— Mas mãe!
— Não quero ouvir reclamações, Ciel!
— Gostaria de pelo menos uma vez ter o direito de escolher o que fazer desta porcaria de vida!
— Não quero ouvi-lo falando dessa maneira, ouviu bem, Ciel?
— Ouvi! Ouvi muito bem! – respondeu, tentando engolir em seco o ódio que sentia.
— Tantos outros à sua volta dariam de tudo para ter a vida que você tem! Não quero ouvi-lo reclamando.
— Ora, pois dê a algum deles a vida que tenho, porque eu não a quero!
— Não teremos essa discussão novamente! Você não sabe o que é melhor para sua vida, Ciel Phantomhive! Agora ande logo e vá para sua aula!
O jovem rapaz engoliu com dificuldade as ofensas que queria cuspir em cima da mãe e saiu da sala, andando a passos largos. Sabia muito bem que discutir com a mãe jamais levava a alguma solução, mas era cabeça dura e insistia em discutir com ela, todas as vezes que um aprendizado novo era imposto, na esperança de que pudesse escolher o que fazer de sua vida.
Saiu pelo portão, batendo-o com força, tentando demonstrar mais uma vez a insatisfação que sentia. Tinha aulas de arco e flecha pela manhã, aprendia francês pela tarde e agora a mãe decidiu repentinamente que teria aulas de piano. Não conseguia entender o motivo de tantos aprendizados, já estudava feito um condenado para conseguir ingressar em uma boa faculdade de medicina. Não conseguia ver nenhuma utilidade em tudo aquilo que aprendia, mas para sua mãe novos aprendizados nunca eram demais e graças à isso se via vivendo uma vida que não era sua, mas sim dela.
Perdera o pai muito cedo em um acidente e desde então a mãe doce e compreensiva que tinha sumiu, aos poucos, dando lugar a uma mulher ranzinza e exigente, que somente almejava ter o filho perfeito, que pudesse ser exibido como troféu para todas essas famílias ricas com filhas por casar. Gritava, brigava, demonstrava-se terminantemente contra tudo isso, mas no fim cedia e como o bom filho obediente que era, acatava à todas as ordens da mãe.
Andou por um bom tempo por entre as ruas frias e sem cor de Londres e quando começava a se cansar de andar, chegou ao endereço que a mãe havia lhe dado. Era um casarão antigo de dois andares, cercado por um belo e reconfortante jardim. Parou em frente a porta tentando imaginar o tipo rígido e velho de professor que enfrentaria, todos os seus outros professores eram assim, por que motivo esse também não seria?
Bateu insistentemente na porta, mas ninguém veio atendê-lo. Não tinha a menor vontade de ter aulas de piano, mas agora já havia se dado ao trabalho de ir até ali. Não pretendia ser deixado à espera e muito menos iria embora sem falar com o tal professor magnífico que a mãe lhe falara. Bateu mais algumas vezes na porta, mas novamente não obteve resposta.
Levou a mão até a maçaneta e percebeu então que a porta estava destrancada. Abriu a porta e entrou no local sem cerimônia nenhuma, o fato de estar invadindo a casa de um estranho não o preocupava. Fechou a porta atrás de si e começou a andar por um longo corredor. Olhou em volta várias vezes, procurando por alguma alma viva.
Ao fim daquele corredor havia uma pequena sala, com uma mesa e algumas poltronas. Deu uma rápida olhada no ambiente e concluiu que a decoração não era ruim. As poltronas eram de um tom intenso de azul, as cortinas na janela variavam em tons de vermelho e a grande mesa no centro era de uma madeira escura.
— Olá? Sebastian? – chamou pelo nome do professor, mas não obteve resposta.
Escolheu uma das entradas que havia ali e se pôs novamente a andar. Viu-se novamente em outro corredor, dessa vez menor que o outro. Haviam várias portas fechadas, que não teve interesse de abrir e no fim daquele corredor havia uma grande biblioteca de um lado e uma escada do outro.
Ficou quieto por alguns instantes fitando aquela imensidão de livros e se perguntando quantos livros haveria ali. Pensou em dar uma olhada naqueles livros e estava quase se esquecendo de que era a casa de um estranho, quando ouviu uma música desconexa. A melodia que ouvia, sem dúvida alguma, vinha de um piano, mas sequer poderia ser chamada de música. Era algo desconexo, incômodo e desafinado. Como se várias teclas fossem dedilhadas ao mesmo tempo e sem preocupação nenhuma.
