Jennifer
23 de Outubro de 1990
O relógio tocou ás 06:15h como havia programado, apertei soneca de 05min umas três vezes até me dar por vencida. Estava num sonho tão bom, sonhava com a minha família toda reunida, conversando durante o café da manhã. Ah como era bom aquele tempo. Infelizmente não era mais assim há dois anos.
Meu pai era advogado, trabalhava para uma ONG de direitos humanos e viajava muito, numa dessas viagens ele conheceu minha mãe, que era brasileira e deixou tudo para vim morar com ele nos Estados Unidos, no entanto ela voltou para o Brasil quando ele sofreu um acidente de carro, perdendo a vida no mesmo. Eu e minha irmã Julie ficamos com ela por um tempo no Brasil, mas Julie, que é mais velha e estava noiva, voltou para se casar com Charlie, se mudando para Seatle, e eu fui para L.A. continuar meus estudos. Minha mãe me deu total apoio, apesar da enorme saudade que sentíamos, nos sempre tentávamos diminui-la conversando por telefone nos finais de semana.
Levantei da cama e me dirigi ao banheiro, fiz minha higiene pessoal, tomei um banho rápido e coloquei uma roupa básica, calça jeans e camiseta branca, calcei uma botinha e peguei um casaco, apesar do dia ter amanhecido bem ensolarado. Hoje, quinta-feira, só teria duas aulas, pensei seriamente em ficar em casa, não estava com muito ânimo, mas resolvi ir, aproveitando a tarde livre para procurar um emprego. Saí do meu quarto e fui para cozinha, já eram 07:15h e já estava atrasada, então peguei um pouco de leite com cereais colocando em uma vasilha. Sentei no banco junto ao balcão da cozinha e comecei a comer.
Eu morava num apartamento pequeno próximo ao centro de Los Angeles, tinha dois quartos, uma cozinha, sala e dois banheiros, um em cada quarto. Tinha alguns móveis e era bem organizado. Eu dividia o apê com uma amiga, a Camille, a qual estava viajando e só voltaria na próxima semana. Eu e Camille estudávamos na mesma faculdade, eu fazia relações internacionais e ela havia começado jornalismo. Eu já estava no 02ª ano do curso, já era pra estar no penúltimo ano, mas infelizmente tive que parar por 01 ano, retornando esse semestre. Eu adorava o curso, apesar de ter apenas 22 anos, eu já sabia o que queria, iria me especializar em atividades voltadas a sustentabilidade ou de relações sociais, trabalhando também em ONGs de ajuda humanitária, acho que por influência do meu pai.
Após comer meus cereais, peguei meus livros e a chave do meu carro, um Rambler vermelho. A faculdade ficava a uns 20 minutos do apartamento, cheguei em cima da hora devido o trânsito e fui assistir a primeira aula que iniciava ás 08:00h. Ao final das duas aulas, já ia para o estacionamento quando me lembrei de pegar dois livros: um de organizações internacionais e outro de sociologia na biblioteca da faculdade. Voltei apressada, pois ainda iria almoçar no centro e sair para procurar um emprego.
A minha faculdade era paga, mas eu tinha uma bolsa de 50% e minha mãe pagava a outra parte. Apesar dela não me falar nada, eu sabia que os gastos estavam muito alto. O meu pai havia deixado uma boa herança para gente, mas devido alguns problemas com documentação não havíamos recebido nada ainda, utilizávamos uma reserva que minha mãe havia feito numa conta conjunta com meu pai, à conta pessoal dele ainda estava bloqueada.
Eu queria um emprego, para me ajudar nas despesas de casa e aliviar um pouco minha mãe, que sempre estava preocupada com os meus estudos e se ela teria condição de pagar tudo. Como já estávamos próximo ao final de ano, algumas disciplinas exigiam mais leitura e trabalho em casa mesmo, o que eu poderia fazer a noite. De dia, às vezes só tínhamos duas ou três aulas e na maioria das vezes a tarde livre. Sendo assim, eu tentaria conciliar com um emprego de meio período.
