O céu começava a escurecer através da janela do quarto 219, onde Max Caulfield vivia seu primeiro instante de tranquilidade ao longo de toda a terça feira. E, para ela, ainda era difícil se acostumar com a ideia de que aqueles momentos de completa introspecção e isolamento tinham se tornado um fato raro nos últimos dois dias.
Naquele intervalo tão curto de tempo, seu cotidiano, que antes girava basicamente entre tentar se manter invisível quando estava cercada por outras pessoas e esquecer do mundo externo quando estava sozinha em seu quarto, agora tinha virado de ponta cabeça.
Ser o centro das atenções era estranho e, por vezes, assustador, principalmente quando percebia seus colegas e, até mesmo, completos desconhecidos a observando ou discutindo sobre sua vida quando a viam passar.
Assim, seu quarto no dormitório feminino de Blackwell havia se tornado o único refúgio seguro contra os olhares e as especulações das pessoas com quem convivia. O único lugar onde ela se sentia totalmente anônima.
E, nesses momentos de paz e quietude, Max se punha a refletir sobre como sua namorada de mentira conseguia conviver tão bem com aquela situação e como era capaz de ignorar, sem nenhum esforço, todos os boatos que surgiam a seu respeito. A maioria que, mesmo com tão pouco tempo de convivência, ela já podia afirmar serem mentirosos e outros que considerava, no mínimo, exagerados.
Não importava a situação, Chloe Price sempre parecia estar um passo à frente, inabalável, como se nada fosse capaz de lhe causar sequer um arranhão, muito menos atingi-la em cheio.
Era assim que Max pensava, até as 20h41 de terça feira, quando várias batidas insistentes na porta de seu quarto a atrapalharam no momento em que terminava um dos vários exercícios extras que deveria concluir para entregar no restante da semana.
Max abriu a porta acreditando que encontraria Kate do outro lado, em busca do livro que ela havia pego emprestado e esquecera de devolver durante o dia. Por isso, sua surpresa foi enorme quando, em vez da garota tímida e gentil que morava há apenas alguns passos de si, deu de cara com Chloe na penumbra do corredor escuro, a encarando com uma expressão impossível de ser decifrada.
- Chloe…? - Foi tudo o que a nerd conseguiu dizer após um longo momento de silêncio desconfortável em razão de sua surpresa com a visita inesperada.
A punk tentou forçar um sorriso, enquanto escondia as mãos imparáveis nos próprios bolsos e, pela demora dela em responder, Max supôs que as próximas palavras consistiriam numa de suas tradicionais respostas debochadas. Provavelmente uma válvula de escape para não revelar o real motivo de sua presença àquele horário nos dormitórios.
- Meu deus, Mad Max! Eu passo só umas horinhas distante e você quase esquece meu rosto?
A já esperada ironia foi ignorada por Max, principalmente porque a fotógrafa ainda estava muito desconfiada das intenções por trás daquela visita noturna desavisada, após tantos momentos em que Chloe agiu estranhamente durante o dia.
- O que você tá fazendo aqui? Você disse que não viria mais hoje… - Max questionou sem se mover um centímetro do lugar, com os olhos fixos em Chloe, ainda tentando notar qualquer gesto mínimo que pudesse desvendar o real estado dela.
- Isso é jeito de receber sua namorada? Eu estava esperando um beijo ou, pelo menos, uma mínima demonstração de felicidade em me ver. - A punk continuou apostando nas ironias para se esquivar das perguntas da garota - Eu achei que você pudesse estar precisando de mim pra algo, então vim checar.
Ela acrescentou, mantendo o sorriso de antes, mas desviando o próprio olhar para dentro do quarto, enquanto falava.
- Agora? No meio da noite? Tem certeza que é uma boa ideia? - Max insistiu no questionário, tentando forçar Chloe a falar a verdade - Tá tão perto do toque de recolher que você pode acabar sendo pega quando…
Entretanto, Max não pôde concluir o que dizia, já que foi interrompida no meio da frase, quando o comportamento debochado de Chloe foi substituído, quase instantaneamente, por um agressivo e magoado, ao mesmo tempo em que sua expressão se fechou completamente, de um jeito que Max nunca tinha presenciado até aquele instante.
- Cara, quer saber? Foi um erro achar que eu podia vir aqui. Esquece! Não precisa dizer mais nada… eu já vou.
A punk declarou num tom raivoso, virando de costas para a fotógrafa e fazendo o caminho de volta para a saída o mais rápido que pôde. Mas ela não conseguiu concluir o trajeto, já que foi impedida no meio do percurso por Max.
- Chloe, espera! - Ela falou ao segurar o braço da garota de cabelos azuis, a forçando a se virar para encará-la.
- O que?
