* SURPRESAS MUITO IMPORTANTES NAS NOTAS FINAIS NÃO DEIXEM DE OLHAR*
- Você estava drogada? Tinha bebido não é Rachel? Você sempre faz um escândalo quando chega bêbada em que casa, meu Deus que vergonha. - Respiro fundo ao escutar o sussurro efusivo da Lenora a centímetros das minhas costas. Murmurando ofensas e descontando em mim todos os problemas da sua vida. Nada de novo por enquanto. - O que eu preciso fazer pra você tomar um rumo na vida? Que Jesus Cristo te guie porque eu não consigo mais. Você não tem jeito mesmo.
- Foi só um engano. - Respondo ao ver o Shawn caminhando na minha direção, apertando com força a alça da mochila que pendia dos seus ombros. Respiro fundo, determinada a manter a calma e me focar no que realmente poderia ser um problema.
Aquela sensação de estar sendo observada não ia embora nunca.
- É melhor você me dizer o que usou garota, ou eu vou te por na reabilitação e…
- Eu. Não. Usei. Nada. - Respondo entre os dentes vendo a mulher bufar com raiva, seus olhos adquirindo aquele tom escurecido que expressava todo o seu ódio por mim naquele momento. A Lenora ficava irritada quando se sentia impotente com algo.
- Você inventou a merda de um perseguidor, gritou que alguém tinha invadido nossa casa e ameaçou ligar pra polícia. - Meus ombros se tensionam imediatamente com a menção do assunto.
Torço para que o Shawn apresse os passos antes que eu tenha uma síncope bem ali em frente à igreja. Pelo canto do olho vejo a Lenora se aprumar jogando uma mecha do cabelo perfeitamente arrumado para trás tentando manter sua postura, mesmo profundamente irritada. Isso me divertiria, se eu não estivesse completamente concentrada em olhar para cada centímetro que me cercava, prezando pela minha segurança.
Não havia nenhum lugar seguro em Naples.
- Rachel se você está dizendo que isso foi criação da sua mente enquanto você estava completamente sóbria não vou te mandar pra reabilitação e sim pro manicômio. - A mulher rosna e dessa vez não pude evitar a risada. O meu stalker poderia estar com uma arma apontada para minha cabeça nesse exato momento e ainda assim era capaz dela não acreditar em mim.
Encho meus pulmões de ar, preparada para respondê-la, mas assim que a primeira sílaba deixa meus lábios sinto uma mão morna sobre meu ombro. Não precisava olhar para o Shawn para entender que ele queria que eu falasse a boca e o deixasse falar.
- Onde você arruma essas frases de efeito? - Pergunto para a Lenora sem me conter, erguendo uma sobrancelha e escutando o suspiro hesitante do meu primo. O garoto recolhe sua mão com rapidez e pigarreaia chamando a atenção de Lenora que estava prestes a ter um ataque de fúria depois da minha provocação.
- O que aconteceu ontem foi só um engano, achamos ter visto algo que claramente era diferente do que esperávamos. - Vejo meu primo engolir em seco, tenso por saber que a Lenora estaria o escutando e reconhecer o peso de duas palavras para a mulher. O Shawn parecia estar fazendo um enorme esforços para pronunciar um mínimo som sequer. Ou melhor, uma mínima mentira. - Você sabe como a Rachel pode ser dramática as vezes, foi só um susto Tia Nora.
Sinto o olhar do meu primo sobre mim mas não me preocupo em retribuir. Sabia que ele se sentia culpado por falar de mim daquele jeito, mas no momento era necessário.
Ultimamente estávamos fazendo muitas coisas contra nossa vontade, apenas por ser necessário.
A minha mãe se contorce a minha frente antes de me lançar um olhar de desgosto e direcionar todo cuidado que é capaz de dar para o meu primo. Reviro os olhos, cansada da novela mexicana que a Lenora criava ao seu redor, e encaro as ondas emanadas pelo asfalto quente a minha frente. Era uma típica sexta-feira ensolarada em Naples e o sol estava me fritando.
- Ah querido, não precisa encobrir cada estupidez que sua prima faz. - A Lenora diz tocando o rosto do meu primo carinhosamente e dando um sorriso reconfortante na sua direção. Nunca consegui me acostumar com discrepância de atitudes que ela tinha comigo e com as outras pessoas. Sempre me assustava ao vê-la tratando o Shawn tão bem, não estava acostumada com essas atitudes vindas da minha mãe. - As vezes eu queria que ela fosse mais parecida com você.
