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História Não conte a ninguém - Segredo - História escrita por YOUGOT7JAMS - Spirit Fanfics e Histórias
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História Não conte a ninguém - Segredo


Escrita por: YOUGOT7JAMS

Notas do Autor


Oi, meus amores! Como vocês estão? ♥

Já tinha postado essa história completinha no ao3, mas vim postar aqui também como prometido.

Considerações (não muito) importantes:
➡ Era pra ser uma oneshot, mas eu fiquei com dó de vocês e dividi;
➡ Basicamente uma fanfic escrita apenas para enaltecer o grande gostoso que o Jongin é;
➡ Era pra ser uma slow born (burn+porn), mas acabou virando isso aí que eu não faço muita ideia do que seja;
➡ O narrador dessa história (que eu me nego a aceitar que sou eu) tem a boca meio suja, então alerta de palavrões;
➡ A ambientação da faculdade foi baseada na caracterização universitária que já vi nos dramas, mas também na minha própria experiência, então tá uma mistura louca;
➡ Pega um cafezinho, uma água, uns lanchinhos e deita porque lá vem o monstrinho!

Pra quem gosta de ouvir música para entrar no clima, fiz com muito carinho uma playlist no Spotify e ela tá MUITO boa, viu! Vou deixar o link lá embaixo pra vocês. Boa leitura :)

Capítulo 1 - Segredo


Capítulo I - Segredo

 

substantivo masculino

비밀 (bimil) se.gre.do
 

1. aquilo que a ninguém deve ser revelado; o que é secreto, sigiloso.

2. o que há de mais escondido; o que se oculta à vista e ao conhecimento.

3. sentimento íntimo que não se comunica a outrem.

4. o que se diz ao ouvido de outrem; confidência, confissão.

 

De todas as maluquices que Kyungsoo já fez, aquela era com certeza a pior.

Não que a lista fosse muito longa. Era mais como um daqueles post-its que Junmyeon gostava de colar no mural do quarto ou as pequenas anotações que Jongdae fazia no papelzinho do Trident sempre que esquecia o caderno. A vida universitária era capaz de acumular uma imensa lista de esquisitices, às vezes tão grandes que podiam servir de tapete para uma daquelas passarelas compridas do Oscar ou deslizar para o chão como a saia longuíssima de um vestido de noiva.

O negócio é que universitários costumam achar que são os reis das boas ideias, e aquela parecia uma boa ideia quando, horas mais cedo, Kyungsoo estava na terceira garrafa de soju compartilhada com os amigos naquele barzinho de esquina. Agora que o efeito do álcool estava se dissipando e que as pessoas o olhavam como se testemunhassem um show de circo macabro, ele já não tinha mais certeza.

— Atenção, universitários bêbados passando! — Junmyeon avisava às pessoas o óbvio, acenando despreocupadamente enquanto Kyungsoo guiava um Jongdae meio adormecido, meio desmaiado, em um carrinho de mão pelas ruas de Seul.

Kyungsoo não se lembrava de terem passado perto de alguma obra. Também não fazia ideia de por que estava usando luvas de vaqueta amarelas, mas chegou à conclusão de que elas vieram de brinde junto com o carrinho, que eles podem — ou não — ter pegado sem a autorização do dono.

— O que a gente faz com ele? — Kyungsoo perguntou, empurrando o carrinho barulhento na lateral da avenida.

Junmyeon, que tentava caminhar no meio-fio como um equilibrista, perdeu a estabilidade e caiu ao seu lado na rua cimentada.

— Ele pode ficar na minha casa ou na sua, pelo menos por essa noite. Amanhã a gente vê como faz pra sumir com o corpo.

— Ele está bêbado, não morto — respondeu Kyungsoo, mas a dúvida ficou pairando no ar, então usou o joelho para empurrar a cabeça de Jongdae, só para garantir. O amigo pinguço soltou um resmungo, claramente incomodado, desmaiado com braços e pernas para fora do carrinho. Ainda parecia vivo.

— Você pode levar pro seu apartamento? — Junmyeon questionou, como se estivesse falando de uma mochila, um pendrive ou outro objeto qualquer, e não do amigo que conheceram lá no comecinho da faculdade enquanto esperavam na fila da impressão.

Kyungsoo balançou a cabeça, negando. Os alojamentos da universidade onde estudavam tinham regras estritas. Os portões se abriam às 5 horas da manhã e fechavam pontualmente à 1h. Ninguém podia entrar ou sair fora desses horários. Nem mesmo ele, que agora caminhava com os amigos meio sem rumo às duas da madrugada, sem saber direito onde ia dormir.

Das últimas vezes em que bebeu com os colegas e perdeu o horário de volta, Kyungsoo teve que virar a madrugada em algum Cyber Café, dormir com a cara amassada na mesa de um McDonald’s 24 horas ou passar a noite na casa de Junmyeon, o único que morava fora do campus da universidade. 

— Achei que eu fosse dormir no seu apartamento — relembrou ele, um pouco preocupado com o rumo das coisas.

Não queria ter que dormir estirado no corredor do prédio de Junmyeon. Já aconteceu uma vez. E também não podia apelar para o restaurante fast-food de novo. Aquela atendente mal-humorada do turno da noite já não aguentava mais ver a fuça dele. 

— Puta merda, é verdade! Já passou da 1h. O foda é que meu irmão se mudou lá pro apê, lembra? Acho que te falei dessa parada. Ele vai começar a faculdade na semana que vem, então se mudou lá pra casa e pegou a cama do quarto livre. Tudo bem se você dormir no sofá dessa vez?

— Tudo bem — ele concordou. — Espera. E o Jongdae? O que a gente faz com ele?

Quando olhou para o lado, o amigo já havia tirado o celular do bolso e estava vasculhando sua lista de contatos. O pessoal do curso de Administração conhecia Junmyeon como Jesus dos Trabalhos em Grupo, porque ele sempre fazia milagres liderando os grupos de trabalho dos quais participava, recebendo as melhores notas da turma. Ele era o primeiro a tomar uma iniciativa em quase tudo.

O problema era que Junmyeon, algumas vezes, tinha umas ideias pra lá de esquisitas.

— Pra quem você vai ligar?

— Tô ligando pra namorada dele.

— São duas da manhã, cara! A gente não pode…

Ssssshh — ele fez, limpando a garganta para se livrar da voz ligeiramente rouca. Não funcionou, e ele tornou a falar como se tivesse comido cinco cacos de vidro. — Oi, é o Junmyeon. Estamos com o seu namorado. O preço do resgate é dez milhões de wons e imprimir meus trabalhos pelo resto do semestre.

Não deu dois segundos e o estudante de Administração já afastava o celular do ouvido, os gritos de Hyeri escapando do aparelho, altos e nítidos mesmo de longe.

— Ela vai nos matar — murmurou Kyungsoo, a voz da razão.

Junmyeon não voltou a colocar o celular grudado na orelha. Ele só aproximou a boca da entrada de som e disse, fingindo simpatia:

— Pede pro porteiro abrir a garagem pra gente. Estamos aqui perto. A gente te ama! Beijão!

E então desligou.

Viraram na próxima esquina, o carrinho de metal rangendo para fazer a curva mesmo que Kyungsoo fosse surpreendentemente hábil dirigindo equipamentos de construção. O porteiro, um senhorzinho com uns punhados de cabelo branco faltando, abriu o portão para que pudessem entrar. Eles estacionaram o carrinho de mão em uma das vagas, os braços de Jongdae balançando como os de um boneco inflável nas laterais e a cabeça pendendo para trás assim que Kyungsoo o soltou.

Junmyeon puxou o terço do pingente de Jongdae para fora da camiseta, deixando-o propositalmente à mostra, só para lembrar o amigo e Hyeri de que não poderiam matá-los no dia seguinte porque ambos eram de igreja.

— Está entregue — Kyungsoo disse, virando-se para o amigo desacordado e dando-lhe tapinhas no ombro. — Agora vamos dar o fora daqui, Jun.

— Eu tô nessa — concordou Junmyeon.

Os dois se entreolharam. Bastou apenas um segundo para que chegassem à mesma conclusão.

Embora se conhecessem há apenas um ano, eles rapidamente se tornaram melhores amigos depois que sentaram um ao lado do outro em uma palestra de Marketing. Não era disciplina do curso de Kyungsoo, mas quem poderia negar vinte horas complementares dando bobeira em uma sexta à noite? Depois disso, eles toparam com Jongdae na fila da papelaria e, desde então, se tornaram inseparáveis. Agora, eram tão próximos que desenvolveram a capacidade de se comunicar telepaticamente.