- Eu não te mandei ir embora! Só quis saber o motivo de você estar aqui, que obviamente não é nosso “namoro”. - Max falou, fazendo aspas na última palavra, sem se intimidar com a manutenção da expressão azeda da punk - Pare de agir como um animal acuado. Eu não sou sua inimiga e só te perguntei aquilo porque você está agindo estranho o dia inteiro e me deixou preocupada.
- Você preocupada comigo? - A punk repetiu, sem medir seu sorriso irônico.
- Não sei como é com você, mas eu não preciso ser melhor amiga de alguém pra sentir empatia. - Max se defendeu, sem disfarçar o quanto estava ofendida com o tom sarcástico de Chloe - Não precisa me contar o que está acontecendo, eu não vou insistir. Mas, por favor, volte e fique até se sentir melhor.
A reação agressiva de Max, curiosamente, pareceu acalmar os ânimos de Chloe, cuja fisionomia se tornou menos hostil no momento seguinte à declaração dela, o que a impeliu a continuar falando.
- Pode até passar a noite no meu dormitório, se quiser. O sofá não é muito confortável, mas quebra o galho. - Antecipando uma resposta carregada de duplo sentido, Max decidiu falar primeiro, impedindo Chloe de sequer formulá-la - E não precisa fazer piada com tudo pra disfarçar quando você tá mal. Não funciona.
A fisionomia de Chloe sofreu uma nova transformação ao ouvir aquela frase. Foi bastante sutil, principalmente na iluminação quase inexistente do corredor naquele horário, mas ela estava lá e Max percebeu, no olhar exausto e melancólico, talvez a primeira reação genuína da punk desde a chegada.
- Você ficaria surpresa com a quantidade de pessoas que consigo enganar assim.
- Pode até ser, mas eu não sou uma delas. - Max assegurou com uma expressão séria e completou em seguida. - Então, você vem ou não?
Chloe assentiu, olhando para o próprio braço por reflexo e, só então, Max notou que ainda o segurava, o largando no momento seguinte e fazendo o caminho de volta, enquanto era seguida de perto pela punk silenciosa.
Quando as duas chegaram ao quarto, Max ficou para trás, trancando a porta, enquanto Chloe escaneava o ambiente, tentando remontar, pela organização dos objetos, a ocupação da nerd antes de sua chegada.
As anotações e os livros espalhados sobre a escrivaninha, em frente ao notebook, que exibia uma página com um texto enorme sobre história da arte tornaram a missão bastante simples.
Então, Chloe se virou para encarar Max e expor aquele fato diretamente para a garota, mas a preocupação latente que enxergou nos olhos dela ao cruzá-los mandou para o espaço sua linha de raciocínio anterior.
- O que foi isso? - Ela perguntou, se aproximando de Chloe com uma expressão que agora misturava a preocupação de antes com angústia e raiva. - Quem fez isso com você?
A punk só entendeu ao que a nerd se referia no momento em que esta ergueu a mão para tocar seu rosto e involuntariamente causar uma dor aguda diretamente na área e em seus arredores.
Instintivamente, ela espiou o próprio rosto no reflexo do espelho que ficava ao lado cama da nerd e, só então, conseguiu notar que toda a pele que ficava um pouco abaixo de seu olho direito tinha adquirido um tom avermelhado.
Chloe praguejou internamente por não ter antecipado que aquilo aconteceria, enquanto Max começava a perceber que, além do machucado, os olhos da punks estavam vermelhos e inchados, denotando que ela havia chorado recentemente.
- Chloe!! - O chamado urgente de Max a liberou de seu dilema interno e a obrigou a dar uma resposta rápida e sem nenhuma intenção de soar convincente.
- Eu caí.
Após suspirar profundamente, Max fechou os olhos e esfregou o próprio rosto insistentemente, tentando conter seu impulso natural de tentar arrancar a resposta verdadeira de Chloe a qualquer custo.
- Tudo bem. Você não quer falar sobre isso. Já entendi. - Ela disse finalmente, depois de voltar a se acalmar. O que pareceu ser um alívio para Chloe. - Só me deixe te ajudar, ok? Espera aqui… já volto…
Sem dar maiores explicações, ela pôs o casaco sobre o short e camisa que usava como pijama, pegou algo no armário e saiu do quarto, deixando uma Chloe bastante confusa para trás.
A punk aproveitou o momento de privacidade para checar o inchaço no espelho e pensar em formas de disfarçar aquilo para o dia seguinte ou inventar alguma história fantasiosa sobre como o havia adquirido.
Uma briga na rua, talvez? Um acidente de carro? Quem sabe uma alergia?
Ela ainda refletia sobre o assunto, deitada na cama de solteiro, quando a porta voltou a ser aberta e Max entrou com um refrigerante na mão.