Sinceramente, ouvir esse tipo de coisa já não me machucava tanto quanto antes. Mas pude ver a dor em cada dente que o Shawn mostrava em seu riso falso. Conseguia ler em suas feições o quanto ele se sentia patético por ter que engolir cada ofensa e com um sorriso no rosto.
- Continue sendo o ótimo garoto de sempre. E você… - A Lenora diz desviando seu olhar na minha direção e entortando o nariz ao me analisar dos pés à cabeça. Caramba, essa mulher é boa para criar um drama. - Tente aprender algo de bom com o seu primo. Vou falar com seu pai, quem sabe ele não põe algum juízo nessa sua cabeça.
Por sorte a Lenora se afasta antes que eu pudesse responder, batendo o tamanco na calçada continuamente até se aproximar de forma animada do marido. Percorro meus olhos por aquela cena estúpida, sem acreditar na falta de caráter do meu pai, que jogava conversa fora com Bruce Collins como se ele não estivesse fodendo a mulher do cara bem debaixo do seu nariz.
Como ele conseguia ser tão baixo?
Meus olhos ardiam e eu não saberia dizer se era pelo calor insuportável ou pelo fato de não ter dormido mais de meia hora naquela noite. Ontem havia sido um dos dias mais estressantes da minha vida, começando pela crise de ansiedade absurda que o Shawn teve, indo até a parte onde tivémos que literalmente correr por nossas vidas já que tinha um maníaco nos perseguindo no meio de uma praia deserta, e para fechar com chave de ouro o surto monumental que tive após perceber que a Clair havia invadido a droga do meu quarto pra mexer com a minha cabeça.
Tudo bem. A essa altura do campeonato já não tinha tanta certeza se era mesmo a Clair tentando me assustar. Ela é burra demais para conseguir invadir uma casa cheia de gente e ainda deixar um presentinho no meu quarto sem que ninguém notasse. De acordo com o Shawn, a única forma de fazer uma idiotice dessas despercebida era já estar dentro de casa. E por esse motivo o meu primo simplesmente negou tudo que eu disse sobre ter passado os últimos dias sendo perseguida por um maluco.
Foi por um triz. Se houvesse falado durante mais um segundo ontem a noite, o Shawn estaria sendo mandado nesse exato momento no primeiro voô para o Canadá enquanto eu seria descartada na sarjeta de um bordel. Não sabia mais o que pensar, estava desconfiando de todos que me cercavam. Até a Leslie já estava me dando medo.
Por causa das minhas paranóias estava solitariamente parada debaixo de um sol de 30 graus esperando minha carona para o retiro. Verdade seja dita, tinha muitos adolescentes com seus pais se despedindo, se acomodando no ônibus, conversando futilidades até que desse a hora de sairmos. Mas eu não estava com cabeça para aguentar a conversinha de ninguém agora e muito menos para passar duas horas trancada num veículo lotado de suspeitos.
O desespero estava me consumindo tão profundamente que eu não pensei duas vezes em aceitar a carona do Matteo. Ele sempre costumava fazer isso quando o assunto era “viagens em grupo”, meu ex simplesmente achava o endereço do lugar e poupava paciência indo com seu próprio carro importado. O Matt era idiota mas nem tanto. Me sentia um pouco culpada por testar a paciência do Shawn o levando para dar uma volta com uma das pessoas que ele mais odeia em Naples, mas era a nossa segurança em jogo.
Pelo menos eu sabia do que o Matteo era capaz. Nada do que ele poderia fazer seria novidade.
- Tente parar de encarar todo mundo como se estivesse prestes a ser atacada. - O sussurro do Shawn interrompe meus pensamentos e olho para o garoto imediatamente. Apenas a visão do seu rosto já me confortava um pouco. Cada dia que passava tornava-se mais difícil aproveitar o tempo que tinha ao lado dele, era como se o universo conspirasse contra nós dois para que tudo desse errado. E no momento ele era a única pessoa que eu podia confiar.
