Taehyung point vision
Eu planejava um pós noivado um pouquinho mais romântico do que realmente foi. Não que tenha sido ruim, só que eu devo levar em consideração que imprevistos podem acontecer a qualquer hora, e eu realmente não contava que nada daquilo aconteceria — pelo menos não naquele momento.
A parte de acordar Jeongguk com um café da manhã na cama foi preenchido com um V verde na minha lista de “afazeres importantes que um alfa deve praticar após pedir seu ômega em casamento”. Sim, eu fiz essa lista. Nela também tinha tópicos como visitar a família para contar a novidade, marcar um almoço com os amigos, passar algumas horas procurando lugares para a cerimônia, escolhendo a data e até mesmo nossas roupas, só que apenas o café da manhã foi feito com sucesso por conta de diversos motivos.
Primeiro que, enquanto a gente tomava o café, Seokjin ligou dizendo que iria ver o Jeongguk. Ele trazia notícias sobre a segunda audiência e eles precisavam conversar. Neste meio tempo, Hoseok me ligou dizendo que precisava sair comigo e com Jimin, para conversar sobre a vida e desabafar um pouco. Eu já imaginava que o lance dele com o Yoongi estivesse meio conturbado, então eu praticamente não tive como negar — até mesmo o próprio Jeongguk fez uma questão inegável de que eu saísse de casa, o que me levou a crer que ele queria ficar a sós com meu irmão.
Então eu fui. Nós fomos a um restaurante, almoçamos e depois fomos a um café, onde ficamos a tarde de sábado inteira, conversando sobre nossa vida e nossos relacionamentos — óbvio que aproveitei para contar a eles em primeira mão que Jeongguk e eu estávamos noivos. Jimin também contou sobre como sua relação com Yujin está caminhando para frente e sobre como eles estão planejando oficializar o namoro e finalmente conhecer as famílias um do outro. Eu fico muito feliz por isso, é claro. Jimin sempre foi romântico demais, o que o fazia ser um pouquinho seletivo em relação a namoro, e também acompanhei por anos as tentativas falhas da Yujin, de arrumar um namorado decente. Agora parece que finalmente eles encontraram um no outro o que tanto buscavam, e eu que estou de fora, conhecendo os dois como conheço, sei que vai dar muito certo se eles realmente decidirem levar isso adiante.
Já o Hoseok, contou a versão dele da história, e a gente passou a tarde inteira — literalmente — falando sobre isso, tentando dar conselhos e tentando entender os dois lados.
— Eu sinto que o Yoongi é muito inseguro. — Ele explicava mexendo num guardanapo extra que veio junto com sua fatia de bolo. — É como se eu não pudesse interagir com nenhum ômega, que isso já desperta ciúmes nele. Tudo bem que depois que a gente fez a burrada de botar uma traição no meio do relacionamento, parece que absolutamente tudo vira um gatilho. E eu sei como ele se sente, sabe, só que eu queria um pouquinho mais de espaço. Ele me trata como se eu estivesse escondendo tudo dele e tem vez que a única alternativa que eu vejo é de ir para a casa dos meus pais e ficar lá, em paz, sem ter que dar satisfação de nada e sem ser cobrado por nada. — Ele dizia claramente cansado e triste. — Eu sei que é de longe muito estranho eu estar sendo muito amigo de um ômega e passar horas no telefone com ele, mas ele é o tipo de pessoa que me faz bem ter por perto. A gente se conheceu num curso de confeitaria, ele iniciante e eu já veterano no assunto, fizemos amizade, passamos boa parte do tempo disponível falando de glacê e massa de bolo, e é só isso! Ele nunca se insinuou para mim, eu muito menos, e nós nunca falamos sobre nada que pudesse parecer comprometedor.
— E o Yoon está ciente disso? — Jimin chegou a perguntar.
— Claro que ele sabe. Eu falo tudo para ele, só que teve um dia que ele acordou de madrugada e viu que eu estava trocando mensagens com esse meu amigo, e depois disso absolutamente tudo desandou.
— Hoseok, não é te julgando, mas você consegue entender o quão estranho é acordar de madrugada e encontrar seu namorado trocando mensagens com outra pessoa? — Perguntei.
— Sim, eu entendo, mas eu expliquei isso para ele. Ofereci meu celular para ele ver as mensagens, mas ele não quis. Disse que não queria ter que chegar ao ponto de ficar vasculhando o meu telefone. — Ele falava entre vários suspiros. — E eu só estava conversando sobre doces. Eu estava sem sono, ele estava tentando fazer um bolo de aniversário surpresa para o sobrinho e a gente ficou conversando sobre isso. Esse ômega é uma pessoa muito esforçada. Eu vejo muito talento nele. Eu acabei chamando-o para estagiar na minha loja e isso vez o Yoongi explodir. Parece que ele me odeia agora. E para ser sincero, eu quis que ele estivesse comigo na loja para que ele visse que não existe nada além de amizade. Sabem o que é nada? É nada.
— Eu não sei o que dizer além de: entendo os dois lados. — Jimin disse com um sorriso soprado e eu concordei.
— É, não dá para dizer que você ou ele está errado. Na verdade, eu acho que ninguém está errado. Só estão com os pensamentos em conflitos. Ele não está confiando muito em você e você não está passando tanta confiança. Por mais que sua ideia de colocar seu amigo perto de vocês tenha sido de bom coração, para ele que já está surtado, foi apenas uma afronta.
Hoseok estalou a língua no céu da boca e abaixou os olhos.
— Pior que isso está me esgotando. Eu estou cansado de pedir para ele entender, cansado de explicar as mesmas coisas e de tentar manter a calma quando ele fecha a cara para mim só porque meu celular recebeu uma mensagem.
— Por que vocês não dão um tempo? — Jimin sugeriu.
— Ele não quer. Para ele não tem essa de tempo. Provavelmente ele acha que se eu pedir um tempo, vai ser para ficar com o meu amigo sem peso na consciência. — Hoseok revirou os olhos.
— Você se arrepende de alguma coisa? — Pergunto. — Quero dizer, de tudo o que já tiveram, sabe? — Tento não deixar tão claro que quero saber se ele se arrepende de ter se relacionado com outro alfa.
— Do lance da traição é fato. Me arrependo muito. Mas também tem vez que eu penso que eu deveria ter terminado com tudo naquela época. Namorar outro alfa é difícil. Você sempre vai achar que ele estaria melhor se estivesse com um ômega. Ele com certeza também pensa assim, só que ele surta ao invés de vir falar comigo.
E BINGO. Mesmo que ele tenha falado isso por ter notado minha indireta, ele foi rápido demais em responder, o que significa que isso está rondando a cabeça dele.
— Você não terminou porque vocês se amam. — Pontuei tentando colocar uma luz na situação, mas isso só o fez rir.
— O amor não está parecendo ser o suficiente ultimamente.
Enquanto ele falava um monte sobre tudo o que já aconteceu com ele e com o Yoon, que deixou o relacionamento deles por um fio, Jeongguk me ligou. Ao pegar o telefone, eu assustei quando vi que já passavam das seis da tarde.
— Tae, vem pra casa? — Ele pediu manhosinho do outro lado, sem dizer nem “oi” antes. O que me deixou meio preocupado.
— Já vou, amor. Aconteceu alguma coisa?
— Não estou me sentindo muito bem. — Foi o que ele respondeu, sem entrar em detalhes. — Só não demora, por favor?
Seu tom me deixou em alerta, embora eu imaginasse que o mal estar fosse por causa de um monte de coisas que eu vi ele e Seokjin postando no instagram dizendo que tinham comido.
Então eu tive que me despedir. Hoseok ainda queria conversar mais um pouco — ou ele só estava fazendo o tempo passar para não ter que ir para casa —, então Jimin continuou no café junto com ele, prometendo mais um expresso.
Quando cheguei em casa, eu me assustei. Jeongguk estava só de cueca sentado na cama, com o rosto escondido nas mãos. Quando me viu entrar no quarto, ele correu para mim e me agarrou no pescoço. Ele estava quente, extremamente febril e grudando de suor.
— Calma, calma. — O segurei pela cintura e o levei para sentar na cama.
Com minha aproximação, seu cheiro foi de setenta por cento a mil, e aquilo logo me fez entender o que estava acontecendo.
— Você está entrando no cio, né? — Perguntei, claro. O estranho é que ele se entope de remédios, então o cio deveria ser inibido, mas também eu sei que a troca de remédio faz com que o organismo bagunce um pouco, e como ele mudou o anticoncepcional, isso fez com que o cio viesse.