- Toma. - A nerd disse simplesmente, ao entregar a lata nas mãos dela e, em seguida, se livrar do casaco.
- Valeu, mas eu não tô com sede. - Chloe disse ao tentar devolver o refrigerante, mas foi freada no meio do caminho pela garota.
- Não é pra você beber. É pra pôr no rosto.
A boca da punk ficou em formato de O quando Max explicou o propósito daquilo. Então, ela murmurou um agradecimento quase inaudível e finalmente pressionou o objeto metálico contra sua bochecha, aliviando instantaneamente a dor no local e a substituindo pelo ardor gelado da lata.
Max a observava em silêncio, com o mesmo olhar apreensivo de antes, mas guardando para si todos os conselhos que flutuavam por sua cabeça, pois sabia que seria inútil revelá-los, já que Chloe nunca os ouviria, muito menos consideraria segui-los.
- Eu posso fumar aqui? - A punk perguntou de repente, afastando Max de seu conflito interno.
- Na janela, se possível.
Chloe assentiu, se levantando da cama, abrindo a janela e sentando nela, antes de acender o cigarro e começar a tragá-lo em silêncio, enquanto observava os jardins dos dormitórios e expelia a fumaça do lado de fora.
Max aproveitou o momento de reflexão da garota de cabelos azuis para voltar à sua escrivaninha e resumir sua atividade anterior ou, pelo menos, tentar fazê-lo. Mas, se ela fosse totalmente sincera, admitiria que aquilo estava bem distante de suas possibilidades naquele momento. Ela apenas olhava para a tela do notebook sem conseguir evoluir um parágrafo em sua leitura. Recomeçando vez após vez, mas sempre incorrendo no mesmo fracasso.
- Tem certeza que eu posso passar a noite aqui? - Chloe perguntou de repente ao apagar o resto do cigarro no peitoril da janela e jogar a bituca no lixo.
- Eu não ofereceria da boca pra fora. - Max respondeu, sem tirar os olhos do computador.
- Ótimo. - Chloe respondeu, soando aliviada - Então, já que amassos estão fora de questão, o que a gente vai fazer pra se divertir?
- Você pode fazer o que quiser, dentro dos limites do quarto. - Max respondeu, ignorando a clara provocação - Eu vou terminar esse exercício e ir dormir.
- Qual é? Não seja chata, Max. - Chloe protestou, se escorando na escrivaninha e encobrindo parcialmente a tela do notebook - Isso é tipo uma festa do pijama. Você não pode ficar estudando enquanto eu tô aqui.
- Eu preciso terminar isso.
- Precisa nada. Você é só uma nerd obcecada por estudo. Aposto que isso nem é pra amanhã.
Chloe tinha alguns bons argumentos. Os exercícios realmente não eram para o dia seguinte e Max só os estava usando como desculpa para permanecer distante, como sempre fazia.
- Por favor? - A punk insistiu com um sorriso genuíno e uma empolgação evidente e isso foi o suficiente para fazer Max suspirar, se dando por vencida, e finalmente ceder.
- Tá bom. - Ela disse, se levantando da cadeira, enquanto a punk comemorava a própria vitória efusivamente - O que você quer fazer?
- Você tem alguma bebida aqui? - Chloe perguntou, enquanto analisava o espaço ao seu redor.
- Só a soda que você deixou na janela. - Max brincou e Chloe apenas revirou os olhos em resposta - Você achou mesmo que eu tinha algum tipo de bebida alcoólica no meu dormitório?
- Na verdade, não. Mas não custava nada arriscar. - Chloe falou, dando de ombros e pensando em como contornar aquele obstáculo - Você conhece uma brincadeira chamada “eu nunca”?
- Aham. Aquela em que alguém diz algo que nunca fez e, se as outras já tiverem feito, são obrigadas a beber uma dose de alguma bebida.
Chloe confirmou, sentando no carpete, de costas para o sofá e indicando, com uma das mãos, que Max se sentasse na posição imediatamente oposta à sua.
- Mas, de novo, não tem bebida aqui.
- Ah, mas a gente pode fazer uma pequena adaptação pra fazer o jogo funcionar - Chloe começou a dizer e logo passou a explicar ao que se referia. - Podemos fazer uma melhor de 4 e, se eu ganhar, você vai tocar uma música pra mim no seu violão.
- Hum… - Max deixou escapar, enquanto considerava a ideia - E se eu ganhar?
- Bom, isso é praticamente impossível de acontecer. - Chloe ironizou, fazendo Max revirar os olhos e rir de sua presunção - mas, trabalhando com hipóteses remotas… bom… você pode me pedir o que quiser. Desde que esteja dentro das minhas possibilidades, claro.
- Até me deixar terminar minha lição?