Balançaram a cabeça, concordando silenciosamente com o plano, e então fugiram e correram pela rampa do prédio, desaparecendo da vista do porteiro antes que ele pudesse tomar qualquer atitude. Infelizmente, não foram rápidos o suficiente para evitar que Hyeri os visse da varanda do primeiro andar. Ela retirou um dos chinelos e o lançou na direção dos rapazes, mas o calçado apenas atingiu o tronco de uma árvore e mergulhou entre as folhagens de um arbusto.

Continuaram correndo sem parar ou olhar para trás, gargalhando e falando alto, voltando para o calor e a intensidade vibrante das ruas de Seul.

 

 

Kyungsoo acordou com a bochecha esmagada contra o encosto do sofá de Junmyeon. Ainda estava usando luvas. Eram grossas, pesadas e com um leve cheiro de cimento. E amarelas. Tão terrivelmente amarelas que ele se perguntou como não havia notado na noite anterior.

Sua cabeça doía e seus ombros cediam, esgotados e sem vida, como se tivessem carregado o mundo nas costas. Ele se ergueu no estofado quando ouviu passos se aproximando. Apoiou uma mão no braço do sofá, impulsionando o corpo para cima com a força que lhe restava e, com a outra, esticou a camiseta, que de alguma forma misteriosa subira até a metade das costas. Os olhos piscavam, ainda sonolentos. Ele registrou uma silhueta alta e enevoada. Alta demais para ser Junmyeon ou Jongdae. 

Havia alguém de pé em frente ao corredor.

Kyungsoo piscou, tentando ajustar o foco da visão. Tinha um rapaz vestindo apenas calças cinzas de moletom apoiado no batente da porta da sala, as pernas cruzadas de maneira despreocupada enquanto ele escovava os dentes.

— Quem é o bonitinho no nosso sofá? — perguntou a voz, com a escova vermelha escondida no canto da bochecha.

Kyungsoo mal registrou o elogio. Ainda perturbado pela letargia do sono, colocou-se de pernas cruzadas e lutou contra a vontade de se trancar no banheiro na primeira oportunidade. Ele ficou um pouco constrangido quando seus olhos enfim piscaram, as imagens agora perfeitamente nítidas. O rapaz na porta era bonito. Muito, muito bonito. O tipo de beleza que o fazia sentir um friozinho no estômago e inconscientemente ajeitar os fios rebeldes na cabeça e alisar o tecido amarrotado das roupas.

Ele não podia fazer isso agora. A menos que quisesse parecer ainda mais idiota com o pó acinzentado do cimento manchando seu cabelo.

— Não enche, Jongin — disse seu melhor amigo, atropelando o outro garoto para chegar até a sala. Kyungsoo respirou, um pouco aliviado por Junmyeon ter aparecido para resgatá-lo da vergonha. — E vê se coloca uma camisa. O Kyungsoo tá de visita.

Junmyeon apanhou um casaco preto que descansava sobre uma das cadeiras da sala e jogou na direção do irmão, que o segurou em frente ao corpo e sorriu, satisfeito, como quem recebe um passe perfeito de basquete. Ele se enfiou dentro das mangas longas e fechou o zíper até a altura do peito, antes de cruzar a distância que os separava para cumprimentá-lo.

Ele era ainda mais bonito de perto. Cabelos desarrumados, ombros largos e uma pele dourada que parecia brilhar como o próprio sol. O rapaz era como um daqueles modelos de revista que as pessoas não tem a menor chance de ver pessoalmente.

— Essa deve ter sido uma péssima primeira impressão, mas vou superar — Jongin disse, como se estivesse acanhado, embora o sorriso em seus lábios provasse o contrário. Ele lhe estendeu a mão. — E aí, como vai? Meu nome é Jongin e eu sou o filho bonito da família.

Kyungsoo escutou Junmyeon bufar na cozinha.

Quando ergueu a mão para cumprimentar de volta, percebeu que ainda estava usando as luvas grossas e amarelas. Jongin apenas segurou sua mão e apertou com firmeza antes que pudesse sequer pensar em afastá-la.

— Você deve ser o irmão mais novo — Kyungsoo constatou, falando pela primeira vez desde que o dia amanheceu. Sua voz soava baixa, rouca e um pouco quebrada. — Meu nome é Kyungsoo e sou o amigo inteligente do grupo — devolveu, por fim.

O sorriso dele cresceu mais um pouquinho.

Antes que pudesse apreciá-lo por mais tempo do que deveria, Junmyeon voltou com duas xícaras de café forte e aspirinas.

— Que ótimo, já se apresentaram. Agora cai fora, Jongin.

— Por quê? Gostei do Kyungsoo — respondeu com falsa inocência.

— Você não precisa fazer sua inscrição lá na faculdade ou algo assim? Anda, anda, vai se arrumar e mete o pé. Jongdae vai chegar daqui a pouco e a gente tem muitas coisas da iniciação de calouros pra discutir. E antes que pergunte, não, você não pode ouvir.

Que Junmyeon e seu irmão mais novo viviam em pé de guerra não era novidade. Era um milagre que tivesse aceitado dividir o apartamento com ele. Kyungsoo já ouvira o melhor amigo reclamar sobre a péssima convivência entre os dois na sua cidade natal pelo menos um milhão de vezes. Mesmo com apenas um ano de diferença, eles definitivamente não se davam bem. Junmyeon vivia dizendo que eles eram muito diferentes e que Jongin era, em suas palavras, “um mala sem alça”.

Ele só havia se esquecido de dizer que Jongin também era lindo pra caralho.

Jongdae e Hyeri chegaram logo depois, trazendo pães doces da padaria e uma pequena baguete recheada cortada em fatias. Os quatro se reuniram ao redor da mesinha de centro da sala, sentados em almofadas no chão. A única garota do grupo estava puxando os cabelos longos para cima e prendendo-os em um rabo de cavalo, como sempre fazia em discussões importantes. Desde que Jongdae e ela se conheceram no clube de teatro, Hyeri começou a fazer parte do grupo de amigos, e também conselheira nas tomadas de decisão.

Junmyeon desviou o olhar quando ela o encarou com olhos cheios de ódio e rancor. Ela ainda não havia se esquecido do incidente na noite passada. Jongdae, por outro lado, não parecia se lembrar de ter sido abandonado desmaiado de sono dentro de um carrinho de mão em uma garagem. Era do tipo que superava rápido.

— Eles me pediram pra enviar algum de nós no treinamento desse ano — ele começou, mordiscando um pedaço da baguete.

— Mas nós estamos no segundo ano — protestou Junmyeon. — Eles não deviam, sei lá, escolher alguém que já tá terminando o curso? Não quero lidar com calouros catarrentos logo no começo do semestre. 

— Esqueceu que ano passado você era o aluno catarrento? — Kyungsoo perguntou, divertido, mas o amigo apenas encheu a boca de café para se livrar de formular uma resposta.

— Enfim — Hyeri interveio —, os veteranos deixaram a decisão nas nossas mãos. Precisamos escolher alguém antes do fim de semana. Até quinta-feira no máximo, se possível, porque eles precisam explicar como vai ser e repassar as informações para aqueles que vão participar pela primeira vez. O que significa… — Ela pegou a faquinha de pão e a ergueu no ar, girando-a distraidamente. Depois fincou a ponta no centro de um pão doce inocente, forte e rápido. — Alguém aqui tem que se sacrificar, e eu voto pra ser o Junmyeon.

— Eu também! — Jongdae e Kyungsoo acrescentaram depressa.

— Nem fodendo! — ele rebateu, indignado, enquanto Hyeri se inclinava sobre a mesinha para anotar o nome dele numa folha de papel. Junmyeon segurou seus braços antes que ela pudesse finalizar. — Nem vem, nem vem! Não é assim que se resolvem as coisas. Tem um jeito certo e eficaz pra tudo.

— Em outras palavras — disse Jongdae —, tirar a sorte no palitinho.

— Exato! — concordou o outro.

Junmyeon rapidamente se levantou para pegar dois palitos de dente na cozinha.

Ao mesmo tempo, Jongin apareceu na sala de novo, agora vestido com calças jeans de lavagem clara e uma camiseta branca. Não como aquelas folgadas que Chanyeol e Baekhyun, seus colegas do curso de Comunicação Social, costumavam usar. Eram justas na medida certa, ressaltando os músculos dos braços e a curva sutil da sua cintura. Os cabelos agora estavam penteados e estilizados, de modo que algumas mechas da sua franja caíssem na testa.

