Dias depois, no Santuário, havia uma pequena aglomeração antes da chegada a primeira casa zodiacal. Alguns cavaleiros de bronze e prata conversavam sobre o chamado de Athena para o templo principal.
— Eu creio que finalmente teremos missões fora do Santuário! — Jabu estava empolgado.
— Estava cansado dessa reconstrução e de tanto treinamento — disse Ichi se espreguiçando — Será que algo perigoso nos espera?
— Não creio que vamos enfrentar outros exércitos, já que estamos em tempos de paz — comentou Misty — Talvez nós vamos resolver os problemas de fora do Santuário. É meu palpite.
— Acho melhor subirmos logo para saber do que se trata — Orfeu de Lira abriu caminho para a subida — Suposições não nos ajudam em nada e não creio que ninguém mais será lançado à boca dos leões.
— Você se refere… — Jabu iria perguntar, mas, foi interrompido.
— Sabe muito bem quem é — recordava-se do garoto que conheceu na guerra.
— Orfeu, já que o mencionou. Por que não nos conta como era lá embaixo? — perguntou Misty curioso.
— Era bem organizado — deu de ombros.
— Você sabe do que estamos falando! — perguntou o Unicórnio — Como era o imperador Hades?
— Eu fui enganado pela general dele. Pelo o que eu entendi, havia somente a projeção astral dele ali e que de alguma forma se comunicava com Pandora. Não sei até que ponto as ordens ali eram de Hades, de Pandora, dos Deuses Gêmeos ou dos juízes — suspirou — Eu nunca seria um homem de confiança para aquele exército.
— Então o Shun deve estar com uma péssima sorte! — lamentou Geki — Disseram que ele não estava bem da cabeça na época do acordo. Deve estar péssimo, se ainda estiver vivo.
— Também estaria péssimo se estivesse morto. Ou acha que teriam pena da alma dele? — comentou Misty — Não sei se agradeço por ter estado morto na época da guerra santa! Se rebelar contra os deuses é péssimo e o caso de Andrômeda foi até pior.
— Acho que chega de fofocas, não? — Shaka de Virgem passava por ali, pois iria retornar para sua casa — Subam logo! Menos você, Orfeu, preciso tratar de um assunto com você.
…
Já no Submundo, as suposições sobre o ex-cavaleiro eram outras. O buchicho era sobre o castigo, os motivos e os cuidados que foram ordenados soaram como uma certa predileção do imperador. Hades sempre foi um deus rígido em seus conceitos, não havia meias palavras ou meio termo. No entanto, uma “exceção” foi aberta para Shun.
— Não acredito que estão levando comida boa para a cela de castigo — disse Radamanthys indignado — Nem quando cometi minhas faltas na época do treinamento foram tão benevolentes comigo!
— Acho que alguém na sua posição não deveria expressar tais pensamentos em voz alta — aconselhou Pandora — Creio que nosso senhor não esteja sendo tão severo para que possa cumprir com a promessa que fez ao garoto e ao irmão dele ainda no Santuário. Shun não está completamente curado.
— Não me importo como aquele moleque está, ninguém aqui deveria se importar, pois não é um de nós — bufou indignado por precisar falar em um volume mais baixo — Não entendo tamanho esforço do nosso senhor em cumprir uma promessa. Porque não cruzou os dedos atrás das costas? Assim teríamos no mínimo um prisioneiro para a eternidade — riu.
— Vejo que está impossível dialogar com você hoje, Radamanthys — a jovem cruzou os braços e o encarava séria — Não tenho permissão para compartilhar algumas informações, mas penso que mesmo se pudesse, você não mudaria de ideia.
— Essa sua fala dá margem para tantos pensamentos, Pandora. Pensamentos impuros até — debochou — O menos sujo deles é de que com o moleque criando confiança no imperador é dele soltar a língua e contar os podres de Athena. Uma possibilidade interessante, mas improvável. Ou talvez seja a primeira vez em muito tempo que nosso deus queira um amante.
— Pare de blasfemar contra o senhor Hades! — deu um tapa no juiz Wyvern— O garoto também não merece esse tipo de comentário infame! Quem merece a cela de castigo é você com esse discurso!
— Que agitação é essa? — perguntou Minos que passava perto de Giudecca — O que ele disse que te irritou tanto, Pandora?
— Algo que ele sequer pode se atrever a proferir novamente, Minos. Foi ofensivo demais e tomara que ninguém mais tenha escutado isso — disse num fôlego só — Agora eu preciso ir, tenho alguns afazeres a cumprir, com licença.
— Claro, senhora — Griffon a reverenciou levemente e ela partiu — Estou curioso, Radamanthys. O que disse para render essa marca vermelha da mão de Pandora em seu rosto.