- Seria um saco, se acontecesse, mas sim. Até isso. - Chloe garantiu, estendendo o mão para fechar o trato - Você tem minha palavra.
Max selou o acordo apertando a mão dela e, em seguida, se aprumou o mais confortavelmente possível em seu lugar antes de começar a brincadeira.
- Vou te deixar começar porque você está sediando o evento.
- Ok… - Max assentiu, pigarreando e pensando um pouco, antes de enunciar a primeira sentença - Eu nunca brinquei de “eu nunca”.
- MENTIROSA! Que vergonha… já começou a brincadeira mentindo! - Chloe acusou, admirada com a ousadia da nerd, que se divertiu com sua reação desmedida. - Como você sabia as regras, então?
- Eu só ouvi falar, mas nunca cheguei a brincar. Você deveria saber disso, já que eu não bebo e socializar não é exatamente um dos meus passatempos preferidos.
- Tá bom, tá bom… vou deixar essa passar. Agora é minha vez: - a punk falou, encerrando a discussão por achar a justificativa de Max satisfatória - Eu nunca… - Ela deu uma pausa dramática e esboçou um sorriso antes de concluir - …beijei uma garota de cabelos azuis.
Max arregalou os olhos, abriu a boca, mas não conseguiu proferir uma única palavra. Só quando cruzou os braços e franziu o cenho, ao se recuperar da supresa com o artifício usado por Chloe, ela protestou, encarando a punk com um olhar acusador.
- Você trapaceia descaradamente e tem coragem de me chamar de mentirosa?
- Aonde eu trapaceei? - Chloe questionou, se fazendo de desentendida, mas sem conseguir evitar rir da indignação evidente no rosto da nerd.
- Com certeza, deve existir alguma regra contra isso que você acabou de fazer. - Max insistiu.
- Não que eu saiba e, por favor, pare de mimimi e continue a brincadeira.
- Tudo bem, trapaceira… me deixa ver… - Max falou, sem abandonar completamente o tom indignado de antes - Eu nunca tomei bebida alcoólica…
- E eu sou a trapaceira… - Chloe ironizou, contabilizando sua segunda derrota.
- Isso não é trapaça. Só estou usando as informações privilegiadas que tenho ao meu alcance. - Max devolveu a ironia recebendo um safanão de leve no ombro.
- Pode ser. Mas, pra evitar trapaças posteriores, vou incluir nessa sua lista cigarro e maconha também. - Max concordou com um sorriso e Chloe prosseguiu com a brincadeira. - Eu nunca saí de Arcadia Bay.
- O que? - Max deixou escapar, pega de surpresa pela afirmação.
- Isso mesmo que você ouviu. Eu tô presa nesse buraco desde que nasci. - Chloe reafirmou num tom amargurado.
- Inacreditável! Você parece o tipo de pessoa que sempre viaja por aí sem dar a mínima pro resto.
- Bem que eu queria. - Chloe confessou cabisbaixa, num tom de lamento, vacilando perceptivelmente ao complementar a informação. - Antes… antes do meu pai… morrer, ele e a minha mãe tinham planejado uma viagem que faríamos juntos pra Paris, mas aconteceu o acidente, ele se foi e uma tempestade de merda enorme impediu que qualquer coisa boa voltasse a acontecer na nossa vida desde então.
Max esticou a mão para afagar uma das pernas dobradas da punk, arriscando uma leve demonstração de carinho, antes de enunciar palavras de conforto.
- Eu sinto muito, Chloe. - A nerd disse com um semblante triste para a punk, que balançava a cabeça, negando a necessidade daquilo e, ao mesmo tempo, segurando a mão que permanecia sobre a perna com a sua própria.
- Tudo bem. Não é sua culpa. Eu que decidi falar disso.
Max suspirou e se inclinou na direção da cama apenas para recuperar a própria bolsa e começar vasculhá-la de repente, instigando a curiosidade da punk. E esta só foi sanada quando, depois de uma demorada busca meticulosa, a nerd retirou de dentro de um dos bolsos menores uma pequena barra de chocolate bastante familiar para Chloe e a entregou nas mãos dela.
- Você está me devolvendo meu chocolate, depois de todo aquele discurso sobre eu me alimentar mal? - A punk questionou olhando para a embalagem intacta.
- É. Mas só porque você está triste. Vai te ajudar a se sentir melhor.
A supresa de Chloe com a intenção de Max ficou evidente na cor de suas bochechas, que praticamente replicaram a do inchaço, e também em sua dificuldade para responder àquela oferta singela.
Max conseguiu perceber, inclusive, o leve sorriso que a punk exibiu contra a própria vontade ao responder.