Subiu as escadas, tentando seguir a melodia incômoda que ouvia. Será esse o professor maravilhoso que minha mãe conseguiu para mim? Se ele é tão magnífico, como pode tocar tão mal? Divertiu-se com a idéia de poder dizer a mãe que o professor que ela julgava tão incrível não passava de um ser sem talento. Terminou de subir as escadas e chegou novamente a uma sala.
— Quantas salas essa maldita casa tem? – praguejou.
O som do piano foi ouvido com mais nitidez, misturado a outros sons que não conseguiu identificar. Ao seu lado havia mais uma entrada, que levava a outro pequeno corredor. Seguiu por esse corredor até avistar outro cômodo mais a frente. Andou rapidamente até esse cômodo e não soube como reagir ao chegar lá.
A cena que viu o deixou atônito, chocado, paralisado. Não era como se fosse uma criança inocente que não entendesse de nada, mas nunca havia visto nada daquilo em sua vida. Sentiu as bochechas esquentarem, não pensou sequer em desviar o olhar, e não conseguiu fazer outra coisa a não ser ficar parado.
Bem ali, logo à sua frente, estava o bendito piano de cauda. O que um piano de cauda poderia ter de tão chocante? Bem, nada. O que o deixou bastante assustado foi o que acontecia naquele local. Praticamente em cima do piano, apoiada em suas teclas havia uma mulher de longos cabelos castanhos, com a saia do vestido levantada, e oculto em meio a suas pernas, havia um homem de cabelos morenos, cujo rosto se afundava em meio as pernas daquela mulher.
A mulher soltava gemidos estridentes, enquanto puxava os cabelos negros do homem implorava por mais. O garoto sabia que não deveria estar ali, observando, mas a curiosidade de saber o que viria a seguir o impedia de ir embora. Os gemidos passaram a ser mais intensos e o corpo dela começou a se contorcer, um único gemido mais longo foi ouvido e depois disso, aquela mulher pareceu estar muito satisfeita, com algo que aquele garoto não saberia explicar exatamente o que era.
O homem de cabelos negros se afastou da mulher e seu olhar instantaneamente se fixou no intruso que estava naquela sala, a mulher que se apoiava no piano demorou certo tempo para perceber o que acontecia a sua volta, mas assim que percebeu a presença do garoto, soltou um grito e se esforçou para arrumar o vestido.
Ciel olhava para o homem moreno seminu que estava à sua frente. A moça do piano se levantou e olhou em volta, antes de sair em disparada tentando esconder o rosto. O tal homem que estava à sua frente acomodou-se em frente ao piano e começou a tocar uma melodia calma e triste, como se nada de estranho tivesse acabado de ocorrer ali. Seus olhos se fecharam e ele se concentrou na canção que tocava, sem se preocupar em vestir uma camisa ou fechar os botões de sua calça.
A forma com que ele tocava o piano deixou Ciel impressionado. Os dedos passavam suavemente pelas teclas, como se estivesse acariciando o piano. Os olhos do homem moreno estavam estreitamente fechados e o corpo se movendo suavemente. Aos olhos de Ciel tudo ali parecia exalar paixão e era estranho que o garoto pensasse em algo assim, já que tudo à sua volta se resumia a obrigação, a aparência, nada que ele conhecia parecia exalar paixão, a não ser aquele homem tocando piano.
— Sonata ao Luar. – sussurrou ao terminar de tocar a canção.
Ciel não soube o que dizer então se limitou a ficar em silencio enquanto o homem o olhava de cima à baixo.
—Voyeur? – O tal professor falou em tom de questionamento.
— Voyeur? Eu? – Ciel questionou assustado.
— Voyeur é uma pessoa que sente prazer observando os...
— Eu sei exatamente o que é voyeur! E não, eu não sou um voyeur! Não tenho culpa se você faz esse tipo de coisa durante seu horário de trabalho! – Ciel praticamente gritou.
— Garoto eu estou na minha casa, o que eu faço ou deixo de fazer não lhe interessa! Acaso acha divertido invadir a casa das pessoas?
— Eu não invadi! – Ciel exclamou.
— Não invadiu? Você entra na casa de alguém, sem prévio aviso e sem permissão nenhuma para entrar. Se isso não é invasão, então não sei o que é!