— Segundo ela, eu blasfemei contra nosso deus, mas não consigo deixar de pensar nos cuidados que aquele “cavaleirinho” anda tendo em nosso território.
— Você não muda, né? — revirou os olhos — Desde o dia que o garoto chegou e foi levado a um quarto com cuidados médicos e não para uma cela que você insiste em implicar.
— Para quem estava muito desconfiado, hoje virou um defensor do “consultor” — ironizou.
— Eu estava desconfiado sim, no início, mas Shun é inofensivo. Não parece que vai utilizar seu poder e tampouco curou completamente seu cosmo — olhava para o castelo — Eu estive presente em mais julgamentos do que você. Vi a interação dele com nosso senhor. Sempre foi respeitoso, justo e me ajudou a enxergar algo que não conseguia ver após tantos séculos cumprindo com essa função: a compaixão.
— Para que ter compaixão dessas almas corruptas que sequer conhecemos?
— Perdão por interromper uma conversa no meio, mas não pude deixar de escutar parte dela — disse Hades em um tom que deixou seus espectros em alerta — A compaixão a primeira vista não parece algo útil e racional — viu o sorriso de Radamanthys se formar no rosto — No entanto, a compaixão ajuda a equilibrar uma balança invisível aos nossos olhos. Como costumava julgar as pessoas meses atrás, Minos?
— Baseado nos fatos, senhor.
— Antes disso, não perguntava às almas sobre as motivações de seus delitos?
— Raramente, sempre tivemos tantas almas para julgar que apenas os fatos me bastavam.
— E como julga as almas hoje em dia?
— Com os fatos e também investigo melhor o histórico, além de realizar algumas perguntas. O julgamento acaba sendo um pouco mais longo, mas tenho mais certeza sobre as minhas decisões — respondeu Griffon — Soube que Lune e Aiacos aderiram também.
— E quanto a você, Wyvern? Não utiliza de compaixão ou misericórdia para com os outros? — questionou — Gostaria de que fosse julgado pelos seus atos com a mesma severidade que julga os demais? — o silêncio se implantou no local por alguns instantes até Hades continuar — Se está refletindo sobre isso é ótimo!
— Com certeza, senhor.
— Minos, pode nos dar licença, por favor. Preciso conversar com Radamanthys em particular.
— Claro! Com licença — se retirou pelo mesmo portal que Pandora utilizou.
— Agora que estamos a sós, não tenho motivos para esconder sobre o que ouvi, das coisas que ouvi.
— Sobre o que ouviu, senhor Hades? — não queria demonstrar o medo que sentia de ser punido pelo seu discurso.
— Não que eu faça a linha de “deus paranoico”, mas costumo ser atento ao que dizem em meu reino — caminhava até chegar mais próximo do espectro — Burburinhos irritantes como esse ocorrem há meses, consigo entender a maior parte deles, mas o que disse a Pandora não escapou de mim. Consigo ser bem consciente do que acontece em meu reino.
— Ouviu minha conversa com Pandora por inteiro?
— Estou de olho em suas ações, sua postura mudou, Radamanthys, mas não o quero mal.
— Então está tudo bem para o senhor?
— Negativo! — o atirou para longe apenas com o poder vindo de seus olhos — As insinuações que fez ofenderam não só a mim, como o rapaz. Ele é inocente e não merece tais acusações.
— Então está defendendo a honra do seu antigo inimigo? — perguntou ofegante.
— Ele está aqui em condições para defender a própria honra? Creio que não — debochou — Eu dei apenas um pequeno aviso. Sabes que não costumo ser tão benevolente com quem me ofende, não é?
— Sim senhor!
— Já que pensas que tratei de Shun como uma exceção, sinta-se como uma também — abriu um sorriso — Espero que essas suposições morram ou apenas guarde-as em absoluto silêncio. Suposições podem se tornar conspirações e você sabe que não tenho pena de conspiradores. Até! — estalou os dedos desaparecendo do ambiente.
— Estou ferrado por causa de um fedelho! É o fim dos tempos! — praguejou se levantando devagar do chão.
…
No Santuário, Shaka decidiu ter sua conversa com o cavaleiro de prata em sua casa. Sabia que teria mais privacidade para conversar sobre o assunto sério que sua mente não parava de pensar desde que foi revivido. Estava temeroso sobre os planos de Hades, pois percebeu que o deus estava a pelo menos dois passos à frente da deusa que serve.
— Orfeu, sei que não somos de conversar. Na verdade, andei bastante recluso ultimamente atrás da iluminação de meus pensamentos — continuou a explicar — Sei que estamos em tempos de paz, mas não a sinto e temo que esse “cessar fogo” não perdure por tanto tempo.
