O tempo passou mais do que depressa. Ciel ainda sentia o peso das decisões em cima de seus ombros. O rapaz pensou e pensou, mas era como se nenhuma das duas escolhas fosse boa o suficiente. Era como se não pudesse decidir entre uma e outra. As palavras que ouviu de Sebastian foram duras, mas no fim Ciel compreendeu o que o professor queria dizer.
Não há nada de errado em arriscar de vez em quando, e isso até pode acabar se tornando uma boa opção, mas é claro precisa-se de muita coragem para isso e Ciel não tinha essa coragem. O rapaz pensou muito em tudo, pensou até mesmo nas poucas experiências que tinha vivido durante seus poucos anos de vida e no fim concluiu que adoraria largar tudo e continuar com Sebastian, mas que amanhã ou depois acabaria se arrependo.
Muitas pessoas seriam capazes de deixar tudo para trás por um amor. Seriam capazes de fazer com que desse certo, e mesmo que desse errado teriam a outra pessoa ao seu lado para apoiar e ajudar a seguir em frente. Mas e quando não se tem certeza de que é amor? Essa era uma das perguntas que Ciel se fazia constantemente e foi graças a essa dúvida que ficou ainda mais incerto sobre o que decidir.
O rapaz queria ficar ali e passar mais tempo com o professor, ter certeza do que tinha por ele, mas também queria seguir com seus estudos, se tornar um grande médico. Quem dera pudesse combinar as duas escolhas em uma só. Seria a solução para os seus problemas, mas infelizmente as coisas nunca são tão fáceis assim.
Ciel sempre esteve ansioso para tomar suas próprias decisões, ansioso para ter liberdade para escolher e agora que a hora de decidir sobre algo havia chegado o rapaz só conseguia lamentar e remoer cada instante de sua vida. Tomar decisões não era tão fácil quanto achou que seria e essa era mais uma lição que havia aprendido.
E agora depois de muito pensar, depois de ter esgotado todo o tempo que tinha antes da viagem Ciel havia ido até Sebastian. O rapaz ainda sentia o peito apertado mesmo que já houvesse decidido o que seria feito. Era como se a decisão fosse forçada, como se não fosse sincera o suficiente, mas mesmo que se sentisse assim, a decisão que havia tomado ainda lhe parecia a melhor possível.
— Eu viajo amanhã. – Ciel falou olhando para o jardim através da janela.
— Amanhã? Achei que demoraria um pouco mais para que a França me tirasse você.
— Não faça brincadeiras, por favor, e não fique tão bem-humorado com minha partida.
— E quem disse que eu estou de bom humor? – Sebastian se aproximou de Ciel e o puxou para perto de si, abraçando-o. — Não quero que nosso último dia juntos, seja baseado em momentos tristes e cheios de mau humor, mas acredite não estou tão feliz quanto pareço.
— A França não fica tão longe assim. – Ciel falou baixinho.
— Sim, a França não fica tão distante. – Sebastian concordou.
O professor se afastou um pouco a fim de ver o rosto de seu aluno. Aluno que não havia aprendido a tocar sequer uma nota e que havia se tornado mais especial do que qualquer outro. Os dois trocaram um longo olhar, Sebastian acariciou o rosto de Ciel, empurrando para trás os fios de cabelo que lhe cobriam a testa e aos poucos se aproximou mais um pouco.
Os olhos do rapaz se fecharam, os lábios do professor roçavam pela pele fina, distribuindo pequenos beijos pelo rosto e seguindo em direção aos pequenos lábios úmidos e entreabertos. Iniciaram um beijo lento, e cheio de ternura, como se aquela fosse a primeira vez que se beijavam. As mãos de Ciel se agarravam com força ao tecido da camisa de Sebastian, aproximando um pouco mais os corpos.
Beijaram-se durante um longo tempo, sentindo o gosto que cada um tinha e esquecendo, ao menos por um momento, que no dia seguinte não estariam mais juntos.
— Que horas seu trem sairá?
— Uma da tarde.
Sebastian ficou em silencio por um tempo, imaginando como seria voltar a viver sem a companhia de Ciel e após suspirar resolveu mudar de assunto, decidido a esquecer aquela despedida.
— Gostaria de um chá?
— Não... Mas eu gostaria de te ouvir tocar... Uma última vez.
O professor não foi capaz de saber o que responder então preferiu continuar em silencio. Sebastian se levantou, indo em direção ao piano e calmamente se acomodou no banco largo que havia ali. Ciel o seguiu e apenas permaneceu parado ao seu lado, olhando atentamente para as teclas do piano.
Os dedos grandes encostaram se calmamente as teclas e logo em seguida as primeiras notas foram ouvidas. O rapaz reconheceu de imediato a canção tocada. Sonata ao luar, a primeira música que ouviu Sebastian tocar. Os olhos do rapaz seguiam os dedos de Sebastian, gravando a cena que via, tendo em mente que seria provavelmente a última vez.