Quando ia saindo da biblioteca escutei uma voz me chamando.
- Jennifer, Jennifer!!!
Olhei para trás e vi Richard correndo até mim.
– Oi Richard, tudo bem?
Richard era um amigo da faculdade, a gente sempre fazia os trabalhos juntos, gostava muito dele por seu empenho e dedicação. Seus pais eram ricos, e queriam que ele estudasse medicina, disseram que não ia pagar outro curso para ele que não a área médica, e ele largou o conforto do seu lar em Nova York e veio se aventurar em L.A. Após alguns meses, seus pais aceitaram a escolha dele e passaram a ajudar, mas ele já tinha um emprego e permaneceu no mesmo, mantendo seu pequeno apartamento próximo à faculdade.
- Tudo bem sim. – Ele respondeu. -Jennifer eu queria saber se ainda está atrás de emprego? – Perguntou-me um pouco ofegante devido à corrida que havia dado para me alcançar.
- Sim. - Arregalei meus olhos surpresa. Eu havia comentado com ele semanas atrás que estava à procura de algum trabalho para me ajudar nas despesas, não imaginava que ele ainda se lembrava.
- Bem, um amigo do advogado do meu pai me ofereceu um, mas como eu já tenho um emprego que gosto bastante, e esse exigiria uma fluência em português e espanhol, eu me lembrei de você. Só não sei se você vai aceitar.
Meus olhos se arregalaram de felicidade. Nossa, não acredito que aquilo estava acontecendo. Um emprego surgir assim. Richard sabia que minha mãe era brasileira, e que eu falava português desde pequena, e por gostar muito de estudar idiomas também falava espanhol fluente, até fiquei um período de 06 meses com meu pai na Argentina, quando ele trabalhou por lá. Eu também entendia um pouco de italiano e francês, mas não me arriscava muito. Tá eu confesso que fui uma adolescente nerd.
Perguntei logo onde era com a voz animada com a notícia.
- E onde é? Em uma ONG? Empresa de importação? Direitos humanos? – Bombardiei de perguntas quase não parando para respirar.
- Pois é justamente por isso não sei se você vai aceitar. Na verdade, o trabalho é como intérprete. Esse amigo do advogado do meu pai, está atrás de alguém que seja fluente em língua portuguesa e espanhola. Ele é empresário de uma banda, e queria ajuda na tradução de entrevistas, contratos, notícias e outras coisas referente à banda. Ele até encontra pessoas que falam espanhol, mas português é mais difícil, além do mais alguns tradutores não aceitam o emprego porque parece que um dos músicos é muito temperamental.
Eu olhei para ele um pouco pensativa, realmente não era o emprego que eu queria, mas eu podia tentar, afinal isso ia me possibilitar treinar meu vocabulário. O português eu falava super bem devido a minha mãe, o espanhol eu também era fluente, mas não estava colocando em prática e talvez algumas palavras mais formais utilizadas em contratos eu encontra-se alguma dificuldade. Além do mais eu também conheceria pessoas de todo o lugar e quem sabe alguém que fosse da minha área me ajudando num futuro, ou caso não acontecesse, pelo menos para me ajudar no meu currículo.
E o principal, ajudaria minha mãe diminuindo os gastos comigo e deixando ela menos preocupada.
- Eu aceito, vou a essa entrevista.- Respondi.
- Eu sabia que você aceitaria. – Disse sorridente. – Aqui está o endereço da entrevista. Você pode hoje ás 15:00h? Ele parece bem desesperado para conseguir alguém.
- Posso sim. - Agradeci pegando o endereço. Dei alguns passos, já me afastando e me despedindo, mas antes virei-me novamente para ele que já estava um pouco distante: - Você sabe qual é a banda? – Perguntei curiosa e com um tom mais alto.