— Eu preciso ir ao médico. — Ele resmungou. — Preciso de remédio para parar isso. Eu vou pegar o Woobin de volta amanhã.
— Tem certeza? — Falei baixo, segurando suas mãos. Seus olhos estavam azulados e o suor começando a escorrer no canto da testa.
— Eu queria… — Ele suspirou, mordendo o lábio. — Faz tempo que eu não entro no cio, sinto falta disso, eu queria passar por ele, mas o Binie, ele…
— Ele está com o pai dele e a Mina também está lá. — Jeongguk me olhou como se esperasse que eu dissesse o que ele deveria fazer. Então eu o fiz. — Quanto ao médico… não faz isso. — Disse acariciando seu rosto. — Por experiência própria, deixa seus instintos aflorarem. Seu lobo precisa disso.
Ele não parou para pensar e nem perguntou se eu tinha certeza daquilo. Tudo o que ele fez foi sorrir para mim e se jogar nos meus braços, sem parecer pensar no dia seguinte.
E foi exatamente por isso, que passamos quatro dias afastados do mundo, fechados no nosso apartamento, em nosso próprio mundo, nos amando e deixando com que nossos lobos estivessem mais próximos um do outro, do que jamais haviam ficado antes.
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Jeongguk point vision
Eu estou na minha sala, suando frio, hiperventilando e sentindo minha garganta pinicar. Meu cio terminou ontem. Jimin foi até lá em casa para me examinar e me dar alta para vir trabalhar, e hoje, assim que cheguei aqui, recebi um recado pelo Josh, dizendo que o senhor Im tinha marcado uma reunião de emergência para antes do almoço, e que minha presença e do Tae era obrigatória.
Todas as coisas possíveis, sendo elas boas ou ruins, passaram pela minha cabeça. Eu não acho que meu chefe faria algo para nos prejudicar, mas ele é o tipo de pessoa que não sai da sala por nada e sempre manda o Taehyung em seu lugar nas reuniões. Só que hoje além de marcar uma reunião em que ele estará presente, é uma reunião urgente. Só consigo pensar que ele vai demitir um de nós ou nos passar um sabão por termos falhado no serviço por três dias, por causa do meu cio.
O Tae está super ocupado. Ele sempre chega no trabalho tentando recuperar qualquer tempo perdido — mesmo que ele nunca saia deixando serviço para o outro dia —, e como ficamos segunda, terça e quarta em casa, o serviço meio que empilhou.
Só que eu não estou me sentindo bem. Além de saber que o juiz marcou a próxima reunião para segunda-feira, e com isso, todos os medos e inseguranças voltaram em cheio, eu estou ansioso porque hoje vou pegar o Binie de volta, e agora tem essa maldita reunião. Estou uma pilha de nervos, minha concentração foi para o espaço, não posso chamar o Tae para conversar comigo, e se eu tomar qualquer remédio para me acalmar, eu vou ficar com muito sono, o que vai me deixar mais inútil do que estou sendo.
Saio da minha sala e vou para o banheiro, dando graças a Deus por não ter ninguém aqui. Pelo espelho, vejo como meu cabelo está grudado na testa pelo meu suor e como estou pálido. É uma cena preocupante para quem me ver sem saber que estou à beira do pânico.
De repente minha boca começa a salivar, a sensação de calor fica mais forte e a dificuldade para respirar aumenta. Lavo meu rosto na água fria, tentando afastar essa sensação desesperadora, só que minha ansiedade só aumenta quando ouço passos de salto caminhando para o banheiro.
Eu até tento me afastar da pia e entrar em alguma cabine, mas sinto minhas vistas falharem, então me agarro na bancada e fecho os olhos.
— Jeongguk?
De todas as vozes de todos os ômegas que eu poderia ouvir dentro deste banheiro, esta é de longe a que eu menos queria ouvir.
— Está tudo bem?
Antes de responder, eu analiso se a pergunta tem algum tom de deboche e se os passos são provocadores. Não encontro nada suspeito.
— Estou passando mal. — Abro os olhos e vejo Yuri colocando uma agenda e uma caneta no outro lado da bancada da pia, antes de se aproximar de mim. Seus olhos parecem atentos, e estranhamente não existe um sorriso em seus lábios.
— Meu Deus, você está sem cor. Quer que eu chame o Taehyung para você?
Nego com a cabeça, sentindo-me zonzo. Minha boca volta a salivar, então eu entro na primeira cabine que vejo, me livrando de todo o café da manhã.
— Meu Deus, Jeongguk! — Yuri vem atrás de mim. Ela segura minha testa e ergue um pouco a minha cabeça. — Eu vou chamar o Taehyung.
— N-não. — Eu digo rápido, mesmo ela não tendo feito nem menção em sair do banheiro.
— Você claramente não está bem. Vai ficar escondendo isso?
— É só ansiedade. Eu estou uma pilha de nervos, por favor, só não zombe disso.
Ouço-a estalar a língua no céu da boca e só. Não fala nada que possa ser constrangedor ou ofensivo, o que me deixa mais confuso ainda.
Quando eu paro de vomitar, ela se afasta. Dou descarga e me sento na privada, vendo-a pegar um monte de toalhas de papel. Algumas ela molha e as outras ela apenas dobra.
— Pegue, passe no rosto. — Yuri me estica as toalhas molhadas e eu as pego, ainda a encarando com desconfiança.
— Obrigado.
Ela se abaixa na minha frente e me encara. Depois que passo o papel molhado, ela me entrega o seco e eu o pego para passar no rosto.
— Obrigado. — Volto a dizer, vendo-a assentir. — Pode voltar para seus afazeres. Vou ficar bem.
Yuri não se move, e a aproximação começa a me incomodar.
— É sério, Yuri, está tudo bem.
— Eu sei, estou vendo. — Ela se mexe e acaba se sentando no chão, o que me deixa muito, muito desconfiado.
Só falta ela começar a pensar que estou grávido e querer usar isso contra mim na audiência.
Ela respira fundo. Por alguns segundos, sua atenção vai para algum cantinho do polegar direito, e depois volta para mim.
— Obrigado pela ajuda. — Digo antes que ela possa pensar em caçoar de mim, ou dizer que fui ingrato. — Só não precisa dizer nada ao Taehyung. — Engulo em seco. — Isso é normal. Ultimamente eu tenho passado por alguns problemas pessoais que… você sabe bem quais são. Isso me deixa mal.
— É, eu sei. — Ela se apoia na porta. — Fui chamada para depor novamente.
Sinto minha garganta se apertar. É difícil saber que o juiz está convocando gente que é contra mim, para uma audiência decisiva.
Suspiro. Meus olhos lacrimejam e eu uso as toalhas de papel para secá-los antes que as lágrimas desçam.
— Acho bom você melhorar essa cara. O juiz vai ficar assustado se ver que tem um zumbi querendo a guarda de um bebê. — Ela ri. — Vão pensar que sumiram com o pai de verdade.
— Não diga isso.
— Hey, era para ser engraçado. — Ela volta a rir, e por mais estranho que seja, eu acabo rindo também. Não sei porque fiz isso. Acho que eu estou desesperado por qualquer coisa que possa me fazer espairecer.
Meus olhos acabam lacrimejando e dessa vez a lágrima escorre. Ela suspira e eu também. Eu não queria demonstrar fraqueza perto dela, mas eu estou desesperado.
— Jeongguk, você me desculpa? — Ela fala de repente, me deixando mais confuso do que já estou. Claramente não é normal ter a Yuri sentada na minha frente, sem fazer piada com a minha cara, sendo solícita e ainda pedindo desculpas.
— Pelo quê?
— Por tudo. Por todas as vezes que machuquei você, por todas as vezes que fui uma pessoa má. Desculpa por ter saído com seu marido, por ter jogado isso na sua cara e por ter te provocado com um assunto que claramente não é fácil para você lidar.
Eu dou de ombros e nego com a cabeça. Como eu definitivamente não esperava por isso, fico meio sem saber o que fazer.
— Eu sei que fui uma idiota sem noção, e me arrependo de verdade.
Ela não parece mentir, e toda essa situação de ela me encontrar sozinho no banheiro numa hora bem coincidente e me ajudar, me faz desconfiar de que ela possa estar dizendo a verdade. O problema é que é a Yuri. Ela nunca joga para perder e isso pode ser um blefe.
— Sinceramente, estou esperando você rir da minha cara e começar a caçoar de mim por ter acreditado que seu pedido de desculpas pode ser verdadeiro.
— É verdadeiro. — Ela diz com convicção, tirando os saltos e esticando as pernas, enquanto se arrasta para a lateral da cabine.
Espero não ficar enjoado de novo.
