demoraria para surgirem alguns rumores sobre essa publicação... Mas quer saber?
Acho que eu não ligo mais pra isso
Se querem me amar, ok, se querem me odiar, foda-se... Eu tenho meu lobinho fofo e adorável ao meu lado. Não preciso da falsidade desses interesseiros que decidem suas amizades por conveniência
Não preciso dessa popularidade estúpida, e não preciso da admiração desse bando de idiotas arrogantes
Foda-se essa ridícula fama... A partir de hoje, eu vou proteger o que é meu de todos aqueles que tentem tirá-lo de mim
E se ele ainda não é completamente meu... Vou roubá-lo
Sem o menor remorso...
(...)
Harry On
Havia sido um dia longo
A universidade estava mais agitada que o normal, aparentemente devido à uma postagem do loiro que daria a entender que ele estava "namorando"
Confesso ter demorado um pouco para abrí-la, um pouco tenso com a ideia de que, dependendo de seu conteúdo, o post poderia abrir espaço para que alguns intrometidos investigassem a história e, consequentemente, chegassem até mim. Mas, para o meu alívio, era apenas uma foto da comida que o loiro me trouxe pela manhã acompanhando uma legenda bonitinha
E o "dragão" que ele estava criando, seria supostamente uma nova namorada ou namorado
Bem... Ao menos era isso o que circulava na boca dos estudantes
"Draco Malfoy está namorando pela primeira vez após o término com Astória"
"O segundo príncipe da universidade está de namorada nova"
"Atenção meninos e meninas. Ômegas de todas as idades... Parece que perdemos nossa chance"
Esses eram alguns dos comentários relacionados à postagem publicada
Bom, eu não os culpo por pensarem que aquela publicação era um anúncio de namoro. Mas a verdade é que não passou de um capricho, e possivelmente um desejo daquele loiro bobo de chamar um pouco de atenção
Não me incomodo que ele minta para todos sobre estar solteiro ou não, contanto que isso não abra nenhuma brecha para uma possível ligação entre nós dois. Afinal, sempre existem aqueles fofoqueiros empenhados, que, ao se deparar com uma história mal contada, fazem de tudo para descobrir mais alguns detalhes
Eu só espero que isso não se torne um problema no futuro
–Harry, você pode me dar um gole do seu suco de laranja? –Uma voz doce e suave sussurrou ao meu lado na mesa do refeitório
Guiei meus olhos até seu dono e encontrei um ômega baixinho de cabelos castanhos e olhos da mesma cor, sorrindo para mim em uma súplica, enquanto suas íris amendoadas encaravam o copo fechado com evidente desejo
Seu cheiro cítrico, com um toque de mel, era realmente inconfundível
A ômega loira que também comia conosco sorriu ao ver a interação entre dois de seus poucos amigos. Seus olhos prateados rara vez se entristeciam por sua dificuldade em se enturmar e essa força que eu via nela era maravilhosa
–Claro, Nev... Pode tomar –Arrastei o copo pela mesa até a frente do pequeno ômega
–Obrigado! –Me respondeu em completa animação
Sorri minimamente pela sua fofura e, naquele momento, agradeci aos céus por ter escolhido almoçar com Neville e Luna ao invés de Hermione e Rony
Nev não fazia a menor ideia da minha relação com Draco, mas talvez isso fosse o que o tornasse a melhor companhia. Luna já conhecia muito da minha história com o loiro e, embora os detalhes não fossem de seu total conhecimento, eu tinha certeza de que ela seria a última pessoa no mundo que condenaria minha decisão de estar com ele
Alguém que não me julga, não me repreende por voltar pra casa tarde. Ou não voltar, algumas vezes. E alguém que apenas sorri docemente enquanto conversamos sobre banalidades
Era exatamente o que eu estava precisando e esses dois me davam isso
–Harry... Por que nossos amigos estão sentados naquela mesa tão distante? –O baixinho cutucou meu braço, antes de apontar com um indicador para mesa onde Rony e Hermione almoçavam, portando um par de carrancas mal-humoradas
–Harry acabou se desentendendo com eles, Nev... Estão brigados –Luna me ajudou a esclarecer aquilo
–Mas vocês sempre fazem as pazes quando brigam... –Ele voltou sua atenção para mim
–Dessa vez as coisas são um pouco mais complicadas... –Suspirei em exaustão
Meus dois amigos. A ômega e o beta. Me olharam em coincidência, nos permitindo compartilhar olhares por alguns segundos, mas logo voltaram sua atenção para a comida, me arrancando um outro suspiro exaustivo
Desisti de me comunicar com eles por telepatia e resolvi passar os olhos pelo refeitório em busca de uma cabeleira loira, sedosa e bem arrumada, que eu já estava acostumado a pentear usando os dedos
Felizmente, não demorou muito para voltar meus olhos na direção do loiro, que por coincidência, já estava me olhando. Ele estava com os amigos, comendo com um alfa negro de estatura absurdamente acima da média, uma alfa apenas um pouco mais baixa que o loiro, que possuía cabelos pretos pouco abaixo das orelhas, e um outro alfa que deveria ter a minha altura, portador de cabelos castanhos e olhos azuis cor de safira
Draco Malfoy, Blaise Zabini, Pansy Parkinson e Theodore Nott... O quarteto de alfas mais famoso da universidade
Não é raro encontrá-los todos juntos, e para alguém com as mesmas preferências que eu, esses quatro são realmente um colírio para os olhos
Confesso ter me encontrado encarando aquele grupo tão chamativo algumas vezes durante o ensino médio, mas nunca pensei seriamente em investir neles
Se bem que, após algumas latas de cerveja, qualquer um que der mole é lucro
–H-Harry... H-Harry, eles estão olhando pra cá! –Senti um par de mãos agarrarem meu braço direito com toda a força que tinham, buscando chamar minha atenção
Ao voltar para a realidade com aquele contato, pude ver os alfas que protagonizavam meus pensamentos me encarando, todos juntos, de forma nem um pouco discreta. Os quatro tinham os mesmos olhos curiosos voltados em minha direção, como se me avaliassem. Ou melhor, era exatamente o que eles estavam fazendo
Apenas sorri para eles, erguendo uma das mãos e acenando discretamente na direção em que estavam. Tomando cuidado para não acabar chamado a atenção de todos no refeitório
Bom, ninguém em sã consciência acharia normal ver dois alfas que brigavam como gato e rato acenando um para o outro em plena luz do dia, bem no meio do refeitório
–P-Por que você está acenando pra eles?! –Neville me agarrou mais forte
Ah, sim... Ele tem um pouco de medo desses quatro
–Só estou provocando um pouco –Inventei qualquer desculpa
Bem, não seria difícil convencer qualquer um que presenciasse essa cena de que eu realmente estava apenas provocando o grupo rival. Afinal, essa era a versão menos absurda de toda a história
–N-Não provoque eles estando brigado com o Rony e a Mione –O ômega me repreendeu –C-Como você vai enfrentar todos eles sozinho?!
–Não se preocupe, Nev... Não vou me meter em nenhuma briga –Alisei seu cabelo para tranquilizá-lo, enquanto o ômega esboçava um biquinho descontente. Parecendo não acreditar nas minhas palavras em absoluto
–Confie um pouco mais nele, Nev –Luna, que sentava do meu outro lado, se inclinou por cima de mim para tocar o braço do outro ômega aflito. Ela já sabia o porquê daquele aceno –Harry não faria algo tão inconsequente
–Exatamente –Alisei os cabelos da loira também, vendo o ômega de cabelos castanhos relaxar um pouco mais
Por algum motivo, ao voltar minha atenção para o grupo de alfas novamente, fui capaz de ver o loiro praticamente me fuzilando com os olhos. O alfa negro parecia rir de algo, enquanto a única mulher do grupo acenava para mim de volta com um sorriso bem aparente. Já o alfa mais quieto parecia determinado a manter seus olhos azuis em um livro que havia pego nesses poucos segundos em que tirei meus olhos deles
Não entendi o porquê da raiva tão explícita presente nos olhares que o loiro lançava em minha direção, mas era claro que faltava muito pouco até que seu limite estourasse e eu ganhasse um belo soco na cara bem no meio de todas as pessoas agrupadas no refeitório
O motivo eu não sei, mas de uma coisa eu tenho certeza... Acabei fazendo algo que não o agradou, e isso é praticamente um sinônimo de punição
Sim... Minhas amadas punições
Ah, Draco... Se eu soubesse o que fiz para deixá-lo tão alterado, teria feito dez vezes pior
As faltas estão sendo acumuladas... E eu precisarei pagar todas elas nesse sábado
Oh, Céus... Eu não faltaria esse dia nem que Deus me implorasse pessoalmente
Esse loiro vai me foder... Ô se vai
Nem que eu precise jogar sua paciência à força pela janela
–Acho que vou indo para a sala primeiro... Pode ficar com o meu suco –Murmurei para o ômega ao meu lado, sem tirar os olhos do loiro que me olhava em plena fúria
–A-Ah... Tudo bem –Ele aceitou tudo um pouco confuso –Obrigado
–Até mais, Harry –A voz suave da loira me fez lembrar que quase fui embora sem me despedir
–Céus... Até mais, loirinha –Voltei correndo para beijar sua bochecha, antes de continuar meu caminho
Troquei olhares com o alfa ao longe e apontei com a cabeça, indicando a saída do refeitório. Ele parecia ainda mais furioso do que antes, mas não foi preciso muito esforço para que ele notasse minhas intenções e, com um aceno positivo de cabeça, confirmasse que compartilhávamos dos mesmos pensamentos maliciosos
Me levantei da mesa com rapidez, caminhando até as portas de vidro com tranquilidade. Como quem não quer nada. E caminhei pelos corredores vazios com um sorriso no rosto, satisfeito ao imaginar o que viria a seguir
Estaríamos sozinhos nesse imenso corredor vazio, só nos dois... Eu com minha capacidade impressionante de provocação e o loiro com sua paciência já próxima do limite
Era a combinação perfeita...
Ah... O que eu deveria fazer pra irritá-lo desta vez?
–Harry! –Meu nome foi chamado com um grito, proveniente das portas do refeitório por onde eu havia passado há pouco tempo
Olhei para trás em um susto, ao reconhecer aquela voz feminina tão familiar, e uma gota de suor escorreu pela minha testa quando uma ômega de cabelos castanhos desarrumados e um beta ruivo, praticamente da minha altura, começaram a caminhar na minha direção, bem na frente das gigantescas portas de vidro, por onde se podia ver um alfa loiro atravessando o refeitório para chegar até elas com rapidez
Merda...
Eles iriam se encontrar
Merda, merda, merda, merda!
Isso não vai dar em boa coisa... Mas não vai mesmo!
Pensa Harry... Pensa!
–Ei, vocês dois! –Chamei eles, começando a correr de volta em sua direção sem perder mais tempo
Os dois me olharam em confusão, mas não relutaram quando eu os puxei em desespero pelo braço para dentro da primeira sala vazia que fui capaz de encontrar. Fechei a porta após olhar pelo corredor, vendo que o loiro ainda não havia saído do refeitório, e agradeci internamente por ter tido a chance de evitar a próxima guerra mundial
Eu sabia que o loiro não ficaria nada feliz por ter sido chamado até aqui e não me encontrar pelo corredor, mas isso é um problema a se resolver depois. Agora, eu preciso resolver o problema que está bem na minha frente
–Por que nos puxou até aqui, Harry? –Hermione foi a primeira a quebrar o silêncio
–Ah... Eu só pensei que seria melhor termos um pouco de privacidade para conversar –Inventei qualquer desculpa
–Você está certo... Nós precisamos conversar –Rony murmurou em seriedade
Eu não havia visto aquele tipo de expressão no rosto dele muitas vezes, mas as poucas que vi foram em ocasiões tão desagradáveis que sequer tenho gosto de relembrar
Isso definitivamente indicava problema
–Sim... Eu sei que precisamos –Mesmo um pouco relutante, aceitei suas palavras com um suspiro
–Harry... Sobre o Malfoy –A ômega começou com o que parecia ser mais um dos seus famosos sermões, que, honestamente, eu já estava cansado de escutar nos últimos dias –Por que está faltando tanto às aulas por causa dele?
–Eu não estou faltando por causa dele, tá legal?! –Respirei fundo em impaciência –Eu faltei algumas aulas porque estava cansado e com dores... E ele cuidou de mim muito bem durante todo esse tempo, só para que vocês saibam
–É, mas, pra começo de conversa, foi por culpa dele que você ficou cansado e com dores –Rony entrou na conversa
–O que quer dizer com isso?! –Franzi o cenho para o ruivo –Está jogando a culpa nele por algo que eu também queria fazer?! Ele não me obrigou a nada, Rony!
–Não obrigou, mas podia ter tido consciência dos seus limites! –Havia começado mais uma sessão de gritos –Ele sabia que tinhámos aula, e mesmo assim resolveu pegar pesado com você!
–Porque eu pedi! –Gritei com ele já no limite da minha paciência, sentindo que essa era minha última chance de finalmente abrir os olhos daqueles dois –Eu pedi pra ele pegar pesado comigo porque é algo que eu gosto!