- Eu me sinto prestes a ser atacada, não dá pra disfarçar isso. - Respondo soltando um risinho irônico e esbarrando meu ombro no seu. Por sorte, qualquer segundo ao lado dele era válido, bastava ouvir sua voz para que o clima ao redor se tornasse mais leve e eu finalmente fosse capaz de respirar. Sorrio vendo o Shawn levantar a sobrancelha com uma expressão divertida no rosto.
- Princesa, a única coisa prestes a te atacar aqui sou eu. - Não consigo evitar a risada engasgada que corta minha garganta após ouvir a provocação do Shawn. Era impressionante como mesmo atolado de problemas ele ainda conseguia me fazer rir. Se pararmos para pensar é realmente bem idiota estar passando por todo esse drama por causa de um relacionamento tão inevitável como o nosso. - E é melhor você começar a me distrair antes que eu não consiga mais me controlar e faça o que eu quero fazer, bem aqui.
- Relaxa, você vai se distrair bastante com as palestras sobre como sexo antes do casamento leva a gente pro inferno. - Respondo deixando minha cabeça pender para o lado enquanto faço bico admirando a beleza do garoto próximo a mim.
- Se sexo antes do casamento leva pro inferno, pegar a prima leva pra onde? - O garoto sussurra fazendo os pêlos da minha nuca se arrepiarem automaticamente. O Shawn fazia esse tipo de coisa, meu corpo derretia por dentro apenas com algumas palavras vindas da sua boca.
O encaro dolorosamente pela distância tão grande que éramos obrigados a manter. Analiso cada tom de castanho que se mesclava nas suas íris escurecidas pela pupila dilatada, antes de sorrir sem mostrar os dentes e tocar no seu braço delicadamente. Quem visse de longe nem imaginaria a seriedade do que eu estava falando.
- Te leva pra dentro de mim. - Murmuro sem que praticamente nenhum ruído saísse da minha boca, mas apenas o movimento dos meus lábios parece ter sido o suficiente para mexer com o Shawn. Sua mandíbula contraída denunciava o esforço que ele estava fazendo para se manter na linha.
- Vocês dois vão entrar ou preferem ficar olhando um para a cara do outro a manhã inteira?
A voz grave e familiar faz eu me assustar ao ser pega desprevenida num momento tão… impróprio. Para mim pelo menos. E para o Shawn pelo visto, que se sobressaltou assim que o Porsche estacionou ao nosso lado chamando atenção de todos na frente da igreja.
Exagerado como sempre.
Encaro o Matteo, e ele parecia ter caprichado na pose de playboy hoje. Coloco as mãos na cintura recebendo em troca um sorriso com dentes que pareciam ter sido recentemente branqueados.
Era difícil de engolir, mas depois da conversa que eu e o Matteo tivemos em sua casa, mas o garoto parecia muito mais resolvido que antes. Parecia muito mais com o cara que um dia foi meu amigo, o cara pelo qual eu me apaixonei.
Parte de mim ficava muito feliz por vê-lo ali, mesmo quando tudo estava desmoronando, o Matt me lembrava de tempos ótimos da minha.
- Sabe… - Falo caminhando em direção ao carro a medida que o italiano levanta os óculos escuros para encarar cada movimento meu. - Até que não é tão mal passar a manhã inteira olhando pra cara do Shawn. Pelo menos é melhor que passar encarando a sua.
- Ah, é mesmo gracinha? É importante saber que sua língua continua afiada, mas é sempre bom lembrar que você adorava ficar olhando pra esse rostinho aqui. - O garoto rebate dando tapinhas no seu maxilar delineado, com uma expressão convencida que me lembrava muito a do Shawn.
- Matteo para de perder seu tempo e vamos logo.
Meu coração dispara e a raiva me consome assim que escuto a voz de quem ocupava o banco do carona. O tom de voz usado para pronunciar o nome do meu ex era inconfundível. Enfio a cabeça pela janela do carro dando de cara com a Clair exibindo aquela expressão insolente.
- Ela me pediu pra vir, você sabe que eu não podia dizer não para a Clair. - O Matteo sussurra para que apenas eu pudesse escutar. O garoto agarra meu pulso rapidamente tornando impossível de me afastar um passo sequer.
- Você nunca pode dizer não pra Clair. - Rosno entre dentes puxando meu braço e sentindo a ardência percorrê-lo ao perceber que o Matteo não o havia soltado. O italiano franze as sobrancelhas me puxando para mais perto na tentativa de evitar o estardalhaço que eu estava prestes a fazer.
