Mamãe, acabei de matar um homem
Coloquei uma arma na cabeça dele
Puxei o gatilho, agora ele está morto
Mamãe, a vida tinha acabado de começar
Mas agora eu me perdi, joguei tudo fora.
Queen – Rapsódia boêmia.
Mahana acatou às ordens de Min Yoongi, e enquanto o seguia pela calçada vazia, pensava se valia a pena confiar naquele jovem tão diferente. De fato, Min Yoongi conhecia Mahana como ninguém, afinal, ele era seu próprio anjo da guarda, ela só não sabia direito. E Min Yoongi usou seus conhecimentos sobre ela, contra a própria garota. Como uma apunhalada nas costas do próprio amigo. Como as pessoas fazem: tornam-se íntimas e depois destroem seus amigos usando a intimidade que lhes foi concedida. Isso seria alguma frase perdida como algum rabisco bonito na cabeça de Mahana.
Sim, ela já esperava isso. Foi algo inconsciente, mas repentino. Ela já imaginava que, se desse autoridade para Yoongi, ele a apunhalaria pelas costas, mas isso também estava no fundo de seus pensamentos. De qualquer forma, Mahana o seguiu pelo único motivo cabível: era Kim Taehyung de quem se tratava.
E Kim Taehyung é um motivo mais que suficiente para ela fazer qualquer coisa. Porque Kim Taehyung foi especial.
E poderia ser fútil, mas foi o primeiro garoto que ela transou da escola, e isso por si só era muito importante. Além de mais, foi o primeiro garoto que ela gostou de forma ardente depois do perrengue, depois de Isaac. Depois de tudo, Mahana começou a se apaixonar por Taehyung antes mesmo de perceber, e antes mesmo de descobrir, ela estava arriscando sua própria vida, colocando-a nas mãos de Yoongi, para salvar a dele, ou o mais próximo disso.
O clima que estavam era o outono, nem muito frio e nem muito calor, as várias folhas e flores caídas no chão faziam barulho a cada passo que eles davam no escuro da noite, conforme os passos nas folhas, que faziam som ao serem esmagadas e amassadas. O que acontecia no momento foi que no outono, o clima da Coreia é perto de zero, quando não é negativo. E o ar estava nevoeiro, dificultando que as pessoas enxergassem bem. Pra variar, estava de noite. Os postes naturalmente piscavam nas ruas cujo os moradores – a maioria, não todos – eram de baixa renda. As ruas naturalmente eram distorcidas. Definitivamente, não era uma noite boa para se andar sozinho por aí. Apesar de que é aquele ditado:
Antes só do que mal acompanhado.
- Aqui, entre na casa dele. – Yoongi ordenou com sua voz naturalmente grave e baixa. Ela assentiu e tocou a campainha. Taehyung não atendeu, fazendo a garota ficar seriamente preocupada.
Com o intuito de entrar na casa dele de qualquer jeito, empurrou a maçaneta para baixo e percebeu que estava destrancada.
Silêncio.
Quando Mahana entrou em casa, nem o som do Yeontan, ela ouvia.
Sem pensar bem, a garota foi de encontro ao quarto da casa, procurando por Taehyung. Ela de fato o encontrou, deitado, vulnerável. Ele estava aparentemente dormindo, foi o que Mahana pensou.
Mas só pensou mesmo.
Ele abriu seus olhos e inspirou profundamente, soltando o ar com calma enquanto fitava os olhos de Mahana. Ele a olhava tão intenso que ela ficou desconfortável, encolhendo os ombros e desviando o olhar.
- É-é... – ela ia falar, mas um baque é escutado atrás da Hwang, fazendo-a ressaltar.
Era Min Yoongi, Mahana descobriu pelo som dos seus passos. Yoongi esquadrinhou toda a cena e os detalhes do quarto: a cor das paredes, o guarda roupa, a cama e até a escrivaninha, guardando todos os detalhes antes de tudo e absolutamente tudo ruir. Enquanto o garoto olhava curioso para todos os detalhes, Taehyung observava o que viria a seguir: Yoongi voltou seus olhos para o Kim, caminhou três passou e chegou à beira da cama, ao lado de Taehyung.
- Levante-se. – o Kim levantou curioso, tentando entender o que se passava, e Mahana estava totalmente perdida naquele mini show que Yoongi fazia. Prosseguiu, virando-se para a garota: - Eu te avisei, e avisei várias vezes que não era pra ficar com ele. Agora, você vai aprender do pior jeito, e eu espero que você entenda, no final, que será para o seu bem. – sem entender nada, a morena arqueava a sobrancelha, imersa nos pensamentos.