–Como pode dizer isso?! –O ruivo me olhou com estranheza. Podia-se ver certo nojo bem lá no fundo –Que tipo de coisas você está insinuando?
–Você não é mais uma criança, Ronald! Não sinto culpa em falar sobre isso com você –Falei mais alto, buscando mostrar que eu não estava disposto a perder aquela discussão –Estamos dormindo juntos, qual é o problema?! O que fazemos entre quatro paredes só diz respeito a nós dois, então pare de me olhar como se eu precisasse de ajuda!
–E-Eu não estou te olhando assim, Harry! Eu só... –Ele hesitou com as palavras –Não consigo me acostumar com vocês dois
–Fala sério... –Ri irônico –O problema é realmente esse? "Se acostumar com nós dois"?
–O quê?! –Parece que eu o havia pego de surpresa –É claro que é! Ele é praticamente nosso inimigo!
–Se eu estivesse com qualquer outro alfa, seria diferente? É isso o que você está me dizendo? –Eu não precisava de uma resposta para aquela pergunta
–E-Eu...
–Não seria –Respondi primeiro, não fazendo questão de ouvir suas explicações –Eu estou dormindo com outro alfa e está mais do que claro quem fica por baixo... É com isso que você não consegue se acostumar, Rony
Os dois pareceram constrangidos pela forma indiscreta que usei para me expressar, mas, no momento, eu não estava medindo muito bem minhas palavras
–Qual é... Vocês vão mesmo continuar com essa briguinha de criança? –Alternei meus olhos para os dois –Nós também já devolvemos o suficiente... Estamos quites
–Nós só nos defendíamos! –O ruivo insistia
–Rony, ele está certo –Pela primeira vez em algum tempo, Hermione havia entrado na conversa –Também já fomos muito cruéis...
Suas palavras pareceram fazer o ruivo cair na real, embora ainda não estivesse disposto a desistir de seus argumentos iniciais
–M-Mesmo assim... Por que precisamos nos dar bem com aquele cara?! –Me irritava vê-lo persistir tanto naquilo
–Quando eu pedi que se tornassem melhores amigos?! –Praticamente rosnei, no ápice da minha paciência –Tudo o que eu quero é que vocês parem de jogar a culpa de tudo o que dá errado entre a gente pra cima de alguém que não tem nada a ver com isso
–M-Mas ele tem! –Hermione parecia estar certa do que dizia –Você pode não perceber, mas algo dentro de você deve estar sendo influenciado por ele... Nós nunca brigamos assim, não pode ser coincidência!
–Quer saber o que realmente está acontecendo, Hermione? Quer saber a real causa das nossas brigas mais recentes? –Não sabia exatamente como havia guardado tudo isso dentro de mim por esses anos todos –Nunca contei a vocês sobre nenhum dos alfas com os quais eu já dormi... O que realmente não pode ser coincidência, é vocês mudarem comigo justamente quando ficam sabendo do primeiro
–Não! O problema foi você ter escolhido justo o Malfoy! –O ruivo gritou comigo
–Esquece essa briga de criança, Rony! –Agarrei a gola de sua camisa após ouvi-lo elevar a voz –Já fazem quase onze anos, que inferno!
–Se eles não esqueceram essa briga, por quê nós deveríamos?! –Ele agarrou minha blusa de volta em resposta
–Ele já esqueceu! –Eu não podia falar por seus amigos, mas pelo loiro, sim, eu podia –É claro que ele não os ama, mas eu também não pedi que vocês o amassem... Sei que Draco não é a pessoa mais amigável que vocês vão conhecer na vida, mas pelo menos ele está disposto a tentar!
–"Draco"? –Hermione percebeu aquele deslize... Se é que eu poderia chamar dessa forma –Você o chama pelo primeiro nome? Desde quando são tão próximos?
–Já fizemos coisas muito piores do que apenas chamar um ao outro pelo nome –Ri em ironia, enquanto soltava as roupas de Rony. Ele fez o mesmo logo em seguida –Por que vocês sempre insistem em focar em coisas insignificantes e ignorar o que realmente importa na conversa?!
Eles não pareceram ter nada para me responder naquele momento
–Não espero que vocês sejam amigos, só quero que parem de tentar acabar com o meu relacionamento... Não vêem o quanto me machuca ter que tomar um partido?! –Senti meu coração apertar apenas por tocar naquele assunto –E daí que estamos juntos?! Nós temos química, só isso... Eu estou cometendo algum pecado por gostar de dormir com ele?!
E, mais uma vez, eu podia ver nos olhos daqueles dois que tudo o que eu dizia não importava em absoluto
–Harry... Você não vê que aquele cara só está usando isso como uma desculpa pra te bater e descontar a raiva que acumulou da gente durante todos esses anos?! –Ele continuou a tentar me convencer –Ele não pegou pesado porque você pediu. Ele pegou pesado porque queria te prejudicar!
–De onde você tirou isso, Rony?! Ficou maluco?! –O encarei incrédulo, não acreditando que uma ideia tão absurda havia brotado na cabeça de alguém que eu tanto amava –Além de usar palavras tão ridículas, o que você fala também não faz o menor sentido... Você realmente acha que é só isso? "Bater"?
–E não é?! –Quase rosnou para mim –Não sou tão cego, Harry! Você sempre chegava em casa com a porra de um hematoma no pescoço, convenientemente, logo depois de vocês dois "se encontrarem"
–Fala sério... Nós vamos mesmo entrar nesse assunto?! Você não sabe de nada, Rony! –Rosnei de volta, vendo o ruivo baixar um pouco a cabeça e acalmar os nervos minimamente –Eu sei que pra vocês parece estranho, mas as coisas não são mais como antes. Nem mesmo esses machucados são como antes... Ele mudou
–Apenas pra você, mano... Aquele idiota continua o mesmo filho da puta que sempre foi, e só você não percebeu isso
–E por quê caralhos eu deveria ligar pra isso?! –Gritei já sem paciência, sem mais forças para continuar tentando convencê-los de qualquer coisa –Pouco me importa se ele é um babaca com o resto do mundo... Ele me trata bem agora, é tão difícil aceitar isso?!
–É claro que é! –O beta agarrou meu pulso por um reflexo –Ele está te usando, Harry... Você é o único que vai sair magoado nessa história
–Você acha que eu não sei disso?! –Meus olhos arderam em uma recaída involuntária, que acabou me pegando desprevenido –Eu sei que ele só está me usando, mas pra mim não importa... Estou bem com isso... Sério
Estou bem em ser usado, de verdade. Estou aproveitando as coisas com Draco tanto quanto ele e isso não me parece tão ruim
Nossa relação mudou. Muito. E as coisas estão indo bem entre nós dois, então não há motivos para acabar com tudo
–Ele pode estar me usando, mas eu também estou usando ele –Segurei aquelas malditas lágrimas nos olhos, me recusando a derramá-las –Os dois saem ganhando. É justo, não?
Eu não preciso me afastar dele... As coisas estão indo bem
Somos amigos agora, após tantos anos de intensas brigas... Finalmente estamos em paz e isso me deixa feliz
Eu não preciso me afastar... Realmente não preciso
–Estamos preocupados com você... –Hermione se pronunciou, ao notar que nossos gritos haviam dado lugar a um clima mais melancólico –Só não queremos que você confie nele e acabe quebrando a cara no futuro
–Eu sei disso, Hermione, eu já pensei em todos os riscos... Já pensei em todos os finais possíveis e inimagináveis para essa história por tempo o suficiente –Passei as mãos pelo cabelo para conter minha ansiedade –Tudo me diz pra largar ele, mas... Eu simplesmente não consigo
–Como assim não consegue?! –O ruivo se exasperou –Ele é o Malfoy! O mesmo cara que fez da nossa vida um inferno durante a época do colégio... Você só precisa voltar a odiar ele como sempre fez!
–Ronald, que inferno! Vocês eram os únicos que pensavam assim, não consegue ver?! –Puxei meu pulso das mãos do beta com brutalidade –Eu não odiava ele, nunca odiei e nem vou começar a odiar só porque um idiota como você quer que eu odeie!
–I-Idiota? –Ele choramingou ao perceber que eu não estava mais disposto a ser bonzinho como nos velhos tempos
–Sim... Você é um idiota por continuar pensando como uma criança de onze anos –Praticamente cuspi as palavras –É um idiota por não conseguir mudar, mesmo depois de tanto tempo
Seus olhos baixaram cansados, destruídos, como se expressassem toda a frustração que sentia naquele momento. Eu imaginava o quanto era doloroso, talvez porque também me doía brigar com aqueles dois, mas eu não estava disposto a pegar leve depois de tudo o que me disseram até agora
Qual é... Eu sabia que algo dentro deles jamais me aceitaria
Eles não tinham mentes muito abertas, não como minhas irmãzinhas... Por isso Ginny e Luna eram meus tesouros, diferente de Rony e Hermione
E por isso não me doía tanto ver minha amizade com eles se autodestruindo lentamente
–Nós só queremos te ajudar, Hazz... –A ômega interviu, notando que o ruivo já não estava em condições de continuar brigando comigo
–Eu sei disso, Hermione, mas as vezes sua ajuda me sufoca! –Precisei desabafar ao menos uma vez na vida, e deixar sair tudo aquilo que eu havia engolido durante tantos anos –As vezes eu sinto como se vocês tentassem me consertar... Como se quisessem me aconselhar a agir do jeito certo e ser como todos querem que eu seja
–N-Não, Harry... Nós nunca-
–Vocês dois mudaram comigo desde o dia em que eu contei sobre minha falta de atração por ômegas... Pensam que eu não percebi?! –Minha visão se embaçou, contemplando o início de pequenas lágrimas –Pensam que eu não os escutava conversando na sala sobre o que poderiam fazer pra me ajudar?!
–Não foi nesse sentido que falamos sobre te ajudar! –Ela se explicou em desespero. Pude ver o beta ajeitar a postura, igualmente aflito com aquela nova parte da conversa
–Vocês estavam surpresos e perdidos, eu entendo... Mas, em algum momento, vocês pensaram que eu estava um milhão de vezes mais perdido que vocês?! –Joguei tudo pra fora, sentindo como se nunca mais tivesse a chance de fazê-lo –Pensaram no quão difícil foi pra mim ver meus melhores amigos cochichando coisas pelas minhas costas e decidindo o que fazer comigo sem ao menos pedir minha opinião?!
–Nós queríamos te ajudar, Harry! –Hermione já beirava o choro –Tínhamos medo de te ver sofrer pelos olhares, ou pelos julgamentos... Era dessa ajuda que estávamos falando!
–Eu nunca pedi a ajuda de vocês! –Rosnei por um impulso –E-Eu não queria ajuda... S-Só queria que me aceitassem
–Nós te aceitamos, Harry... Nós te amamos de qualquer jeito –A ômega segurou minha mão, com os olhos já brilhando pelo início de um choro
–V-Você é como família pra gente... É claro que te aceitamos –O beta segurou minha outra mão, no mesmo estado da garota
–E-Então por que eu me sinto tão perdido? –Choraminguei em um sussurro quase inaudível –P-Por que ainda dói tanto?!
–H-Harry, nós-
Antes que a ômega pudesse terminar a fala, a porta se abriu em um baque. Batendo contra a parede com força. E deu espaço para que a luz do corredor pudesse entrar na sala por trás da silhueta alta e esbelta, de onde alguns fios lisos prateados balançavam um pouco com o vento
Uma expressão irritadiça entrou na sala junto ao dono daquele rosto enraivecido, obrigando uma engolida em seco a passar pela minha garganta. Seus passos foram ouvidos inevitavelmente. Seus pés pisavam duro, e bastaram alguns passos para que. Da mesma forma que se abriu. A porta fosse fechada com brutalidade, e mais um alto estrondo escoasse por aquela sala um tanto vazia
Com nós quatro sozinhos no cômodo em total privacidade, a primeira reação do loiro foi correr até mim. Com sua expressão desgostosa se desmanchando em preocupação. E me tomar pelos ombros em um abraço apertado, seguido por uma série de beijos que foram depositados por todo o meu cabelo
–Quem fez você chorar? –Sua voz soou em desgosto próxima ao meu ouvido
Rapidamente enfiei meus braços entre nossos corpos para enxugar meu rosto molhado pelas lágrimas, buscando agir como se nada muito grave houvesse acontecido
–Como sabia que eu estava nessa sala? –Tentei disfarçar minha voz chorosa pelo nariz um pouco entupido
–Senti seu cheiro...
–Ah... E-Entendo –Inevitavelmente funguei algumas vezes
Não conseguia parar essas lágrimas estúpidas
Não importa o que fizesse, não conseguia fazer com que parassem de escorrer completamente
–Você ainda não me respondeu –O loiro se afastou um pouco para olhar em meus olhos, mas não demorou para desviá-los em direção às outras duas pessoas presentes na sala –Qual dos dois palhaços te fez chorar?!