— É um pedido verdadeiro. Não vejo o porquê de continuar com isso. Estava começando a me fazer mal. Eu sempre chegava em casa e me martirizava por ter falado aquelas coisas com você, com o Taehyung, com a Yujin e com todas as pessoas que eu já fui cruel.
— Por que você fazia aquilo? Eu nunca fiz nada contra você.
— Eu tinha ciúmes. — Ela dá de ombros e faz um bico nada orgulhoso. — Inveja, talvez. Eu sempre dei o meu melhor para esta empresa, sempre me esforcei para criar bons conteúdos, sempre quis uma revista de qualidade a cada edição. Eu sempre dava boas ideias para o senhor Im, algumas ele ignorava, outras ele usava, mas nunca fazia parecer que era algo grandioso. Ele sempre vinha com aquele discurso de que eu era muito competente, mas na hora de eleger um representante ele escolheu o Taehyung. Na hora de promover um criador de conteúdo para designer chefe, ele correu para você, e eu sempre me senti deixada de lado. — Ela bufa e apoia a cabeça na parede. — No dia da reunião que seria a sua promoção, quando eu te vi lá de pé, com a roupa cheia de leite, eu pensei “o que esse garoto tem, que eu não tenho?”. E é sério, Jeongguk, naquele dia eu te achei muito… como posso dizer?
— Despreparado? — Sugiro, o que a faz olhar para mim, fazer um bico e assentir devagar. — Só por causa do leite?
— Não. Porque você parecia muito ansioso, muito nervoso, e aí de repente a reunião foi cancelada porque você estava todo sujo, e acho que foi nesse momento que eu pirei. Eu sempre fui boa para falar em público, sempre soube expor minhas opiniões, sei meus argumentos, sei ser convincente, mas parece que isso nunca foi o suficiente. Quando eu te vi, eu pensei algo tipo assim “será que o senhor Im acha que eu sou incopetente o bastante para que um garoto novato, que fica nervoso quando vai apresentar seu trabalho, seja melhor que eu?”
— Uau, você pensou em muitas coisas.
— E me arrependo de cada uma delas. — Yuri respira fundo e dobra os joelhos. — Eu precisava ser sincera com você. Não adiantaria de nada se eu pedisse desculpas e não te desse uma explicação. Hoje eu sei que o senhor Im não vê muito em mim porque eu estou sempre vendo além do que eu sou e do que eu posso. Quero sempre ser a melhor e estar por cima, enquanto ele só quer alguém que faça o trabalho bem feito e nada mais.
Neste momento eu paro para pensar naquelas cenas de filme em que os inimigos se confessam, dizem que sempre admiraram coisas um no outro e se abraçam para enfim se tornarem melhores amigos, só que isso está longe de encaixar nesta conversa, mesmo que a Yuri esteja se abrindo completamente, sem sapatos e sentada no chão do banheiro, ao meu lado.
— Eu queria ter coisas boas para falar de você. — Sou sincero. — Queria dizer que admiro sua determinação e que acho que você trabalha bem, mas eu não tenho nada disso para dizer.
Ela assente, abaixando o olhar.
— Toda vez que tive a oportunidade de estar perto de você, você era uma chuva de ofensas. Sua determinação em ser boa machucava muita gente, inclusive eu. Sua vontade de estar sempre crescendo, envolvia diminuir os outros, e isso nunca foi algo que eu admirasse. Quanto ao seu trabalho, não posso dizer nada, porque nunca tive a oportunidade de sentar ao seu lado para ver o que você fazia. Você também nunca me apresentou nada, nunca quis compartilhar das suas ideias comigo, e eu sinceramente nunca fui o tipo de funcionário que foca mais no serviço dos outros do que no meu. Sinceramente, eu tinha medo de estar perto de você.
Ela continua calada, sem nada para dizer.
— Quando você fez um inferno na reunião em que meu leite vazou, eu me senti despedaçado. Eu precisava dessa promoção para melhorar meu salário e sair de casa. Eu precisava de dinheiro para me livrar do meu relacionamento tóxico. Porque você pode pensar que o Hyunbin é um sonho por ser bonito e rico, mas o Hyunbin que você conhece com certeza não chega aos pés do que eu conheço. — Vejo-a engolir em seco. — Ele me tratava muito mal, embora não parecesse. Nunca ligou para o filho e me fazia de objeto sexual quando queria. Você incentivar risadas e deboches naquele dia, me fez ter muito medo. Eu tive muito medo de perder tudo. Você conseguiu fazer eu me sentir um nada diversas vezes.
— Eu sei. — Ela diz com um soluço, tampando o rosto. — Eu sempre tive essa péssima mania de pensar que eu poderia ser melhor e que deveria ser melhor. Sempre fui assim. Eu também precisava de uma promoção. — De repente ela tira as mãos do rosto e puxa as toalhas de papel das minhas mãos, para secar os olhos. — Eu tinha um irmão doente. Ele precisava de tratamento e remédios caros. Eu sentia que precisava fazer o senhor Im ver que eu era apta para tudo, a melhor em tudo, para tentar conseguir uma promoção.
— Você tinha?
— É eu tinha. — Ela soluça. — Ele nos deixou há alguns dias. — Diz desolada, esfregando as toalhas já usadas no próprio rosto e manchando a maquiagem. — As vezes que saí com o Hyunbin, não foram porque eu estava apaixonada ou caída pelos encantos dele. Eu só precisava de dinheiro e ele tinha para me dar.
Tampo minha boca.
Yuri me encara e nega com a cabeça.
— Me desculpa, eu estava desesperada. Eu queria dinheiro, eu queria te atingir, eu queria ajudar meu irmão, mas no fim eu só consegui ser odiada por um prédio inteiro. — Ela soluça e tosse ao mesmo tempo. — Eu descontei minhas frustrações em muita gente. Eu estava cansada, sabe? Trabalhava duro todos os dias, saía daqui e ia para o hospital, depois voltava pra cá para ficar fazendo trabalho de treinamento, enquanto poderia estar agregando em algum trabalho realmente importante.
— Todos os trabalhos que você fez durante o treinamento foram importantes. Exceto nas partes que você entrava na sala do Taehyung para humilhar a gente, claro. — Eu rio, mas ela apenas faz que não com a cabeça. — Hey, era para ser engraçado.
— Mas isso não tem graça.
— Dizer que pareço um zumbi também não.
— Me desculpa. — Ela assoa o nariz no papel e eu começo a ficar nervoso. As toalhas já estão esfarelando sobre a pele dela.
Eu fico de pé, me certificando de que não vou ficar tonto, e então saio da cabine. Pego mais um tanto de toalha de papel e volto para a cabine, me abaixando na frente dela. A entrego as toalhinhas e fico encarando de perto ela secar o rosto.
Por fim eu acabo cedendo ao coração mole. Um ômega reconhece o sofrimento do outro e partilha bem disso. Somos companheiros até demais. Então eu a abraço. Ela sentada no chão e eu abaixado.
— Sinto muito pelo seu irmão. — Isso a desarma mais um pouco e ela volta a se desmanchar em lágrimas. Eu me sinto mal. Tanta gente com tanto problema sério, e eu preocupado com uma reunião. — Vai ficar tudo bem.
Yuri soluça.
— O último pedido dele foi para que eu me tornasse uma pessoa menos amarga. — Diz com sofrimento na voz.
— Ele está orgulhoso de você agora, eu tenho certeza.
— Me perdoe por tudo, Jeongguk. Por tudo.
— Está perdoada. — Fecho meus olhos sentindo um alívio tão grande no peito, que acho que há tempos eu não me sentia assim.
Me afasto um pouco e encaro seu rosto.
— Acho melhor a gente sair do banheiro. Alguém pode chegar e te ver assim. Aposto que não quer ser vista dessa forma.
Yuri dá de ombros e se encolhe mais.
— Agora, sinceramente, não me importo muito.
— Jeongguk, você está aqui? — Yujin surge bem de surpresa e arregala os olhos quando nos vê. Eu me pergunto como foi que eu não a ouvi chegar, sendo que seus saltos ecoam no prédio inteiro. Só que a resposta vem bem rapidinha, quando olho para seus pés e vejo um par de alpargatas pretas, bem combinadas com a meia calça e a saia justa. — Não diga nada sobre meu sapato. — Ela alerta. — Eu quero saber, o que está acontecendo aqui? O Taehyung está louco atrás de você e… Yuri, pelo amor de Deus, o que você fez dessa vez? Alguém pode me explicar? — Ela cruza os braços e fica batendo a pontinha do pé no chão.
Uma fofa.