- Vamos fazer o seguinte - Chloe começou a dizer, saindo de seu posto anterior para sentar ao lado da fotógrafa. Depois, abriu a embalagem do doce, o partiu ao meio e completou a frase no momento em que entregou uma parte a ela - eu fico com uma metade e você com a outra, assim não faz mal pra nenhuma de nós duas. Além disso, é falta de educação comer sozinha.
Max concordou com seu próprio sorriso, agradecendo e comendo sua parcela aos poucos, enquanto observava Chloe enfiar a dela inteira na boca, antes de voltar a falar.
- Sua vez.
- Você ainda quer jogar? - Max questionou surpresa.
- Sim. Ainda quero te ouvir tocando pra mim. - Chloe confirmou no mesmo instante e, com isso, a nerd decidiu prosseguir.
- Hum… eu nunca tive uma festa do pijama até o dia de hoje. - Max declarou sem precisar pensar muito.
- Não é possível… - Chloe deixou escapar, chocada com a revelação.
- É deprimente, eu sei. - Max concluiu, encarando as próprias mãos e tentando disfarçar seu desconforto com a situação. - Mas, como eu te disse, socializar não é meu forte.
Mas, antes que aquela revelação deixasse a nerd mais abalada, um braço contornou seu ombro de forma completamente inesperada e, ao tentar entender a ação, ela se deparou com um sorriso genuíno e reconfortante sendo direcionado a si e melhorando um pouco seu ânimo.
- Que bom que eu te convenci a não estudar, então. - Chloe declarou, alisando o ombro dela e não perdendo nenhum segundo em formular e enunciar sua próxima frase da brincadeira - Sendo assim, vamos continuar… Eu nunca toquei esse violão.
- Você não tem mais o mínimo pudor mesmo, hein? - Max acusou, fazendo a punk gargalhar.
- Nunca se sabe… talvez você só goste dele enfeitando o quarto ou algo do tipo. Pode ser pose. - Chloe se defendeu da acusação com uma voz risonha - Essa não foi tão óbvia.
- Vou fingir que você acha isso mesmo e partir pra rodada final. Preciso pensar bem… - Max disse e depois ficou em silêncio, alisando o próprio queixo, enquanto formulava meticulosamente sua próxima frase até o momento em que uma ideia surgiu em sua mente como um insight e lhe deu quase certeza de que atingiria seu quarto ponto - Eu nunca namorei de verdade.
Para a surpresa da garota de sardas, Chloe abriu um sorriso enorme ao ouvi-la, o qual destoava completamente da reação que esperava para quando ela se visse diante de sua derrota iminente.
- Você ficará realmente surpresa ao saber que eu também não, senhorita Caulfield. - A punk disse, fazendo Max finalmente entender o motivo do sorriso dela.
- Chloe, você não pode mentir pra ganhar… - Max ameaçou, incomodada com a possível quebra de regras por parte da punk.
- Eu juro que é verdade. Eu nunca namorei pra valer. Só tive rolos que nunca chegaram a ser sérios e lances de uma noite só. - Chloe insistiu, tentando demonstrar sinceridade.
- Certo. Vou confiar em você. - Max disse ao final, convencida com a explicação de Chloe e suspirando desolada, mediante sua derrota quase certa. - Sua chance de vencer, Price.
Chloe abriu um sorriso enorme, mal contendo a própria empolgação com seu prêmio tão perto de ser conquistado e ela deixou isso bem claro em sua fala.
- Cara, isso é muito foda! Calma, Chloe! Muita calma! Você ainda não ganhou… - Ela falou consigo mesma, esfregando as duas mãos, enquanto tentava se concentrar para bolar a última frase.
Levou um pouco mais de tempo que as primeiras, mas quando a punk finalmente decidiu externar sua ideia, ela veio acompanhada do sorriso presunçoso, dos que só exibia quando tinha certeza absoluta da vitória.
- Eu nunca inventei que tava doente pra matar aula.
- Você nunca fez isso? Mesmo? - Max repetiu, desconfiada, buscando confirmar a veracidade da informação, que, de seu ponto de vista, era muito difícil de acreditar.
- É… eu simplesmente falto ou venho e não apareço nas aulas… minha mãe faz vista grossa por causa da morte do meu pai. - Chloe explicou com um sorriso melancólico, omitindo a parte sobre achar que Joyce só fazia aquilo por saber que ela era um caso perdido. - Antes disso, eu não costumava faltar, então…
Depois de um longo suspiro, Max hesitou por alguns segundos, estudando a expressão de Chloe, fazendo o máximo de suspense antes de confessar sua derrota ou prosseguir com a brincadeira.
- Parece que você ganhou. - A fotógrafa disse finalmente, esboçando um sorriso para a punk e assistindo ela a estudar por alguns segundos até abrir o maior sorriso que foi capaz e se lançar em sua direção para comemorar a vitória.
- Eu disse que ia ganhar. Eu sou mestre nessa brincadeira.