Yoongi então encostou os lábios no ouvido de Taehyung, e ali sussurrou algo no que só eles e Deus sabiam.
Algo que mudou todo o percurso das coisas. Todos os detalhes, absolutamente e remotamente tudo.
Taehyung olhou para Mahana e assentiu, firme. Levantou-se e foi até ela.
Mahana tremeu até os ossos.
Yoongi já imaginava o que aconteceria a seguir, então o jovem preferiu sumir daquele lugar, desaparecer, desvanecer. Ele não é e nem foi alguém ruim, é só que era o necessário a se fazer; essas eram as palavras que o confortava de tudo o que aconteceria, foram essas palavras que ele pensou ao fazer tal ato tão desumano; Yoongi avisou Mahana e ele, por sua vez, realizou o que foi necessário tendo em mente as atitudes dela. No final, Yoongi também sofreria pelo o que ambos escolheram. Mas, quem se importa com as opiniões de um anjo, afinal? Ela não foi a primeira e nem será a última protegida dele, Mahana seria só mais uma.
E apesar disso, no fundo da mente de Min Yoongi, ele sentia o mais profundo sentimento de culpa. Ele se sentia mal por estragar vidas com o poder divino. Apesar disso, quem sofreria seria só ele, pelo resto de sua vida imortal, e ele não se importava em ter um pecado a mais ou a menos em sua lista de erros.
Quando Min Yoongi decidiu se deteriorar para outro canto, Taehyung prensou Mahana na parede. Uma mão ele apoiou seu corpo na parede e com a outra, o garoto começou a enforcá-la. Ele fazia caretas e ela soltava gemidos desesperados. Porra, foi muito repentino! Uma ideia súbita veio na cabeça de Mahana: dar uma joelhada em sua intimidade, e assim o fez.
Fez tão bem que Taehyung se contorceu de dor, e deu tempo para ela sair do quarto. Seus dedos já estavam no trinco da maçaneta da sala que dava caminho ao jardim, onde ela sairia correndo o mais rápido possível, quando ele agarrou os fios castanhos da garota, que aos poucos foi cedendo à dor.
- Ai, ai, AH! Para, seu louco! Tae, ainda sou eu!
O clima ficou tenso e pesado, as mãos do garoto hesitaram, trêmulas, em continuar.
A sensação que dominava seu corpo, porém, era deveras mais forte que seu raciocínio e consciência. Ora Mahana estava em pé, ora ela foi jogada brutalmente no chão, o rosto roçando bater na superfície gélida, as pernas freadas pelo joelho e o corpo sem ter o tempo de parar a queda com as palmas. Ela o observou por entre os fios jogados no rosto, chocada. Como isso aconteceu?
Quando ele se abaixou para fazer o que quer que fosse, Mahana se virou como uma bolinha ágil e se levantou rapidamente. Correu para a porta e abriu a maçaneta, dando de cara com o jardim.
Droga, está chovendo, o que eu faço o que eu faço o que eu faço?
Uma rajada de trovão corta o céu e o parte como se fossem dois, ela dá um sobressalto e acaba indo mais para a frente, para o jardim e a chuva. Para o caos e a perdição, e ainda por cima a rua estava deserta. Se, caso acontecesse alguma coisa, não teria ninguém que a socorresse.
O efeito das gotas foram rápidos: seus fios castanhos estavam começando a ficar molhados e a roupa a encharcar.
Taehyung, entretanto, não hesitou em segui-la para fora, independente da chuva e independente dela estar começando a correr.
- Não fuja de mim, vai ser pior.
Ele, ao alcançá-la, jogou-a no chão, onde teria desferido socos pelo corpo da menina, se essa não tivesse mudado as posições: ele no chão e ela por cima dele. Em um suspiro profundo e desesperado, ela o fitou e abriu seus lábios, sentindo a água começando a entrar por estes.
- Tae, sou eu, Taetae... – observou-o preocupada, mas a reação de seus olhos era fria como se ele a desconhecesse. E sem pensar muito, o beijou. Um beijo suave e doce, cheio de sentimentos e água misturada com as primeiras lágrimas da garota.
- Eu não te conheço. – sua voz saiu profunda e cheia de um desgosto irreconhecível, beirando ao trágico.
O moreno a empurrou e forçou sua perna para frente, o contrário de sua articulação, e essa ia cedendo enquanto Mahana urrava de uma dor lacerante.
Mas ela não podia dizer o que doía mais: perder Taehyung ou a perna ser quebrada, pelo próprio.