–Nenhum deles... –Sorri para tranquilizá-lo –Não foi nada demais
–Ah... Já entendi –O desgosto tomou seu rosto, em uma expressão tão repulsiva, que nem em todos os nossos anos de rivalidade tive a chance de presenciar –Vocês estavam brigando... De novo
–Eu estou bem, Draco... Sério
–Não, você não está! –Me cortou sem sequer precisar pensar muito –Você não está nada bem... Então agora esse problema virou problema meu
Suas mãos seguraram minhas bochechas e trouxeram meu rosto para mais perto. Seus olhos se encontraram com os meus, me fitando como se lessem meus pensamentos. Seus polegares alisaram, com delicadeza, meu rosto molhado. E seu sorriso tranquilizante me fez esquecer completamente de tudo à nossa volta. Esquecer que não estávamos sozinhos naquela sala mal iluminada
–Você não precisa mais chorar –O loiro depositou um beijo em minha testa, sem interromper o carinho em minhas bochechas –Eu estou aqui agora
Continuou mexendo com os dedos no local que havia beijado, onde eu sabia que estava minha cicatriz. Eu não imaginava que, após o incidente de ontem, o loiro realmente se esforçaria tanto para me fazer gostar daquela parte do meu corpo outra vez
Eu costumava escondê-la com a franja e estava orgulhoso por ver que o loiro não havia prestado tanta atenção à ela até aquele incidente, mas confesso que, após o ocorrido, acabei não dando tanta atenção a isso, como costumava fazer para que o loiro não visse minha testa
–Ei! O que pensa que está fazendo com ele, seu loiro idiota?! –Um ruivo alterado interrompeu o momento. Estendendo as mãos para nos separar, enquanto parecia prestes a soltar fogo pela boca
–NÃO TOQUE NELE!
Sua voz ameaçadora foi capaz de congelar o corpo de Rony exatamente onde estava e levar a ômega colada às suas costas a um estado de pavor, onde a única coisa que a diferenciava de um cadáver eram as tremulações de suas mãos, agitadas em desespero
Era difícil descrever as sensações que eu via passando pelos olhos arregalados de meus dois amigos. Pareciam estar diante de um animal com sete cabeças
Não há como evitar uma situação como essa... Se até eu, como alfa, não pude evitar sentir alguns calafrios pela espinha, para um beta e uma ômega deve ser praticamente uma sentença de morte
Tentei evitar o encontro desses três... Mas parece que há coisas nessa vida que não se pode evitar
–Draco... –O chamei com muita cautela
Quando se trata de um alfa à beira de um ataque de raiva, qualquer movimento pode ocasionar em um desastre
Não quero machucá-lo... Essa é a última coisa que quero nesse momento
Mas se as coisas acabarem saindo do controle... Terei que impedí-lo como nos velhos tempos
–Sim, bebê? –Ele virou o rosto para mim de forma quase automática
Não pude conter a surpresa ao ver a raiva presente em seu rosto se desmanchar de imediato, sumindo completamente no momento em que seus olhos se focaram nos meus, e abrindo espaço para uma expressão bem mais tranquila, que pareceu acabar completamente com a aura assassina que o rodeava há poucos segundos atrás
–Por favor... Se acalme –Pedi com delicadeza
–Você não está me pedindo para poupar as duas pessoas que te magoaram... Está? –Uma risada seca intensificou o tom ameaçador presente em sua voz
–Não... Não é isso –Me apressei em acalmá-lo, repousando minha cabeça em seu ombro e me aconchegando em seus braços –Eu só quero um pouco de paz...
Senti os braços do loiro envolverem meu ombros. Retribuindo ao abraço. Enquanto suas mãos iam até meus cabelos e me faziam um cafuné tranquilizante. Alguns beijos foram depositados pelo meu cabelo, levando embora toda a angústia que me consumia, e outros foram deixados. Com um pouco de dificuldade. Pela minha orelha, como se tentassem alcançar meu rosto
Me sentia seguro naquele abraço... Aqueles beijos me confortavam, aquelas mãos pelo meu cabelo me tranquilizavam e seus braços envolta de mim pareciam estar me protegendo
Depois de tantos anos sofrendo pela minha aceitação... Finalmente pude sentir que pertencia a algo
Era impossível não me apegar...
Ele foi o primeiro a me mostrar sinceridade. O primeiro que não esperava nada de mim, nem desejava que eu me tornasse alguém na vida. Foi o primeiro que, mesmo me odiando, foi capaz de me consolar no momento em que eu mais precisei. E foi o primeiro que genuinamente me aceitou, sem preconceito ou relutância... Apenas me aceitou
Ele odiava o Harry Potter que conhecia, não o Harry Potter que gostava de alfas... E isso era, de certa forma, reconfortante
Porque os sentimentos dele por mim nunca foram afetados por esse fato. Na verdade, após ouvir toda a minha história, sua primeira reação foi me abraçar, beijar e sussurrar em meu ouvido que nada disso era importante
Que gostar de ômegas, betas, ou alfas, realmente não fazia diferença...
–Amor... –O loiro sussurrou baixinho em meu ouvido para que apenas eu pudesse escutá-lo –O que acha de largar esses dois idiotas e sair comigo?
–Agora?! –Sussurrei de volta
–Sim
–Mas ainda temos aulas...
–Ora... Não foi você quem disse que seu mestre era mais importante do que qualquer aula? –Um sorrisinho travesso tomou seus lábios pelo comentário
Merda... Eu realmente havia dito aquilo
–M-Mas... Hermione vai me matar
–Ela não vai encostar em um único fio de cabelo seu –Ele rosnou mais alto que o esperado –Se encostar... Vai pagar muito caro
Levei meus olhos até meus dois amigos. Calados. Assustados demais para dizer qualquer coisa
Seus olhos. Ainda marejados. Direcionados ao loiro que me abraçava, expressavam um enorme desejo de intervir na situação. Mas, como era de se esperar, os dois sabiam que era impossível me tirar dos braços dele em um momento delicado como esse
–Bebê... –Senti seus dedos puxarem meu rosto de volta, vendo o loiro insatisfeito parecer querer monopolizar minha atenção completamente –Eu estou te chamando para um encontro...
–O-O quê?!
Meu rosto pareceu esquentar um pouco, acompanhando as batidas do meu pobre coração, que parecia prestes a explodir de tanta felicidade
Um encontro com ele... Um encontro com meu mestre... Um encontro com Draco Malfoy
Tudo que eu queria naquele momento era permitir que as lágrimas de felicidade escorressem livremente. Expressar com sinceridade o quanto aquele avanço havia me alegrado... Mas eu não podia
Precisava esperar até chegar em casa para dar alguns pulinhos e gritar como na época da adolescência
–Então... Não vai me responder? –Ele me apressou impaciente
–R-Responder o quê?! –O ruivo engoliu em seco
–R-Rony! –Hermione sussurrou para o ruivo, deixando um tapinha em seu ombro
–Isso não é da sua conta, Weasel –O alfa cuspiu as palavras com desgosto
–Draco! –O repreendi por ter usado aquele apelido ofensivo
Não precisava ser nenhum gênio para notar que, em tal estado de irritação, o loiro sequer hesitaria em machucar qualquer um que se aproximasse. Quase como um estado de autodefesa, onde sua guarda estava elevada demais para deixar passar quem quer que fosse. Ômega, beta, ou alfa... Sofreria as consequências por invadir o espaço de um alfa irritado
Sempre era assim...
Parecia até que havíamos voltado no tempo, se desconsiderasse o fato de que agora o loiro não demonstrava mais hostilidade comigo
Em tempos passados, eu estaria em guarda. À frente dos meus amigos. Preparado para intervir caso ele perdesse o controle e tentasse machucá-los. As coisas não mudaram muito... A diferença é que agora eu tenho um novo método para impedir que Draco perca o controle
Não preciso machucá-lo nunca mais...
–Dray... –Pensei em um apelido para ele no calor do momento, buscando criar um pouco mais de afetividade para espantar aquela sensação hostil que se alastrava envolta dele
O loiro me olhou surpreso, ao me ouvir chamá-lo por um apelido, e eu podia jurar que vi suas bochechas ficarem ao menos um pouco avermelhadas. Seus lábios se entreabriram pelo choque, mas logo se fecharam em um sorriso fraco e seus braços, antes postos sobre meus ombros, desceram para agarrar minha cintura com firmeza e me puxar contra si, quase como uma prova de que estava vivenciando a realidade, não uma ilusão
Ele não parecia odiar...
–Para onde vamos? –Demonstrei que não tinha a menor intenção de recusar seu convite
Ele pareceu mais calmo com isso
–Para onde você quiser, bebê –E me beijou bem diante dos meus amigos. De propósito. Fazendo questão de mostrar-lhes o tipo de relação que tínhamos, quase como se estivesse marcando território –Basta você dizer que sim...
–Tudo bem... Então eu aceito –A expressão do loiro foi tomada por empolgação –Mas só se você pagar!
Ele riu divertido pela minha condição, mas não pareceu nem um pouco indisposto a gastar um pouco mais comigo
–Só se você comer como uma pessoa normal –E sorriu fechando os olhos
–O quê?! Eu não entendi o que você está querendo insinuar! –Bufei
–É claro que você entendeu, seu leão esfomeado... Está querendo me levar à falência?! –Senti meu rosto esquentar por aquele comentário, principalmente por saber que tudo aquilo era verdade
O loiro, diferente de mim, pareceu achar graça da minha reação. Como sempre fazia ao me perturbar. E acabou desistindo de continuar me provocando
–Eu estava apenas brincando –Recebi um beijo na bochecha no meio de tantos risos –Você pode comer o quanto quiser
–Idiota... –Franzi o cenho para ele, mas não fui capaz de manter a expressão irritadiça por muito tempo
Suas risadas me contagiaram...
Teríamos um encontro... Como eu poderia não estar feliz?
Draco Malfoy havia me chamado pra sair
E eu poderia gritar de tanta empolgação
–Vá pegar suas coisas no armário para ir embora –Ouvi sua voz sussurrar em meu ouvido, próxima até demais, e pude sentir meu corpo estremecer pela adrenalina –E não demore... Vou matar um dos seus amigos a cada trinta minutos que se passarem, então você tem uma hora
–Draco! –Deixei um tapa em seu ombro por aquela brincadeira
–Tudo bem, tudo bem... Não vou matá-los –Ele encolheu os ombros, deixando escapar uma risada divertida e gostosa de se ouvir
–E...? –Esperei um complemento
–Nem machucá-los –Resmungou em desgosto com o final imediato de sua risada, revirando os olhos para o meu lado em seguida
–É bom mesmo –Beijei sua bochecha, enquanto me separava daquele abraço aconchegante –E eu prometo que não demoro
–É bom mesmo –Ele me imitou com um sorriso de lado, permitindo que eu saísse de seus braços
Mesmo que resmungando após o fim daquele contato, o loiro sabia que eu não poderia pegar meus pertences com ele agarrado a mim daquele jeito. Levá-lo comigo não era uma opção, já que as aulas ainda não haviam acabado e ainda deveriam ter muitos estudantes espalhados pela faculdade pelo horário do almoço. Deixá-lo sair agora também era arriscado, pois, além da possibilidade de acabarmos nos desencontrando, ver Draco Malfoy sair de uma sala de aula vazia na hora do almoço logo depois de mim, seu então rival, era algo que daria o que falar
Não que nunca tivéssemos arrastado um ao outro para brigar em alguma sala vazia, mas ver que ambos saíram ilesos dessa "briga" com certeza faria com que surgissem algumas teorias desagradáveis nos grupos privados do fórum da faculdade
Saber que ele entendia isso me trazia certo alívio
–Se comporte –Toquei a ponta de seu nariz, vendo o loiro gostar daquela atitude mais autoritária de minha parte
–Não prometo nada –Sorriu de lado
Aquele sorriso cheio de malícia, que me tirava o fôlego em um instante
–Draco... –O ameacei com os olhos, embora me sentisse um pouco fraco por aquela postura rebelde e indisciplinada, que parecia ser sua marca registrada
Ele apenas revirou os olhos, não em rendição, mas como se estivesse prestes a me explicar suas intenções
–Eu vou me comportar, Harry, mas é por você. Não por aqueles dois filhos da puta, desgraçados, que não merecem nem o ar que respiram –Sorriu cínico ao fim da fala, fechando os olhos em uma expressão de inocência
Suspirei exaustivamente, imitando seu revirar de olhos, e me direcionei até a porta para não me preocupar em acabar perdendo minhas coisas por aí
–H-Harry, o que está fazendo?! –A voz de minha amiga arrancou um alto rosnado do loiro, quase automático –Primeiro você falta um dia inteiro de aulas, e agora resolve matar aula por causa dele?!
–Hermione, já chega! –Impedi que a ômega falasse mais, notando que o alfa parado à sua frente seria capaz de arrancar fora o dedo que a mesma lhe apontava de forma acusatória –Eu já sou adulto... Não preciso que me diga o que eu devo ou não fazer!
–M-Mas, Harry...
Confesso ter me surpreendido ao ver Rony Hermione aguentarem tanto tempo em silêncio. Talvez fosse pelo medo dos feromônios que o loiro exalava sem qualquer moderação, praticamente sufocando o ambiente daquela sala quase vazia, como desenhasse uma linha no chão que os dois não podiam ultrapassar
–Hermione, sejamos racionais... Umas aulas perdidas não são o fim do mundo –Tentei, pela última vez, resolver aquilo de uma forma pacífica
–Como não?! –Ela continuava a desafiar, com uma coragem que até eu mesmo desconhecia
Que droga... Só cale a boca! Você não consegue ver que está prestes a perder a língua?!