Chloe acrescentou empolgada, ao se afastar de Max, se levantar para pegar o violão e entregá-lo nas mãos da nerd, antes de voltar a se sentar.
- Me faça uma serenata, Maximus. - Chloe provocou, esbarrando na garota com o próprio ombro e, em seguida, dando um pouco mais de espaço para ela poder tocar.
- Aposta é aposta. - Max reconheceu, enquanto dedilhava uma ou outra nota para testar a afinação do instrumento sob o olhar interessado da punk. - Desculpas antecipadas, se eu errar muito. Faz bastante tempo que eu não toco.
Chloe assentiu e, logo em seguida, a nerd se aprumou no lugar e começou a tocar uma música calma e intimista, olhando para o braço do violão e para os próprios dedos, que se revezavam em diferentes notas, enquanto os acordes fluíam.
Não que Max precisasse a olhar para acertar as notas daquela música, que ela já tinha tocado tantas vezes antes. Na verdade, ela não queria observar a reação da punk a sua escolha de música e a sua habilidade em dar vida às notas. Aquilo só serviria para deixá-la ainda mais nervosa do que já estava e a levaria a errar tudo o que tentasse depois.
Por isso, foi uma enorme surpresa para a garota quando Chloe comentou que conhecia a canção e, sem nenhuma hesitação, começou a acompanhá-la cantando.
And I know you have a heavy heart
I can feel it when we kiss
So many men stronger than me
Have thrown their backs out trying to live
Yeah but me I'm not a gamble
You can count on me to split
But what I tell you in the evening
By the morning won't make sense
De alguma forma, aquilo acalmou um pouco os nervos da nerd e a permitiu seguir até o final com um pouco mais de confiança, arriscando até cantar junto com a punk alguns trechos da música, só que num tom muito mais baixo.
- Foi incrível, Max. Você deveria fazer isso mais vezes. Tipo agora mesmo. - Chloe sugeriu, fazendo a nerd rir.
- Valeu, mas o trato era uma música só. - Ela falou, ao se levantar e devolver o violão ao seu lugar original. - Sem negociações.
- Então, amanhã. - Chloe insistiu, replicando os passos da nerd - Quem sabe, uma música por dia só pra mim até você ganhar confiança pra tocar pra grandes audiências?
- Sim, claro. - Max ironizou, sorrindo e logo dando um jeito de mudar de assunto para fugir da pressão da punk - Você deveria trocar de roupa, se vai mesmo dormir aqui. Deve ter algo no meu armário que você possa usar de pijama.
A estratégia dela funcionou muito bem pois, quase no mesmo instante, Chloe seguiu o conselho, sentando no sofá para tirar as botas e depois indo até o armário procurar uma roupa que lhe servisse confortavelmente para passar a noite.
Depois de satisfeita com suas escolhas, ela jogou no sofá o conjunto que consistia numa camisa preta com a ilustração de uma libélula e um short branco de algodão e começou a se despir, naturalmente e sem a mínimo constrangimento, primeiro de sua regata e, em seguida, de sua calça jeans.
Chloe estava tão distraída em sua tarefa, que só notou o estado de vergonha extrema de Max, quando já estava apenas de calcinha e sutiã.
- O que há de tão interessante no carpete, Caulfield? - Chloe perguntou, se divertindo com a reação tímida dela à sua nudez parcial, enquanto esta se mantinha sentada na cama com os olhos fixos no chão.
- Nada… eu… eu… só pensei que você fosse se trocar no banheiro. - Max começou a se explicar, gaguejando e se odiando pelo fato. - s-só estou… te dando privacidade.
- Não achei que pudesse ir até o banheiro, já que você disse pra não sair dos limites do quarto - Chloe explicou, ao começar a vestir o short.
Depois, com a camisa em mãos, a garota de cabelos azuis se aproximou da nerd, agachando até ficar no mesmo nível e, com a mão esquerda, ergueu o rosto dela de modo a poder encará-la de frente.
- E não precisa se preocupar em me dar privacidade, eu não sou exatamente o que pode se chamar de "tímida".
Max assentiu, com o rosto em chamas, lutando para manter o ângulo de seu olhar nos mesmos 90° em que a punk o deixou, no instante em que esta voltou a ficar de pé e finalmente vestiu a camisa que pegou emprestada, satisfeita com a atitude da fotógrafa.
Depois de trocada, Chloe se sentou ao lado de Max na cama, já com novas ideias em mente, que logo cuidou de externar.
- A gente podia tirar a foto que combinamos mais cedo agora.
- Você acha? - Max perguntou, se recuperando aos poucos de seus estado prévio.
- Claro. Qual prova mais crível do nosso namoro que eu me esgueirar pelo campus pra passar a noite com você no seu dormitório?
