Sebastian estava em frente ao piano, imerso em mais uma canção. Ciel observava atento, sentindo a melodia tomar conta de seu corpo. O professor tocava Chopin, compositor alias que há muito não tocava. Uma de suas canções preferidas era a Op. 9, Noctuno n° 1 e era exatamente esta que ele tocava agora.
Ciel não era exatamente um grande fã de música, mas passou a gostar um pouco mais depois que passou a assistir Sebastian tocando. Talvez fosse a paixão que o professor sentia sendo transmitida ao rapaz. O professor prosseguiu com a canção enquanto Ciel fechava os olhos, sem conseguir explicar direito o que sentia.
A canção chegou ao fim e Sebastian se afastou do piano. Os dedos estavam levemente doloridos devido a quantidade exorbitante de aulas que havia dado no dia anterior. O professor estava cansado e ao mesmo tempo feliz, já que o cansaço era causado por uma de suas paixões.
— Meus dedos doem. – Sebastian falou enquanto se sentava em frente a Ciel.
— Você está dando muitas aulas?
— Sim. As aulas de ontem começaram ao meio dia e só terminaram às oito da noite. Eu estou realmente cansado.
O professor bocejou e depois coçou os olhos. O sono também estava causando incômodo em seu corpo.
— Pode dormir se quiser.
— E te deixar sozinho? Acho melhor não. O sono pode esperar.
Ambos sorriram e então Sebastian se aproximou, puxando Ciel em sua direção, abraçando-o. Os braços do rapaz retribuíram o abraço, apertando o professor com força. A lembrança do que havia acontecido há uma semana estava bem clara na mente dos dois, mas nenhum deles chegou a tocar no assunto e depois disso o contato entre eles se resumiu a beijos e abraços.
— Descobri algo surpreendente. – Ciel falou.
— O que foi?
— Bom, não sei se será tão surpreendente assim para você, mas para mim foi. Eu estava lendo alguns livros sobre medicina e acho que é a profissão certa para mim.
— Tem certeza disso?
— Sim. Eu estava tão ocupado em nutrir raiva pela minha mãe, que nem cheguei a pensar em como seria se eu realmente me formasse em algo assim. Só fui pensar nisso agora e depois de muito refletir conclui que eu também quero isso para minha vida.
— Acho muito bom que você pense assim! Sua mãe ficará muito orgulhosa de você.
— Eu não estou preocupado em deixá-la orgulhosa. – Ciel se afastou um pouco, a fim de olhar nos olhos de Sebastian. — Apenas quero seguir uma carreira que me dê satisfação.
— Tudo bem, não digo mais nada sobre sua mãe. De toda maneira eu ficaria muito orgulhoso se você se tornasse médico. Salvar vidas é realmente algo incrivelmente bonito.
O professor abaixou um pouco a cabeça e aos poucos se aproximou, colando seus lábios nos de Ciel. O rapaz segurou no pescoço de Sebastian, mantendo a mão bem próxima a nuca e tocado delicadamente algumas mechas de cabelo. O beijo calmo se intensificava aos poucos, dando espaço para que sensações cada vez mais profundas fossem sentidas.
Os lábios se separaram lentamente e após alguns segundos voltaram a se tocar. Ambos tinham necessidade um do outro e eram poucas às vezes em que podiam ficar próximos assim. Viam-se apenas duas vezes por semana, três horas juntos era tudo que tinham e isso foi se tornando cada vez menos conforme a intimidade entre eles aumentou. Quando estavam juntos as horas passavam em um piscar de olhos.
Afastaram se enfim, dando final as caricias. Sebastian se levantou, massageando os dedos e Ciel voltou a se recostar em sua poltrona. Em cima da mesa de centro estava o bendito maço de cigarros que o professor insistia em guardar.
— Sebastian, você continua fumando?
— Faz algumas semanas desde a última vez que fumei, mas você sabe muito bem que não consigo jogar fora o maço de cigarros.
O rapaz olhou para Sebastian com um olhar de repreensão, como se fizesse uma critica muda ao hábito nada saudável que o homem moreno insistia em manter.
— Você viverá menos tempo se continuar a fumar. – Ciel falou sério. — E além do mais eu não gosto do cheiro de cigarro.
— Voltei a fumar por sua culpa. – Sebastian confessou.
— Minha culpa?