Eu era o único que conseguia ver o quanto Draco estava se segurando com aqueles dois?
Não quero machucar meus amigos, mas também não quero machucar o loiro que finalmente começou a me tratar de forma diferente
Só calem a boca... Façam silêncio, todos vocês, e evitem essa briga
Se não... Eu não saberei o que fazer
Não saberei de qual lado ficar
–Não acho que eu conseguiria me concentrar nos estudos, de qualquer forma –Baixei a voz, sentindo que precisava sair daquela sala com todos o menos tensos possível –Acho que eu preciso desse tempo para esfriar a cabeça
A ômega, apesar de todas as suas atitudes erradas, visivelmente se importava comigo. Podia não ser da melhor forma, mas eu sabia que desejava me ajudar
E era para esse sentimento que eu precisava apelar em uma hora dessas
É... Isso funcionaria
Ela também deveria conseguir convencer Rony a me deixar mais livre após isso
Hermione era certinha demais. Perder uma aula, para ela, era um pecado capital. Já Rony... O que o incomodava não era minha vida acadêmica. Ele não gostava da ideia de me ver sair com Draco, independente de quantas aulas eu perderia por isso
Era insuportável... Detestava ver Hermione cuidando tanto da minha vida, como se a faculdade fosse a própria razão da minha existência, e detestava ver Rony tratando o loiro como se fosse o ser mais sórdido que já pisou na terra
Eles precisavam sofrer um pouco com os feromônios daquele alfa irritado na mesma sala, trataria aquilo como uma lição valiosa para os dois... Não, para os três
Draco também precisava aprender algumas coisas com isso
–Por favor, não briguem –Foi tudo o que eu pude dizer, antes de fechar a porta atrás de mim em um baque e aguardar alguns segundos na frente dela para ter certeza de que tudo estava bem
Não ouvi gritos, rosnados ou ameaças vindos da sala por algum tempo em que fiquei parado na frente da porta, então imaginei que era seguro sair de perto e realmente me apressar em arrumar minhas coisas dentro do armário
Como eu imaginei, o corredor estava cheio. Foi um saco desviar das pessoas por todo o trajeto até a sala, sendo praticamente obrigado a cumprimentar alguns "conhecidos" pelo caminho
As vezes ser popular era tão inconveniente
Felizmente, eu sobrevivi até achar minhas coisas para levar até o armário. Confesso ter sido um pouco difícil não pensar naqueles três sozinhos, mas eu estava tentando descansar minha mente por um tempinho
Qualquer um diria que eu estava louco por deixar meus dois amigos sozinhos na sala com um alfa irritado, mas eu tenho meus motivos
Eu confio nele... Sei que não estava mentindo quando me prometeu que não os machucaria
Mesmo quando brigávamos em cada esquina da escola, ele nunca sequer tocou em Hermione. Rony apenas levou alguns socos quando falou além da conta, mas isso foi quase totalmente culpa dele
Seus problemas com os dois se resolviam com, majoritariamente, trocas de insultos e as vezes algumas ofensas mais pesadas. Que realmente machucavam lá no fundo. Mas, quando se tratavam das brigas físicas, por algum motivo, eu sempre acabava sendo seu principal alvo
Eu também não gostava de deixá-los sozinhos daquela forma, mas, ao que tudo indica, essa não será a última vez em que aqueles três precisarão se aguentar em trégua
Uma hora precisarão entender que eu me tornei algo que eles têm em comum e que, se quiserem continuar aproveitando, precisarão aprender a dividir minha atenção
Eles precisam entender que eu não vou abrir mão de nenhum dos dois lados...
(...)
Draco On
Permanecemos calados por alguns minutos, em um longo e lancinante silêncio. Nossas respirações podiam ser ouvidas de qualquer canto daquela sala, por tamanho desconforto, e eu duvidava muito que aqueles dois quisessem manter uma conversa adequada comigo enquanto esperávamos a razão de todo aquele desconforto voltar
Eu sabia que o moreno havia feito de propósito, para saber se realmente poderia acreditar em minhas promessas... E essa era uma chance muito valiosa para o avanço da nossa relação
Não vou deixar que ninguém estrague a confiança que ele está, aos poucos, depositando em mim. Foi difícil chegar onde chegamos. Dentre desentendimentos e tréguas. E eu sou capaz de matar quem quer que ouse atrapalhar essa melhora
–Por que está fazendo isso? –Ouvi o ruivo sussurrar baixinho, e quando virei o rosto em sua direção, o vi me olhar um tanto perdido, e talvez um pouco confuso
–Por que eu estou fazendo isso? –Repeti em confusão –Você precisa ser mais específico, se quer que eu responda
–Ora, seu-
–Rony! –A garota ao seu lado interrompeu uma possível sessão de insultos
Não sei exatamente o que o deixou tão irritadiço, ao ponto de quase avançar para apertar o meu pescoço. Ele parecia, simplesmente, irritar-se com cada mísera coisa que eu fazia
–O que o Rony quis dizer, é que não vamos confiar nosso amigo a alguém que nos maltratou por tantos anos –Ela explicou de maneira mais racional –Harry pode achar que você mudou, mas nós ainda não acreditamos nisso o suficiente para deixá-lo com você
Quase deixei uma risada escapar pela prepotência daquela coisinha tão insignificante... Eu poderia pisar em cima dela sem ao menos me dar conta, de tão minúscula
Céus... Eu estava disposto a ficar calado, mas ouvir aquilo mexeu comigo de uma forma inexplicável
Eles achavam mesmo que eu precisava de permissão para estar com seu precioso "melhor amigo"?
–Sabe qual é o problema disso tudo, come livros? –Sorri em convencimento –É que a sua opinião nunca significou nada...
–O-O quê?!
–Em algum momento seu amigo perguntou se vocês aceitariam isso? –Debochei com um sorriso de lado –Ele só quer que vocês parem de tentar convencê-lo a me largar... Estou errado?
A expressão chocada e, ao mesmo tempo, sem palavras dos dois, me rendeu uma memória muito valiosa
Eles estavam loucos se achavam que eu não sabia o que meu bebê pensava sobre as interferências daqueles dois no nosso relacionamento
–Vejo que a amizade entre vocês está um pouco balançada... –Decidi provocá-los um pouquinho –Não me surpreende que ele não queira voltar pra casa...
–V-Você disse que ele faltou porque estava cansado! –A ômega se desesperou
–Oh... Eu devo ter esquecido de mencionar essa parte da história, mas eu conto para vocês agora –Abri um largo sorriso vitorioso –Ontem o seu amiguinho pediu para dormir na minha casa, para não ter que ouvir vocês dois relinchando nos ouvidos dele como dois burros inconvenientes, sabe?
–Do que você nos chamou?! –O ruivo se pôs à frente da amiga
–Burros inconvenientes? –Permaneci sorrindo em inocência
O que ele pensava em fazer? Me socar?
Eu iria quebrar a cara dele sem dó, independente do que eu havia prometido
Ele sabe que não tem chance contra mim e isso me dava um sentimento de vitória delicioso
–Não estão nem perto de entendê-lo... Não como eu entendo –Sussurrei mais pra mim mesmo, o que não os impediu de escutar –E ele nunca vai confiar completamente em vocês dois por isso
–V-Você não sabe de nada! –Os dois gritaram, por coincidência, ao mesmo tempo
Por todos os deuses que possam existir nesse mundo... Eu juro que, pelo meu bebê, eu estaria disposto a deixar essa inimizade de lado
Eu não pensava mais neles como antes, não tinha tempo para isso... Enquanto, no passado, praticamente todos os dias me vinham ideias para importunar o famoso trio de outro, agora, tudo o que se passava pela minha cabeça eram as mais diversas formas de passar meu tempo ao lado daquele alfa adorável de olhos verdes e cabelos tão escuros quanto o céu noturno
Ele havia me feito uma pessoa muito menos odiosa, eu não podia negar, mas de nada servia se aqueles dois continuavam a magoá-lo de todas as formas que conseguiam
Estava na hora de inventar algumas coisinhas inofensivas
Não seriam mentiras de fato... Eu apenas exageraria um pouquinho na verdade
Não faria mal, principalmente se fosse pelo bem do meu lobinho
–Aí é que vocês se enganam... –Me aproximei daquela dupla, aos meus olhos, desprezível –Conheço ele muito melhor do que vocês dois sequer sonham conhecer... Sei o que ele gosta de comer e o que gosta de fazer no tempo livre. Sei que ele adora receber carinho no cabelo, mas tem vergonha de pedir. Sei que ele gosta de se sentir seguro em qualquer tipo de relacionamento. E sei também que é por essa falta de segurança que a amizade de vocês está deteriorando mais a cada dia
–M-Mentiroso!
–Ele gosta de mim, Granger... Gosta de verdade. Somos praticamente inseparáveis e é por isso que ele odeia quando falam mal de mim na frente dele –Não faria mal exagerar um pouco naquela parte –Ele gosta de ser cuidado e sentir que as pessoas ao seu redor o amam. Eu o faço sentir dessa forma, já vocês... Quantas vezes vocês dois já cuidaram dele quando estava mal?
Bom, ele não gosta de mim tanto assim, mas não era uma total mentira, afinal, tínhamos algo um pouquinho especial. Não era gostar... Era mais como um carinho mútuo
–Isso não é da sua conta! –O ruivo se alterou
–Interessante... Quando se trata de enfiar o nariz na vida dele, os dois intrometidos não hesitam em abrir essas bocas imundas para criticá-lo –Ri seco, fingindo provocá-los para disfarçar o desgosto que estava sentindo –Mas quando ele realmente precisa dos amigos, vocês só sabem sugar e se atirar nos braços do alfa forte e protetor que tem o dever de consolá-los... Quanta ironia
Se eu soubesse que, naquele banheiro abandonado, meu pobre lobinho só desejava alguém que o protegesse ao invés de tentar sugar sua boa vontade para si, eu teria mudado minha visão dele muito mais cedo
–Nossa vida não é da sua conta, seu loiro mesquinho! –O beta se pôs em guarda –Não se meta nos assuntos dos outros!
–Ora... Mas eu não estou criticando vocês –Sorri alegremente, tentando transmitir minha sinceridade –Eu quero mesmo que vocês continuem afastando ele cada vez mais
Me aproximei dos dois, me colocando a poucos centímetros de onde estavam parados, imóveis, completamente assustados com minha súbita aproximação
–Tudo o que eu mais quero é que vocês continuem agindo como dois idiotas, estúpidos e inconvenientes... Vocês estão fazendo um ótimo trabalho empurrando seu precioso amigo cada vez mais para os meus braços –Sorri ainda mais ao vê-los entrando em desespero –Continuem magoando ele... Vocês sabem exatamente para quem ele virá correndo chorar
–N-Nós não estamos magoando ele! –A ômega tirou de dentro de si uma coragem sobrenatural –Só queremos protegê-lo de pessoas como você!
–Tudo bem, continuem protegendo ele... Vocês estão fazendo tudo errado desde o começo e eu não duvido nada que essa "proteção" será mais um desses erros –Esse era meu último ato de benevolência –Vou agarrá-lo cada vez mais forte, então sugiro que escutem meus conselhos...
Não queria acabar com a amizade que eles tinham, isso não faria bem para o moreno... Mas, se as coisas saírem do controle e meu bebê acabar saindo machucado, eu realmente vou fazer esses dois pagarem muito caro
Essa era a última chance que eu lhes daria de fazer meu lobinho feliz... Se falharem, vou garantir que nunca mais sejam capazes de entrar na vida dele novamente
–Meu garoto é muito mais esperto do que vocês pensam –Meu coração se encheu de orgulho –Ele não precisa de vocês dois para apontar cada um de seus erros, então parem de agir como se fosse seus pais. Ele sabia exatamente onde estava se metendo quando se envolveu comigo e mesmo assim continuou... Não vêem o quanto esse relacionamento significa para ele? Sendo eu, ou qualquer outro alfa, apenas ver o quanto ele persistiu para que isso desse certo deveria ser o bastante para abrir os olhos de vocês
–Nem sempre o que ele quer é o melhor –A ômega cruzou os braços para o meu lado
–Ah... E o melhor é ser amigo de dois hipócritas como vocês?! –Não consegui engolir aquela ofensa –Coitado do meu moreno... Tendo que suportar essa amizade de merda por tantos anos
–O que diabos você sabe sobre amizade?! –As piadas do ruivo me fizeram rir
–Eu tenho um grupo de amigos incríveis. Muito mais unidos do que vocês, inclusive... Então eu sugiro que valorizem mais as minhas dicas –Sorri em deboche, sabendo que eles não teriam mais argumentos para me refutar –Parem de agir como os pais dele e tratem de curar as inseguranças que ele pôs na cabeça enquanto eu ainda estou disposto a dividí-lo... Porque no momento em que eu resolver roubá-lo de vocês... Seu precioso amigo será meu
Tenho pena desses dois caso decidam duvidar, porque eu realmente vou roubá-lo se tiver a chance
Se bem que... Do jeito que as coisas estão, talvez eles mesmos o entreguem para mim de bandeja
–Você não vai roubar o Harry da gente, Malfoy! Somos os melhores amigos dele, enquanto você é só um passatempo! –A ômega se exasperou –Ele vai perceber que você não é a pessoa certa pra ele e nós ainda estaremos aqui para apoiá-lo!