A melodia parecia diferente de alguma forma. Ciel não se lembrava de tê-la achado tão triste quando a ouviu pela primeira vez. O rapaz ainda sentia a mesma paixão de antes vindo de Sebastian, mas algo havia mudado. A música obviamente permanecia a mesma. O que havia mudado eras as circunstancias. Na primeira vez que Sebastian a tocou nenhum dos dois estava triste ou perto de se despedir de alguém.
Sonata ao Luar havia chegado ao fim e pela primeira vez em muito tempo Ciel teve uma discreta vontade de chorar, mas ao invés de ceder ao desejo de seu corpo o rapaz respirou fundo e novamente abraçou Sebastian.
— Acho que agora seria uma boa hora para um chá.
Seguiram em direção a cozinha. O professor colocou água para ferver e depois escolheu duas xícaras. Ciel como de costume, ficou em frente a porta da cozinha, olhando mais uma vez para os Narcisos no jardim. Sebastian tem um jardim inteiro para se lembrar de sua falecida esposa, mas não tem nada que o lembre de mim, Ciel pensou.
O rapaz lamentou o fato de não ter deixado nenhuma grande memória, mas no fim decidiu que era melhor assim. Se nunca mais se veriam o melhor era que tudo fosse esquecido ou ao menos lembrado o mínimo possível. Ou talvez estivesse exagerando, era uma despedida, mas ninguém disse que seria para sempre. É bastante complicado dizer que nunca mais vai acontecer ou que isso tudo será para sempre. Nunca mais e para sempre são extremos que raramente acontecem.
O chá estava pronto e ao invés de voltarem para sala decidiram seguir para o jardim, apesar de o dia estar frio e nublado. O vento chocava-se com força contra os galhos das arvores, deixando mais evidente o cheiro das plantas e flores que havia ali. Ciel deu uma última olhada nos Narcisos que tanto o atraiam e depois voltou sua atenção somente para Sebastian.
— Eu achei que não gostava desses Narcisos por eles terem sido da sua falecida esposa, mas percebi que estava errado. Eu realmente gosto deles.
— Isso tudo poderia ser considerado como ciúme? – Sebastian questionou sorrindo.
— Talvez...
Continuaram conversando sobre banalidades durante o resto do dia e quando o fim do dia chegou a despedida final se fez necessária. Ciel olhou em volta mais uma vez e novamente se deparou com o maço de cigarros.
— Não volte a fumar. – falou sério. — Daqui a alguns anos quando nos vermos novamente não quero que ainda esteja fumando.
— Prometo que não estarei fumando quando nos virmos novamente.
Ambos sabiam que as chances de ser afastarem eram bem maiores do que as de se verem novamente, mas em momentos desanimadores é sempre bom tentar pensar positivamente. Andaram em direção a porta, mantendo o silencio. Apenas o som de seus passos era ouvido, ecoando no ambiente.
Ciel parou em frente à porta e rapidamente se virou em direção a Sebastian. A vontade de sair dali não existia. Olharam-se novamente antes de se abraçarem mais uma vez. O rapaz escondeu o rosto no peito do professor de piano durante alguns instantes e aos poucos ergueu o rosto, aproximando-se para um último beijo.
O último beijo realmente parecia ter gosto de despedida, um beijo rápido e carregado de sentimentos. Trocaram mais um olhar, e sem dizer mais nada se afastaram. Ciel pôde finalmente abrir a porta e seguir em direção à rua.
A despedida foi silenciosa, as palavras só tornariam tudo mais difícil do que já estava sendo. Sebastian continuou na porta, como de costume, assistindo enquanto Ciel se afastava e sumia entre a multidão de pessoas que andavam apressadas.
Quando estava chegando próximo ao portão de casa Ciel percebeu que não havia perguntado se o professor apareceria na estação no dia seguinte. O rapaz lamentou imensamente por não ter tocado nesse assunto, mas talvez fosse melhor assim. Já haviam se despedido e talvez até mesmo tivessem dito tudo que queriam dizer. Despedidas nunca são felizes e só trazem mais vontade de evitar a partida.
Ciel entrou e casa e foi direto para seu quarto. Sua mãe avisou que o jantar estaria pronto em breve, mas o rapaz apenas inventou uma terrível dor de estômago e pediu para ficar sozinho. As malas já estavam prontas e empilhadas em um canto do quarto. O armário estava vazio e todos os pertences pessoais haviam sido retirados.
O rapaz ignorou o vazio do quarto e apenas deitou em sua cama. As lembranças dos últimos dias se repetiam como se fizessem parte de um filme. Ciel estava cansado, não fisicamente, mas mentalmente. Os olhos se fecharam e após um longo momento adormeceu.
A noite de sono não foi satisfatória, na verdade sequer parecia que havia realmente dormido. Ciel só viajaria à tarde e graças à isso dormiu até mais tarde. Já passava das nove da manhã quando acordou, estranhando o fato de que não havia sido acordado por sua mãe.
Desceu para tomar café da manhã, mas a mesa já tinha sido retirada. Sua mãe encontrava-se sentada no sofá lendo um livro.