- Não é assim… eu disse que ia resolver o seu problema é não posso fazer isso simplesmente chutando ela do meu carro. - O Matteo murmura no meu ouvido com a voz arranhada antes de finalmente me largar. Sinto o gosto amargo na minha boca ao notar o sorrisinho sonso estampado no rosto da Clair. - Agora chame seu priminho e entre no carro. Tirei meu Porsche da garagem só por sua causa.
Encaro a expressão resignada no rosto do Matteo, decidindo entre confiar nele ou mandá-lo ir se foder. Foi inevitável não desviar meus olhos para a garota no banco do passageiro e toda cena pareceu acontecer em câmera lenta.
A Clair esticou a mão e cravou as unhas na coxa do Matteo, que nem ao menos parecia sentir aquilo. Então encarando bem no fundo dos meus olhos, ela deu um sorriso de orelha a orelha e no segundo seguinte a garota estava acenando enquanto pronunciava o nome do meu primo.
- Pega a merda do seu Porsche e enfia no seu cu. - Cuspo sentindo minha cabeça latejar com a vontade de agarrar o pescoço fino da Clair entre as minhas mãos. O Matteo grunhe tentando me puxar pelo braço mais uma vez, mas dessa vez sou mais rápida e me afasto enfiando meu dedo do meio no seu rosto antes de andar para longe do carro. - Ou melhor enfia no da Clair como você faz com tudo o que é seu!
- Rachel! - Ouço o grito agudo da minha mãe caminhando ao lado do meu pai, vindo na minha direção e atraindo o olhar de todos. Era só o que me faltava. Ranjo meus dentes e agarro minha mochila de forma desajeitada recebendo um olhar preocupado do Shawn. - Você enlouqueceu?
- O que houve? - Escuto o Gary perguntar atrás de mim mas não me viro para saber com quem ele conversava. Tinha impressão de estar espumando pela boca, e algo me dizia que se eu desse um passo para trás seria para arrancar peça por peça do Porsche do imbecil do Matteo.
- Você sabe… hã… você sabe como a Rachel é ciumenta às vezes… - Corrigindo: Se eu desse um passo para trás seria para arrancar a língua do Matteo de dentro da boca dele. - Mas não tem problema, ela vai de ônibus e conversamos quando ela chegar lá.
- Mil perdões querido, você conhece esse temperamento difícil que a Rachel tem, não liga pra essa má educação dela. - A voz da minha mãe parecia estar me sufocando e tinha impressão que minha mochila havia começado a pesar toneladas. Quais eram as probabilidades de eu morrer antes de alcançar o ônibus? Espero que altas.
- Não foi má educação nenhuma Lenora, a Rach só tá um pouco estressada esse dias. - O Matteo responde e paro de caminhar por um segundo sentindo o peito do Shawn se esbarrar nas minhas costas por conta da parada repentina. Conto de 1 até 10 na esperança de me acalmar mas não funciona.
Eu contaria de 1 até mil se fosse o suficiente para me deixar mais calma, mas eu sabia que nada era capaz de cessar a minha vontade socar a cara do Matteo.
- Isso que adoro em você, você é sempre tão compreensivo Matteo. Logo logo a Rachel para de birra e vocês voltam a ser o casal lindo de sempre. - Um grunhido grave deixa a minha garganta agora que eu estava quase correndo em direção à fila na frente do ônibus, até que as vozes ficassem mais baixas e fossem inaudíveis. - Ah Clair meu bem, não tinha te visto aí! Como você está? Como vai sua Tia? Achei ela estaria aqui hoje mas apenas o Bruce veio…
Apresso meus passos ao ver o capô do ônibus. Apenas respire Rachel e não mate ninguém no caminho. Corro meus olhos pelas pessoas encontrando a Anna acompanhada do seus pais no fim da fila. A visão de alguém que eu não odeio me tranquiliza e torna meus movimentos um pouco mais confiantes.
O reverendo estava recebendo os adolescentes na porta do ônibus com uma lista de presença e um panfleto com a programação do retiro. E por algum motivo desconhecido por mim esse cara estava demorando uma eternidade para realizar algo tão simples como isso.