— Yu, agora nós precisamos da sua ajuda. — Digo tentando abrir um sorriso convincente. — Consegue fazer uma maquiagem bem rapidinha? Só um retoque? — Aponto para Yuri, mas Yujin faz um bico para mim e ergue as sobrancelhas.
— E por que eu gastaria uma gota do meu delineador com essa mulher?
— Eu estou te pedindo. As coisas não estão muito boas. É só uma ajudinha.
Ela bufa e revira os olhos, enquanto desarma a pose de durona.
— Eu ajudo, mas se ela disser um A para me ofender, a maquiagem que vou fazer nela é de qualquer personagem bem cruel de um filme de terror. E olha que minha maquiagem não sai tão fácil, hein.
— Yujin, dessa vez é sério. — Falo baixinho, vendo-a assentir.
— Tá, tudo bem. Vamos, eu vou pegar minha bolsa.
Eu ajudo Yuri a ficar de pé, mas dou espaço para que ela se recomponha. Chego perto da Yujin e sorrio.
— Alpargatas?
— Sabe como é, né? O Jimin não é tão alto. Com o salto eu estava chegando bem perto e eu confesso que isso não é muito romântico.
— Então as coisas estão ficando sérias, hm?
— Isso é assunto para outra hora. — Ela faz um bico divertido. — E eu disse para não falar sobre meu sapato. — Yujin sai andando na frente quando vê Yuri se aproximando.
Quando faço menção em seguí-la, minha ex inimiga me segura pelo braço e olha em meus olhos, finalmente.
— Hoje, o senhor Im vai ter uma reunião com vocês.
— É, eu estou sabendo. — Rio soprado, esfregando minhas mãos. — E estou nervoso com isso.
— Não fique. Ele vai oficializar sua matéria na revista. Ao invés de ser uma matéria bônus no canto da página, seu conteúdo vai entrar no sumário como conteúdo oficial. Esta foi… digamos que a única ideia que veio de mim e que ele levou a sério.
Eu abro a boca perplexo. Por mais que fosse legal ouvir isso do meu chefe, eu achei bom ela me avisar, antes que eu começasse a vomitar pelos cantos de novo.
Fico sem palavras. Não consigo nem perguntar como e porquê de ela ter falado sobre isso para o senhor Im. Eu fico simplesmente parado, com a boca aberta e com o coração disparado.
— Hey, vocês não vêm? — Yujin nos chama no final do corredor dos banheiros.
— Parabéns, Jeongguk. Você merece. — Yuri solta meu braço e sai andando.
Eu continuo sem saber o que dizer. Me limito a andar atrás dela, mas ainda calado e perplexo, tentando assimilar tudo o que aconteceu nos últimos quinze minutos.
✦✦✦
— Papa!
Ouvir a voz do meu filho é o que me tira do meu mundinho preocupado, ansioso e feliz, e me traz de volta para a realidade. Mal percebi quando Hyunbin parou o carro na entrada e Mina abriu a porta.
— Ei meu amor! — Eu corro até ele, pego-o nos braços e lhe dou um beijinho na cabeça. — Que saudades de você, meu pequeno!
Binie me olha com uma carinha feliz e aperta minhas bochechas, do mesmo jeitinho que ele faz com o Taehyung.
— Papa.
— Como você está, meu coração? Hm? Conta tudo pro papai.
— Bem, como você pode ver. — Hyun sai do carro e fecha a porta com delicadeza. Ele me oferece um sorriso galanteador e joga os cabelos para trás, vindo para perto de mim. — Fui um bom pai, não fui? Olha só, ele está feliz, está bem, saudável…
— E ele ganhou peso. — Mina diz sorridente, tirando o bebê conforto do carro, junto com a bolsa do Binie.
— Deixe-me ajudar com isso. — Hyunbin pega a bolsa em sua mão e vai até o porta-malas para tirar o restante das coisas. — Nós tivemos bons momentos entre pai e filho.
Eu olho de relance para Mina e ela não faz cara de deboche, mas também não assente. Fica quieta, discreta, como sempre fez.
— E o cio, ocorreu tudo bem? — Ele tem que perguntar, óbvio.
— Sim, claro. — Respondo o mais seco possível, para que ele não pense que estou dando confiança para continuar com o assunto.
— Que bom. Então, seu namorado vai descer para te ajudar com tudo isso ou posso subir para deixar no apartamento?
— Ah Hyunbin, por favor, né? Não está me perguntando isso, está?
Ele faz uma cara de desentendido e dá de ombros.
— O Taehyung não está em casa e eu consigo subir com tudo sozinho, obrigado.
— Eu também não sou uma planta, vale lembrar. — Mina ergue uma das mãos e sorri sem graça.
— Claro que não, poxa. — Hyun a acaricia na cabeça e lhe dá um beijo na têmpora. Ela o encara tão confusa quanto eu. — Essa mulher aqui é de ouro, Jeongguk. Cuida do nosso filho muito bem. Ela me salvou de muitos apuros, sabe?
— É, eu imagino. É por isso que eu vou liberá-la para ir para casa. Mina, eu sei que você não é uma planta. — Rio, a deixando corada. — Mas de verdade, vá para casa, descanse. Eu tomo conta de tudo a partir daqui.
— Olha que maravilha, ganhou uma folga. — Hyunbin com aquele jeito dele de quem quer se mostrar bom demais, dá uma risada exagerada e dá um leve aperto no ombro da Mina. — Se quiser, posso te deixar em casa.
— Ah não, de jeito nenhum. Não se incomode, senhor Lee, eu pego o metrô.
— Mas não é um incômodo. Imagina, pelo tanto que você me ajudou nesses dias, isso é o mínimo.
— Vá com ele, Mina. Hyunbin tem gasolina de sobra para gastar.
Ela fica naquele impasse entre aceitar ou não. Eu sei que ela o considera demais e eu não a culpo. Como eu sempre disse, ele é uma pessoa boa — com os outros, vale ressaltar. Como chefe, nunca deixou a desejar. Como chefe da Mina, foi melhor ainda, porque ele é de fato bem agradecido por ela estar sempre por perto, fazendo mais do que é realmente sua obrigação. Ele sempre lhe dá um agrado, sempre faz questão de comemorar o aniversário dela e tem um respeito muito grande por ela.
— Vamos, Mina, eu te deixo em casa em menos de dez minutos.
— Ah, é… tudo bem então. Só vou ajudar o Jeongguk a subir com as coisas.
Hyunbin ergue as mãos e assente, prometendo que vai ficar esperando no carro.
Nosso processo de subida é rápido, porque milagrosamente o elevador estava no térreo.
— Foi tudo tranquilo lá, Mina? Nada de extraordinário durante o meu cio, né?
— Não, nadinha. Hyunbin ficou falando o tempo todo sobre você estar passando o cio com outro alfa, mas nada de preocupante.
— Ah sério que ele ficou te enchendo com isso?
Ela ri daquela forma fofa e doce.
— Sabe como ele é. Tem vez que eu acho que ele sofre de verdade por sua causa.
— E você sente pena dele por isso?
— Guk, por mais que eu ache o Hyunbin um chefe legal, isso não faz com que eu ache ele um alfa legal. Saímos fugidos daquela casa. Todo e qualquer sofrimento dele a seu respeito, é mais que merecido. — Ela ergue as sobrancelhas e inclina um pouco a cabeça. — Só não conta para ele, porque sabe como é, ele paga meu salário.
— Relaxa. Segredo nosso.
Mina se aproxima calmamente com um sorriso fofo, segura o bracinho do Binie e lhe dá um beijinho na bochecha.
— Tchauzinho meu amor. Até amanhã, viu?
— Mina, tire amanhã de folga e o fim de semana também. Amanhã eu vou deixar o Binie na casa dos meus pais enquanto eu trabalho. Meu pai disse que quer ficar um pouco com ele. Segunda-feira vai ser a segunda audiência, então vou precisar de você. Mas até lá, descanse desses dias que você ficou por conta do Hyunbin. Tudo bem?
— Tem certeza?
— Claro que sim. Vou curtir muito o meu filhote, nós vamos passear, não é filho? Papai quer ficar de grudinho com ele.
— Ah, então tá. Agradeço sua bondade, Guk.
— Imagina.
— Bom, então eu já vou, antes que eu perca minha carona.
— É verdade. Quando descer, o Hyunbin vai fazer um interrogatório para saber se o Taehyung está aqui, se está tudo organizado… — Digo abrindo a porta e liberando a passagem para ela.
— Ah, já me acostumei. Mas ele sabe que não precisa esperar muito de mim, então é isso aí. Então Binie, até segunda-feira. Vamos torcer para o juiz ser bonzinho e inteligente, claro, e deixar você com seu papai Guk.