— Sim. Eu fumo sempre que algo desagradável me acontece ou quando me sinto solitário. Não fique convencido, mas talvez eu tenha ficado um pouco solitário quando você deixou de vir as aulas. Lembra? Quando eu te beijei pela primeira vez e você saiu correndo.
Ciel sorriu feito um bobo ao ouvir que Sebastian havia ficando solitário quando ele não veio as aulas. Realmente havia carinho entre eles, mas eram raras as situações em que falavam algo de romântico ou de muito carinhoso. Não eram o tipo de casal que declarava o que sentia aos quatro ventos, na verdade nem sequer se consideravam como um casal.
O rapaz levantou-se da poltrona e então abraçou Sebastian, apertando-o com força entre seus braços. Era como se Ciel quisesse proporcionar o abraço mais reconfortante possível e que passasse um pouco da sensação boa que ele sentia naquele momento.
— Eu estou aqui, então acho que já pode parar de fumar.
O professor sorriu e apenas sussurrou um “Tudo bem, eu vou parar.” O abraço durou um bom tempo e o silencio os rodeava. Ciel começou a pensar que sua vida chata, não era mais tão chata assim. O rapaz estava feliz por ter percebido que realmente gostava de medicina, feliz por saber que seu futuro poderia ser melhor do que ele esperava e mais feliz ainda por poder ficar perto de Sebastian. Os dois partilhavam o mesmo sentimento bom, mas se era amor nenhum deles sabia dizer.
— Vou preparar um chá. Aceita?
— Sim.
Foram em direção a cozinha. Sebastian procurou pela chaleira e Ciel parou próximo a porta, focando sua atenção no jardim. O rapaz estava razoavelmente familiarizado com a casa e aos poucos ia sentindo mais confiança para andar entre alguns dos cômodos.
— Sua esposa sempre cuidou do jardim? – Ciel se atreveu a perguntar.
— Sim, ela sempre cuidou sozinha do jardim. Ela adorava as flores e por conta disso preferia cuidar delas sozinha. As arvores que você vê foram plantadas por mim, para trazer mais frescor ao ambiente. Quando ela estava viva havia apenas as flores e os outros espaços ficavam vagos.
— Gosto mais das arvores do que das flores.
O rapaz ainda nutria ciúme pela falecida esposa de Sebastian, mesmo que inconscientemente. Não era como se quisesse sentir algo assim, mas também não era como se pudesse evitar.
— Gosto de todo o jardim já que ele representa um pouco do meu passado. Eu estou feliz com o que tenho agora, mas esse jardim me lembra a felicidade que eu sentia há muitos anos atrás. Não precisa sentir ciúmes pelo fato do jardim ter sido da minha esposa. – Sebastian provocou em meio a um sorriso.
—Eu não estou com ciúmes. – Ciel respondeu irritado.
— Vamos fazer de conta que não.
Ciel franziu a testa, mantendo uma expressão séria no rosto. Ciúmes? O rapaz realmente não havia pensado nisso.
— O chá está pronto.
Sebastian se pôs a andar, indo em direção a sala e prontamente foi seguido por Ciel. Voltaram a se acomodar em suas poltronas, servindo-se do chá quentinho. O cheiro do chá preenchia o ambiente, trazendo um ar aconchegante ao cômodo frio. Os próximos minutos foram compartilhados em silencio. Não trocaram palavras, apenas olhares rápidos.
As três horas que passariam juntos mais uma vez correu rapidamente, deixando aquela impressão de que o tempo estava diminuindo cada vez mais. O relógio marcava seis da tarde. O sol começava a se pôr e Ciel tinha mais uma vez que ir embora.
O rapaz foi acompanhado até a porta pelo professor e antes que esta fosse aberta trocaram um demorado e desejoso beijo de despedida. Na verdade o beijo não se parecia em nada com um beijo de despedida. Era mais como se a caricia dissesse um “Fique aqui mais um pouco, só mais um pouco.” As despedidas são sempre difíceis, por mais que não seja um adeus. Às vezes até mesmo um “até logo” pode ser dolorido.
Ciel saiu da casa de Sebastian e aos poucos se misturou a pequena quantidade de pessoas que enchiam as ruas. O rapaz sorria abertamente sem conseguir controlar a vontade que tinha de demonstrar que estava feliz.