- Ah, é os Guns n’ Rose. - Ele respondeu alto já dobrando o corredor e dando tchau indo para sua aula.
- Guns n’ Rose?! – Murmurei surpresa.
Eu não conhecia muito sobre a banda, apenas sua reputação nada boa de baderneiros, irresponsáveis, e claro sobre o mimado vocalista. Fiquei um pouco pensativa, mas como já havia aceitado, resolvi ir e vê no que daria.
Almocei no centro e voltei para o meu apartamento antes da entrevista, dormi um pouco e me levantei ás 13:00h. Tomei um banho e fui escolher uma roupa, queria algo que me deixasse um pouco mais seria, muitas pessoas me achavam muito nova, diziam que tinha cara de 18. Então coloquei uma calça social preta e uma camisa branca de manga, coloquei um scarpin preto e após varias tentativas de penteado, deixei meu cabelo solto mesmo. Fiz uma maquiagem leve, passei um batom claro. Quando terminei já eram 14:15h, peguei o elevador e saí correndo até meu carro.
...
Ás 15:00h cheguei em um prédio comercial no centro de L.A. Era um prédio alto que possuía varias salas comercias. Identifiquei-me na recepção e a atendente logo foi ligando para a sala de Alan Niven.
- Pode subir Srtª Torres, sala 1102, 11ª andar.
Apenas sorri e assenti com a cabeça, me dirigindo até o elevador. Estava um pouco nervosa, afinal era uma entrevista de emprego.
Adentrei a antessala e havia uma pequena mesa e uma secretaria simpática, a qual já foi sorrindo e perguntando se eu era a senhorita Torres. Confirmei com a cabeça.
- Pode entrar, o Dr. Niven lhe aguarda.
Adentrei o escritório, que era maior do que eu esperava. Havia uma mesa no centro próxima a uma janela enorme que dava vista para a cidade, um sofá de couro preto de três lugares no lado direito da sala, com uma mesinha de centro, duas poltronas em lados opostos a mesa, e um vaso grande com umas plantas tipo palmeira.
Alan estava sentado por trás da mesa central, ele aparentava ter uns 40 anos, tinha porte médio, era alto e tinha cabelos castanhos claros na altura dos ombros (observei já alguns fios brancos), tinha barba e usava óculos de grau. Estava de camisa azul e calça social preta. Ele me olhou sorridente, e pediu para que me sentasse na cadeira a sua frente.
- Então senhorita Torres, um amigo lhe recomendou. Você já trabalhou como intérprete antes?
- Não. - Respondi. Ele me olhou surpreso, mas continuou.
- Mas você já trabalhou na tradução de artigos e entrevistas?
- Também não. – Disse sem jeito. – Mas já traduzi muito trabalho na faculdade e falo fluentemente português e espanhol. Já morei 01 ano no Brasil e 06 meses na Argentina. - Ressaltei.
Ele me olhou com um olhar de dúvida e um pouco pensativo. Então, me fez mais uma pergunta.
- Você se acha capaz para esse emprego? Olha eu vou ser sincero com você, não é tão fácil lidar com alguns dos meninos, eles são ótimos, mas ás vezes... – Olhou para cima e suspirou. - Nos já tivemos alguns bons tradutores, mas eles sempre saem por não aguentarem o temperamento e vocabulário pesado que alguns usam. Nos estávamos com Tom, o intérprete anterior há mais de um ano, e ele era um bom rapaz, mas digamos que ele teve um problema com Axl... - Novamente ele parou e deu um longo suspirou. – ...Axl teve a coragem de...bem, isso não vem ao caso, digamos que eles tiveram um desentendimento, e ele acabou saindo. Só que antes Tom bagunçou uma entrevista de Rose e está a maior confusão. Eu realmente estou precisando de alguém para traduzir entrevistas de revistas, ajudar a selecionar as perguntas, repassar informações que saem sobre a banda aí a fora na América Latina e Europa, e acompanhar os meninos em entrevistas em espanhol e português e traduzindo simultaneamente quando necessário. Então...acha que consegue? - Fitou-me ansioso pela minha resposta.