- Aham. Vai ficar tudo bem lá. - A Anna diz acalmando a mãe superprotetora que agarrava os ombros da sua filha como se pudesse perdê-la a qualquer momento. Tento desviar os olhos da cena dramática a minha frente mas não consigo. Tinha uma pontinha de inveja pela Anna ter uma família que se preocupava tanto com ela.
- Ok. Tudo bem. - A Sra. Campbell fala, quase para si mesma, alisando os cabelos da filha com cuidado sem tirar os olhos da garota baixinha por nem um segundo. - Está levando seu remédio? E o carregador do celular? Tem certeza que pôs meias suficientes na mala?
- Sim mãe, já disse tô levando tudo, não precisa se preocupar. - A Anna fala fazendo careta e finalmente percebendo a minha presença atrás dela. A garota acena por cima dos ombros da mãe, encarando o Shawn ao meu lado e depois me lançando um sorriso cúmplice.
- Ok Anna, não se esqueça de me ligar. Vou estar com o celular durante o fim de semana inteiro. - A moça de cabelos castanhos diz abraçando a filha amorosamente antes de deixá-la assinar a lista de presença e entrar no ônibus. A Sra. Campbell para a minha frente vendo a filha caminha para dentro do veículo até que estivesse perfeitamente segura em seu assento. Quando acho que a mulher finalmente vai me deixar passar, ela se vira em minha direção e sorri educadamente. - Ah Rachel… se divirta na viagem.
- Obrigada, Sra.Campbell. - Respondo tentando soar o mais educada possível e não fazer careta para a mãe da minha amiga. Infelizmente preferia que aquela mulher houvesse ficado na minha frente até a hora do ônibus sair porque assim que ela deu as costas a primeira coisa que vi foi o sorriso macabro do reverendo.
Se tinha uma hora boa para começar a rezar, era agora.
- Rachel que surpresa te ver aqui! - A voz do reverendo me arrepia até o meu último fio de cabelo e quase penso em me virar e correr até o carro do Matteo só para não ter que olhar para o rosto assustador daquele homem. - Fico feliz que a Lenora tenha te convencido a vir.
- Ela me obrigou. - O corrijo com um sorriso falso vendo as suas feições forçadamente alegres murcharem com a minha resposta. Ouço o Shawn engasgar atrás de mim numa tentativa de segurar a risada.
- Há males que vem para o bem. Vai ser bom para você ouvir algumas palavras de Deus. - O reverendo responde engolindo em seco e tentando manter a calma ao me entregar a caneta, que, pela sua expressão, ele gostaria muito de enfiar na minha garganta. Assino rapidamente, dessa vez sorrindo com todos os dentes para o homem.
- Qual Deus reverendo? O meu? Ou o seu? - Pergunto inocentemente assistindo o homem lutar contra seus próprios desejos de gritar na minha cara. O reverendo respira profundamente lançando-me um olhar mortal antes de praticamente arremessar o panfleto em mim e se afastar me dando espaço para entrar no veículo.
- Você deve ser o Sean… A Lenora falou muito bem sobre você garoto. - Tapo a minha boca tentando conter a risada ao ver o meu primo respirar profundamente e apenas sorrir assentando com a cabeça. Meta para vida: ter metade da paciência que Shawn Mendes tem. - Acho que vai gostar bastante da viagem.
O homem estende a prancheta para que meu primo assine e gargalho com força ao pôr os olhos na assinatura do meu primo. Estava lá, grafado com a sua caligrafia e todas as letras, Sean Mendez. O reverendo me olha de cara feia antes de entregar o panfleto do Shawn e deixá-lo me seguir para dentro do ônibus meio vazio.
- Caramba, eu adoro esse Sean Mendez. - Falo encarando o Shawn por cima do ombro e sentindo sua risada gostosa na minha nuca. Avisto a Anna em um dos assentos no fundo do ônibus e apressou meu passo para alcançá-la.
- Rachel, nem acreditei quando te ouvi gritar com o Matteo lá em baixo, vocês voltaram? - Minha risada diminui gradualmente ao pôr os olhos no moreno sentado algumas cadeiras a frente, com uma garrafinha de água na mão, engolindo lentamente o líquido enquanto me encarava. A pergunta irônica de Scott McMillan surpreendente não me aborreceu. Quando se alcança um ponto de estresse tão alto quanto o meu, esse tipo de besteira para de incomodar e passa a ser divertido.