— Ah! Já consigo perceber o rumo que essa conversa levará, Shaka de Virgem. Pergunte o que desejar, mas essa conversa precisa ser breve. Tenho um chamado para atender.
— Está bem. Serei direto como deseja — havia uma tensão na voz do cavaleiro, diferente do habitual — Esteve tempo suficiente no submundo para entender como as coisas funcionam por lá e saber algo sobre o deus governante. O que quero saber é o que devemos esperar vindo dele.
— Hades não é um deus imediatista. No tempo que estive lá pude ouvir algumas histórias sobre o Meikai e apesar de nunca ser visto com confiança pelos subordinados dele, não era como se eu ficasse ao lado de Eurídice o tempo todo. Então, sim, às vezes alguma coisa chegava aos meus ouvidos — a postura de Orfeu relaxou um pouco — Entendo pelo o que presenciamos no dia do acordo possa ter sido chocante e realmente foi. Não pensava por qual motivo o imperador poderia querer o antigo portador da armadura de Andrômeda até entender uma coisa.
— Que tipo de coisa? Não dispõe de tempo para suspenses, Lira.
— Não fique nervoso. Hades conseguiu o que queria e desestabilizou o exército de Athena com apenas um único movimento. Não creio que o corpo de Shun será utilizado como receptáculo novamente, pois com o acordo de paz, Hades não precisará utilizar outro corpo para guerrear.
— Então quer dizer para ficar tranquilo com relação a ele?
— Eu diria para não sofrer antecipadamente, pois pensar que ele possui um trunfo pode ser um grande blefe. Quem realmente me preocupa é Athena.
— Também estou preocupado. Não creio que ela quebre a aliança, mas sobre o que está fazendo pela Terra. Conversei com Camus quando ele retornou de sua missão com a deusa e o pupilo. Ele não crê que o que fizeram pelas geleiras seja efetivo por muito tempo caso a humanidade não mude suas atitudes.
— Eu vi nos noticiários falando sobre um tal “milagre”. Foram eles, não é?
— Sim. Eu penso que se continuarmos a fazer tudo às escondidas, a mensagem que a deusa pretende passar não fará efeito.
— Por ela está recompensando quem não está fazendo por merecer.
— Há muitos inocentes e gente que procura agir em prol do planeta, mas são peixes pequenos cercados de tubarões.
— Recordo-me de uma conversa que escutei sobre quando os humanos e deuses conviviam e das confusões daquela época. Eles sempre se acharam superiores aos mortais, mas caíam por vezes nos mesmos tipos de banalidades deles. No entanto, havia um sentimento, uma mistura de encantamento e temor dos humanos que inflava o ego deles.
— Até que os humanos passaram a lutar suas próprias guerras e os que perdiam precisavam se curvar a outras culturas e o apagamento da fé dos deuses gregos foi acontecendo gradualmente até se tornar um mito. Conheço essa história.
— Depois se tornou conveniente cada um viver em seus domínios e outros ficaram pelo Olimpo mesmo. Sem a fé dos humanos neles, não seriam culpados das desgraças que afligem a humanidade, eles sendo ou não culpados.
— Acho que sei o que pensas. Acha que Athena em algum momento se revelará?
— Não sei, mas penso nas possibilidades. Caso ela se canse de se esforçar pelas sombras sem resultados positivos, a estratégia poderá mudar e ser mais incisiva.
— O que pode gerar uma reação positiva ou negativa com relação aos deuses?
— Exatamente, mas estamos apenas trabalhando com suposições por aqui — suspirou — Somente o tempo dirá se estamos certos ou errados. Preciso ir, Shaka.
— À vontade, Orfeu. Só peço apenas que o conteúdo dessa conversa continue privado. Não podemos alimentar mais a desconfiança entre os cavaleiros.
— Eu concordo. Até os cavaleiros de bronze que cresceram junto a deusa não a olham com os mesmos olhar pelo que fiquei sabendo.
— Isso é verdade, mas apenas ela poderá tentar consertar isso — antes de ver o prateado partir falou: — Ah! Com esse assunto urgente, eu quase me esqueci de perguntar. O que acha que aquele deus está fazendo com Shun?
— Se for de acordo com as histórias que ouvi, Shun não deve estar machucado. Hades é um deus que cumpre com suas promessas, diferente do que Pandora fez comigo no passado.
— Acha que ele pode estar bem naquele lugar?
— É algo difícil de se prever. Os espectros conseguem ser bastante hostis quando querem e conheci pouco de Shun quando nos encontramos no submundo. Foi tudo tão rápido por causa da guerra, mas pelo pouco do que pude ler do comportamento dele, não deve estar metido em problemas por ser pacifista, mas deve sofrer por estar longe dos seus.
— Entendo… Pode ir…
…
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