–O que você disse?!
Minha risada se espalhou por toda a sala, em descrença, deboche e talvez uma leve tentativa de manter meu autocontrole
Meu lobinho me mataria se eu matasse essa imunda... Eu não podia perder as estribeiras
–Você tem coragem, ratinha, eu admito... Mas, no final de tudo isso, nós três veremos quem estava com a razão –A menosprezei com um apelido ofensivo –Só não venham chorar depois, porque, no momento em que suas ações ridículas magoarem o que é meu de uma forma irreversível... Não haverão devoluções
–Você não sabe de nada, Malfoy! O Harry não é seu e nunca vai ser, então tire essas ideias estúpidas da sua cabeça! –O beta gritava, com o rosto já da cor de seus cabelos
Agarrei ele pela gola da camisa, aproximando nossos rostos ao som dos gritos aterrorizados da ômega atrás dele, e, no ápice da minha paciência, sussurrei em tranquilidade:
–Ele é meu... E não importa o quanto vocês mandem, peçam, ou implorem... Ele vai continuar sendo meu
Não haviam motivos para me irritar com aquele pobre coitado... Não é culpa dele por não conseguir perceber que seu melhor amigo já está completamente preso na minha coleira
Não quero abrir mão do meu lobinho e isso significa que ele já é meu... Porque Draco Malfoy sempre consegue o que quer
E neste momento... Eu quero ele
–Caso seus dois neurônios não tenham sido capazes de processar uma informação tão complexa, eu vou explicar de forma mais simples –Não pude perder a oportunidade de zombar da sua falta de raciocínio –Nós estamos juntos, ruivo... Estamos bem juntos, se é que me entende. Então o que acha de fazermos uma conta bem simples?
Minha sugestão o deixou bastante confuso, mas eu estava disposto a fazer com que os fatos entrassem naquela cabeça de vento, nem que fosse à força
–Harry e eu nos tornamos amigos há algum tempo, sabem... Então, se nós três somos amigos dele. Para a matemática. Significa igualdade –Fiz uma analogia de fácil entendimento para que aquele asno fosse capaz de compreender –Mas... Se eu sou amigo dele, assim como vocês, mas eu sou o único dentre todos nós que dá a ele algumas coisas a mais... Quem vocês acham que ele vai escolher no final?
Aquela pergunta inocente. Apenas à primeira vista. Foi capaz de desestabilizar os dois amigos, que agora haviam caído na minha isca de provocações
Sim... Eu os estava irritando de propósito
Por quê? Ora... É óbvio
Eu quero que eles sejam os culpados, quero que eles estraguem tudo e, no fim, percam a oportunidade de se explicarem para o moreno
Quero que eles "percam pontos" com Harry.e se desesperem por isso
–Ele nunca escolheria você ao invés da gente –A ômega se agarrou às costas do amigo, que ainda parecia processar alguma resposta
–Eu não pagaria pra ver se fosse vocês... –Aconselhei com sinceridade –Acham mesmo que ele trocaria o alfa que o protege e dá conforto por uma dupla de amigos que nem mesmo conseguem entendê-lo?!
–Somos importantes pra ele, enquanto você é só uma modinha temporária, idiota! –Finalmente o ruivo havia criado coragem para me responder –Vocês nem tem algo sério... O quanto acha que isso vai durar?!
Céus... Pensar naquilo realmente doía
Havia certa verdade em suas palavras, mas eu nunca demonstraria o quanto aquilo me afetou para aquele ruivo tão odioso
Sim... Tudo no nosso relacionamento, incluindo o quanto ele poderia durar, era incerto
Isso me machucava em algum lugar bem lá no fundo
–Me diga você! –Rebati sua pergunta, mudando o foco da conversa –Por quanto tempo acha que ele vai suportar essa amizade unilateral?!
–"Unilateral"?! –Agora finalmente aquele beta idiota havia perdido a calma
–Não me ouviu?! –Testei ainda mais o seu limite, sentindo que era justo dar o troco por todos os absurdos que fui forçado a escutar –O que ele ganha sendo amigo de dois idiotas inúteis como vocês?! Ele nem ao menos recebe conforto dos próprios melhores amigos... Quanto tempo acha que ele vai suportar?!
–Seu desgraçado! –Um par de mãos agarraram minha camisa e me empurraram para trás com toda a força
Sequer me importei em reagir, sabendo exatamente onde aquela briga ia parar
Meu plano já havia funcionado....
Esse idiota já havia perdido no momento em que se deixou levar pela raiva e avançou para cima de mim... Porque eu possuo algo que esse mísero beta jamais será capaz de imaginar. Betas não são capazes de produzir feromônios, e muito menos de sentí-los no ambiente... Enquanto eu podia sentir claramente o cheiro adocicado se espalhar por trás da porta, e entrar na sala antes mesmo que seu dono a abrisse
Pobre beta... Eu realmente sinto pena por você não ser capaz de perceber que aquela porta está prestes a ser aberta
Bem... É culpa sua por ter me provocado
E eu vou te ensinar o que acontece quando alguém se mete no meu caminho...
–Você nunca foi páreo pra mim, Weasel... E sabe disso –Ri baixinho em deboche –Nem em um milhão de anos teria a chance de me dar um soco sequer
–Ah é?! Isso é o que vamos ver, seu desgraçado!
No outro instante, o barulho da porta sendo aberta acelerou as batidas do meu coração. Olhei para o lado, fingindo que havia me distraído, e deixei que o punho fechado que pairava até mim se chocasse contra o meu rosto com toda a força, me jogando com tudo no chão e lesionando minha bochecha pelo golpe
Exagerei na queda, me jogando para trás com tudo, e caí sobre algumas cadeiras. Que foram arrastadas junto comigo na queda. Resultando em um barulho alto, que chamou a atenção do moreno que acabara de entrar
–O que diabos você fez, Rony?! –Seus gritos fizeram o ruivo congelar no lugar, pálido o suficiente para ser confundido com um cadáver. O moreno não parecia acreditar no que seus próprios olhos estavam vendo e eu podia jurar que vi certos traços de desespero em sua face atordoada
Bastaram dois segundos para que a porta fosse fechada novamente e o moreno preocupado corresse em minha direção com a respiração ofegante, antes de se ajoelhar ao meu lado e segurar meu rosto para olhar o machucado
–Oh, céus... Como isso foi acontecer?! –Suas mãos alisaram minhas bochechas, e eu fiz certo drama ao resmungar quando seu dedo se aproximou do canto cortado da minha boca
Não estava doendo tanto, mas é claro que aquela colisão inesperada com as cadeiras, que eu havia esquecido que estavam ali, havia me rendido uma boa dor nas costas
Não que isso fosse um problema, afinal... O resultado foi bem melhor do que eu esperava
–F-Foi culpa minha, bebê... –Segurei sua mão em meu rosto e imitei uma voz chorosa –E-Eu já deveria ter imaginado que não havia como seus amigos gostarem de mim...
–Não diga isso, Draco... –Suas sobrancelhas de uniram entristecidas
–M-Me perdoa... E-Eu sei que você não queria que brigássemos, mas... –Deixei que algumas lágrimas surgissem para me auxiliar –Quando eu estava prestes a bloquear o soco, você apareceu... E-Eu me distraí e acabei sendo acertado
–D-Desculpa, Draco... Não devia ter deixado vocês três sozinhos –Ele se inclinou para cima de mim e beijou minha testa –Eu fui um idiota... Me desculpa
–F-Foi culpa minha por provocá-los... –Tossi algumas vezes para lhe arrancar um pouco de pena –E-Eu estou bem... Sério- Ai!
Apoiei a mão no ombro esquerdo e resmunguei ao fingir uma lesão. O moreno se agitou ao meu lado e me ajudou a sentar no chão com urgência, massageando o local que eu tocava como se tentasse amenizar a dor
–Me desculpa... Me desculpa por isso –Seus olhos brilharam, marejados, e seus lábios trêmulos anunciaram um possível choro
Fala sério... Se eu soubesse que ele reagiria dessa forma só por causa de uma queda boba eu teria feito esse ruivo me socar na cara muito antes
–Tudo bem, Harry... –Tirei sua franja da testa e belisquei suas bochechas para tranquilizá-lo. Ou melhor, fingindo tranquilizá-lo
Beijei a cicatriz em sua testa descoberta, resmungando baixinho, como se o esforço tivesse afetado alguma parte machucada do meu corpo
Eu sabia que quanto mais eu me fizesse de coitado, maior seria a culpa do moreno
Eu teria que bancar a "vítima" se quisesse conseguir sua atenção
–Você poderia dar um beijinho pra sarar? –Sussurrei manhoso, apontando para o corte em minha boca com o indicador
Ele ainda parecia preocupado, mas mesmo assim se inclinou em minha direção com um sorriso leve e beijou o corte deixado pelo soco, passando a mão pelos meus cabelos e os penteando para trás logo em seguida
–Já estou me sentindo melhor –Sorri pra ele em inocência
–Bobo... –O moreno sorriu de volta
Meu lobinho adorável... Fico feliz que você seja inocente ao ponto de cuidar de mim dessa forma
Eu deveria me sentir um monstro por me aproveitar disso e enganar você tão descaradamente?
–Vem... Deixa eu te ajudar a levantar –Senti suas mãos me segurarem pelos braços com firmeza
Deixei que ele me ajudasse a ficar sobre minhas próprias pernas e, decidindo piorar ainda mais as coisas para o lado daquele beta, dobrei meu tornozelo para o lado e me joguei contra o peito do moreno ao resmungar de dor pela colisão contra o seu corpo
–H-Harry... Está doendo –Abracei ele pela cintura e afundei o rosto na curvatura de seu pescoço –M-Meu corpo inteiro dói
–Calma... Vai ficar tudo bem –O moreno sussurrou em meu ouvido, parecendo tentar acalmar mais a si mesmo do que a mim de fato –Vai passar... Eu prometo que vai passar
Não resisti à vontade de encarar seus dois amigos por cima de seus ombros e sorrir para eles com malícia. Seus rostos estavam tão pálidos quanto uma folha de papel e suas expressões eram incônicas, dignas de uma foto que eu, infelizmente, não poderia tirar
Mas ainda era prazeroso vê-los em desespero diante de seu amigo tão lindamente desesperado para me ajudar
Ele conseguia ser fofo assim... E foi delicioso poder mostrar aos seus próprios melhores amigos que esse lado adorável que ele possuía era apenas meu
Aposto que nunca tinham visto toda essa fofura dele antes...
–E-Estou com medo, Harry... –Decidi piorar ainda mais as coisas para o lado deles
Não era suficiente vê-los amedrontados... Eu queria mais
–Você? Com medo? –Ele não pareceu acreditar
–S-Sim... Quando você chegou e nos viu brigando, fiquei com medo –Choraminguei em seu ouvido, o apertando ainda mais forte contra mim –T-Tive medo de você não acreditar em mim e me odiar por ter brigado...
Senti as mãos do moreno apertarem as costas da minha roupa, me arrancando um sorrisinho ao notar que não faltava muito mais para que ele começasse a acreditar na minha história
–Agora que estamos tão bem... T-Tenho medo das coisas voltarem a ser como eram –Ele passou a alisar o final dos meus cabelos para me acalmar –N-Não quero que me odeie... P-Por favor, acredita em mim
–Eu acredito em você... –Recebi um beijo no topo da cabeça
–Por favor, não me odeie... Por favor
–Eu não te odeio, Draco... Está tudo bem agora –Ele me acolheu em um abraço reconfortante –Eu nunca odiaria você por uma briga boba como essa... Se fosse o caso, já o teria feito por todas as nossas brigas passadas, não acha?
–Obrigado... –Me fiz de coitadinho –Isso me deixa muito feliz
Continuamos abraçados por algum tempo, onde eu fingia choramingar enquanto lançava alguns olhares e sorrisinhos provocativos aos seus dois amigos. Chocados demais para dizer qualquer coisa
Eu havia ganho... Qualquer coisa que falassem agora apenas serviria como lenha para a fogueira
Eu não menti quando afirmei que esses dois não o conheciam, pois se conhecessem, teriam nos poupado dessa cena
Se o conhecessem de verdade saberiam o que acontece quando um alfa vê seu parceiro ferido. Namorado, ficante, cônjuge, ou o que seja... O efeito sempre será o mesmo
Com nosso nível de intimidade, não é nenhuma surpresa que seus instintos estejam agitados após me ver levar um soco bem diante de seus olhos sem poder fazer nada para impedir
Se eles querem mesmo ter uma chance de se safar dessa situação... Ficarão calados
–H-Harry, eu... –O ruivo tentou se explicar, o que só fez com que o moreno me apertasse ainda mais forte contra si –F-Foi ele quem começou... E-Eu só-
–Não importa quem começou a briga –Sua voz gélida fez o ruivo arrepiar até seu último fio de cabelo alaranjado –O importante é que eu vi coisas que não me agradaram nem um pouco...