- Ora ora Scott, veio tentar salvar sua alma corrompida do inferno ou foi só o papai querendo manter a imagem da família? - Pergunto apoiando-me na poltrona em frente ao garoto, sentindo a presença clara do Shawn atrás de mim apenas observando a cena.
Deixo meu corpo ceder de forma que minhas costas estivessem escoradas no peito do meu primo. Não gostava quando o Shawn ficava de fora.
- O patrão disse que seria legal me mandar rezar com os meus amiguinhos problemáticos. - O garoto responde dando de ombros, com um sorriso arrastado no rosto demonstrando o quão pouco ele ligava para aquilo tudo. O Scott percorre os olhos pelo meu corpo até parar no meu primo e lhe lançar um aceno de cabeça. Conseguia sentir a tensão do Shawn daqui. - Achou que eu ia deixar toda diversão lá em baixo com satanás só pra você? Achou errado e você não respondeu a minha pergunta.
- Pelo que eu sei você é bastante amigo do Matteo, porque não pergunta pra ele já que se interessa tanto pela vida amorosa do cara? - A voz do meu primo ressoa pelos meus ouvidos e um sorriso orgulhoso brota em meu rosto imediatamente. Ainda assim o Scott parecia inabalável, não era surpresa nenhuma considerando que ele fazia o tipo despreocupado.
- Não esquenta Shawn, já tô ligado. Não precisa levantar a guarda pra sua prima, a gente é amigo, não é RayRay? Bem amigo. - Sinto a vibração da risada do Shawn nas minhas costas. Meu primo podia estar se divertindo mas eu sabia onde aquela conversa ia dar. - Mas você tá certo mano. O Matteo me contaria se ele estivesse contigo de novo, quer dizer, ele contaria pra todo mundo, mas isso não vem ao caso. Então, quer dizer que você está disponível? Disponível para repetir a dose do que aconteceu lá na casa do seu namoradinho? Você pareceu gostar, principalmente quando o seu sogro chegou…
- Claro. - Respondo o interrompendo. Sinto o sangue pulsar em cada parte do meu corpo, a respiração tensa do Shawn estava me deixando ainda mais nervosa e eu só conseguia pensar fazê-lo parar de falar. Me aproximo lentamente do garoto e tiro a garrafa de suas mãos capturando toda a sua atenção. - Começando pela parte em que eu vomitei em você.
Digo colocando um gole de água na boca e depois cuspindo sobre o rosto do Scott, aproveitando para despejar o resto sobre seu moletom da Champions.
- Se você não parar de ser um imbecil eu vou contar para o Matteo, e aí seu “amigo” vai te fazer parar. - Digo jogando a garrafa sobre seu colo e me esbarrando na Ashley que caminhava pelo corredor na intenção de voltar para o seu assento ao lado do Scott, agora bastante molhado. Ah, a cara de choque da tão angelical Ashley foi impagável.
Não espero uma resposta para começar a andar. Me esforçando ao máximo para não derramar nenhuma lágrima por conta das palavras absurdas que o Scott havia dito. Eu não conseguia acreditar que o Shawn havia mesmo escutado tudo aquilo, e conhecia meu primo muito bem para saber que ele não aquietaria o cu enquanto não soubesse o que ele estava falando.
- Quanto tá o ingresso pro show que você tá dando? - A Callie pergunta quando passo ao seu lado, soltando aquela risadinha irritante antes de jogar o cabelo por cima dos ombros. - Brincadeirinha Rach, vem sentar aqui com a gente.
- Oi… Shawn? Não sabia que você vinha. - A Chloe fala se arrumando ao lado da irmã e piscando repetidamente quando o Shawn lhe lança um sorriso fraco. A irmã a repreende com um cutucão e apenas reviro os olhos seguindo o meu caminho inicial a até a Anna.
- Você vai me explicar agora ou mais tarde? - O Shawn sussurra em meu ouvido acompanhando meus passos. Sinto meu estômago se embrulhar, desconfortável com o assunto.
- Não tem nada pra eu explicar. - Respondo rapidamente, sem nenhuma coragem de olhar para a expressão impaciente do Shawn.