— Tô indo, hein — ele avisou enquanto passava pela cozinha, mas ainda se deteve perto do sofá, se inclinando um pouco apenas para dar um tchauzinho amigável para eles. — Oi, amigos do Junmyeon! Tchau, amigos do Junmyeon.

Jongdae abanou a mão no ar em despedida.

Hyeri estava estática, os arregalados em surpresa e a boca ligeiramente aberta.

— Ah, e Kyungsoo... — ele disse, virando-se para ele e apontando na direção do irmão, que saía da cozinha. — Ainda dá tempo de fugir. Não deixe as ideias de tiozão do Jun contaminarem você.

Kyungsoo apenas conseguiu balançar a cabeça e sorrir, meio abobado, seu cérebro de repente desaprendendo a formular uma frase. Ter uma beleza muito acima da média tinha esse efeito de atordoamento nas pessoas. Talvez por isso ele sentisse esse formigamento infantil na barriga, uma alegria boba por Jongin ter falado especificamente com ele.

Ainda com uma euforia contida, ele o assistiu pegar a mochila, jogá-la sobre os ombros e desaparecer pela porta da frente a tempo de evitar que uma almofada atingisse seu rosto. Junmyeon estava parado em posição de combate, com joelhos dobrados e o braço ainda no ar, ofegando de raiva, como se tivesse errado o alvo no meio de uma guerra sangrenta.

— Já vai tarde, filhote de cruz credo.

O estudante de Administração estava prestes a praguejar um pouco mais, amaldiçoando seu irmão, mas a reação explosiva de Hyeri o interrompeu.

Ca-ram-bo-las, Junmyeon! Você contou pra gente que seu irmão tinha se mudado, mas você nunca disse que ele é tão… — Ela comprimiu os lábios, cutucando Jongdae com o cotovelo em busca de ajuda. — Amor, me dá um sinônimo gospel pra gostoso.

— Formoso abençoado? Varão boa pinta? Ungido cremoso?

— Não, não é o bastante pra ele. Dizer que ele é gato é um pouco brega e faz eu me sentir uma menina de 12 anos ou uma apresentadora de TV cafona, mas não tem outro jeito de descrever. Ele é um gato mesmo. Se eu tivesse conhecido ele alguns meses antes, o Jongdae não teria chance.

— Não teria mesmo — concordou o namorado, nem um pouco ciumento.

— Tá legal, tá legal. O show acabou. Agora que o estrupício foi embora, vamos decidir de uma vez por todas quem de nós vai pro treinamento dos calouros no fim de semana — falou Junmyeon. Ele quebrou os palitinhos sem olhar, despejando-os dentro de uma das canecas vazias. — Ok, todo mundo pega um.

Os amigos obedeceram, esperando sua vez para resgatar um pedacinho dentro da xícara sem espiar.

— Um, dois, três e já! — Hyeri cantarolou, animada.

Todos ergueram seus palitinhos no centro da roda, comparando os tamanhos. Junmyeon soltou um “YES!” e Jongdae o acompanhou, comemorando com sua voz estridente e punhos para o alto. Hyeri apenas deu um sorrisinho mínimo e enfiou um pedaço de pão na boca, como quem festeja silenciosamente pela vitória.

E Kyungsoo…

Bom, Kyungsoo nunca foi um cara de sorte mesmo.

 

 

Só havia uma coisa que reunia mais jovens de 20 e poucos anos do que campeonatos de League of Legends: a inscrição das matérias da grade universitária.

Em fins de tarde como aquele, as lan houses estavam lotadas de marmanjos e grupos de amigos, todos disputando por uma mísera vaga no sistema da universidade, atentos a cada virada do relógio e com os dedos calejados de tanto pressionar a tela F5. Era uma batalha sangrenta, com poucos sobreviventes e vitoriosos, como pré-adolescentes guerreando por ingressos de grandes grupos de K-Pop em vendas online.

Com tantos alunos e um número reduzido de vagas, as inscrições se esgotavam em questão de minutos — e, às vezes, até mesmo segundos. Para garantir um lugarzinho nas matérias mais concorridas, era preciso ficar atento, ter dedos ágeis e uma conexão rápida de internet. Por isso, era comum que os universitários se aboletassem no primeiro Cyber Café vazio que encontrassem. Kyungsoo e os dois amigos Kim gostavam muito do Covil dos Nerds, porque além de ficar em um cantinho escondido de Seul, tinha uma 7-Eleven do outro lado da rua e eles sempre podiam pedir comida enquanto esperavam.

— Dez segundos — Jongdae avisou, os olhos cravados na tela do computador.

— Nove! — Junmyeon praticamente gritou de volta.

O brilho intenso do site da Chung-Ang University quase cegou Kyungsoo. A essa altura os indicadores que clicavam sem parar sobre o F5 e a tecla de atalho para atualização da página formavam uma sinfonia desregulada e esquisita no Cyber Café, soando baixinho, mas de maneira tão frenética quanto as batidas do seu coração.

— Três, dois, um… — ele ouviu alguém dizer, do outro lado da lan house.

— ABRIU! — um outro berrou. E pronto, estava dada a largada.

O Covil dos Nerds irrompeu em gritos eufóricos, clamores em comemoração e uma cacofonia indistinta de vozes. Era uma mistura de Copa do Mundo com mesa de barzinho em Itaewon. Então, da mesma maneira que teve início, a agitação cessou. A sala de computadores mergulhou em um silêncio taciturno, todos concentrados na inscrição, os rostos iluminados pela luz esbranquiçada das telas. Restaram apenas os ruídos agudos dos cliques dos mouses e alguns suspiros de alívio aqui e ali.

— Consegui — Kyungsoo sussurrou para os amigos, cutucando Jongdae na cadeira ao lado. — E vocês?

Jongdae sorriu, balançando a cabeça em um ‘sim’ empolgado e fazendo um joinha com a mão direita.

Junmyeon, por outro lado, suspirou de modo exasperado e se deixou escorregar na cadeira.

— Consegui pegar Microeconomia II e Estatística, mas bobeei e perdi a de Marketing. Justo a que eu mais queria, né, mas fazer o quê? Fica pro próximo semestre.

— Não sei pra que a pressa — caçoou Jongdae. — O povo de Comunicação é insuportável.

Kyungsoo se inclinou para dar um tapinha na nuca dele, repreendendo-o de brincadeira. O amigo, que estudava no departamento de Psicologia da universidade, sempre fazia questão de provocá-lo ao se referir a seu curso como Comunicação, na nomenclatura geral, porque sabia da rixa duradoura e incrivelmente besta existente entre os alunos de Publicidade e os de Jornalismo. Besta porque, obviamente, a resposta estava mais do que clara.

Para Kyungsoo, era bem nítido que o pessoal de Jornalismo era muito mais sistemático e centrado, enquanto os de Publicidade eram indisciplinados, desorganizados e barulhentos além da conta. 

— Pois é! — Junmyeon respondeu, rindo alto, já parecendo cem por cento recuperado de sua batalha perdida. Tinha até pegado mais um pedaço do sanduíche natural que compraram na 7-Eleven, veja só. — E pensar que logo ele, que não suporta gente baderneira, vai ter que participar da festa de boas-vindas aos calouros de Humanas. O carma chega pra todo mundo, né, Soo? Dois dias com um bando de novatos de Jornalismo e Publicidade. É muito azar.

Jongdae, para completar a Sessão “Fazer da Vida de Kyungsoo Um Inferno”, pegou uma latinha comprida de Coca-Cola e estendeu na direção dele, como se a embalagem vermelha brilhante fosse um microfone.

— O Dia da Orientação ocorrerá no próximo sábado de noite, reunindo monstruosidades de diversos cursos e faixas etárias. Misturar jovens de vinte e poucos anos com bebidas, jogos e hormônios à flor da pele me parece uma aventura e tanto. Vamos conversar agora com Do Kyungsoo, que está animadíssimo para o evento! exclamou, utilizando sua voz de locutor. — Veterano Do, como se sente sabendo que vai passar raiva antes mesmo do início oficial do semestre?

Em resposta, Kyungsoo sorriu. Um daqueles sorrisos que qualquer um pode dizer que é falso e forçado, mesmo há quilômetros de distância.

— O que posso dizer, repórter Kim? — Deu de ombros, entrando na brincadeira. Suspirou, fingindo um contentamento que sequer existia. E então, para finalizar, pousou uma mão sobre o peito. — Vai ser o evento do ano. Mal posso esperar...

 

 

Kyungsoo não tinha ideia de onde estava se metendo.

