Michelle’s POV
O lugar de sempre é o estacionamento de um bar que a gente costumava ir sempre. O dono era legal, dava umas cervejas, e a gente ficava lá falando sobre tudo e nada. Às vezes eu e Axl brigávamos por alguma besteira, mas era raro.
Fico observando ele beber a sua cerveja, enquanto a minha descansa na minha mão. Tem que ser muito trouxa para reparar em como um cara bebe cerveja? Digo, não tem nada demais, ele bebe que nem todo mundo... mas sei lá, é que tem uma coisa que só ele que...
Tá, vou parar antes que eu te canse com todos os detalhes que reparo em Axl.
— Ei, não vai beber isso não?
— Lógico que vou! – disfarço e bebo um gole da minha.
— Vai esquentar, hein...
Axl’s POV
O que que deu nessa menina hoje? Parece avoada...
Bom, deixa pra lá. E vou te contar um negócio, várias vezes eu já pensei se não devia ficar com ela. Tipo, ficar mesmo. Casar e tudo. Porque ela tem a cabeça boa, me entende como poucas pessoas no mundo e é forte. Forte pra caramba. Parece o tipo de relacionamento que ia aguentar todas as idas e vindas.
Mas eu nunca me senti atraído por ela, não desse jeito. Amo a Michelle como amiga, mas não consigo imaginar ela como algo mais. Acho que meu tipo é outro, mesmo. As groupies loucas que adoram chapar que nem eu e os caras da banda. Que saco, por que não me sinto atraído por ela? Seria tudo tão mais fácil...
Acho que seria... melhor para mim.
Mas bom, pro que não tem remédio...
Continuo gostando de ver o jeito engraçado que ela bebe cerveja, e como às vezes seus olhos parecem se perder em um ponto específico. Sem falar que ela é ótima para conversar.
— E aí, como é que anda a vida?
Ela me pergunta num tom despretensioso, e eu estranho porque não fiz nada além de falar da vida nas últimas duas horas.
— Ué, acabei de te contar. Você tava ouvindo?
Sabia, aquela cara de sonsa antes de vir pra cá...
— Você me contou como andam as coisas, bobão – ela fez uma careta antes de continuar – mas não me falou de como anda a vida. Você tem achado?
— O quê?
— A pequena beleza para aguentar a vida. Lembra?
Ela apoiou o queixo nos joelhos de um jeito bonitinho, olhando fixamente para mim. “Pequena beleza” era uma coisa que a gente tinha inventado, um jeito para falar das coisas que nos faziam bem, ou que a gente achava por acaso e descobria que faziam bem, e que ajudavam a não pirar no processo. Que às vezes eram o que impedia a gente de dizer “foda-se a vida” e acabar vivendo mais um dia. Era o que fazia valer a pena.
— Ah, isso. Lembro, claro que eu lembro...
— E?
— Às vezes acho escrevendo umas letras. Ou então, olhando o por do sol, que acredite ou não, é magnífico em LA... mesmo com toda a poluição.
— Eu acredito – ela sorriu.
— E você, tem achado a pequena beleza?
— Sim... às vezes, é difícil.
— Verdade.
— Mas eu acho ela, sim. Olhando as estrelas, fazendo pedidos bobos, que nem a gente fazia quando era mais novo, lembra?
Caralho. Essa é uma das poucas lembranças boas que eu tenho daqui. E tava perdida no fundo da minha mente, eu e Michelle, e às vezes alguns amigos, enfiados em algum milharal até achar uma clareira em que desse pra deitar e ver o céu. A gente ficava de boa, contando as estrelas, fazendo pedidos quando alguma estrela cadente passava... até alguém cansar e sair correndo por aí.
De novo aquele brilho nos olhos da Michelle. É tão bonito.
— Algum pedido seu se realizou?
— Você pedia pra arrumar uma banda e dar o fora daqui, que eu sei.
— Se o seu coração for honesto e puro, vai se realizar...
— Hahaha, então você era puro naquela época...
— Eu sempre fui, é a sociedade que me corrompeu.
Adoro como a gente tem o mesmo senso de humor.
— Então eu resisti bravamente – ela emendou – mas respondendo a sua pergunta, alguns pedidos meus viraram verdade, sim. Pessoas queridas conseguindo o que queriam na vida...
Sorri com carinho. Ela sorriu de volta.
— E... eu também consegui algumas coisas. Me formar, trabalhar relativamente com o que gosto... ter um jardim em casa.
— O que é trabalhar “relativamente” com o que gosta?
— Amanhã eu te mostro, que tal?
Ela parecia animada. Dei uma tragada no cigarro e respondi:
— Trabalho, credo, eu tô aqui de férias. Mas só se você me mostrar o seu jardim depois.
— Fechado.
É tudo tão fácil com ela...
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