O caminho até a casa de Ciel pareceu mais curto e harmonioso já que quando estamos felizes temos a mania de enxergar detalhes que não enxergávamos antes. Tudo estava igual e nada havia mudado de lugar, mas a forma com que Ciel via o mundo havia mudado, mesmo que minimamente.
Não demorou muito para que o rapaz estivesse em sua casa. O garoto abriu o portão e rapidamente entrou em casa.
— Cheguei. – Anunciou em voz alta, enquanto subia as escadas.
— O jantar estará pronto em vinte minutos. Não demore a descer.
— Tudo bem.
A rotina de todos os dias de Ciel acabava de começar. As aulas de piano também faziam parte da rotina, mas dessa parte Ciel gostava e justamente por isso sequer parecia que ver Sebastian era parte de sua rotina pré-determinada de tarefas e aulas. O rapaz tomou um banho rápido e depois de trocar de roupa desceu em direção à sala de jantar.
Ciel ajudou a mãe a arrumar a mesa e em poucos minutos já estavam sentados, jantando. A mãe de Ciel parecia mais séria e o ambiente também estava mais pesado que de costume, se é que isso podia ser possível. O jantar seguiu sem que os dois sequer se olhassem ou falassem algo.
— Vou para o meu quarto. – Ciel falou ao terminar seu jantar.
— Eu preciso conversar com você. Assim que eu terminar de jantar, conversamos. Espere um pouco.
O garoto voltou a sentar-se e então passou a analisar a expressão de sua mãe. Na verdade passou a analisar a falta de expressão dela, já que seu rosto não demonstrava nada. Era difícil imaginar a que se devia a urgência da conversa e Ciel apenas torcia para que não fosse mais alguma aula nova, mais alguma disciplina que devesse aprender.
— Eu fui até seu colégio no mês passado para pagar a mensalidade e fui informada de que o preço subiria outra vez. Gosto do ensino que os professores lhe proporcionam e julgo que a sabedoria de cada um deles faz muito bem a você, mas com o dinheiro que tenho gasto lá eu seria capaz até mesmo de manter um colégio em outro país.
Outro país? O pobre coração de Ciel ameaçou parar naquele instante. O rapaz respirou fundo e então fechou os olhos por alguns segundos. Por favor, que não seja o que eu estou imaginando, Ciel pensou. A mãe do garoto fez uma breve pausa antes de continuar a falar, como se fosse difícil para ela falar sobre aquele assunto.
— Serei breve e concisa. O que estou querendo dizer é que você estudará na França.
— França? Eu não quero ira para a França! – Ciel já estava falando praticamente aos gritos.
— Abaixe o tom de voz, Ciel. Eu conversei com um amigo que mora na França e ele me manteve em contato com os melhores colégios de lá. Você, inclusive, já foi aceito por um desses colégios.
— Como você pôde decidir algo assim sem me consultar?
— Desde quando eu preciso te consultar para decidir algo assim?
— Desde quando isso envolve minha vida, meu futuro. – Ciel afastou-se da cadeira de maneira brusca. — Você não tem o direito de decidir algo assim sem me consultar!
— Sim, eu tenho! Eu sou sua mãe e definitivamente sei o que é melhor para você!
— Não, você não sabe. Eu não pretendo aceitar isso.
— Eu não te dei opção de escolha. Sua viagem será semana que vem e depois que resolver algumas pendências que tenho, também irei para lá. A casa até mesmo já foi vendida e estão esperando apenas que nos mudemos.
As palavras que Ciel ouvia eram difíceis de digerir e cada uma delas o atravessava como uma faca. O rapaz não sabia como reagir diante daquilo e só conseguia pensar no que iria deixar para trás ao se mudar de Londres. Em quem iria deixar para trás caso se mudasse.
— Eu não irei!
— Não adianta discutir, Ciel. Pense um pouco no assunto, sei que você entenderá os motivos que tenho para fazer isso. Um dia você agradecerá todos os meus esforços. Pode ir para o seu quarto agora. – Falou friamente.
Ciel tinha certeza de que discutir não levaria a nada, então o rapaz apenas subiu para seu quarto, seguindo as ordens da mãe como o bom filho obediente que era. A mãe do garoto realmente achava que havia tomado uma boa decisão e para ela os filhos não tinham que escolher nada. Um rapaz tão novo não poderia saber o que quer, pelo menos era isso que ela pensava. Os pais sempre sabem o que é melhor para seus filhos.
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