Ah... Como eu agradeço pela falta de noção desse ruivo
Isso, Weasel... Continue jogando gasolina nesse fogo já aceso
Piore tudo como você sempre faz... Esse parece ser o seu dom e sua maldição
–M-Mas foi ele quem nos insultou e-
–Já chega! Eu não perguntei o que vocês fizeram ou deixaram de fazer! –O moreno se virou aos gritos para os dois, se pondo à minha frente em um gesto protetor instintivo –No momento em que usou a violência pra resolver essa briguinha idiota, você perdeu completamente sua razão!
Ao vê-lo virar de costas para mim, decidi abraçar sua cintura por trás e apoiar o queixo em seu ombro como se lhe desse apoio. Sorri para o par de idiotas e me permiti aproveitar aquele momento agradável, em que possuía o moreno em meus braços ao som das brigas do famoso trio de ouro inseparável
–M-Mas eu não podia deixar que ele nos insultasse!
–Se você escutasse o que eu digo e controlasse essa sua raiva explosiva, eu chegaria para interromper a discussão, e por ter ofendido vocês dois, ele iria se ver comigo! –Ele apontou para mim, externando os pensamentos exatamente da forma que eu esperava
Eu conheço meu lobinho como ninguém... Eu sei exatamente como ele pensa
E neste momento, na cabeça dele, a discussão e os insultos que eu proferi foram deixados em segundo plano... Porque eu estava machucado, e precisava da sua atenção
–Eu mesmo enfiaria um soco na cara dele se o visse ofendendo vocês, mas é claro que você iria resolver brigar sem mim... Você sempre vai contra outros alfas achando que consegue e acaba indo parar na enfermaria com um par de ossos quebrados! –E, para o meu prazer, uma sessão de gritos havia começado –Se ele tivesse batido a cabeça na queda, você ficaria satisfeito, Rony?! O que iria fazer se a sua imprudência causasse algo irreversível?!
Confesso até ter sentido um pouco de pena do ruivo, mas não posso negar que ele mereceu
–Esse idiota está exagerando, Harry! Ele está só fingindo!
Seus olhos foram até mim, parecendo cogitar aquela hipótese, mas logo voltaram para o ruivo ao definir suas prioridades
–Fingindo ou não... Eu continuo decepcionado com você –Sua voz, antes enraivecida, se entristeceu –Estou tão decepcionado que eu sequer consigo colocar em palavras...
–M-Mas eu só me defendi!
–Não se combate um insulto com violência física! Ele estava errado ao insultar vocês, mas você estava infinitamente mais errado ao socar a cara dele sem pensar nas consequências
Pobre ruivo... Parece que alguém estava levando uma bronca daquelas
–Depois de tantos anos de ofensas e brigas... Eu esperava isso dele, não de você
–Ei! –Não pude deixar de me sentir ofendido, embora o moreno não tenha me dado muita atenção
–Acho que nós três não somos tão bons quanto pensávamos ser... Porque o que eu acabei de presenciar, deixou bem claro que, no fim, o que nos diferenciava eram apenas nome e rosto
Estreitei os braços envolta da cintura do moreno e apenas aproveitei as expressões dos dois durante aquela briga sensacional, lançando um sorriso ou outro na direção da dupla para provocá-los
–No final, qual era a grande diferença? –Perguntou aos dois, mas não obteve resposta alguma –Nos achávamos tão superiores... Mas na hora de provar que realmente éramos, sempre acabamos agindo da mesma forma que o "quarteto de cobras" que tanto julgávamos
O toque da campanha indicou o final do horário de almoço, marcando exatamente 14:30 da tarde. Os corredores estariam vazios em breve e aquele era o momento perfeito para encerrar aquela conversa
Com um suspiro pesado, o alfa apenas se virou para mim, me deu um peteleco na testa como punição. Me arrancando um resmungo. Mas logo deixou um beijo no local e caminhou em direção à porta da sala para irmos embora
Me preparei para seguí-lo e levá-lo para comer como havíamos prometido, mas parei em frente ao beta e à ômega abalados, não resistindo às vontade de sussurrar bem baixinho para eles em comemoração à minha vitória:
–Perdedores...
E corri para a fora da sala buscando alcançar o moreno, imaginando que aquele sentimento genuíno de vitória não me deixaria em paz tão cedo
(...)
–Ei, Harry! –Toquei seu ombro de relance, enquanto o moreno se apressava em caminhar pelos corredores da faculdade, tão rápido, que até mesmo eu estava tendo dificuldades em alcançá-lo
Ele não me deu ouvidos, apenas caminhou em direção ao estacionamento. Ele estava buscando meu carro, havíamos prometido sair juntos afinal
Mesmo um tanto emburrado, ele não parecia querer cancelar nossos planos
Ter aquele enorme estacionamento vazio só para nós dois, longe dos olhares de todos, me fazia querer estar mais próximo, já que nunca podíamos nos abraçar ou andar de mãos dadas em público
–Bebê, eu estou machucado... –Me estiquei mais uma vez para alcançar seu braço, tentando segurá-lo de novo –Está doendo... Vá um pouco mais devagar
O moreno virou-se para mim em um susto, como se aquilo o trouxesse de volta para a realidade. Não demorou para que um de seus braços envolvesse minha cintura com todo o cuidado, enquanto o outro puxava minha mão, para que fosse jogada por cima de seus ombros
–Vem cá... –Suspirou pesadamente, enquanto a mão que não estava em minha cintura ia até meu peito para fazer carinho e deixar dois tapinhas no local
Caminhamos até a caminhonete preta, de vidros igualmente escuros, estacionada na vaga mais distante da porta do estacionamento, a mesma que havíamos usado para chegar até aqui. Não tínhamos nada a dizer um para o outro naquele momento, ou melhor, talvez tivéssemos e simplesmente preferimos o silêncio
Me sentia mal por ter mentido sobre a queda, mas eu também estaria mentindo se dissesse que não gostava de ter o cuidado do moreno sobre mim. Eu não havia saído ileso, é claro que não, e aquela colisão inesperada com as cadeiras com certeza incomodaria minha coluna por alguns dias, mas ainda não era o bastante para me fazer derramar lágrimas verdadeiras
Harry confiava em mim... Não queria quebrar essa confiança, ainda tão frágil
Ele me mataria se soubesse que eu agi como se aquela queda tivesse doído muito mais do que realmente doeu?
Tinha medo de descobrir a resposta, mas tinha ainda mais medo de que o moreno soubesse por qualquer meio que não fosse eu
No calor do momento, até cheguei a me sentir orgulhoso ao vê-lo brigar com seus amigos por minha causa, mas agora... Agora que minha cabeça esfriou daquela briga. Talvez um pouco desnecessária. Odiei perceber que havia mentido para aquele alfa, que tanto se desgastou ao me ver machucado
Ele se importava comigo... Não gostava de carregar o peso de enganar alguém que correu para cuidar de mim sem sequer pensar duas vezes
–Harry... –Sussurrei baixinho, enquanto me encostava na porta do meu carro, logo a nossa frente –Sobre a queda, eu-
–Eu sei que você exagerou um pouco com o choro –Me interrompeu, como se fosse capaz de ler meus pensamentos –Achei que você não iria me contar... Obrigado
–O quê? C-Como você sabe? –Senti suas duas mãos tocarem o meu peito, dando leves tapinhas de brincadeira. O sorriso que tomava seu rosto era tranquilo, mesmo após aquela briga tão confusa
–Quando vi você levar um soco e cair naquelas cadeiras velhas, fiquei louco de raiva... Queria socar Rony de volta por ter feito aquilo com você e com certeza não estava pensando direito no que havia acontecido –Sua voz era tranquila, baixa e suave. Talvez a adrenalina estivesse baixando pela mudança de ambiente –Mas, quando tudo acabou e eu consegui ver aquela situação direito, sem meus instintos agitados para atrapalhar, me dei conta de que era você quem havia levado um soco... O mesmo cara que eu mesmo já havia socado algumas centenas de vezes no passado
Aquilo era verdade, não fazia tanto sentido me ver cair com um simples soco daquele beta. Seria preciso muito mais para me derrubar e Harry, dentre todas as pessoas, era quem mais sabia disso
–Rony não é tão forte quanto eu e já te vi aguentar muito mais que um soco em nossas brigas da adolescência. Você não choraria por algo tão bobo... É difícil te ver chorar –Ele não parecia chateado em absoluto, principalmente por eu mesmo ter tomado a iniciativa de contar toda a verdade –Sem falar que você é extremamente dramático
–O quê?! Quem te disse isso?! –Apoiei a mão no peito, ofendido
–Se lembra de quando a escola nos levou para uma excursão no bosque e você teve a brilhante ideia de mexer com um animal que tinha duas vezes o seu tamanho? –O moreno relembrou aquele evento vergonhoso da minha adolescência, fazendo minhas bochechas esquentarem em uma fração de segundo –Ele rasgou sua roupa quando levantou as patas da frente, mas você gritou como se estivessem te matando... Fala sério, Draco, você precisava mesmo enfaixar o braço por conta de um simples arranhão?
–B-Bem... –Estava envergonhado demais para me defender
É claro que não precisava, na verdade, nem havia doído tanto. Talvez, pelo meu orgulho, eu tivesse achado melhor fingir que havia me machucado de verdade
–E-Eu estava envergonhado... –Falei o mais baixo que pude –Era melhor agir como se estivesse ferido severamente do que admitir o quão idiota foi aquela ideia
–É claro, Draco... Quem diabos mexeria com aquele bicho arisco só por diversão? –Pude ouvir uma risada baixinha escapar –Mas admito que você me rendeu boas risadas nesse dia
–N-Não ria de mim –Senti meu rosto esquentar ainda mais
Fazia muito tempo desde que eu me senti tão envergonhado
–Desculpa, eu não queria te deixar sem graça –Outra risada baixinha acompanhou as duas mãos que apertaram minhas bochechas –Não é que eu tenha zombado de você... Eu achei divertido, só isso
–Claro, ria o quanto quiser –Cruzei os braços com um resmungo, mas não ousei tirar aquelas duas mãos tão cálidas de onde estavam
–Oh, Draco... –Uma gargalhada gostosa se espalhou pelo estacionamento em um instante, enquanto aquelas mãos ligeiras puxavam meu rosto para mais perto –Agora você está sendo fofo
Aquelas duas íris esverdeadas, lindas demais para serem reais, me encararam em uma mistura de sentimentos indecifráveis. Não importava por quanto tempo as olhasse, não conseguia entender completamente a mensagem que tentavam me passar, ou as emoções que tentavam me transmitir. Era lindo, isso eu podia afirmar, e era confortável ter meus olhos sobre elas, não importando quanto tempo se passasse
Era certo...
–Eu estou sendo fofo? –Meu coração parecia prestes a sair pela boca, de tão rápido que batia, mas eu não desejava interromper nossa conversa
Ele apenas sorriu pela minha confusão... E que sorriso
–Sim... Você é fofo quando fica todo vermelho –E me mostrou outro sorriso, dessa vez um maior ainda
Senti que poderia esquecer como se respira diante daquela expressão
Não sei exatamente como pude ignorar isso por tanto tempo
Era perfeito
Seus dentes eram branquinhos, todos exatamente em seu lugar. Os caninos eram um pouco mais afiados, enquanto os últimos dentes eram perfeitos e alinhados, parecendo ter algumas partes mais pontudas, porém proporcionais. Os dentes de cima, que ficavam mais aparentes, eram retos. Os dois do meio tinham o tamanho certo e os dois seguintes eram minimamente menores, apenas o suficiente para dar destaque aos caninos, que passavam um pouco da linha desses. Os de baixo eram do exato mesmo tamanho, graciosos e adoráveis, e talvez o fato de serem tão perfeitamente iguais fosse o que os tornava tão agradáveis aos olhos
Seus lábios formavam uma moldura perfeita. Eram avermelhados e macios. Atraentes, eu diria. E possuíam ainda uma leve marca, provavelmente de alguma de minhas mordidas, que lhes dava um charme especial. Quando sorria, mostrava os dentes de cima um pouco mais, mesmo que ainda fosse possível ver os outros. As bochechas eram empurradas para cima e apertavam seus lindos olhos verdes, que combinavam absurdamente com os dentes certinhos que exibia
O maxilar reto e o queixo nem tão pontudo combinavam com aquele sorriso alongado, que mostrava todos os dentes em proporções diferentes. Tudo nele parecia combinar, desde o formato pouco redondo do rosto até às sobrancelhas grossas e cheias. Desordenadas, que mesmo assim possuíam um charme próprio. Eram tão próximas dos olhos, que mal podia-se ver as pálpebras e os cílios superiores, destacando ainda mais os de baixo, gigantes e escuros, quase tanto quanto seus cabelos
Aquilo me hipnotizava de um jeito que nem eu mesmo sabia explicar
Digo, por que diabos eu estava tão vidrado no alinhamento perfeito dos dentes dele?
