Luca sabia que aquele dia ficaria marcado em sua memória para sempre.
Afinal, era um dia triste. Por muitas razões.
A maior e mais importante delas era que o pai da Sra. Branzino, uma de suas vizinhas, havia sido pego em uma das armadilhas humanas espalhadas pela água e infelizmente não conseguiu sobreviver a ela.
Quando uma morte ocorria em sua comunidade, fosse por qualquer razão que fosse, todos os membros ficavam de luto, porque era apenas mais um de seu povo que perecia. Ninguém trabalhava ou saía de casa por qualquer razão, para prestar a devida homenagem para a alma que partiu.
Mas quando uma morte acontecia por obra humana, era ainda mais avassalador.
Luca tinha nove anos e nunca havia presenciado um Dia da Dor, como eles chamavam. Sabia que já tinha ocorrido antes, mas era novo demais para se lembrar de qualquer coisa.
Então, naquela manhã que nasceu mais escura e completamente silenciosa, Luca estava se sentindo deprimido. Era quase como se, de alguma forma, todos eles compartilhassem a mesma dor. O que era engraçado, pois quase ninguém conhecia de verdade o velho Sr. Branzino, que vivia recluso em casa ou afastado da comunidade para ter seus momentos de reflexão.
Mas eles ainda sentiam, como se de alguma forma todos eles estivessem interligados em algum nível muito primordial e básico de suas vidas, como uma legião de indivíduos independentes que ainda eram parte da mesma coisa.
Tentar assimilar a morte era uma tarefa complicada. Conceber a ideia de que uma pessoa, com uma vida e memórias e sentimentos havia assim, de uma hora para a outra, deixado de existir... Era algo profundo e misterioso que Luca ainda não tinha a maturidade para entender.
Ele apenas ficava triste pela partida e, quando o Dia da Dor passava, ele tentava acreditar que a alma que havia ido estava em um lugar melhor, aproveitando uma vida que não pôde. Seu povo não tinha muitas crenças sobre aquelas questões, então cada um tentava se reconfortar como podia.
Geralmente funcionava.
A outra razão para Luca estar triste era mais pessoal.
Depois que ele tinha começado a pastorear o cardume de peixes, criou muito mais confiança e foi aos poucos perdendo o medo do mundo lá fora. Agora ele não tinha mais vergonha de cumprimentar seus vizinhos ou de explorar as águas em busca de bons lugares para que os peixes pudessem comer.
E isso o encheu de imaginação e sonhos. Ele sonhava em ir mais longe, ir além do que os limites da comunidade permitiam, explorar todo o Oceano e conhecer toda a beleza e as diferenças que haviam nele. Se imaginava conhecendo outras pessoas, peregrinando entre diversas comunidades, fazendo amigos...
Mas ele também sonhava com o mundo acima da água.
O que era engraçado, pois toda vez que via um barco cruzar a superfície do Oceano um pânico gigantesco o invadia e ele corria para se esconder, como sua mãe sempre o havia dito para fazer.
Mas a cada vez que deitava em sua cama de algas e tentava imaginar como eram os humanos, os lugares em que viviam, as coisas que faziam e como seu mundo funcionava, cada vez mais o medo o abandonava para dar lugar à curiosidade que apenas crescia.
Ele ficava imaginando se todos os humanos eram brutais ou se haviam aqueles que eram gentis e bondosos. Luca queria acreditar que sim, e esse pensamento o deixava com ainda mais vontade de conhecê-los.
Mas Luca sabia que sua mãe nunca compartilhou dessa vontade e que seria difícil de convencê-la a deixar que ele fosse para lá. Ele, no entanto, sentia aquela voz o chamando cada vez que pensava em subir, e finalmente havia criado coragem para pedir permissão a ela.
Com a morte do velho Sr. Branzino, as coisas mudaram drasticamente.
Porque Luca começou a perceber o quão perigosas as coisas eram, ao mesmo tempo que Daniela oficialmente estipulava regras e proibições para ele.
— Você não deve mais ir tão longe para alimentar os peixes. Deve ficar sempre perto de casa ou onde algum adulto possa te ver — ela falava, aflita, e Luca apenas permanecia quieto de cabeça baixa, sabendo que não tinha o que retrucar. — As águas estão ficando perigosas demais. Os humanos, arg... Criaturas horríveis, matam qualquer coisa que veem pela frente, com aqueles arpões e lâminas... Se eles virem você, Luca, não vão ter piedade só por você ser uma criança. Eles nunca tem piedade.
Ela se aproximou do filho, pegando seu rosto nas mãos e olhando nos olhos castanhos dele com medo e desespero.
— Me promete que vai se cuidar quando estiver lá fora, Luca. Promete?
— Prometo, mãe — ele respondeu, cabisbaixo, e ela o abraçou forte.
— Eu não quero que nada aconteça com você. Volte sempre para as refeições, ok? Nem um minuto a mais. E sempre me diga para onde estiver indo quando sair de casa. Sempre que vir um barco, se esconda imediatamente.
A última frase ela sempre repetia, mas parecia que nunca seria o bastante.
— E nunca, jamais, se aproxime de um barco. Ou de redes. Sempre nade atento com as armadilhas. Promete?
— Prometo, mamãe — ele repetiu, ganhando beijos por todo o rosto que o fizeram sorrir tristemente.
E Luca sabia que nunca iria descumprir aquelas promessas, mas todo o seu coração ainda gritava pelo contrário, a cada dia que passava.
Então ele ainda saía para pastorear o cardume, como sempre havia feito, mas nunca deixava de olhar para cima e imaginar como seria sua vida se as coisas fossem só um pouquinho diferentes.
Se tivesse apenas uma chance...
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