Num piscar de olhos, ele tinha dois novos grupos no KakaoTalk, duzentas mensagens não lidas e outros sete universitários de cursos diferentes discutindo ideias para o encontro de veteranos e calouros. De todas as pessoas, ele era o menos indicado para um evento como aquele. Raramente se aventurava nas redes sociais e, se pudesse, viveria numa boa só conversando por mensagens de texto e trocando e-mails. Tinha pavor de chats em grupo, da enxurrada de imagens que despontavam na galeria do celular e dos áudios de mais de trinta segundos.

Por isso, na quinta-feira, ele e os amigos afogaram as mágoas com Makgeolli e uma pizza de calabresa meia-boca que encontraram na promoção em um aplicativo de delivery. Ninguém podia culpar Jongdae, é claro, porque jamais se deve negar comida pela metade do preço, principalmente se ela vier com uma brotinho doce de brinde.

Eles já estavam na metade da primeira garrafa quando Kim Jongin apareceu.

Entrou pela porta da frente, com a camiseta úmida agarrando no abdômen e o casaco encharcado pendendo em um dos braços. Kyungsoo imediatamente se sentiu meio hipnotizado, compelido a acompanhar os gestos. Como quando via alguma menina muito bonita na rua e não tivesse outra opção a não ser admirá-la de longe.

— Oba, que cheiro bom! — ele disse, acenando com a mão livre. — Oi, amigos do Junmyeon.

Junmyeon respirou fundo, reunindo paciência. Mas, em vez de negar ou tentar expulsá-lo, como da última vez, ele apenas deixou os ombros caírem em desistência.

— Senta aí, vai. Mas vê se não me amola. Na primeira gracinha eu te chuto daqui pela janela sem pensar duas vezes.

Jongin assobiou longamente, como o som de um personagem caindo pelos ares em um desenho animado. Ele deixou o casaco molhado na entrada do apartamento, enfiado dentro de um vaso antigo de sua mãe onde costumavam colocar os guarda-chuvas, e então voltou para se sentar com os outros no tapete da sala.

— Seria uma queda e tanto — disse, por fim, aconchegando-se do outro lado da roda, entre Junmyeon e Jongdae.

A franja do cabelo dele estava comprida o suficiente para que pudesse amarrá-la com um elástico no topo da cabeça. Assim que se sentou, porém, ele logo a soltou, deixando que os fios escorregassem de modo rebelde pela testa. Depois soprou as mechas castanhas para cima, para longe do rosto, e esfregou as mãos em antecipação.

— Marguerita ou calabresa? — ofereceu Jongdae, solícito.

— Eu amo calabresa! — comemorou, enquanto o futuro psicólogo pegava a faca para cortar uma fatia extra.

Kyungsoo se sentia estranhamente acuado com a presença desconhecida. Ele se concentrou em encher a cara de Makgeolli e lavar a alma de todo estresse que aquele novo grupo dos veteranos no seu KakaoTalk estava fazendo-o passar. E embora estivesse em silêncio desde a chegada inesperada, seu olhar acabou acidentalmente cruzando o de Jongin, do outro lado da roda. Em vez de desviar, o outro rapaz sustentou seu olhar, observando-o secretamente com um sorrisinho no rosto, enquanto os outros dois estavam ocupados demais para perceber.

Fora pego encarando. Que merda.

E, ainda assim, Jongin havia sorrido para ele, como se gostasse de saber que seu olhar estava perdido nele. Kyungsoo se perguntou o que aquilo significava, se é que significava alguma coisa, mas não teve tempo de pensar muito sobre isso.

— Onde você foi? — Junmyeon questionou a Jongin, ainda parecendo contrariado pelo irmão estar ali. — Por que parece ter deitado e rolado em baba de gigante?

Jongin gargalhou com a comparação.

Ele bebeu um gole da bebida esbranquiçada antes de responder, mas continuou sorrindo, com uma animação e graça que alcançavam seus olhos brilhantes.

E, uau, que sorriso...

— Fui conhecer a quadra da universidade com alguns calouros do curso, mas a gente acabou nem jogando muito. Vimos um grupo de amigos empurrando um cara pra dentro do lago. Aquele que fica atrás do prédio antigo e tem a estátua do dragão, sabe? — perguntou, já surrupiando uma das fatias de calabresa do pedaço de pizza que Jongdae cortou para ele. Os outros três garotos assentiram, já familiarizados com o enredo previsível. Kyungsoo quase sentiu uma fatia de marguerita dar a ré na sua garganta, mas ficou quieto. — Dois veteranos chegaram na gente. Pareciam realmente desesperados, dizendo que o moleque não sabia nadar e ia se afogar. E eu fui, né, o tonto… mergulhei com tudo na água, e só depois descobri que caí no conto do vigário. Claro que era tudo uma pegadinha. O cara não estava se afogando coisa nenhuma. Por incrível que pareça, era só aniversário dele.

— Na Chung-Ang University é tradição jogar os aniversariantes dentro do lago — recitou Jongdae, apenas repetindo as mesmas palavras que ele já ouvira de outras pessoas.

— Pois é! Que loucura, né? — falou Jongin, sorrindo como se a pegadinha de mau gosto não o tivesse afetado nem um pouco. De certa forma, a alegria dele era contagiante. — Foi uma experiência… refrescante. Vou encarar isso como um rito de passagem da universidade.

— Relaxa, todo calouro passou por uma trollagem dessas uma vez na vida. E se não passou, tá vivendo a faculdade errado — tranquilizou Jongdae, embora isso obviamente não fosse necessário. — Dizem que se ferrar no começo do curso já é um pré-preparatório pro que vem depois. Pré-preparatório mesmo, com o pleonasmo e tudo. Você vai entender quando a hora chegar — finalizou, esbanjando falsa sabedoria.

Jongdae, que estava com o celular ao lado do copo de bebida, recebeu novas mensagens. O aparelho apitou diversas vezes até que ele abrisse o aplicativo. Assim que leu, ele imediatamente caiu na risada e mostrou a tela da conversa para os amigos.

— É a namorada dele — Junmyeon explicou ao irmão, talvez por força do hábito. O famoso “Jesus dos Trabalhos em Grupo” não gostava de deixar ninguém por fora, mesmo que não suportasse o sujeito. Jongin balançou a cabeça em compreensão.

— Meu Deus, ela é maluca. Onde eu fui arrumar uma dessas? — Jongdae disse, rindo, mas secretamente adorando, como sempre. — A Hyeri perguntou se o Jongin tá aqui e pediu uma foto dele. — Ele se inclinou para dar tapinhas no ombro do rapaz ao seu lado. — Acho que você ganhou uma fã, cara.

Jongin gargalhou de volta, mas estendeu a mão no ar, pedindo emprestado o celular. O estudante de Psicologia riu, encarando-o com uma antecipação divertida, e dava para ver que até mesmo ele estava impressionado com a ousadia. Ou, quem sabe, apenas maravilhado com o charme natural do rapaz.

Com apenas um ou dois cliques, Jongin abriu a câmera, jogou a franja para trás e ergueu dois dedos no ar, fazendo um V acompanhado de um bico engraçadinho. Ele testou três ângulos diferentes até que estivesse satisfeito. Antes de enviar as fotos, ele também escreveu uma mensagem especialmente para Hyeri. Jongdae voltou a rir ainda mais alto quando viu.

Kyungsoo se remexeu, desconfortável. Estava curioso, muito curioso para saber o que tinha na mensagem. Junmyeon não parecia se importar, devorando mais um pedaço de pizza e deslizando o indicador pelo próprio celular, mas ele estava inquieto e roendo as unhas de curiosidade, secretamente torcendo para que o amigo perguntasse apenas para que ele pudesse ouvir também.

No fundo, ele sabia que havia um sentimento esquisito e amargo despertando dentro dele, embora fosse ainda muito pequeno para chamar de qualquer coisa. Acompanhou à distância enquanto Jongin e Jongdae conversavam, às vezes rindo de algo engraçado e enviando áudios bobos para Hyeri pelo celular.

E, olhando apenas por um segundo para dentro de si próprio, percebeu que queria aquilo. Queria ser amigo de Jongin e que o rapaz mais novo falasse com ele, olhasse para ele e risse com ele também.

Kyungsoo nunca foi carente de atenção, muito pelo contrário. Ele não era o tipo de pessoa que gostava de impressionar ninguém, mas, por algum motivo, a presença de Jongin o deixava alerta e muito autoconsciente de si mesmo. Suas costas estavam sempre eretas, suas mãos se mantinham ocupadas no colo, retraídas, e ele só dizia alguma coisa depois de pensar muito bem a respeito. Ele também tomava um cuidado extra e desnecessário ao comer sua pizza já fria, com medo de parecer idiota caso sua boca ficasse suja de molho.