— Tem café, chá e frutas na cozinha. Não esqueça que você sairá daqui por volta de meio dia.
Ciel ignorou as palavras de sua mãe e andou rumo à cozinha. O rapaz se alimentou rapidamente e novamente voltou para seu quarto. As próximas horas foram longas e recheadas de muitos pensamentos e suposições. Ciel imaginava como seria a França e a tal escola onde estudaria. Pensou também se algum dia voltaria a ver Sebastian e em meio à um pouco de tristeza concluiu que seria agradável ver o professor novamente.
O rapaz começou a se arrumar por volta de onze e meia. Banhou-se e trocou de roupa, as malas foram levadas para a sala aos poucos e quando havia terminado de se arrumar resolveu descer. O automóvel que o levaria para a estação de trem já o esperava do lado de fora, mesmo que ainda faltassem vinte minutos para o meio dia.
A mão de Ciel deixou o livro que lia em cima do sofá e passou a olhar para o filho. Os olhos e a expressão em seu rosto denotavam certa tristeza.
— Quer que eu vá com você até a estação?
— Não acho que seja necessário.
Ciel manteve o olhar distante e frio, mas mesmo assim sua mãe o abraçou. Fazia tempo que não se aproximavam daquela maneira e aos poucos o rapaz se rendeu ao carinho da mãe. Aqueles braços eram tão aconchegantes e quentes quanto se lembrava.
— Nos vemos em breve, Ciel.
— Sim. Até breve.
As malas foram levadas para fora e mais do que depressa seguiram rumo a estação. O jovem observou a paisagem fria e sem cor de Londres, os becos escuros e as pessoas apressadas. A estação de trem não ficava longe de sua casa, então cerca de meia hora depois já haviam chegado.
Ciel foi acompanhado pelo motorista e auxiliado a colocar as bagagens no trem. As bagagens haviam sido despachadas e agora estava sozinho. Olhou em volta como se esperasse encontrar um rosto conhecido, mas isso não aconteceu. Já passava do meio dia e Sebastian realmente não estava ali.
O rapaz entrou no trem e acomodou-se em seu lugar. O ambiente era bem confortável e na cabine onde estava ainda havia espaço para mais uma pessoa. Ciel notou que o trem estava vazio e torceu para que continuasse assim. Seria bem melhor se pudesse viajar sozinho com seus pensamentos ao invés de ter a companhia de um estranho qualquer.
Os olhos azuis seguiam com atenção as pessoas que se movimentavam do lado de fora. Ainda havia, lá no fundo, aquele resquício de esperança que insistia em não ir embora. A esperança que lhe dizia que Sebastian ainda poderia aparecer. Esperança que morreu de vez quando o trem começou a se movimentar.
Ciel suspirou e novamente lutou contra a tristeza que insistia em lhe incomodar. Aquele era o adeus. Escolheu um dos livros que havia trazido e tentou não pensar em nada, tentando se distrair com as palavras tristes que lia naquela poesia. A despedida ainda lhe doía mesmo que imaginasse que seria bom morar na França, mesmo que ainda julgasse ter feito uma boa escolha. As boas expectativas que tinha não foram capazes de diminuir sua tristeza.
Leu durante algum tempo e teria continuado com sua leitura não fosse o homem que entrava em sua cabine. Pensou em manter a atenção no livro, mas por algum motivo resolveu levantar o olhar. O rapaz sentiu o coração palpitar e naquele momento não foi capaz de demonstrar nenhuma reação. Estava triste há minutos atrás e agora toda essa tristeza havia acabado.
— Bem, eu acho que estou de férias. – Sebastian falou em meio a um sorriso.
Ciel jogou o livro em cima do assento e rapidamente abraçou Sebastian. O adeus que pensou ser duradouro não havia durado nem ao menos vinte e quatro horas.
— Por que não me disse que viajaria comigo?
— E você acha que eu sabia disso? Foi uma decisão de última hora.
— E como conseguiu me encontrar?
— Apenas esse trem iria para a França. Procurei em todos os vagões e não foi tão difícil quanto parece.
O rapaz permaneceu em silencio, observando Sebastian com um sorriso no rosto. O professor retribuiu o sorriso e em seguida os dois se sentaram.
— Na verdade esse trem não vai para a França, ele nos leva até o porto e de lá pegamos um navio...
— É só modo de falar. Você achou que não me veria mais e agora vem me corrigir sobre o modo como viajaremos? Jurei que receberia um beijo ou pelo menos um “Fico feliz que tenha vindo.”
O ambiente daquela cabine com certeza havia se tornado intensamente mais leve e agradável. Ciel já havia aceitado de certa forma o adeus, mas estava mais do que claro que era bem melhor não ter que se despedir. Ainda não sabiam o que seria feito no futuro, mas ao menos poderiam aproveitar a companhia um do outro por mais tempo.
Às vezes é melhor deixar o futuro um pouco de lado e aproveitar o momento. No futuro você se lembrará do seu passado e tudo o que menos irá querer é se arrepender por não ter sido mais feliz ou aproveitado mais os momentos que lhe foram proporcionados.
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