— Amém.
— Amém. — Ela repete. — Aproveitem o fim de semana.
— Você também. — Digo por fim, antes de ela dar as costas e caminhar para o elevador. Quando as portas dele se abrem, Taehyung está chegando. Eles se cumprimentam rapidamente e trocam de lugar. Ela entra no elevador e ele vem em nossa direção, segurando várias sacolas do mercado, com um sorriso largo escancarado no rosto.
— Ei coraçãozinho do Tae!
— Papa! — Binie se remexe no meu colo com entusiasmo, esticando as mãozinhas para ele.
Entramos no apartamento, Tae deixa as sacolas na bancada da cozinha, lava as mãos e vem até nós, tirando o Woobin do meu colo e o erguendo bem alto.
— Que saudade de você, seu apertador de bochechas sapeca!
Woobin já está curvado, beliscando as bochechas do Tae com tanta força, que se ele fosse um bebê alfa, com certeza ia machucar.
— Eu senti sua falta, sabia?
— Sabia. — Ele responde baixinho, fazendo o Taehyung rir convencido.
— E olha só, o TaeTae foi levar os filhotes para tomar banho com o tio Namjoon, e no meio do caminho ele passou no mercado comprou um monte de mini salsichas para você! Vamos comer cachorro quente, tá bom?
— Tabo.
— Ta bom, Binie? — Pergunto, achando super engraçado ele conversando com o Tae.
— Tabô. — Ele me responde com um sorrisão meio banguela e meio com dentes.
— Seu sapequinha, então vamos tomar um banho e colocar suas roupinhas para lavar. Temos que arrumar a bolsa para você ir para a casa do vovô e da vovó amanhã também.
— Isso, enquanto vocês se arrumam, vou preparar o jantar. — Tae me entrega o Binie e me dá um selinho rápido. — Ah e antes que eu me esqueça, o Jin estava lá na clínica e disse que quando eles voltarem para casa, ele vai te ligar para vocês combinarem algumas coisas sobre a audiência. Ele parecia tranquilo e disse que não é nada além do que vocês já fizeram na primeira, então acho que é coisa rápida. O Namjoon disse que vai trazer os filhotes lá pelas sete, que é quando eles fecham a clínica, então…
— Tudo bem, vou deixar meu celular carregando então.
— Tabô. — Ele imita o Binie e sorri, me dando mais um selinho. Um mais demorado agora.
Eu vou para o quarto para começar a separar as coisas para dar banho no Woobin. Enquanto ele esteve com o Hyunbin, eu e o Tae demos uma organizada no quartinho para ficar mais infantil e mais parecido com meu filhote. Está tudo tão lindinho, que até eu sinto vontade de dormir aqui abraçado com algumas pelúcias.
Eu encaro meu bebê e me sinto aliviado. Por mais que o assunto da audiência seja um peso para mim tanto quanto foi da primeira vez, agora eu me sinto mais confiante. Também, olhando para Woobin, eu vejo que se a resposta do juiz foi negativa para mim, ele ainda vai ter a Mina para cuidar dele. É claro que eu não quero pensar nisso e nem quero que a responsabilidade do meu filho caia sobre os ombros da babá, mas eu sei, por mais que eu confie no Seokjin e acredite que a justiça será feita, eu sei bem que não posso descartar a possibilidade do Hyunbin ganhar a guarda do meu filho.
Agora as coisas estão caminhando bem, por exemplo, o senhor Im realmente oficializou minha matéria na revista, meus pais já não são mais um problema para mim, estou finalmente me livrando do Hyunbin — enquanto ex, claro —, não preciso mais lidar com as indiretas da Yuri no trabalho e agora estou noivo. Eu sinto que essa onda de sorte pode fazer eu ganhar a guarda do meu filho. Como Seokjin vem dizendo, eu só preciso mostrar o pai que sempre fui e como quero ainda estar com meu filhote.
Estou com tudo pronto. O diário que tinha suco derramado foi refeito, deixei tudo coloridinho, mas organizado. Fiz uma capa bonitinha durante meu horário de almoço e depois finalizei com capricho.
Espero que dê tudo certo.
— Amor — Tae dá dois toquinhos na porta, mesmo ela estando aberta.
— Oi.
— O Yoongi está vindo aí.
— Agora?
— É… ele estava arrasado no telefone. Deve ter acontecido alguma coisa. Ele pediu pra passar a noite aqui.
— Ai, puxa… Será que ele e o Hoseok…
— Pois é, estou achando. Vamos ver quando ele chegar. — Apenas concordo com a cabeça. — Vou fazer mais sanduíches. Bom que a gente já chama o Namjoon e o Seokjin para jantar, caso eles queiram.
— Ok, daqui a pouco eu vou lá te ajudar.
Taehyung point vision
Yoongi chegou mais rápido do que eu pensei que ele chegaria. Jeongguk ainda está terminando de dar banho no Woobin, o que me levou a crer que, ou ele já estava na rua, ou veio numa velocidade muito alta.
Quando abro a porta, dou de cara com meu amigo com os olhos inchados e o rosto bem vermelho. Eu acho que fiz uma careta de pena ou sei lá, porque ele ergueu uma das mãos e respirou fundo.
— Estou bem.
— O que aconteceu? — Digo, dando espaço para ele entrar.
Yoongi coloca uma bolsa em cima do sofá e se vira para mim, jogando os cabelos para trás.
— Sei lá, eu… resolvi sair de lá.
— Assim, do nada?
— Não, é que… ai Taehyung, não sei se quero falar disso. — Ele umedece os lábios e vejo a linha d’água cintilar em seus olhos. — Na verdade eu quero falar sobre isso, mas não sei se consigo. Só quero dormir aqui, amanhã eu vou para a casa dos meus pais.
— Fica tranquilo. A casa é sua, Yoon. — Digo, caminhando até o balcão da cozinha. — Estou preparando o jantar. Se quiser tomar um banho, fique à vontade. Tem o escritório também, caso você precise de um tempo sozinho, não sei.
— Não se preocupe comigo para o jantar. Eu realmente só quero dormir, sabe? Amanhã é outro dia, aí eu resolvo minha vida.
— Meu irmão daqui a pouco chega aqui com o Namjoon. Eu deixei meus filhotes para tomarem banho lá na clínica e eles irão trazer, então se você quiser, fica lá no escritório. Depois a gente vê um lugar para você dormir. O Binie voltou, então não sei se você vai querer dormir com ele lá acordando de madrugada, né.
— Eu durmo em qualquer lugar, Tae, não se incomode. Eu posso dormir no chão, não tenho problemas com isso. Eu só-
— Yoongi! — Jeongguk vem chegando com o Binie, ignorando completamente o rosto inchado do meu amigo. — Olha só amor, o tio Yoon está aqui!
— E aí, garotão.
Woobin como um bom anfitrião abre um sorriso sapeca e estica uma pelúcia para o alfa.
— Olha só como ele está mais sociável. — Yoongi observa, pegando a pelúcia e se assustando quando Binie pede para ir em seu colo. — Uau, é sério! Por que está tão sociável? — Ele o pega. — Me lembro que no seu aniversário a gente tinha que manter distância segura. — Ele tenta ser divertido, encarando Jeongguk que está tão surpreso quanto ele.
— Sei lá… acho que eu também estou surpreso. — Guk cruza os braços e fica rindo incrédulo.
— Binie, chama o tio Yoongi para comer cachorro quente. — Chamo sua atenção. — Já está quase pronto.
Ele fica me olhando, tentando assimilar.
— Fala, filho — Jeongguk repete. — Vamos comer cachorro quente?
— Tenti?
— Isso. Quente. Cachorro quente. Fala que tem salsichas.
— Sasisa? — Binie cochicha olhando para Yoongi, que acaba sorrindo. Quem conseguiria ficar sério com uma fofura dessa?
Enquanto ouço todo o diálogo e separo os molhos para que possamos comer, meu celular recebe uma mensagem do Hoseok. Ele está perguntando se o Yoongi chegou aqui. Apenas digo que sim e pergunto se ele tem algum recado. Hobi responde com um simples “não”, depois agradece e me deseja boa noite.
Certo, o que é que tenha acontecido entre os dois, não foi coisa tão simples assim, e agora eu preciso que eles se sintam à vontade para se abrirem para mim, para que eu possa tentar fazer alguma coisa para ajudar.
✦✦✦
— Pensa com carinho, tá? É o aniversário do papai que está chegando e eu acho que eles ficariam felizes se aparecêssemos por lá. — Seokjin tenta me convencer a dizer sim para uma viagem rápida para Daegu no fim de semana que vem.