O fato de Jongin ser ridiculamente lindo não ajudava. O fato de Jongin procurar seu olhar de vez em quando, do outro lado da roda, quando ninguém estava prestando atenção, ajudava ainda menos. Ele se sentia despido e vulnerável diante dos olhos espertos e do sorrisinho sutil, que parecia dizer milhões de coisas ao mesmo tempo em que não dizia nada.

Kyungsoo não sabia dizer quando foi a última vez que se sentiu assim por outra pessoa, muito menos por outro cara. Tivera algumas experiências descompromissadas e sigilosas na época do colegial, mas nunca pensou a fundo sobre o assunto. Sequer se considerava algo além de heterossexual ou curioso, até ver Jongin sem camisa apoiado no batente da porta, no dia em que ele acordou de ressaca no sofá de Junmyeon.

Jongin era apenas uma dessas pessoas bonitas que a gente vê no metrô uma vez na vida e logo depois esquece. Ou alguma celebridade inalcançável da TV que ronda sua cabeça por alguns dias, e logo depois perde a graça. Ele só precisava esperar algum tempo. Alguns dias, ou semanas, e a magia em algum momento se quebraria por completo.

Não pensaria muito nisso.

Foi o que prometeu a si mesmo, comendo silenciosamente a borda recheada da sua última fatia e decidindo aproveitar o resto da noite. Mas quando pegou o ônibus de volta até os alojamentos da faculdade, com a cabeça apoiada no vidro da janela, os tênis batendo no chão empoeirado e Make You Mine nos fones de ouvido, ele só conseguia pensar em uma coisa.

 

 

Kyungsoo passou o resto da semana ocupado. Ele e os outros veteranos tinham muitas coisas para organizar. Precisavam pesquisar e comparar preços dos engradados de bebidas nos supermercados próximos, reservar uma sala grande em alguma casa de Karaokê e decidir quais brincadeiras fariam parte do cronograma da noite.

Pra ser sincero, Kyungsoo sempre achou que a festa de boas-vindas fosse apenas uma desculpa para encher a cara, fazer amigos e pegar o telefone de potenciais interesses amorosos. Não esperava que houvesse tanta organização e preocupação em estudar o que dizer e como dizer, em caso de alguns dos calouros terem dúvidas sobre as aulas e o sistema universitário. Ele começou a enxergar sua noite de orientação, um ano atrás, sob uma nova perspectiva. Se sentiu acolhido, de alguma forma.

No sábado de manhã, todos os preparativos já estavam feitos.

Quando Kyungsoo chegou, percebeu que já havia meia dúzia de garrafas vazias no chão, e imediatamente soube que era obra dos veteranos. Uma faixa azul, vermelha e branca, as cores da Chung-Ang University, estava pregada na parede. O título de letras grandes dizia: “DIA DA ORIENTAÇÃO DOS CALOUROS.” Embora ainda fosse cedo, vários calouros se sentavam, acanhados, espalhados pelo sofá em forma de U da sala privada. Só alguns já estavam bebendo, o que significava que haviam cometido o erro número um em festas universitárias de boas-vindas.

Jamais beba antes que os jogos comecem.

Principalmente se você costuma ter azar nos jogos.

Kyungsoo cometeu esse erro em sua orientação, mas teve a sorte de se dar bem em quase todas as brincadeiras feitas pelos veteranos. A regra era clara: quem perde, vira o copo de bebida. Às vezes, usavam até mesmo uma cumbuca. No fim da noite, ele mal controlava as próprias pernas e até hoje não se lembra como conseguiu chegar em casa em segurança.

— Acho que já tem gente suficiente pra começarmos as apresentações — comentou Yeonseok ao seu lado, oferecendo-lhe para beber da mesma garrafa. Kyungsoo recusou educadamente, mas balançou a cabeça, concordando com ele. — Beleza, então vamos juntar o pessoal.

Todos se sentaram no sofá. Os últimos a chegar, um grupo de alunos vestindo orgulhosamente a camiseta do curso de Publicidade, se dividiram entre sentar nos lugares vazios restantes nas extremidades do estofado e nas cadeiras brancas de plástico que completavam a roda. Com todos enfim reunidos, Yeonseok, o veterano responsável pelas apresentações, bateu palmas e chamou a atenção de todos. Era difícil manter os calouros calados, principalmente com toda aquela animação inicial e as interações indiretas com o sexo oposto.

No ano passado, lembrava-se de ouvir os novatos cochichando entre si, comentando sobre a beleza de alguma caloura presente na festa. O próprio Kyungsoo paquerou um pouquinho também, porque olhar nunca tira pedaço, certo? Não dera em nada, no fim das contas. Seus amigos diziam que ele parecia ameaçador à primeira vista. Talvez fossem as sobrancelhas grossas, os lábios carnudos e os olhos grandes. Ele nunca pensou muito a respeito. Estudar sempre foi sua prioridade. A mensalidade do curso de Jornalismo era muito cara para desperdiçar tempo indo a encontros às cegas e chamando garotas para sair.

— Estão todos aqui? — Zhang Yixing, um estudante transferido da China, questionou. Outro rapaz ao lado dele confirmou com um joinha, e ele assentiu de volta. — Então vamos começar.

— Bem-vindos, calouros de Humanas! Meu nome é Yoo Yeonseok, da turma de 2017. Todo mundo já tem bebida? — A sala irrompeu em gritos de “Sim!” e “Não!” ao mesmo tempo, então Yixing abandonou seu posto e saiu por aí distribuindo copos e garrafas. — Bom, primeiro, para conhecermos melhor uns aos outros, vamos começar com o jogo de empilhar nomes. Todo mundo sabe como funciona? — perguntou. Alguns balançaram a cabeça, outros gritaram um “Sim!” longo e animado. Como de costume, Yeonseok explicou assim mesmo. — Eu e os rapazes vamos começar primeiro, para vocês verem como se faz. O objetivo do jogo é apresentar nossos nomes e tentar decorá-los. Quem errar, obviamente, vira o copo. Vai ser divertido!

Enquanto Yeonseok falava, ele aproveitou a oportunidade para avaliar a roda.

Havia muitas garotas bonitas esse ano, provavelmente ainda mais do que na sua própria orientação de calouros. Ou, talvez, a culpa fosse sua por não ter reparado quando teve a chance no ano passado. Na época, ele era apenas um novato recém chegado à capital vindo do interior, então ainda tinha certa vergonha de falar com o dialeto de Gyeongju perto dos jovens de Seul. Algumas pessoas costumavam tirar sarro dos sotaques de cidades pequenas como o seu.

Continuou avaliando os novatos na sala de karaokê, achando graça da animação deles e, ao mesmo tempo, sentindo falta de se sentir assim. Os calouros de Publicidade foram os últimos, porque Kyungsoo infantilmente abominava os acadêmicos do curso. Duas meninas muito bonitas vestidas com as camisetas personalizadas davam uma atenção especial a um garoto de pele amorenada sentado entre elas. Ele segurava uma camiseta igual, ainda embalada no plástico, como se tivesse acabado de recebê-la de presente.

Ele riu, jogando a cabeça levemente para trás, e Kyungsoo sentiu a boca ficar seca ao reconhecer o sorriso. De repente, ele se ajeitou no sofá e seus joelhos instintivamente se uniram mais em frente ao corpo. Aquilo de novo. O rapaz estava ciente da presença do outro, de um modo que todos os seus gestos pareciam robóticos e pré-calculados. 

Certo. Ele devia ter imaginado que Jongin estaria ali, embora nunca tivesse perguntado ou ouvido falar sobre seu curso. De todas as graduações possíveis, tinha que ser logo um aluno de Publicidade? Eram praticamente inimigos jurados dentro do círculo acadêmico de Comunicação. Por sorte, ele parecia ocupado demais para notar os olhos de Kyungsoo sobre ele, e o início do jogo dos nomes, felizmente, obrigou-o a desviar a atenção do corpo atlético naquela camisa apertada.

— Vamos empilhar os nomes! Vamos empilhar os nomes! — começou a cantar Minseok, um dos veteranos sentado mais na ponta do sofá. Logo, todos na sala o estavam imitando, acompanhando seus gestos. — Tem o Kim Minseok.

— Vamos empilhar os nomes! — todos cantaram juntos, e a garota sentada ao lado de Minseok foi rápida e certeira, continuando a brincadeira. — Tem o Kim Minseok e a Kim Yeri!