Max sabia que ela tinha razão, mas antes que pudesse expressar isso ou qualquer outra opinião, sentiu o braço esquerdo da punk voltar a contornar seus ombros sem convite, como já havia feito muitas vezes antes, e o rosto dela colar no seu sem aviso prévio que a permitisse evitar ou, pelo menos, controlar o rubor que surgiu instantaneamente em seu rosto após o contato.
- Sorria, nerd! - Chloe indicou, segundos antes de clicar no display do celular e tirar uma selfie das duas.
- Sem perder tempo, Chloe começou a navegar entre os aplicativos, até encontrar o do Facebook e se preparar para postar a imagem, mas parou abruptamente depois de murmurar um xingamento ao se deparar com um obstáculo inesperado, que logo expôs para Max.
- Cara, que tipo de namorada é você que nem me tem adicionada como amiga? Eu não posso nem te marcar na foto. - Ela explicou antes que Max precisasse perguntar.
- Manda o convite e me adiciona pelo computador. Tá logado. - Max sugeriu, antes que surgisse o pedido.
A punk acatou a ideia no mesmo instante, indo até o computador e voltando alguns minutos depois para a cama, com uma expressão satisfeita.
- Pronto! O que a gente faz agora?
- Dorme. - Ela falou, depois de checar o próprio celular, notar que já passava de uma da madrugada e lembrar que teria aula cedo no dia seguinte.
- Ah não, Max! - A punk protestou de imediato - Mal passou da meia noite.
- Acho que seu relógio parou. - Max ironizou, exibindo o display do próprio celular para uma Chloe contrariada.
- Só um filme antes de dormir então. Eu prometo não encher mais. - Chloe insistiu com sua melhor expressão de convencimento - Para sua primeira festa do pijama ser um sucesso, precisamos, no mínimo, ficar acordadas até as duas. São as regras.
Max riu, sabendo que Chloe tinha energia para mais mil argumentos fantasiosos como aquele, aos quais ela acabaria cedendo a qualquer minuto e, por isso, decidiu poupar a própria energia de mais uma discussão que não poderia vencer.
- Tá. Mas só um filme. E eu escolho.
- Tudo bem. Desde que não seja algo muito nerd ou cult.
- Não se preocupe. Meu cérebro tá muito cansado pra algo assim. - Max confessou ao se levantar para apagar a luz e trazer o notebook para a cama, navegando entre as pastas até selecionar um dos títulos.
- Blade Runner? - Chloe questionou, assim que ela deu play, a fazendo pausar automaticamente em seguida.
- É… você não gosta? Eu posso escolher out…
- Não… é um dos meus filmes favoritos. - Chloe explicou com sorriso, tranquilizando a fotógrafa - Eu já devo ter assistido umas 10 vezes.
- Que bom, então. Porque já assisti mais ou menos essa quantidade e não queria soar tão estranha quando confessasse. - Chloe riu, balançando a cabeça e se ajeitando confortavelmente no lado da cama que correspondia a si.
- Só dê o play, nerd.
E foi o que Max fez no instante seguinte, colocando o notebook sobre as próprias pernas, num ângulo que favorecesse a visão de ambas igualmente. Assim, o único som presente no cômodo por quase uma hora foi o dos diálogos e dos efeitos sonoros da projeção que iluminava o quarto a cada cena.
- Foi o meu padrasto… - Chloe murmurou de repente, de uma forma quase indecifrável, em meio a uma das cenas de ação do filme.
- Ahn?
- O machucado no meu rosto. - Chloe explicou após um suspiro, agora com a atenção de Max completamente voltada para si. - Ele achou maconha no meu quarto. A gente discutiu e ele me deu um tapa quando eu disse que ele não era meu pai, não tinha nada a ver com minha vida e que só morava na minha casa porque minha mãe estava desesperada o suficiente pra se conformar com qualquer migalha depois que meu pai morreu.
- Isso não dá a ele o direito de te bater - Max comentou, com um olhar que misturava preocupação e raiva - Isso não pode ficar assim, Chloe. Você precisa contar a sua mãe.
- Pra quê? - Chloe perguntou, sorrindo ironicamente - Seria perda de tempo. Ela com certeza daria razão a ele.
- Isso é horrível - Max deixou escapar enquanto refletia sobre as palavras da punk e a enxergava num beco sem saída.
- Eu sei… mas, não se preocupe. Eu vou ficar bem. - Chloe completou, numa tentativa infrutífera de acalmar a garota de sardas. - Ele é um filho da puta, mas não acho que vá muito além disso.
- Eu espero - Max respondeu, nada convencida com a suposição da punk - Mas por que me contar isso agora?
- Porque você parece confiável. - Chloe confessou honestamente, mas sem dar maiores explicações.