Ele e Namjoon vieram trazer Nick, Luke e Meggie, e enquanto Namjoon se enfiou num assunto sobre viagens com Yoongi e Jeongguk, Seokjin ficou me perturbando enquanto se entupia com meu molho de salsicha. Achei que ele passaria tempo o suficiente com Jeongguk falando sobre a audiência, mas parece que ele tem tudo planejado. Aposto que fez um cronograma mental e colocou um horário para encerrar o assunto com o Guk para vir falar disso para mim.
— Já falei, vou pensar, vou analisar, tenho coisas para resolver e você sabe que esse não é o tipo de coisa que a gente decide do dia para noite. — Me apoio na porta, vendo Namjoon encará-lo com o semblante cansado, enquanto ele se nega a ir para o elevador, só para ficar pegando no meu pé.
— Só promete que vai pensar com carinho.
— Prometo.
— Mas é sério.
— Ele já prometeu, Jin, agora podemos ir? Amanhã eu preciso estar na clínica antes das seis e eu realmente preciso dormir. — Nam praticamente implora, vencendo meu irmão pelo cansaço.
Ele suspira e deixa os ombros caírem.
— Tudo bem. — Seokjin me deixa um beijo na bochecha e faz um carinho rápido nos meus ombros. — Boa noite.
— Boa noite.
— Vamos. — Namjoon entrelaça seus dedos e eles saem andando juntos.
Quando volto para o interior do apartamento, encontro tudo silencioso. Woobin já foi dormir e eu desconfio que o Jeongguk dormiu junto, porque já faz algum tempo que ele foi para o quarto.
Yoongi está na cozinha, encostado na bancada, com um copo de suco na mão.
— E aí. — Me aproximo e me sirvo com suco também. — Acho que o Jeongguk dormiu com o Woobin na minha cama, então você pode dormir no quarto dele, se você quiser.
— Não… deixa o baby no quarto dele. Eu me contento com o sofá, com o chão, qualquer canto.
— Relaxa, cara, fica lá. — Dou uma golada no suco. — Mas, você está melhor? Quer falar no assunto?
— Bom — ele suspira, colocando o copo sobre a bancada. — Eu meio que resolvi dar um tempo. Sei lá, eu só falei que ia vir pra cá e pedi pra ele não me ligar.
— Ele e o ômega…
— Hui. O nome do ômega é Hui. Eu preciso falar o nome porque se eu disser “seu amigo” ou “ômega” ou “novato da sua loja” ele acha ruim comigo. Mas não. Quer dizer, acho que não. Só que eu sinceramente estou cansado, entende? A gente não pode ter um segundo a sós em paz, que sempre tem uma ligação ou mensagem daquele garoto. Tudo bem, podem ser só amigos, só que tudo tem limite, caramba. — Ele volta a pegar o copo e aproveita para dar uma golada no suco. — Eu estou de saco cheio disso. Falei pra ele que precisava ficar um tempo longe, pra ver se pelo menos recuperar minha paciência eu consigo.
— Então vocês não chegaram a terminar?
— Não. Na verdade, não dissemos isso em palavras.
— E agora, o que pretende fazer?
— Eu não vou correr atrás. — Ele diz decidido. — Vou ficar na casa dos meus pais, não vou sair para lugar nenhum, vou deixar ele pensar e ver o que quer.
— Mas ele vai achar que tudo entre vocês acabou.
— Ele sabe que não. Eu disse muitas coisas a ele antes de vir pra cá. Coisas boas, sabe? Eu disse tudo o que eu sinto por ele e como eu estou me sentindo com tudo isso, inclusive com ele dizendo que eu estou sendo egoísta, ciumento e imaturo.
Deixo meu copo de suco na bancada e me sento sobre ela.
— Vocês já conversaram sobre isso com calma? Num momento em que não estão de cabeça quente?
— Várias vezes. Em todos os momentos possíveis. Acredite, já falamos muito sobre isso. A minha psicologia individual me ajuda a não surtar em certos momentos e a agir com mais tranquilidade do que eu agiria se não fosse um psicólogo. — Ele estala a língua no céu da boca. — Hoje mesmo, quando saí de lá, não estávamos fazendo escândalo. Só perdi a paciência e disse que viria pra cá. Claro, disse que viria depois de falar muitas coisas para ele.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Claro. — Ele dá um sorriso lateral e nasalado.
— Você acha que o fato de vocês dois serem alfas, faz com que vocês… sei lá. — Dou de ombros sem saber como fazer a pergunta e não parecer um sem noção. — Você acha que se um de vocês fosse ômega…
— Você está querendo saber se seria mais fácil?
— É…. assim, vocês apostaram tudo para estarem juntos, né? E agora tem um ômega na jogada, que mesmo que seja só amigo, está abalando a relação de vocês.
— Sabe qual é o maior problema? — Ele franze o cenho e senta na bancada da frente. — O problema na verdade não é ele ter um amigo. Não é o amigo ser ômega. Não é…. ele dar atenção pro Hui. O problema é ele passar isso por cima da gente. Por exemplo, não dá pra fazer uma viagenzinha no fim de semana, porque tem curso online com o Hui. Não dá pra ir ao cinema, porque marcou de ensinar uma cobertura nova para o Hui. Não dá pra ver a porra de um filme comigo numa sexta a noite, porque o Hui está com problemas na receita do bolo que ele está fazendo para o curso de sei lá o quê. Não dá pra gente se beijar, porque o Hui está mandando mensagem a cada cinco segundos e eu não consigo ter paz com aquele celular apitando, sabendo que é o Hui e sabendo que ele quer parar o beijo pra atender o moleque.
Eu acabo rindo. Ele está frustrado, eu sei, mas ele fala de um jeito tão engraçado, que eu só consigo rir.
— Moleque? Quantos anos ele tem?
— Sei lá. Deve ser uns vinte. Ele é novinho. Deve tá procurando a porra de um, literalmente, SUGAR daddy e achou o besta do Hoseok.
Agora eu começo a gargalhar e ele também.
— Trocadilho horrível esse do sugar. — Comento.
— Papai de açúcar. — Ele diz com uma vozinha fina. — Hobi hyung, me ensina a confeitar um cupcake com o bico seis-nove da Lilycake?
Continuo rindo.
— Ah, vai se foder. — Ele se levanta da bancada. — Eu não faço ideia do que é um bico e muito menos quem é Lilycake, mas quando ele lançou aquele seis-nove, eu senti tanta vontade de cortar a língua dele.
Eu preciso me segurar para não rir escandalosamente.
— Só passou pela minha cabeça que ele estava propondo um meia-nove com o meu Hoseok. Aquele safado. Sério, Tae, você não tem ideia de como ele é meloso. Ele fica ronronando quando está distraído, manda uma porrada de emoji de coração, de bombom, de docinho e fala fino. Caralho, ele é irritante.
— Ele é ômega. — Digo como se fosse óbvio.
— Não, não. O Jeongguk não é assim. O Jeongguk tem postura, tem classe, não fica conversando com você como se estivesse gemendo. Para, isso é demais.
— Cada um é cada um, Yoon. O Jeongguk não é assim, mas a Narissa era. Quando ela estava interessada em alguma coisa, ela falava fino comigo também. Os ômegas são diferentes, assim como os alfas. Eu sou um tipo de alfa, você é outro, e esse ex filho da puta do Jeongguk é um outro completamente diferente. O Hui do Hoseok deve ser carente, sei lá.
— Hui do Hoseok é o caralho.
— Você entendeu.
— Ele vai acabar tirando o Hobi de mim, aquele fodido.
— Para, Yoongi… — Rio soprado.
— Hoseok está encantado com o jeito melação dele. Eu não sou assim e nunca vou ser. O Hobi é alfa, com certeza isso está mexendo com o lobo dele. Porque falando sério, nós alfas somos territoriais e nós dois temos uma relação de anos. Aí do nada aparece um ômega assim, que faz ele se sentir o maioral, e ele não vai gostar?
— Eu te entendo. Entendo sua preocupação e sua dor.
E a verdade é que eu entendo mesmo. Passei muito tempo com medo de que o Jeongguk pudesse me deixar se visse em mim o mesmo alfa fraco que a Narissa via. Entendo o que é ser inseguro e se sentir menor do que alguém.
— Outro dia o Hui estava lá na doceria falando com o Hoseok sobre como gostava de planejar festas para os filhos que ele nem tinha ainda. O Hobi ficou lá igual a um bobo, babando nas ideias, dizendo que era tudo muito lindo e que amava bebês… a gente nunca vai poder ter um bebê.
— Vocês podem adotar.