Uau, Kyungsoo estava rodeado de Kims ultimamente. Não bastassem Kim Jongdae, Kim Junmyeon, Kim Hyeri e aqueles dois na roda, agora também tinha que lidar com Kim Jongin longe da vista dos melhores amigos. Às vezes era tão cansativo ser apenas um Do.

Ele tentou se manter atento ao jogo, porque sua vez estava chegando. mas

— Vamos empilhar os nomes! — cantou junto aos outros, repetindo os gestos. Bateu sobre as próprias coxas, por cima das calças jeans, e virou os polegares no ar. — Tem o Kim Minseok, tem a Kim Yeri, tem o Jung Minjoon e tem a Kang… — Ele parou, de repente, o primeiro nome da última garota lhe fugindo à cabeça.

Que ótimo… Tudo que ele precisava era ser o primeiro veterano a passar vergonha logo no começo da brincadeira, e tudo porque ficara desconcertado pela presença inesperada de Jongin na festa.

De repente, as pessoas começaram a gritar e bater palmas, entoando bem alto: 

— Vira! Vira! Vira! Vira! Vira!

Kyungsoo olhou na direção oposta, ainda um pouco atordoado, buscando inconscientemente a figura do moreno. Ele o estava olhando, é claro. Não havia ninguém que não estivesse olhando para ele agora. Ao contrário dos outros, porém, Jongin não estava participando da comoção, mas apenas observando à distância, com certa satisfação enquanto o encarava, quase como se o desafiasse.

Beba, Kyungsoo. Era o que o olhar dizia.

Por fim, Kyungsoo estendeu a mão até o copo que descansava na mesa, levou-o até a boca e virou com cuidado. Bebeu, devagar e longamente, mas sem tirar os olhos do outro, até que não restasse mais nada e ele tivesse que comprimir os lábios grossos para se livrar da umidade do soju. Não queria dar a ele o gostinho de desviar, mesmo sem saber o que aquilo, seja lá o que fosse, realmente significava.

Apenas um simples gesto e uma troca de olhares pareciam ter lhe tirado toda a paz. Ele nunca imaginou que apenas olhar para outra pessoa pudesse ser assim tão… intenso. Mas o mundo ao redor deles continuava a girar, agitação começava a se dissipar e, antes que pudesse se dar conta, uma nova rodada havia começado.

— Vamos empilhar os nomes! Vamos empilhar os nomes!

Mas, àquela altura, com Jongin observando-o tão intensamente do outro lado, ele já não estava mais prestando atenção.

 

 

Passou o restante do fim de semana largado na cama com o notebook, assistindo a filmes e séries enquanto ainda podia. O semestre não perdoava, e ele sabia que seu segundo ano na universidade demandaria muito mais da sua sanidade mental do que o primeiro. Na próxima semana ele precisaria se preocupar em reservar os livros na biblioteca, revisar as matérias difíceis com frequência e se manter longe de problemas, principalmente se o problema se chamasse Kim Jongin.

Jongin que, a propósito, ainda rondava sua mente como se fosse a porra do crush de metrô mais inesquecível de todos os tempos.

Kyungsoo suspirou, exausto de vê-lo pairando na sua cabeça, por mais que se esforçasse para arrancá-lo dali. Eles mal se falavam, caramba. Por que estava tão obcecado com isso? Será que estava frustrado sexualmente? Era a única explicação para os sorrisos, olhares e as curvas do corpo bonito que cruzavam seu pensamento a todo instante. Mas então… se assim fosse, ele já teria sentido o mesmo por uma garota qualquer da sua universidade, e não a droga do irmão mais novo do seu melhor amigo.

Nunca ter sequer mencionado aos amigos o fato de se sentir atraído por garotos e já ter tido algumas experiências no passado era preocupante. Nem mesmo ele levara a sério seus próprios sentimentos, e também jamais conversaram sobre o assunto. Não fazia ideia de como seus amigos se sentiam sobre isso, e muito menos como Junmyeon se sentiria sobre isso se soubesse o que estava rolando.

Porque… bem, estava rolando alguma coisa, não estava?

Kyungsoo sabia que sim, mesmo que não conseguisse definir ainda o que era.

Mas ainda que uma voz interior lhe dissesse para se afastar, para ficar longe e não se envolver, seria mentira dizer que não se sentia nem um pouco curioso.

Precisava descobrir.

 

 

Era a segunda semana de aulas. Kyungsoo e seus dois fiéis escudeiros precisavam de uma pausa para respirar antes que ficassem atolados de trabalhos, provas e matéria acumulada. Desde o primeiro ano os bancos perto da quadra universitária eram seu ponto de encontro, onde se reuniam nos intervalos entre uma aula e outra, jogando conversa fora, ou almoçavam às pressas antes de correrem de volta para o prédio onde teriam as disciplinas seguintes.

Naquele dia em especial, quando se sentaram ainda carregando os restos de café e de croissants da Tous Les Jours, a padaria francesa que ficava dentro do campus, Oh Sehun, Park Chanyeol e Byun Baekhyun também se juntaram a eles.

Os três rapazes eram líderes de clubes estudantis — Jornal, Culinária e Teatro, respectivamente. Na feira de clubes do ano passado, todos eles imploraram para que Kyungsoo os escolhesse. E o pobre garoto, ainda recém chegado do interior e com uma mania terrível de não conseguir dizer não para as pessoas, aceitou. Todos os três. No segundo semestre, quase bombou em duas matérias por ter que se dedicar à coluna do jornal da faculdade, a treinar receitas culinárias e ensaiar para peças de teatro.

No fim das contas, largou o teatro e o jornal, mas continuou no clube de culinária, porque via na gastronomia uma maneira de relaxar após uma semana estressante e, de quebra, experimentar um montão de comida boa.

Chanyeol roubou uma lasquinha do seu croissant de presunto e queijo, enfiou na boca e tornou a falar, ainda de boca cheia:

— Você vai continuar no nosso clube esse ano, né?

— Ele vai ficar no nosso clube, babacão — Baekhyun rebateu, salvando Kyungsoo de responder à pergunta esperançosa. — Ele já ficou a maior parte do tempo no seu MasterChef Amadores da última vez. Deixa ele participar dos nossos musicais agora. Precisamos de alguém com o talento e voz dele.

— Não mesmo! — interveio Sehun, parecendo indignado. Ele apertou os dedos ao redor do calhamaço de papéis que segurava no colo, descontando sua raiva, e, então, ergueu o clipping impresso da seleção de matérias do jornal. — Ele faz Jornalismo, pelo amor de Deus. Não é o mais óbvio que ele escolha estar no meu clube, e não no de vocês?

— E é por isso que ele nunca vai escolher o seu — Chanyeol respondeu. — Ele já vê o suficiente de Jornalismo nas aulas todos os dias, não acha? Deve ser cansativo. É natural que ele queira escolher se juntar a um clube apenas como hobby. E o Kyungsoo cozinha super bem, vocês precisam ver!

Kyungsoo não comprava nenhum daqueles discursinhos emotivos. Ele ficou sabendo que a feira de clubes desse ano não fora lá grande coisa. Muitos clubes ficaram desfalcados e com uma quantidade de integrantes abaixo do previsto.

— Vocês gostam mesmo tanto assim de mim ou apenas estão desesperados? — Kyungsoo perguntou, ainda que já suspeitasse da resposta.

A reação foi imediata. Os três viraram as cabeças quase ao mesmo tempo e se inclinaram em sua direção, mãos agarrando seu joelho, ombro e braços.

— Estamos desesperados! — disseram em uníssono.

— E também porque gostamos muito, muito de você — murmurou Baekhyun, quase como se dizê-lo exigisse um esforço descomunal. Os outros dois rapazes balançaram a cabeça exageradamente, concordando como cãezinhos obedientes e animados.

Kyungsoo teve que rir. Ele não estava pronto para dar uma resposta final a nenhum deles ainda, mas prometeu pensar no assunto com carinho. E com “pensar no assunto com carinho” ele queria dizer que ia recusar com educação em algum momento mais tarde, ou então enrolar a decisão o suficiente para que eles se esquecessem do assunto.

Junmyeon, que ouvia toda a conversa como se estivesse de vela, já que Jongdae estava pregado no celular falando com a namorada e não podia lhe dar atenção, decidiu que era hora de intervir e salvar a pele do amigo.

— Esperem cinco minutos e vocês terão uma carne nova no pedaço pra importunar, eu prometo. — Junmyeon ergueu o celular, como se quisesse confirmar o que estava dizendo. Quando ele abriu um sorriso travesso e vingativo, Kyungsoo imaginou o que viria a seguir antes que o amigo pudesse de fato dizer. — Mandei uma mensagem pro meu irmão vir aqui. Ele é calouro, sabe como é, né? Sejam bem barulhentos e encham o saco dele até ele aceitar.