- Valeu. - Max disse, em meio a um sorriso tímido, hesitando ligeiramente antes de completar - Já que você foi sincera comigo, acho que também deveria te confessar uma coisa.
- Sou toda ouvidos.
- Eu menti na última declaração da nossa brincadeira.
- O que? - Chloe falou de repente, se pondo na defensiva e se sentindo ofendida ao imaginar os motivos de Max para prejudicar o próprio jogo e só chegando a uma explicação possível - Você me deixou ganhar por pena?
Max riu da suposição, balançando a cabeça e deixando Chloe ainda mais confusa.
- Pena? Não. Longe disso. - A fotógrafa refutou a hipótese de uma Chloe ainda desconfiada - Eu te deixei ganhar por três motivos: 1. Porque eu estava me divertindo e não queria voltar a estudar; 2. Porque você mereceu, já que, numa brincadeira de “eu nunca”, eu sempre estarei em vantagem; e, finalmente, 3. Porque eu tava com vergonha de contar o motivo que me fez mentir pra matar aula.
- Que, suponho, você vai me contar agora… - Max assentiu, respirando fundo e criando coragem para sua última confissão antes do dia acabar.
- Quando tinha 12 anos, eu desenvolvi uma paixonite por um garoto da minha antiga escola, sobre a qual, obviamente, nunca contei a ninguém. - Chloe assentiu, sem interromper a história - Eu escrevia coisas sobre ele, fazia desenhos, enfim, todas essas coisas idiotas que você faz quando sente algo diferente por alguém, mas não tem coragem de contar. Só que, um dia, uma garota, que adorava me perseguir na escola, descobriu meu segredo e, de algum jeito, teve acesso ao meu caderno e leu tudo o que eu tinha escrito pra ele no meio da sala, na frente da turma inteira, rindo em algumas partes e exibindo os detalhes que não podiam ser lidos.
- Meu deus…
- Eu congelei. Fiquei praticamente em choque. E a única coisa que consegui fazer, quando voltei a mim, foi pegar minhas coisas, correr pro banheiro e ficar lá chorando até a hora de voltar pra casa - Max continuou, olhando para a tela do notebook, sem coragem de encarar Chloe enquanto falava - Não foi muito difícil convencer meus pais de que eu não tava bem nos dias posteriores porque era visível. Nem precisei fingir. O difícil mesmo foi voltar a ir a aula normalmente na semana seguinte e fingir que nada tinha acontecido. - Ela disse após um novo suspiro - Por isso, Chloe, eu não sinto pena de você, mas você com certeza vai sentir de mim, se eu continuar te contando essas histórias. - Ela concluiu com um olhar triste e constrangido.
- Você está errada. Eu não sinto pena nenhuma. - Chloe afirmou categoricamente, assim que a nerd se calou - Você é inteligente e talentosa. Posso apostar que vai se tornar uma fotógrafa famosa assim que superar sua insegurança e passar a acreditar mais em si mesma. Já essa garota aí provavelmente nunca será ninguém.
Max sorriu timidamente, sem saber como responder àquele elogio que parecia tão sincero e, ao mesmo tempo, tão difícil de visualizar como parte de seu futuro.
- Só espero que você ainda se lembre de mim quando isso acontecer.
- Não se preocupe. Você vai aparecer na minha biografia como primeira namorada e incentivadora. - Max brincou, fazendo a punk rir e aproveitando a oportunidade para mudar de assunto - Agora é melhor voltarmos pro filme porque eu preciso descobrir se o Deckard é mesmo um replicante e também pretendo dormir ao menos umas 4h antes de acordar pra primeira aula de amanhã.
Chloe sorriu novamente, concordando com um aceno e alisando o ombro da nerd com uma das mãos ao voltar a atenção de novo para a tela, onde o filme continuava a evoluir, ignorado pelas duas.
Não mais que alguns minutos depois, a punk sentiu a cabeça de Max caindo sobre seu ombro e a assustando. Mas não foi preciso muito esforço para que descobrisse o que havia acontecido: A fotógrafa tinha sido completamente vencida pelo sono e agora dormia tranquilamente, usando seu braço como travesseiro.
Com muita calma para não acordar a garota, Chloe fechou o notebook, o tirando de cima da pernas dela e o posicionando na ponta da cama. Mas, o complicado de verdade foi o trabalho posterior, que consistiu em sair de sua posição de encosto e deitar a garota na cama sem acordá-la. No fim, apesar da dificuldade, a punk concluiu a tarefa sem maiores contratempos.
- Boa noite, nerd. - Chloe sussurrou ao cobrir Max com um cobertor e, em seguida, tomou o rumo do sofá, onde se deitou de lado e se despediu da garota adormecida antes de ela mesma fechar os olhos e tentar dormir - E obrigada por tudo.
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