— Ah claro, Taehyung! A justiça vai sim querer dar a guarda de uma criança para dois alfas. Vai, com toda certeza. E eu também não penso muito nisso. Não sinto vontade de ser pai. Nós nunca falamos sobre isso, porque eu achava que era óbvio para nós dois, mas agora eu já não sei.
— Viva um dia de cada vez, Yoongi. Vou te dar o conselho que um dia você me deu. É um dia de cada vez, uma hora de cada vez, um minuto de cada vez, e se for necessário, um segundo de cada vez. Amanhã vai ser um novo dia. Amanhã vocês estarão de cabeça fria, se tiverem que conversar, vão conversar, se não, esperem mais um pouco. O que eu sei, vendo tudo isso de fora, é que vocês não vão acabar sem antes colocarem as cartas na mesa. As coisas vão se resolver.
Ele assente e respira fundo. Seu semblante está cansado, e com isso, resolvo que é melhor a gente se deitar. Como eu esperava, Jeongguk está dormindo na minha cama com o Woobin, então ofereço a cama do quarto do Binie para que ele possa dormir, e assim ele vai. Parece estar cansado demais para insistir em dormir em outro lugar. Olho meu celular, tem apenas uma mensagem do Hoseok, a qual eu abro assim que vejo.
“Me dê notícias se ele fizer ou falar qualquer coisa. Ele pediu um tempo de mim, então vou tentar respeitar isso. Só te peço, por favor, me avise se qualquer coisa acontecer. Ele saiu muito mal daqui.”
Respondo com um “ok” e digo para ele não se preocupar. Espero conseguir ajudar esses dois, porque sinceramente, vai ser um término triste, se realmente acontecer.
✦✦✦
Jeongguk point vision
Eu estava prestes a pedir o Tae para buscar um expresso para mim, quando eu, Seokjin, Hyunbin e seu advogado fomos chamados para dar início à segunda audiência.
Hyunbin está aqui ajeitando a gravata e acabando com o estoque de água da sala, como se estivesse em um restaurante, esperando a comida chegar. Seokjin está folheando meu diário e o advogado dele só está encarando algum ponto aleatório. Parece até que não quer fazer nenhum movimento brusco, para evitar de chamar a atenção.
Eu estou nervoso, como sempre. Deixar meu filhote no colo do Taehyung do lado de fora, todo arrumadinho e com uma bolsa pronta para o caso de ele ter que ir para a casa do Hyunbin, me deixa com o coração aflito. Por mais que durante os quinze dias eu tenha visto que as coisas foram mais tranquilas do que esperado na casa do meu ex, a ideia de não estar todos os dias com meu filho me assusta, esmaga meu peito e corta a minha respiração.
— Jeongguk, não se preocupe. — Hyubin chama a minha atenção de repente. De lado vejo Seokjin erguer os olhos e as sobrancelhas, provavelmente pronto para cortá-lo por qualquer coisa que puder falar para me desestabilizar. — Eu sou o pai dele. Independente do resultado, eu não vou fazer mal nenhum ao nosso filho e também não vou escondê-lo de você, como você meio que fez comigo.
Eu apenas assinto e abaixo o olhar novamente. Estou cansado de implorar para ele parar com isso ou para enfiar na cabeça de uma vez por todas, que ele não é um bom pai e que não vai conseguir suprir o que uma criança precisa, que vá além de bens materiais. Não adianta eu falar mais nada, o juiz com certeza tem um veredicto desde a primeira audiência e só está prolongando isso para me fazer sofrer mais um pouco.
Em menos de cinco minutos o senhor Choi Yejun se junta a nós na sala, tomando posse de seu lugar e nos cumprimentando com educação, como da primeira vez.
— Podemos começar? — Pergunta, como se fosse adiantar alguma coisa se algum de nós dissesse que não.
— Claro, vossa excelência. — Seokjin como sempre, o mais educado da situação inteira.
— Então, só para relembrar, eu pedi a vocês diários, certo?
— Certo. — Jin responde e o advogado do Hyunbin já trata de tirar o dele da maleta e esticar na direção do juiz.
Choi o encara com uma certa preguiça, mas aceita o diário. Neste momento, meu coração sai do peito e fica batendo na mesa. O diário dele está impecável. Fez todo impresso, encadernado, tem marcas de tinta na folha, onde aparentemente ele fez alguma atividade divertida com o Binie e carimbou suas mãozinhas.
Ele está sorrindo todo exibido e orgulhoso. O advogado parece que está mais confiante e até eu acho que ele ganhou a causa por conta do jeito que o juiz encara o diário. Ele folheia tudo com cuidado, erguendo as sobrancelhas a cada vez que passa uma página e fazendo um bico de quem está surpreso de uma maneira positiva.
— Jin… — Falo baixinho, sentindo a garganta se apertar.
— Calma. — É a única coisa que ele me diz.
— Senhor Lee, eu estou impressionado. — Choi deposita o diário sobre a mesa e cruza os dedos. — Eu posso admitir que você conseguiu me surpreender.
— Obrigado, Yejun.
Seokjin sussurra um “nossa” e eu tenho certeza de que é porque o Hyun se referiu ao juiz pelo primeiro nome.
— O senhor trabalha com o quê, Lee? — Choi pergunta, se servindo com água.
— Sou empresário.
— Ah então está explicado o motivo da organização. Gostei muito do diário, principalmente porque o senhor colocou data em tudo.
— Claro. Me senti muito satisfeito em poder retratar tudo o que passei com meu filho durante os quinze dias. Na verdade foram quase vinte dias, porque o Jeongguk entrou no cio, então esse prazo se estendeu um pouco. Pude matar a saudade do meu filhote. — Ele diz sorrindo, como se fosse a coisa mais normal do mundo espalhar a minha condição.
Me sinto exposto. Essa situação é desagradável e humilhante.
— Entendo. — Choi não rende assunto, e eu me sinto aliviado por isso. — E quanto ao senhor, Jeon? Fez o diário?
— Vossa excelência. — Seokjin assente e lhe entrega o diário. — Solicito permissão para fazer uma observação para o ex-marido do meu cliente.
— Concedido. — O juiz diz simplesmente, enquanto começa a folhear meu diário.
— Lee Hyunbin, peço que, quando for dirigir a palavra ao meu cliente ou quando pretender fazer qualquer comentário que o envolva, faça isso com mais respeito. Não há a necessidade de expor uma condição pessoal, como o senhor acabou de fazer. Imprevistos pessoais inevitáveis surgiram, que fizeram com que Woobin ficasse alguns dias a mais com o senhor.
— Tudo bem. — Hyunbin assente. — Me desculpa, Jeongguk, não quis expor você. É só que… é um assunto normal, não achei que seria um absurdo.
— O senhor trabalha com o quê mesmo, Jeon? — Choi interrompe nosso assunto.
— Sou designer. Em uma editora.
Ele faz que sim com a cabeça e começa a voltar as folhas do diário, vendo tudo de novo, sem apresentar nada em sua feição, da mesma forma que fez da outra vez, quando o assunto me envolvia.
— Bem — ele finalmente diz, depois de uma longa pausa. — Aqui vemos claramente a diferença de um para o outro em produzir o diário. Hyunbin fez como se fosse um projeto para a empresa dele, e Jeongguk apenas contou como foi o dia com o filhote.
Eu me sinto travado. Não é possível que tenha algo de errado no meu diário. Diários são exatamente isso, só contar como foi o dia!
Respiro fundo.
— Olha só, para essa audiência, convocamos novamente algumas de suas testemunhas para depor, mas o que vocês não sabem, é que os depoimentos já foram feitos. Eu estou na cola de vocês dois desde que saíram por aquela porta há um mês atrás. Eu sei muito bem onde é que estão mentindo no diário, onde que é estão sendo verdadeiros e sei até que o senhor Jeon tinha outro diário, que foi molhado de suco.
Eu travo. Será que o Taehyung veio depor e não me contou nada? E será que ele deixaria claro que eu tive que fazer outro diário?
— Eu me apeguei a esse caso como um bebê se apega ao pai. E sabem o porquê de eu fazer isso? Como é que eu deitaria minha cabeça no travesseiro à noite, sabendo que eu dei a guarda de uma criança para o “pai errado”? Eu trato o meu trabalho com seriedade, e por mais que eu já tivesse um palpite desde a última audiência, eu precisava ter a certeza. Eu não trabalho com palpites, eu trabalho com fatos, evidências, certezas.
Todos assentimos. Eu espero de coração que ele realmente trabalhe assim.