Mahana se debatia como a infeliz que era até ele terminar. Ela já não conseguia movimentar a perna. Mahana ficou irritada e frustrada com sua falta de efeitos no garoto.
Tá bom, porra, não dá mais.
Pensando nisso, Mahana disparou em Taehyung desferindo-lhe um soco no estômago, seguido de outro, e de mais outros. Doía muito mais socar Taehyung do que a dor que ele sentia, de fato.
Com certeza, socar a única pessoa no mundo todinho que a fez acreditar que, em algum dia, ela teria uma nova chance de tentar, de ter amigos verdadeiros, de ter um novo amor, dilacerava Mahana mais do que tudo. Ela amava ele. Ele amava ela. As lágrimas que caíam do rosto dela demonstravam o mais puro, genuíno e tênue amor, em sua forma mais melancólica. Em sua forma mais ardente e dolorosa. Em sua forma mais trágica.
Romeu e Julieta jamais chegariam ao que aconteceu naquela noite.
Ao final de tudo, será que Taehyung cairia em si e sentiria culpa?
Taehyung puxou o cabelo de Mahana, que seguiu o movimento de sua cabeça, caindo para o lado enquanto Taehyung respirava profundo, cansado, recuperando-se das várias investidas brutas. Enquanto isso, Mahana foi mancando, quase engatinhando para perto da parede lateral da casa, o lugar que ela chegou foi o mais perto de longe. Ela levantou arduamente com o apoio da parede, chorando e respirando fundo.
Seu cérebro já não era oxigenado corretamente, e por isso, não só ele, mas a garganta e o canto de seu tórax ardiam, uma dor que em outro dia seria insuportável, mas dado sua situação, aquilo foi pouco. A visão ficou embaçada no meio do breu escuro da noite, para piorar. A água caía em seus fios e desciam, traçavam o caminho até os olhos e eram misturados com os filetes grossos de lágrimas, ela estava quebrada. As lágrimas jamais aliviariam a dor, e doía tanto que lacerava, lacerava tanto que a vontade que Mahana tinha era de arrancar seus olhos para as lágrimas escorrerem mais livremente, e talvez, a dor era tanto que ela queria arrancar a cabeça. Mahana era só mais uma alma que, nenhuma palavra no mundo inteirinho, jamais seria capaz de descrever a dor. A infelicidade e a tragédia da garota quebrada.
- É hora de eu terminar minha missão. – sussurrou Taehyung para si mesmo, e por algum motivo, Mahana ouviu.
Entregue-se, assim doerá menos, por favor, entregue-se. Doerá menos.
Mahana pensava isso claramente, no medo de perder o convívio com a única pessoa fora de sua família que ela, um dia, amou. Taehyung, perdido na inconsciência e insanidade, torceu para que isso acontecesse, em algum canto de sua memória perdida. Em sua mão, porém, havia uma faca que foi buscar em sua casa.
Por isso ele demorou tanto.
Hyunjin... Jinnie... Por favor. Por favor, me encontre. Mahana suplicava ao seu irmão.
Mahana, ao passo que Taehyung chegava perto, só podia chorar.
Taehyung, ao passo que chegava perto, só podia se entregar.
Porque era só isso que ela poderia fazer: chorar. Só lhe restava sofrer e torcer para que sua morte não fosse lenta e dolorosa. Seria horrível morrer por uma pessoa que nem ligava mais para sua existência.
Porque era só isso que ele poderia fazer: se entregar. No meio de sua afronésia profunda, ele não era capaz de se controlar. Mas, ah, se ele pudesse...
Mas, um dia eu te amei.
Mas, um dia, eu amei ela. Por que eu nunca disse isso?
As mentes de ambos estavam barulhentas, turbulentas e perdidas, desesperadas.
E Taehyung avançava sorrindo enquanto ela se encolhia chorando. O sorriso do Kim era meramente falso, porque ele, em seu profundo, também chorava. O choro de Mahana era o mais real possível. Ela, uma vez, perdeu seu amado, e agora, ela iria perder a própria vida. Com dezessete anos, Mahana não era legalizada de tomar comprimidos para o tratamento de sua doença, e ela tinha esperanças de que isso fosse acontecer.
Aos dezessete anos, Mahana tinha o sonho de se tornar enfermeira e, quem sabe, viajar o mundo.
Esses e outros mais objetivos foram sendo quebrados, estilhaçados no chão e assoprados para longe dela, pela pessoa que foi, inclusive, um objetivo:
Aos dezessete anos, Hwang Mahana passou a amar Kim Taehyung, mas ela não sabia que poderia morrer pelas mãos do próprio.
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