— Tínhamos um horário marcado! Eu andei até aqui contra à minha vontade e não acho justo voltar para casa sem essa maldita aula! Não é culpa minha se você não tem profissionalismo e faz esse tipo de coisa durante seu horário de trabalho!
— Qual o seu o nome garoto? – Sebastian questionou suspirando.
— Ciel Phantomhive.
Uma expressão maliciosa tomava conta do rosto daquele homem. Ele se levantou e andou em direção a Ciel, ainda com a mesma expressão no rosto.
— Me chamo Sebastian. – falou bem próximo a Ciel.
— Eu sei.
— Deixe-me esclarecer algumas questões. Eu não só faço aquele tipo de coisa durante meu horário de trabalho, como também faço com minhas alunas. E não chame de “esse tipo de coisa”, chame de sexo. – Sebastian sorriu, passando a mão pelo rosto de Ciel.
— Isso não me interessa. – respondeu Ciel, sentindo-se constrangido.
Ciel sentia-se constrangido e acuado diante daquele homem, e desde que chegara aquela casa não soube mais o que fazer em relação a tudo que acontecia ali. O simples toque dos dedos daquele homem, fez com que o corpo de Ciel se agitasse de uma forma estranha.
— Concordo que estas informações não sejam de seu interesse, mas acho melhor deixar claro o que você viu nessa sala. Pretende continuar com suas aulas, agora que sabe o que acontece aqui?
— Não vejo motivo para desistir das aulas.
— Não vê? E se eu fizer a você o mesmo que fiz com aquela mulher? – falou baixinho, como se contasse um segredo ao garoto.
— Somos homens! Não há como isso acontecer!
Sebastian achou a reação do garoto estranhamente divertida e em meio à risos se afastou dele. Ciel o olhava com uma expressão séria de quem não via motivo para tantas risadas.
— Somos homens? Não há como isso acontecer, você diz. Você se surpreendia se soubesse. – mais algumas risadas foram ouvidas, enquanto Sebastian se acomodava em uma das poltronas.
— Não sei do que você está falando!
— Eu imagino que não. Enfim, qual a sua idade?
— Dezesseis.
— Bastante jovem. Toca algum outro instrumento?
— Violino.
— Interessante. Tem paixão pela música?
— De modo algum.
— Não gosta de música? Sabe que teremos aulas de piano?
— Sim, eu sei!
— Não entendo o que faz aqui se não gosta de música.
— Estou aqui contra minha vontade. Minha mãe acha que saber tocar piano pode ser interessante para mim.
— Por que sua mãe se interessaria em te obrigar a fazer algo que você não quer?
— Ela está bastante interessada em moldar o filho perfeito e assim poder exibi-lo por ai como algum tipo de troféu. Eu estou aqui por que não tive escolha.
— Não teve escolha? Isso é apenas uma desculpa usada por covardes! Todos nós temos escolha.
Ciel conhecia o tal homem há menos de uma hora, mas isso já era tempo suficiente para que ele o julgasse como uma pessoa extremamente petulante e que dizia tudo o que vinha à mente. Ciel jamais reconheceria, mas a personalidade daquele professor era exatamente igual a sua.
— Estou aqui para ter aulas de piano ou para descobrir o sentido da vida? Não tenho interesse em saber de suas opiniões ou filosofias de vida.
— Você é bastante nervoso para alguém tão jovem! Vamos ao que interessa então. Veremos-nos na Terça e na Sexta, das três da tarde até às seis da noite. Não começaremos com suas aulas hoje. Estou cansado, vá para casa, pense um pouco e se ainda estiver disposto a fazer algo que não quer, venha até aqui na Sexta no horário marcado. Até breve.
Sebastian se levantou da poltrona e começou a andar em direção à outro cômodo, deixando Ciel sozinho ali.
— Só isso? – Ciel questionou atônito, enquanto via o homem se afastando.
— Espera algo mais?
— Não, eu acho.
— Você sabe onde fica a saída. Até breve.
O bendito professor de piano abandonou a sala deixando Ciel sozinho. O rapaz saiu do local bufando de ódio. Preferia aguentar os professores velhos e ranzinzas a ter que suportar aquele maldito homem temperamental. Encontrou a saída com facilidade e ao chegar do lado de fora, percebeu que a noite havia caído. Foi para casa andando lentamente, acompanhado apenas pela luz da lua e pela imagem do professor que insistia em não sair de sua cabeça.
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