Ele não era nada como os ômegas que me faziam sentir certo tipo de atração. Não havia sequer uma célula do seu corpo que me lembrasse dos meus gostos no passado. Sua altura, seu físico, seus traços faciais... Não havia nada que justificasse
Eu não sabia o que era, mas havia algo nele capaz de me fazer prestar atenção em cada mínimo detalhe do seu sorriso e pensar nele durantes horas e mais horas do meu dia. Havia algo que não me deixava tirar os olhos de cada mísero detalhe daquele rosto perfeito, que parecia ser o mais bonito que já vi na vida
A beleza dele não era brincadeira... Não era exagero dizer que toda a universidade estava de quatro por esse cara
Era surreal que alguém fosse tão bonito
–Ei... O que está fazendo? –Senti um par de braços rodeando meu pescoço, me puxando de volta para a realidade –Está gostando do que vê?
Mordi os lábios ao sentir seu corpo colado ao meu, mas não perdi a oportunidade de responder sua pergunta
–E como estou... –Agarrei sua cintura para impedir o fim daquele contato –Você é lindo, Harry... Lindo de verdade
Eu não sabia por quanto tempo o estive observando, mas suspeitava que haviam sido alguns bons minutos. Não era surpresa que o moreno estivesse tão confuso
–Você também é lindo –Aquele par de olhos verdes me encarou com uma sinceridade gigantesca, enquanto aquela mordida sugestiva nos lábios apenas reforçava o que dizia –Muito lindo
–Cuidado com essa boquinha, babe... –Empurrei meus quadris contra os seus, sentindo minhas calças ficando cada vez mais apertadas –Você sabe que não é difícil me deixar animadinho
Senti apenas a ponta do meu nariz ser tocada pelo seu indicador, em uma clara advertência
–Nada disso... Hoje vamos a um encontro –O moreno continuou com seu dedo exatamente onde estava –Sem sexo hoje
–Ah, eu deveria chorar por isso? –Debochei, enquanto um sorriso ladino brotava em meus lábios –Tudo bem, vamos a um encontro... Também não está nada mal
–Isso mesmo –O alfa sorriu exatamente como eu
Olhe só para ele... Agindo todo mandão
Meu coração estava batendo como louco e eu não podia negar que aquele jeito marrento dele era atraente até demais
Aquele dedinho ousado empurrando meu nariz para longe parecia ser meu ponto fraco... Eu estava ficando sem fôlego
–Esse dedo... Tire ele daí agora –Não movi nem um músculo para tirar ele à força
Essa era a graça dos nossos joguinhos. Não era sobre conseguir o que eu queria, era sobre vê-lo fazer de boa vontade
–Eu posso tirar meu dedo sim –Sorriu, sem ameaçar fazer o que havia dito –Mas só se eu puder dirigir o seu carro
Aquilo me arrancou uma risada verdadeira. Ele realmente estava me pedindo algo assim?
–Ninguém além de mim dirige meu carro, anjinho –Sorri de lado, repleto de malícia –Me peça outra coisa... Qualquer coisa
–Não quero outra coisa –Ele apertou os lábios e inflou as bochechas, agindo como se estivesse emburrado. Sua mão livre beliscou minha bochecha, me arrancando um resmungo, e seus olhos, antes tranquilos, agora me encaravam em um claro desafio
Ele não estava irritado, longe disso... Estava apenas brincando comigo
Toda a faculdade já sabe o quanto eu sou apegado ao meu carro, não era novidade que o moreno soubesse disso também. Esse era o objetivo dele, queria mexer com algo que eu gostava e me irritar um pouco antes de revelar que era tudo brincadeira... Ele não queria realmente dirigir meu carro
–Então, Draco? –Ele apressou minha resposta –O que vai ser?
Com um sorriso de lado, levei uma das mãos até o bolso traseiro da minha calça e puxei de lá a chave do carro ao nosso lado. Apertei o botão para destravar as portas, vendo os faróis piscarem ao serem abertas, e agarrei o pulso do moreno para soltar a chave em sua mão desde a altura dos nossos olhos, tirando seu dedo do meu nariz em consequência
A expressão confusa que tomou seu rosto me fez rir divertido. Algo me dizia que ele não esperava esse desfecho ao ter iniciado uma simples brincadeira
–Ele é todo seu –Sorri de lado, ainda mais satisfeito ao ver suas bochechas tomarem a cor de dois tomates –O que foi? Não sabe dirigir?
Ele ainda parecia surpreso de mais para me dar uma resposta imediata
–Eu te ensino se você não souber –Alisei sua bochecha com certo carinho
–E-Eu tenho um carro, Draco –Ele pareceu voltar para a realidade –Só não gosto muito de dirigir, então ele costuma ficar com o Rony
–Mas o meu você vai gostar –Sorri em convencimento
–N-Não, Draco... Eu estava só brincando –Ele se explicou em constrangimento, não imaginando que chegaríamos a esse ponto –Só queria te provocar um pouco por ter me enganado com a queda
–Bom... Não funcionou –Sorri ainda mais, enquanto me aproximava se seu rosto avermelhado para deixar um selinho naqueles lábios confusos
Abri a porta do motorista e dei passagem para ele entrar. Seus olhos nunca me encararam com tanta confusão e aquilo era adorável. Ele ainda parecia estranhar minha atitude, então apenas sorri mais uma vez e empurrei sua cabeça para baixo, tomando cuidado para que não batesse no teto do carro
Com o moreno já lá dentro, fechei a porta com cuidado e dei a volta por trás para abrir o lado do passageiro. No outro instante, eu já estava lá dentro, colocando meu cinto para esperar que ele desse partida no meu carro tão amado
–Você disse que ninguém além de você podia dirigir seu carro –Aquilo era o que menos fazia sentido na cabeça dele
–Ah, eu disse isso? –Deixei um beijinho em sua testa, enquanto segurava o sorriso por aquela reação tão adorável –Eu não lembro
Não havia o menor problema em mais alguém dirigir meu carro... Não se fosse apenas ele
Eu deveria me acostumar com isso... Se estávamos juntos, ele precisava ter acesso a todas as minhas coisas
Não havia problema... Não se fosse ele
–Você não tem medo que eu bata o seu carro? –Algo me dizia que ele ainda não conseguia entender minhas ações
–Se você bater meu carro, acabaremos no noticiário... Não teremos escolha se não admitir que estamos saindo e a faculdade inteira. Ou melhor, o país inteiro. Vai ficar sabendo da nossa relação –Acabei sorrindo por aquela brincadeira, principalmente depois de ver que moreno realmente se preocupava com aquela hipótese inventada
–V-Você está certo –Os olhos surpresos viraram-se para frente com rapidez, focando no vidro do carro em pura determinação –Não vou bater
–Esse é o meu garoto –Sussurrei baixinho, mais para mim mesmo
O moreno não demorou em dar partida no carro e nos tirar daquele estacionamento escuro e sujo
Sua direção era suave. Não haviam arrancadas ou paradas bruscas, apenas acelerações limpas e confortáveis de aproveitar... Sentia como se apenas aquele passeio de carro fizesse o dia valer a pena
Se não tivéssemos combinado de comer juntos, eu poderia me sentir satisfeito apenas com aquele momento
–Você dirige bem... Nossa –Elogiei enquanto encostava minha cabeça na janela, vendo o moreno sorrir com os olhos ainda na pista
–Deve ser pelo carro –Ele brincou, me arrancando uma risada verdadeira
Minha cabeça não batia no vidro, mesmo que estivéssemos em alta velocidade. O moreno era um motorista cuidadoso, contrariando tudo o que eu imaginava dele no passado, e suas mãos abertas no volante caracterizavam uma forma um pouco única de dirigir. Nunca havia visto alguém fazer uma curva sem agarrar com firmeza o volante do carro... Aquilo me trazia uma sensação estranha de leveza
Era como se eu pudesse dormir com toda aquela suavidade, mesmo na posição desconfortável em que estava... Era até um pouco engraçado presenciar tamanha delicadeza por parte daquele alfa de aparência bruta
–Você não me disse para onde vamos –Sua voz me tirou daquele transe
–O mais longe possível... –Murmurei sonolento, me deixando levar novamente por aquele momento de tranquilidade
Nem ao menos percebi quando meus olhos pesados se entregaram ao cansaço e me permitiram adormecer naquele momento tão inusitado. Era suave... O bastante para me fazer esquecer que estava dentro de um carro
Não faria mal deixá-lo dirigir algumas vezes no futuro...
(...)
Senti uma brisa fria bater em meu rosto, me tirando daquele bom e merecido descanso
Minha paz não durou muito tempo. Para ser preciso, durou apenas os instantes que levei para processar que eu havia dormido enquanto o moreno nos levava para algum lugar improvisado, em meu próprio carro
Pisquei algumas vezes, temendo ser incomodado pela luz do sol, mas, ao abrir um pouco os olhos, pude ver que não havia mais tanta claridade quanto no momento em que adormeci
Por quanto tempo eu havia dormido?
–Já acordou? –Senti uma voz suave acompanhar uma mão cuidadosa, que tirou algumas mechas de cabelo do meu rosto
–Harry? –O chamei em estranheza, notando a ausência da luz do sol
Ao abrir os olhos, pude ver o céu colorido do crepúsculo, em tons magníficos de roxo, rosa e laranja, quase como uma despedida gloriosa para o dia e calorosas boas vindas para a noite. Era lindo, não, impecável... Não acreditava que vivi tanto tempo nesse planeta sem nunca ter visto algo tão bonito
–É legal, não é? –Aquela risada travessa chamou minha atenção
Pude ver o moreno ao meu lado sorrir ainda mais ao ter meus olhos sobre si... Era uma visão de tirar o fôlego
Vendo o dia declinar-se para dar lugar à noite, era impossível não notar o esplendor dos últimos raios de luz solar incidindo sobre aqueles cabelos escuros, que iam se esvoaçando pelo vento gélido de fim de tarde. Os olhos verdes, manchados pelas cores do céu como pinceladas em quadro, acompanhavam as sombras nos montes e as luzes de cor lilás, que vagavam pelo céu hipnotizante e tomavam o lugar do alaranjado, que se escondia atrás do horizonte
As estrelas apareciam as poucos, como se espantassem o sol para tomar o seu lugar no céu, e as árvores ao fim da estrada pareciam balançar com o vento, deixando suas folhas mais antigas se espalharem pelo chão como mais um ciclo que se encerra
O vento soprava, enquanto tudo naquele lugar parecia seguir suas correntes na mais perfeita harmonia, e bem ali, mesclado ao cheiro familiar de menta e chocolate amargo do alfa ao meu lado, um cheiro forte de grama molhada entrava pela janela do carro e invadia minhas narinas, me fazendo inspirar com mais cuidado para aproveitar aquela combinação de aromas... Era agradável
–Por quanto tempo eu dormi? –Esfreguei os olhos, enquanto o moreno tomava minha mão com certo carinho
–Umas três horas, eu acho –Respondeu como se não fosse nada
–T-Três horas?! –Quase me engasguei com minha própria saliva –Que lugar é esse, Harry?
–Meu lugar secreto... –Sussurrou em resposta –É um pouco longe da faculdade, mas vale a pena ver o sol se pôr daqui... Você acordou na hora certa
Meus olhos foram em sua direção, encontrando aquele par de olhos verdes, não mais tão verdes pela mistura de cores que invadiam o carro
Ainda estava maravilhado demais para processar tudo aquilo. Ver aquele monte de cabelos escuros, ainda mais bagunçados pelo vento, me fazia processar as coisas de maneira mais lenta
Era impressão minha, ou ele estava ainda mais bonito agora?
–Vem, vamos sair para dar uma olhada –O moreno saiu do carro e deu a volta para abrir minha porta
–Espera! Sair para onde? –Olhei envolta confuso, não encontrando nada que valesse a pena e que não pudéssemos ver do lado de dentro
–Para de ser chato, Draco –Agarrou minha mão com rapidez, me puxando para fora mais rápido do que eu poderia reagir –Aproveita o momento
Ao sair do carro, pude ver que estávamos em uma estrada pouco movimentada. Parecia alguma parte de uma montanha, pela altura em que estávamos, e os fortes ventos daquela região com certeza não podiam ser de baixas altitudes. A estrada descia até o pé da montanha e se encontrava com uma cabana iluminada bem no meio de algumas árvores mais baixas, típica de filmes, enquanto as montanhas desenhavam o céu como as pinturas de vales que vemos em museus
O céu era lindo, a vista tão alta era ainda mais e ter, dentre tantas pessoas, justo aquele moreno como companhia parecia deixar tudo ainda melhor
Não sabia como, de repente, ele havia conseguido ficar ainda mais bonito
–Você dirigiu por três horas para chegar até aqui? –O encarei descrente, enquanto o mesmo se afastava de mim e caminhava em direção à borda da estrada
Ele apoiou os braços na cerca de metal, feita para impedir os carros de caírem em caso de acidente, e simplesmente ficou ali, apreciando a bela vista como se aquele fosse o momento mais tranquilo de sua vida
–Na verdade foram só duas... O trânsito estava péssimo –Ele me respondeu, sem tirar os olhos da vista que apreciava –Chegamos há pouco mais de uma hora, mas você estava dormindo
–Por que não me acordou? –Me aproximei com cuidado do local em que ele eatava
–Você estava dormindo bem –Não podia ver seu rosto, mas não demorei em me juntar a ele para apreciar a vista em sua companhia –Não tive coragem te te acordar
–Bobo –Empurrei seu ombro bem de leve, atraindo sua atenção –Por que veio até esse fim de mundo?