— Jeongguk, seu diário é… um diário. E não é porque ele foi feito a mão e tem fotos coladas, que vai sair do que eu pedi. Você fez o que eu solicitei e aqui eu consigo ver que você foi e é um bom pai para o Woobin. Gostei até do que relatou quando ele não estava com você e vocês se encontravam apenas quando o senhor Lee o levava para ser alimentado.
Sinto uma lágrima descer.
— Eu não me importaria se você trouxesse o diário sujo de suco, sabe por quê? Porque isso está na parte de ser pai. Não é sempre que tudo vai estar limpo, organizado e dentro dos conformes.
Eu assinto, me segurando para não desmanchar.
— Hyunbin, seu diário também é um diário. Mesmo que esteja impresso e tudo mais, o que me valem são as informações nele contidas. Se fosse um trabalho de colégio, você tiraria um dez, mas… Hyunbin, eu esperava que você se esforçasse um pouco mais.
— Como assim, senhor? — Hyun está com os olhos arregalados.
— Hyunbin, estar vinte e quatro horas por dia com uma babá, em todos os dias da semana, não te faz pai. No dia que você marcou que fez brincadeiras com tinta com seu filho, onde você inclusive carimbou as mãozinhas dele na folha, foi um sábado, você passou o dia todo praticamente fora de casa. Chegou, levou-o para se alimentar, voltou para casa e saiu de novo.
— Mas-
— Eu sei até onde você foi e com quem estava.
— Mas eu tive que resolver algumas questões. Eu sou um homem de negócios!
— Tudo bem, não questionei isso. A questão é, eu pedi para relatar o seu dia com seu filho, não o dia da babá com ele. O tempo que você teve para fazer esse diário em formato de portfólio, você poderia estar fazendo alguma brincadeira com ele, lendo alguma história, dando banho… Hyunbin, você não relata absolutamente nada disso no seu diário. Tudo o que você escreveu foi que comprou presentes, comprou pizza do sabor que ele gosta, comprou isso, comprou aquilo. Ok, e o que mais? Jeongguk dá banho, comida na boca, Jeongguk conta histórias, faz ele dormir, leva para passear, escreve o diário às pressas porque sabe que tem um bebê esperando, deixa derramar suco porque está se alimentando com o seu filho por perto, tira fotos porque ele tem o que registrar.
— Mas eu fiz isso com ele. Quem montou o diário foi minha secretária!
Choi solta uma risada, incrédulo.
Eu estou numa confusão sentimental, que não sei o que pensar com tudo isso.
— Sua situação só piora, Hyunbin. Você não se deu ao trabalho nem de fazer o diário! Todas as páginas estão com uma rubrica sua, aposto que isso estava sobre sua mesa e você assinou como se fosse algum documento da sua empresa! Quem rubrica um diário, Hyunbin? Eu não estou aqui falando com um designer e com um empresário. Se fosse assim eu pediria de fato um portfólio e uma apresentação de slides. Eu estou conversando com dois pais que querem a guarda do filho. Você entrou com isso, Hyunbin. Os quatro estão aqui porque você quis correr atrás dos seus direitos de estar com a criança, mas eu não consigo encontrar nada em você que te qualifique para ter a custódia do seu filho. Você chegou aqui na primeira audiência todo seguro de si, falando aos montes como era um bom pai, mas um simples diário entregou que você não é um décimo do que disse.
Hyunbin suspira e se afunda na cadeira.
— E olha, por mais que eu já tivesse um palpite, estou satisfeito em ver que eu estava certo desde o princípio. Hyunbin, você terá o direito de ver seu filho e poderá pegá-lo para passar o dia a cada quinze dias. Um dia apenas. — Choi ergue as sobrancelhas e o dedo indicador. — Deverá cumprir com suas obrigações de pai, como pagar pensão, ficar com a criança quando o Jeon estiver em suas condições pessoais inevitáveis. Lembre-se, você continua sendo pai. E quanto a você, Jeongguk, parabéns, a custódia de Lee Woobin Jeon é sua. Esta audiência está encerrada.
Eu simplesmente perco as forças e deito a cabeça na mesa para chorar. Percebo Hyunbin sair da sala a passos pesados, xingando seu advogado por não ter falado nada. Seokjin me abraça e solta uma risadinha animada.
— Eu te disse! Eu te disse!
Estou chorando tanto, que acho que a qualquer momento vou desmaiar por falta de oxigenação. Não consigo respirar, apenas colocar para fora tudo o que esteve entalado na minha garganta desde que eu saí daquele apartamento em Gangnam.
— Vamos, a gente precisa ir. — Seokjin fica de pé e me ajuda a me levantar. Ele me estica um lencinho e esfrega meus ombros, tão animado quanto eu queria demonstrar estar. Queria reagir melhor, mas estou emocionado demais para isso.
— E então? — Mina e Taehyung perguntam, ficando de pé, juntos.
— E então que ele venceu! — Jin ergue meu braço direito e tudo o que eu consigo fazer é me jogar nos braços do Taehyung, abraçando ele e meu filho ao mesmo tempo.
— Eu sabia. Eu sabia que você ia conseguir. — Tae me conforta.
— Papa! — Binie empurra minha cabeça e puxa meus cabelos. Seus olhinhos parecem preocupados, então eu sorrio e acaricio seu rosto, para tentar fazer ele entender que está tudo bem. Maravilhosamente bem.
Taehyung se aproxima e deixa um beijo em minha testa.
— Eu tinha certeza de que você iria conseguir. Eu disse para confiar no meu irmão.
— Obrigado. — Murmuro para ele e me viro para a Mina e pro Jin. — Obrigado a vocês por estarem aqui e por me apoiarem. Seokjin, muito obrigado mesmo! Eu jamais teria conseguido sem você e sem a sua ajuda.
Ele sorri e vem me dar um abraço.
— Eu disse que conseguiríamos. Eu estudei para ser o melhor advogado ômega desta cidade.
— Parabéns, Guk! — Mina se aproxima com os olhos cheios de água e me abraça forte. — Eu senti muito medo por você, embora eu soubesse que se o Hyunbin ganhasse, eu jamais deixaria com que ele fizesse mal para o Binie.
— Obrigado, Mina, por ser esse anjo em minha vida. Eu te devo tanto.
— Imagina. Faço isso porque amo vocês. — Ela me faz um carinho na bochecha e sorri.
— Agora eu só quero saber como ele ficou sabendo que o diário molhou de suco. — Encaro o Tae e ele franze o cenho, claramente confuso.
— Ah, Guk, não tente entender como esses juízes descobrem essas coisas. Quando eles falam que ficaram na sua cola, é porque ficaram. Se me contarem que vasculharam seu lixo para saber o que você estava fazendo nesses últimos dias, eu vou acreditar. Então… só esqueça isso.
— Eu achei que tivesse sido você, Tae.
— Mas como eu falaria?
— Você não foi chamado para depor?
— Não.
Por um momento eu começo a me perguntar quem foram as pessoas chamadas, mas isso dura uma fração de segundo, porque quem é que tenha sido convocado — além da Yuri, já que eu sei dela, por ela mesma ter me contado —, a pessoa deu algum depoimento que foi ao meu favor. Agora eu posso parar, respirar e esquecer todos esses problemas. Hyunbin nem está aqui mais, meu filho continua comigo e com o Tae, e agora é oficial, por decisão do juiz, o Woobin é meu. Meu filho, meu bebê e a guarda dele é minha.
Finalmente posso me sentir aliviado, porque minha família vai ficar bem e vai continuar sendo especial.
— Bom, acho que agora temos que comemorar! — Sugiro, respirando fundo. Meu rosto até repuxa por conta das lágrimas que escorreram. — Pizza?
— Pizza! — Jin alarga um sorriso encantador, vindo me abraçar.
Me sinto feliz, finalmente. É como se minha vida estivesse completa agora. É como se não faltasse mais nada, como se nada pudesse me deter. Me sinto forte, determinado. Parece que desde que me aproximei do Taehyung, me apaixonei por ele e saí de casa, este é o momento em que eu realmente poderei me deitar e respirar com alívio.
A sensação de coração disparado, o tremor nas mãos e os olhos lacrimejantes, nunca foi tão boa de sentir. É a mesma sensação de dever cumprido, a sensação de ter um peso tirado das costas. Parece que é a prova de que eu mereço ser feliz, do meu jeito e com quem eu quero.
E pela primeira vez, depois de muito tempo, eu posso finalizar este dia dizendo que estou muito, muito, muito feliz. Não há nada no mundo que possa me tirar essa paz e essa vontade de viver dia após dia, indo para o trabalho que eu amo e depois voltando para casa junto com meu noivo, para encontrarmos com o nosso filho.
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