Kyungsoo congelou no lugar. Seu corpo instantaneamente enrijeceu ao saber que Jongin estava vindo. Ele não via o rapaz desde a troca intensa de olhares na orientação de calouros, que o deixou tardes e noites inquieto tentando decifrar o significado do gesto.

— Por que você odeia tanto seu irmão? — Jongdae provocou, erguendo a cabeça da tela brilhante do celular para participar minimamente da conversa.

— Ei, nós não somos assim tão ruins! — Baekhyun reclamou, e o estudante de Psicologia logo caiu na gargalhada.

Chanyeol arregalou os olhos, eufórico, virando-se para Junmyeon. E, apenas um segundo depois, Kyungsoo já havia sido esquecido. 

— Espera aí! Seu irmão é aquele calouro de Publicidade que parece modelo da Calvin Klein? Até as veteranas de Medicina estão falando sobre ele. E vocês sabem, né? Estudantes de Medicina de um período avançado não têm tempo nem pra lavar a bunda direito. Se estão gastando o precioso tempo que resta falando de um cara, é porque o maluco não é qualquer coisinha, não. Desde a festa de boas-vindas dos calouros ele ficou bem popular.

— Isso é verdade — concordou Sehun. — Depois que alguém espalhou que ele já fez aulas de balé e dança contemporânea, o pessoal do clube de dança caiu matando em cima dele. Nem tivemos chance.

— Tá atrasado nas fofocas, meu bem — contou Baekhyun, cheio de orgulho. Ele não era considerado o Rei das Fofocas da universidade por acaso. — Ele entrou foi no clube de Fotografia, porque souberam que ele já posou de modelo quando era adolescente. Tirou fotos e apareceu numa propaganda daquela marca famosa de bebida isotônica. Deus tem mesmo seus favoritos, como dizem.

Sehun balançou a cabeça, confirmando.

— Procurei no YouTube e é verdade mesmo. É incrível como pessoas bonitas naturalmente se dão bem na vida. Ele tinha o quê? Uns quinze anos? Devo confessar, cara, é um pouco impressionante.

— O que é impressionante? — perguntou uma voz, vindo de trás deles. Era doce e aveludada, mas com um toque de provocação implícito.

O timbre gostoso parecia acariciar a pele do pescoço de Kyungsoo, e ele se virou, encarando a figura de Jongin de pé do outro lado dos bancos, carregando uma garrafinha d’água e com a barra das calças jeans dobradas. Estava um pouco suado, se a pontinha molhada dos cabelos, o rosto brilhante e as bochechas rosadas fossem indício de alguma coisa. Quando ele puxou a camiseta e a agitou, abanando-se para aliviar o calor, Kyungsoo confirmou suas suspeitas. Jongin parecia ter vindo da quadra. Provavelmente estava jogando futebol com os outros rapazes.

— Fala aí, cara! — Chanyeol cumprimentou, ainda um pouco surpreso pela aparição repentina. — A gente estava mesmo falando de você. Senta aí.

Jongin deu a volta nos bancos e Kyungsoo se moveu para o lado, inconscientemente deixando um espaço para que pudesse se sentar ao seu lado. Mas o gesto passou despercebido pelo outro rapaz, que se sentou no lugar vago ao lado de Sehun. Acabou se sentindo um pouco bobo por ter sido acidentalmente ignorado e, além de tudo, ter ficado chateado por isso.

Mas que merda. Por que ele estava sendo tão sentimental? Era só a porra de um cara bonito, por Deus.

Voltou discretamente para o lugar de antes, arrastando-se no banco, mas quando espiou na direção de Jongin, viu que ele o olhava de volta, com um maldito sorrisinho nos lábios de quem tinha percebido tudo.

Um pouco constrangido, continuou comendo seu croissant, mastigando silenciosamente antes de engolir. No segundo pedaço, porém, engasgou e começou a tossir. Como se um grande mico em apenas um dia não fosse suficiente. Jongdae deu-lhe tapas fortes nas costas e Junmyeon imediatamente olhou para ele, fazendo uma careta de preocupação em solidariedade.

— Você tá legal? — quis saber Jongin, direcionando a pergunta a ele pela primeira vez depois de muito tempo. Kyungsoo não sabia se ele estava querendo provocá-lo outra vez ou se estava apenas imaginando uma certa ironia na entonação dele. Jongin esticou o braço, estendendo a garrafinha de plástico azul. — Aqui, pode beber água da minha garrafa, se quiser.

Kyungsoo aceitou, porque não estava em posição de recusar nada. E também porque seria um pouco estranho recusar uma gentileza como aquela na frente dos amigos.

— Vocês dois acabaram de se beijar indiretamente. — Sehun apontou, zoando os dois garotos assim que Kyungsoo deu o primeiro gole.

— Quantos anos você tem? — rebateu de imediato, embora, se fosse ser sincero, tenha ficado desconcertado por pensar na possibilidade de beijar Jongin. Não de maneira indireta, mas de verdade, com aqueles lábios bonitos e sensuais se movendo nos seus. O pensamento deixou suas orelhas vermelhas.

Jongin apenas riu, sem negar ou concordar, e Kyungsoo devolveu a garrafa.

— Você tem tempo sobrando? — o Park perguntou ao calouro.

— Ah, eu não posso ficar muito — respondeu, educado. — Tenho que me reunir com os outros calouros daqui a pouquinho. Temos que participar de um tour especial pelo campus.

— Entendo… — Chanyeol forçou um sorriso simpático, a boca cheia de dentes, e depois lhe entregou um papel com seu número de telefone. — Queríamos conversar com você sobre os clubes. Sehun faz parte do jornal da faculdade e Baekhyun é do clube de teatro. Sou o líder do clube de culinária. Se estiver interessado em aprender a cozinhar e fazer uma boquinha, é só me procurar.

Sehun e Baekhyun também se viraram para Jongin, praticamente pulando em cima dele, armados com seus cartões de visita e discursos carregados de uma cortesia exagerada. Ele foi embora logo depois, subindo os degraus da escada até o prédio de Comunicação e Artes e desaparecendo por completo.

Kyungsoo se sentiu um pouco aliviado, talvez porque grande parte da agitação que estava sentindo, fervilhando e borbulhando em seu estômago, havia desaparecido junto com ele.

— Seu irmão é bem maneiro, Jun — elogiou Chanyeol, e Junmyeon apenas revirou os olhos.

— Ah, falar em irmão… — começou o Byun, sorrateiro, com a expressão de quem estava prestes a contar alguma bomba.

Sehun se remexeu no banco, interessado.

— Lá vem ele com as fofocas.

— Não, é sério. Essa é boa. Eu juro! — Baekhyun se apressou, o sorriso se ampliando em seus lábios. Para ele, fofocar era um hobby difícil de largar, ainda mais quando estavam cercados de universitários fazendo merda o tempo todo. — Vocês lembram do Donghae e do Leeteuk? Aqueles dois que eram a dupla mais inseparável do mundo, tipo dupla sertaneja, macarrão sem queijo e Piu Piu sem Frajola?

— Lembro. Os caras eram melhores amigos, né? Desde o ensino médio, eu acho. Agora que você mencionou, bem que eu reparei que eles estão estranhos. Nem andam mais juntos.

— Exato! E sabe por quê? — Baekhyun perguntou, ansioso. Chanyeol fez que não com a cabeça. — Vocês lembram que o Leeteuk tinha uma irmã mais nova? Quer dizer, ainda tem, né. A bichinha não morreu nem nada. Ela inclusive é bem bonitinha, anda desfilando com as amigas pelo prédio de Administração e lendo na biblioteca às vezes. Enfim, o lance é que eles eram suuuuuper amigos, quase irmãos, mas recentemente o Leeteuk descobriu que o Donghae tava dando uns pegas na irmã dele, acredita? A irmã do melhor amigo!

— Puta merda — murmurou o Park.

— Que traição do caralho — Sehun comentou. — Bem debaixo do nariz dele e tudo.

— Ainda bem que eu nem conheço as garotas que o Jongin leva lá pra casa — Junmyeon suspirou, aliviado. — Eu acho que também ficaria puto se soubesse que ele ficou com uma das minhas amigas.

Kyungsoo sentiu algo dentro dele murchar. Não de modo doloroso, mas amarga e lentamente.

Jongdae fez um “Pffft!” com a boca, tirando sarro de Junmyeon.