- Ah não? - O garoto pergunta com aquele tom de voz que esmagava meus sentimentos, um a um. Encaro o piso texturizado seguindo até os assentos vazios ao lado da Anna que nos encarava curiosa. - Você não vai me contar que porra o Matteo fez com você?
- Não é nada que ele já esteja bastante arrependido. - Explico finalmente encarando o meu primo, que não parecia nem um pouco convencido, exibindo aquela mandíbula trincada e me olhando como se pudesse enxergar exatamente o que se passava na minha mente. - Não precisa se preocupar com isso. Sério, já passou.
O Shawn me ignora impaciente, arrancando a mochila das minhas costas e jogando-a no compartimento acima de nós, assim como fez com a sua. Legal Rachel, agora a única pessoa que você pode confiar está completamente puta com você. Bom trabalho.
- Crianças, se sentem. - O reverendo pede em frente à cabine do motorista, tentando acalmar o ânimo de duas dúzias de adolescentes irritados por terem acordado cedo numa sexta-feira para ir a cidade vizinha escutar como todas as práticas que os divertem são, na verdade, coisas de satanás. Bem vindo ao retiro dos jovens de Naples. - O ônibus já vai seguir em direção a São Petersburgo e preciso que todos achem os seus assentos e…
O homem para de falar sendo cortado por uma série de pancadas na lataria do ônibus, o rosto do reverendo adquire uma expressão confusa e no segundo seguinte é possível escutar gritos agudos falando o que parecem ser palavras aleatórias em uma língua que definitivamente não é inglês acompanhados de socos na porta do veículo.
Eu saberia de olhos fechados quem era a responsável por aquele estardalhaço. O reverendo range os dentes já bastante irritado, fazendo sinal para o motorista liberar a passagem. No momento seguinte o ônibus é invadido pelos gritos em espanglês da Leslie carregando seu peso em malas e atraindo a atenção de todos.
Minha amiga percorre o corredor cumprimentando, provavelmente, cada ser humano dentro daquela ônibus e fazendo um comentário bobo para tudo que via.
- Jesus Cristo latinas são tão barulhentas… - Falo alto o suficiente para que a loira escutasse e me lançasse aquele olhar agressivo acelerando os passos na minha direção. Quer dizer, foi mais um salto a distância direto para o meu colo.
- Seu celular só serve pra twittar merda ou você usa ele pra se comunicar com as pessoas também? - A Leslie pergunta saindo de cima de mim e chutando sua mala até o assento vazio atrás de nós, colocando-a sobre o banco e atarrachando o cinto ao redor dela. Como se todo mundo houvesse feito o mesmo. - Tô tentando falar com você desde ontem mas parece que comprou essa porra pra usar de enfeite. Aliás soube o que fez com o Scott, menina você não…
- Rachel e Leslie sentem! - A voz do reverendo me faz pular e sinto a Leslie empurrando meu corpo para o lugar ao lado do Shawn e se esgueirando sobre o colo da Anna antes que o homem lançasse uma maldição em nós duas.
- Que cara de cu é essa? - Escuto o sussurro da Leslie na fileira do lado, chamando a minha atenção com um olhar curioso. Sinto meu coração diminuir em meu peito e as imagens do porta retrato voltam a minha mente ontem. Não havia nenhuma dor similar a esconder algo da sua melhor amiga.
- Nada. Eu só estou sentindo sua falta. - Sussurro de volta fazendo um bico enquanto a loira põe a mão no peito e depois se estica tentando tocar a minha mão. Até perceber que não conseguiria porque estava a pelo menos três metros de mim.
O reverendo nos manda calar a boca para que ele pudesse falar. Jogo minhas costas contra o acolchoado escorrendo o máximo que consigo sobre o assento. Encaro o Shawn, apreciando cada traço visto por aquele ângulo privilegiado antes que ele percebesse e retribuísse com um olhar não muito apaixonado.
Suspiro encarando o folheto na minha mão e lendo o pequeno verso no encarte.
“ Um fim de semana inspirador onde os jovens deixarão de lado as obras da carne para aprender sobre o espírito e ensinamentos da igreja por meio de palestras, dinâmicas, e cultos especialmente formulados para atender às necessidades de adolescentes desviados.”
A droga do fim de semana nem havia começado e já queria que acabasse o mais rápido possível.
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