–Você disse que queria ir o mais longe possível –Ele relembrou –Esse é o lugar mais longe que eu conheço
Meu coração bateu mais forte ao encarar aqueles olhos esverdeados, também fixos nos meus. Eu não sabia o quanto poderia aguentar se as coisas continuassem assim por muito tempo
–Não precisava ter levado isso tão a sério –Encarei seus olhos com afinco, hora ou outra alternando entre sua boca
–Queria te trazer aqui... Você não gostou? –O moreno fez o mesmo, fitando meus olhos para em seguida descer até minha boca
–É claro que eu gostei... Só não estava esperando –Esclareci com um sussurro, sem tirar meus olhos de onde estavam –Você disse que só viria se eu pagasse a conta, então achei que sairíamos para comer em algum lugar legal, ou algo do tipo
–Mas nós vamos comer em um lugar legal –Ele apontou para a cabana iluminada no pé da montanha –Bem ali
Encarei novamente aquele local, um tanto curioso. Dentre tantas coisas, não imaginava que aquela pequena cabana seria justo um restaurante
–Você já foi lá? –Estava cada vez mais curioso
–Sim, muitas vezes. A dona do lugar já me conhece –O moreno riu pela memória –Pode não ser como os restaurantes chiques que você está acostumado, mas é um lugar especial para mim
–Não precisa ser chique –Toquei sua bochecha com as costas da mão –Eu disse que iria para onde você quisesse, não disse?
Antes que eu pudesse me preparar, senti os lábios do moreno se colarem aos meus com rapidez, em um selinho curto, porém carinhoso. Uma risadinha marcou o fim daquele contato, mas eu fiz questão de puxar sua nuca para outro beijo mais intenso e demorado, sentindo que morreria caso não saciasse o desejo que sentia por aqueles lábios avermelhados
–Algo me diz que essa noite vai ser uma das melhores da minha vida –Sussurrei, ainda colado aos seus lábios
–Te trazer aqui já fez todo o caminho valer a pena –O alfa sussurrou de volta, tão próximo quanto
Por que vir até a beira de uma estrada com esse cara parecia algo tão especial?
Meu coração batia tão forte quanto na minha adolescência, era vergonhoso sentir aquilo depois de já adulto, mas eu gostava
–Obrigado por me trazer para o seu lugar secreto –Sorri verdadeiramente, sentindo meu peito se aquecer, apesar do vento frio que atravessava aquela estrada vazia
–Agora é nosso –Ele retribuiu o meu sorriso
Nosso lugar secreto?
Um lugar só para nós dois, longe de tudo e longe de todos, onde podíamos nos beijar, abraçar e andar de mãos dadas sem ter medo de quem poderia estar olhando?
Parecia um sonho...
Eu podia mesmo ser tão feliz com esse alfa? Mesmo depois de ter sido tão cruel e decidido me aproximar dele com intenções tão baixas?
Odiava a mim mesmo por ter feito o que fiz, mas tudo o que eu queria agora era estar com ele
Eu queria... Céus, como eu queria
–Me desculpa por hoje –Senti que precisava falar, mesmo que quebrasse aquele clima agradável –Não queria te enganar, Harry...
–Eu sei que não queria –Assim como a brisa que bagunçava nossos cabelos, sua voz também era suave e cautelosa –Por isso não estou mais chateado
–Mesmo? –A princípio duvidei da facilidade em ser perdoado, mas seu aceno positivo de cabeça foi confiante demais para que eu não acreditasse
–Só espero que não faça isso de novo –Ele me encarou por apenas um segundo, com o mesmo sorriso reconfortante de sempre –Você não pode manipular as pessoas desse jeito, Draco... Eu também tenho sentimentos, entende?
–Desculpa... Eu não sei o que deu em mim –Abaixei a cabeça instintivamente. Pela primeira vez na vida, eu estava envergonhado por ter mentido para alguém em busca do meu próprio benefício –Eu sei que estava errado... Acho que perdi a linha quando escutei falarem mal da nossa relação, mas-
–Sim, você estava errado... Mas eles estavam muito mais –Ele me interrompeu, como se não precisasse ouvir mais nada –Você ter fingido que estava machucado não apaga o que aqueles dois fizeram. Eles ainda me magoaram muito, disseram coisas cruéis e tomaram decisões muito erradas... Isso não é uma balança, onde seus erros anulam os erros deles
–Você deveria estar mais irritado –Não conseguia entender aquela calma toda –Eles te magoaram tanto...
–Honestamente, eu já estou acostumado com esse tipo de coisa... Já foram muito anos ouvindo os mesmos sermões e as mesmas broncas, entende? –Ele riu miserável –Rony é simplesmente sem noção, ele fala o que pensa antes mesmo de pensar. Hermione, mesmo que pareça mais tranquila, não é tão diferente assim... Por ser uma ômega, acho que ela não tem coragem de falar o que pensa na minha cara com o risco de ouvir de volta. Ela é frágil, mas não exatamente inocente
–Olha só... Eu pensei que vocês eram inseparáveis –Ri em ironia, um pouco surpreso com a forma com que o moreno via seus amigos
–Éramos inseparáveis... Antes de descobrirem que eu gostava de alfas –Ele suspirou pesadamente, parecendo decepcionado –Pensei que nada mudaria entre a gente e que me aceitariam de qualquer jeito, mas coisas nunca mais foram as mesmas depois disso
–Eles só dizem que te aceitam da boca pra fora... –Adivinhei sem muito esforço
–Eu não duvido que querem aceitar, entende? Mas talvez a mente deles, juntamente com essa criação tradicional e estrita que todos nós tivemos, esteja atrapalhando um pouco essa aceitação –Ele sorriu tranquilo, quase como se já tivesse desistido de tentar mudar aquele fato –Nunca vão me aceitar... Eu vejo isso nos olhos deles. Também vejo que se esforçam pela nossa amizade, mas é como se estivessem tentando salvar algo que eles mesmos estão destruindo
–Como sabe que nunca vão te aceitar? –Eu não sabia o porquê de eu estar aliviando a barra daqueles dois, mas, naquele momento, ouvir aquilo parecia ser o que o moreno precisava –O mundo está mudando, Harry... Talvez eles também mudem algum dia
–Eu também costumava pensar assim, mas estar com você me fez entender que esse preconceito deles era muito maior do que eu imaginava –Ouvir aquilo me deixou boquiaberto, eu não podia negar –Talvez eles mudem sim, mas, enquanto isso não acontece, eles continuam me magoando e achando que estão lutando pelo meu próprio bem... I-Isso não é justo
–Oh, babe... –Apoiei minha mão ao lado de seu rosto e acariciei o local com cuidado –Eu estou aqui por você
–Isso é reconfortante, Draco... –A mão dele repousou sobre a minha, enquanto um sorrisinho brincava naqueles lábios divertidos –E pensar que eu confio mais em você do que nos meus amigos de tantos anos
–Não é culpa minha se eu cuido de você, é? –Resmunguei ao fim por puro impulso
–Não, não é –O moreno riu ao ver minha birra
Ele estava melhor... Não bem, mas melhor
Já era um avanço
Odiava vê-lo deprimido, mas sabia que dessa vez as coisas haviam sido muito pesadas para se resolverem apenas com piadinhas ou alguns afagos
Eu precisava ter paciência e conter ao máximo os danos
É claro... Eles magoam o próprio melhor amigo e no final sou eu quem precisa consertar o estrago
Tudo bem... Eu faria um trabalho muito melhor, de qualquer forma
Sinto que a nossa relação foi uma força a mais para ele e isso me alegrava imensamente. Ele não precisava mais ter medo de estar sozinho, porque estamos juntos, e sinto que isso era tudo o que ele precisava para cortar essa amizade tão desgastante
Talvez ele só precisasse saber que ainda teria alguém após se afastar daqueles dois
Fico feliz por ser quem mostrou isso a ele
–Você está bem? –Senti que precisava ouvir uma resposta concreta sobre aquilo
–Não... Mas eu vou ficar
–Isso... É assim que se fala –Não pude conter aquele sorriso. Eu tinha tanto orgulho dele –Que tal pensarmos em coisas mais positivas?
–Como o nosso encontro? –Ele sorriu radiante. Um sorriso que ia de orelha a orelha
–Exatamente como o nosso encontro –Não pude evitar de sorrir junto
–Já estou pensando! –Aquela risadinha animada, quase infantil, me arrancou um sorriso bobo
–Então... Quer dizer que está na hora de comer? –Belisquei sua bochecha, recebendo outra risadinha em recompensa
–Sim, está na hora de comer –Seus braços agarraram meu pescoço em um susto, aproximando nossos rostos e nos forçando a encarar os olhos um do outro... Não que permanecer preso naquele verde radiante fosse algum grande sacrifício
Minhas mãos tomaram sua cintura e meus olhos pesaram por puro instinto, aproveitando a respiração do moreno cada vez mais próxima. Não demorou para que nossos lábios se tocassem como de costume, em um encaixe perfeito e confortável, e nossas línguas abrissem espaço naquele beijo em uma total sincronia, como se já soubessem exatamente o que fazer assim que nossos lábios se encontrassem
O beijo que um dia já foi uma batalha por espaço, uma briga para ver quem estava mais perto de tomar o controle, agora não tinha pressa. Sentir a língua dele tocar a minha, como se não precisasse de mais nada para saber meu próximo movimento, era uma das melhores sensações do mundo. Não era rápido, ou desajeitado... Era exatamente como deveria ser
E ali, no meio de tantas coisas certas, aquele cheiro inconfundível me fez cócegas no nariz. Menta com chocolate amargo e o que parecia ser...
Baunilha
–Você cheira bem, babe... –Murmurei, ainda com nossos lábios colados
–É mesmo? –Inclinou a cabeça para o lado, me dando passagem
Afundei o rosto na curvatura de seu pescoço e distribuí beijos molhados por aquela pele deliciosa. Aquele cheiro novamente entrou pelo meu nariz, um pouco diferente do que eu estava acostumado
A baunilha era quase imperceptível, de modo que eu jamais notaria se não estivesse tão perto. Era a primeira vez que eu reparava naquele detalhe tão encantador, mas me sentia verdadeiramente orgulhoso por saber de algo tão particular daquele alfa
Um cheirinho fraco de baunilha, como se apenas algumas gotas de essência tivessem caído no preparo do chocolate. A menta ainda era o maior espetáculo, mas enfraquecia conforme passava mais tempo com o rosto em seu pescoço
Era divino...
–Quantas pessoas já sentiram seu cheiro desse jeito? –Me sentia possessivo quanto àquele detalhe sobre ele, quase imperceptível
Quantas pessoas sabiam que ele tinha aquele cheirinho leve de baunilha?
–Eu não sei... Ninguém nunca me cheirou tanto –Aquela resposta fez meus ombros relaxarem de imediato –Eu acho
–Ótimo... Isso é bom –Deixei beijinhos em sua pele macia, por toda a região em que seu cheiro era mais forte –Muito bom
–Por que quer saber? –Ao me afastar um pouco, pude ver aqueles olhos curiosos me encarando em impaciência
–Porque é delicioso –Apertei suas bochechas com apenas uma mão e o puxei para um rápido selinho –E é só meu
–B-Bobo –Sorriu torto
Aquele sorriso o fez ganhar um outro beijo
Talvez não fosse pelo sorriso. Talvez eu só não conseguisse controlar a vontade que sentia de beijar aquela boca tão...
–Deliciosa...
–O quê? –Pareceu não ter escutado
Fui pego de surpresa, ao nem sequer me dar conta do que havia saído da minha própria boca
Quase como um desejo, mais forte até que a minha vontade de oculta-lo
–Vamos comer –Deixei um beijo estalado em sua bochecha
Me encarou, ainda um pouco curioso, mas não quis insistir
–Vamos sim –Estendeu a palma da mão em minha direção como uma espécie de convite
Tomei ela com um sorriso maior que o rosto, entrelaçando nossos dedos para que não se separassem sequer um centímetro. O moreno sorriu com o encaixe perfeito e gargalhou quando beijei as costas de sua mão, sem tirar meus olhos dos seus
Era certo...
Hoje foi um dia de total confusão... Começamos bem, depois brigamos, e em seguida estávamos bem de novo, mas então vieram aqueles dois para estragar a nossa paz
Quando tudo parecia ter ido por água abaixo, de repente, estávamos bem outra vez... Estávamos juntos nesse lugar magnífico, nos beijando sob os últimos raios de sol do dia e aproveitando a companhia um do outro
Parecia um sonho
E esse dia, repleto de dúvidas e confusões, parecia finalmente fazer sentido na minha cabeça
Eu não era tão teimoso ao ponto de negar as dúvidas que me atormentaram desde o momento em que acordei
Já não eram mais dúvidas... Eram certezas
Meus sentimentos já estão claros... como a mais pura água
Estou apaixonado... Apaixonado pelo alfa que eu jurei odiar até meu último suspiro
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