- Sim, consigo, pode ter certeza que sim. - Mantive uma postura séria e firme. Queria passar total confiança.
Ele me deu um sorriso desconfiado, mas acho que ele realmente estava desesperado, mal olhou meu currículo e não fez teste de nada. De repetente esticou o braço para apertar minha mão, firmando o compromisso.
Nessa hora apertei firme para mostrar segurança mantendo-me séria, mas no fundo estava me contendo para não pular de felicidade. A vontade que tinha era de gritar de alegria. A entrevista tinha sido tão simples e eu tensa a toa.
Em seguida ele começou a me falar do contrato, quando de repente a porta abriu abruptamente. Virei meu rosto assustada, vendo uma figura enfurecida adentrar a sala e a secretária de Alan entrar logo atrás aflita e tentando se justificar.
- Senhor Niven, não tive como avisa-lo, ele já foi entrando. - Stella demonstrava uma expressão assustada e preocupada.
- Tudo bem Stella. – Alan respondeu.
O ruivo apenas a fitou raivosamente, enquanto a secretária já ia fechando a porta e se retirando da sala. Eu tentava entender o porquê da reação dela. Quem era esse homem para deixá-la dessa forma?
Ele estava com uma calça jeans rasgada, uma camiseta branca do Led Zepplin e botas pretas, segurava uma revista em suas mãos a qual ele atirou sobre a mesa do senhor Niven.
- Isso é um absurdo, Alan. Como você permitiu? - Disse o ruivo em tom alto e de raiva.
Alan apenas se levantou da cadeira indo junto a ele e o encarando tranquilamente. Parecia que aquilo era uma cena comum pra ele.
- Calma Axl, isso já foi resolvido. Já entramos em contato com a revista e eles vão recolher das bancas e retratar essa publicação.
Caramba! Era Axl Rose. Como não reconheci? Me senti uma idiota por tal falha. Todo dia via fotos e mais fotos suas nas bancas de revista que passava quando ia para faculdade. Fora as minhas colegas que o idolatravam e o achavam um gato.
- Recolher? Retratar? Mas e as que foram vendidas? Como pôde deixar isso acontecer? Você leu isso? Onde está o Tom? Eu vou processar aquele motherfucker, obviamente depois de dar uns socos nele. - Esbravejou.
- Axl! Você sabe que Tom teve seus motivos. - Alan disse pacientemente.
Axl então começou a dizer um monte de coisa, xingando e batendo o braço na mesa de Alan. Eu observava aquela cena sem reação, ouvindo cada um dos dois falar mais alto e não chegar a lugar nenhum. Pra eles parecia até que eu não estava ali, me sentia bem invisível. Axl já apontava o dedo na cara de Alan e aquilo já estava uma gritaria só. Nisso não aguentei e me intrometi.
- Gritando vocês não vão resolver nada! - Disse quase como um grito, bem alto e séria. Assim que terminei ambos me olharam, Alan um pouco confuso e surpreso e Rose com raiva, sim ele continuava com raiva e agora parecia ter aumentado.
- Mas quem diabos é essa garota Alan? - Axl perguntou impaciente, franzindo a testa e cerrando os olhos, olhando rapidamente para mim e voltando a encarar Alan.
- Se você tivesse me permitido falar Rose, essa é a nova intérprete do Guns n’ Rose, agora vamos poder consertar essa droga de entrevista.- Alan explicou porém ele também já demonstrava estar um tanto zangado.
Axl me olhou de cima a baixo, como se me analisasse, mantendo uma expressão arrogante e de desdém. Tornou-se a virar para Alan e então:
- Sem chance Alan, arrume outra pessoa.
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