— Você nem tem amigas — desdenhou, e os dois começaram a se bater de brincadeirinha.

O clima ficou mais leve. Logo todos estavam rindo, discutindo entre si e engajando em novas fofocas narradas por um Baekhyun serelepe. As vozes ficaram mais altas e animadas, e os últimos minutos livres antes da próxima aula foram preenchidos por reclamações universitárias e gargalhadas. Todos pareciam ter esquecido do assunto quase como se ele não tivesse existido.

Bom, quase todos.

Kyungsoo não esqueceu.

 

 

Sextas-feiras à noite eram dias sagrados de delivery de comida japonesa e filmes ruins da Netflix, embora eles sempre ficassem mais tempo procurando e debatendo as escolhas no catálogo do que efetivamente assistindo alguma coisa. Essas reuniões entre amigos eram um modo de obrigá-los a se encontrarem ao menos uma vez por semana em períodos atarefados da faculdade, para evitar que a amizade morresse ou se perdesse entre tantos artigos, trabalhos, livros e provas.

Kyungsoo suspeitava que Junmyeon só respeitava a tradição porque não tinha para onde fugir. Os encontros eram sempre em seu apartamento, já que ele era o único que morava fora dos dormitórios e tinha espaço sobrando. Também suspeitava que Jongdae e Hyeri só usavam a oportunidade para se encontrar com mais frequência, e ele… Bem, Kyungsoo ia pelos makimonos em promoção e os rolinhos primavera.

Passar um tempo com seus dois melhores amigos sempre foi relaxante e divertido. Uma forma de descarregar o estresse acumulado na semana.

Dessa vez era diferente, porque Jongin também estava lá naquela noite.

Ele apareceu vestindo calças confortáveis e um moletom rosa pastel quase idêntico ao azul-marinho que Kyungsoo usava, exceto pela falta de cordões no capuz e bolsos menores. Parecia ter acabado de sair do banho, e o perfume do shampoo que se desprendia, impregnado em seu cabelo, invadiu a sala quando ele se sentou no sofá. Jongdae já estava lá na ponta, espremido com Hyeri contra as almofadas.

— Chamei o Jongin pra assistir com a gente — ele disse.

— Vai assistir sentado no chão, então — Junmyeon respondeu, amargo, empurrando o irmão com a perna para se sentar ao lado do casal.

— Larga de ser besta. Seu sofá é enorme. Se espremer um pouquinho, cabe todo mundo e ainda sobra. — Acenou com a mão no ar, para que Kyungsoo o visse lá da cozinha, onde se enfiou para fazer não-sei-o-quê desde que Jongin apareceu. — Vem, Soo. Senta aí pra gente escolher.

Ele se sentou na outra ponta, o único lugar vago que restava. E que, obviamente, para o seu azar, era ao lado de Kim Jongin. Subiu no estofado com cuidado, agarrando a primeira almofada livre que encontrou como uma desculpa para não esbarrar os braços nos do outro rapaz.

Todos tinham acabado de finalmente chegar a um consenso sobre o filme quando o interfone tocou, anunciando a chegada do serviço de delivery do restaurante japonês. Kyungsoo se voluntariou para ir até a cozinha buscar os pratos, acreditando que essa podia ser sua chance de talvez conseguir mudar de lugar discretamente, mas Jongin sequer se moveu do lugar e Jongdae apenas ergueu o controle para colocar a TV no mudo enquanto o trailer do filme escolhido, Jo Pil-ho: O Despertar da Ira, rodava pela terceira vez na tela.

O enredo do filme girava em torno de um policial da pior espécie possível. Um homem da lei que vivia se envolvendo em armações e pequenas corrupções pelo simples prazer de se envolver em armações e pequenas corrupções. Até que, em um desses golpes, acabou se metendo com uma galera muito mais perigosa e poderosa do que estava habituado. Era um bom filme de ação, com certeza bem melhor do que as escolhas de péssimo gosto que costumavam assistir.

Acabaram com o combo de makimonos e uramakis em questão de segundos. Os rolinhos primavera também desapareceram com uma velocidade impressionante. Minutos mais tarde, eles já estavam satisfeitos e largados no sofá de barriga cheia, ainda assistindo à introdução do filme. Kyungsoo se sentia tão feliz e relaxado que mal se lembrou da presença de Jongin ou se atentou ao fato de seus ombros agora estarem se encostando.

Não até que Jo Pil-ho chegasse na metade, um tempo mais tarde, e sua mão esbarrasse sem querer na perna de Jongin quando foi coçar o joelho. Ele se afastou, recolhendo a mão para perto do corpo, mas ainda mantendo-a no sofá, no espaço livre entre os dois corpos. Kyungsoo não deu muita importância ao gesto, mas continuou alerta e distante enquanto as cenas continuavam se projetando diante de seus olhos.

Foi então que sentiu.

Era quente, delicado e muito sutil no início. Um toque quase fantasma na lateral do indicador. Achou estar imaginando coisas ou se tratar de um contato acidental, mas continuou sentindo um arrepio se propagando e percorrendo todo seu corpo com a sensação dos dedos que agora tocavam de leve os seus, apenas roçando suavemente sobre as pontas e as unhas.

Olhou para baixo, devagar e discretamente, apenas para confirmar que Jongin estava mesmo tocando seus dedos. Não porque havia esbarrado neles por acidente, nem como um gesto inconsciente, mas porque queria. Os olhos do outro rapaz ainda estavam fixos na tela, como se nada estivesse de fato acontecendo, as bochechas e olhos brilhando com as luzes da TV que se projetavam em seu rosto. Mas o toque era real e cada vez mais palpável, conforme se sentia mais corajoso para deslizar os dedos em sua pele sem que ninguém além deles pudesse testemunhar.

Kyungsoo novamente se perguntou sobre o significado por trás daquilo. Na sua cabeça, não tinha como haver uma explicação diferente. Dessa vez, tinha certeza de que não estava imaginando coisas.

Jongin o queria. Jongin o desejava.

Evitava olhar para o lado, com medo que alguém pudesse flagrar o momento íntimo entre eles. Afinal, eram ainda meros desconhecidos, tendo conversado pouco ou quase nada. Não havia motivo para que demonstrassem tal intimidade. Não eram íntimos, de fato, mas Jongin se aproximava como se um dia quisesse ser. Seus dedos subiram, tocando as costas de sua mão apenas de leve, com a ponta dos dígitos, arrastando o toque até que a cobrisse completamente com a sua.

Kyungsoo enrijeceu. Não olhou para o lado e nem se moveu, mas começou a ficar ciente da própria respiração acelerada e dos joelhos rígidos, engolindo o nervosismo garganta abaixo. O contato prosseguiu. Os dedos resvalaram lentamente sobre as costas da mão, segurando-a com mais firmeza, apenas um pouco mais de firmeza, antes de discretamente virar a palma para cima.

Sabia que não deveria. Sabia que aceitar aqueles toques era como apunhalar Junmyeon pelas costas, como trair sua confiança, principalmente depois de atestar sua opinião sobre o assunto na conversa que tiveram na universidade. Era proibido, e sabia disso, mas não conseguia pensar com clareza ou se esquivar quando Jongin estava roçando as unhas curtas suavemente na palma da sua mão, despertando uma nova onda de arrepios que irradiava sob cada toque.

Ele foi além, subindo com os toques abrasadores até seu pulso, invadindo lenta e discretamente por baixo da manga do seu moletom azul, deixando rastros que pareciam marcados como fogo invisível na pele. Kyungsoo estava começando a se sentir quente debaixo do tecido grosso do casaco. Começando a se sentir aprisionado dentro de si mesmo, com vontade de retribuir e demonstrar suas reações, mas tendo que se conter na sua máscara de indiferença.

O toque se desfez quando Junmyeon pausou o filme e se levantou para ir ao banheiro. Eles recolheram as mãos, escondendo-as no colo, os olhos ainda fixos na tela como se nada tivesse acontecido. Como se Jongin não o estivesse tocando secretamente. E como se Kyungsoo não tivesse, secretamente, gostado e permitido que acontecesse, escondido da vista de todos.

Junmyeon voltou alguns minutos depois.

O filme continuou a rodar.

Kyungsoo se agarrou outra vez à almofada, ainda mais distante do que estava antes. Durante o resto da noite, não deixou mais que as mãos caíssem no espaço entre eles no sofá. Mas ainda sentia o calor dos toques, cálidos e aventureiros, marcando toda a extensão da pele até o pulso e se embrenhando sob o moletom, e então desvanecendo pouco a pouco, como se nunca tivessem existido.

 


Notas Finais




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