Acordei no dia primeiro de Março com o meu celular vibrando loucamente no chão do lado do meu colchão, meu violão deitado também no chão, o caderno de anotações colado na minha bochecha por eu ter ficado até tarde escrevendo uma música. Meu corpo ainda estava se acostumando com o fuso horário diferente, então eu andava mais cansada do que o normal (A gravidez também não estava ajudando muito).
Atendi o bendito do Iphone sem olhar para a tela, e o susto veio assim que eu ouvi quem era.
— Alô?
— Te acordei? — Ed perguntou parecendo envergonhado.
— Ed?
— Sim, sou eu...
— Cinco dias? Sério que você demorou cinco dias para cair na real?
— Eu demorei cinco dias para criar coragem e pedir para você voltar para casa — Fez uma pausa, provavelmente pensando que eu iria o interromper — Eu bebi de mais na noite do Brits, e...
— O que falou para o Stuart é o que pensa de verdade? Estava me enganando esse tempo todo?
— Eu não estava te enganando, só estava tentando aceitar tudo isso — Ele respirou fundo e eu fiz o mesmo — Tenta entender o meu lado, por favor.
— Você não é obrigado a assumir, prefiro mil vezes o meu filho ou filha crescer sem um pai do que ter um covarde com medo de assumir uma coisa que eu não fiz sozinha com os meus dedos — Cada palavra que eu pronunciava me cortava por dentro, mas ali eu estava sendo forte não só por mim — Mas se lembra que eu não vou querer te ver nem pintado de ouro.
— Vai com calma Thais, não foi o que eu quis dizer — Pediu começando a ficar desesperado.
— Você nem precisou dizer Ed, tudo está muito mais claro agora. Eu só queria que não tivesse mentido para mim do jeito que foi, me fazendo acreditar que você estava tão animado com tudo isso quanto eu estou.
— Vamos conversar com mais calma, vem para casa — Pediu sem saber muito o que fazer.
— Não tem nada o que conversar, eu não vou te fazer assumir uma coisa que não quer — Mordi meu lábio inferior sem querer falar as palavras oficiais para o “término”. Assim que minha primeira lágrima caiu e já a limpei rapidamente — Não me liga mais Ed.
— Esper... — Desgrudei o celular do meu ouvido e encerrei a chamada.
Encarei o fundo de tela por um tempo sem entender direito os meus sentimentos bagunçados. Raiva e tristeza eram os que se destacavam, uma tristeza tão profunda que era assustadora, chegava a quase ser uma dor física... assustadora.
E sem aguentar ver a nossa foto do natal do ano passado, onde eu achava que realmente tudo tinha se encaixado, eu fiz a única coisa que me veio na cabeça na hora: Arremessei o Iphone o mais forte que consegui na parede do outro lado da sala.
O barulho foi grande, e uma marca foi criada na parede instantaneamente. Mike veio correndo para ver o que tinha acontecido, parou por alguns segundos analisando a cena até que seu rosto inchado de quem tinha acabado de acordar se formou em compreensão.
— Ele ligou? — Perguntou sem saber se se aproximava de mim ou não.
Somente balancei a cabeça afirmando positivamente. E limpei as insistentes lagrimas que agora caiam uma atrás da outra sem controle algum. Parecia que meu corpo tinha percebido o que acabou de acontecer e eu perdi totalmente o controle.
— Quer ficar sozinha, ou... — Mike parecia muito desconfortável sem saber o que fazer.
Eu fiz um gesto com a mão para ele vir se sentar ao meu lado e o barbudo prontamente o fez. Ele me pegou em um abraço de lado e eu deitei minha cabeça em seu ombro.
— Tudo isso vai passar Tatha, respira fundo e pensa em vocês dois — Com sua mão disponível ele acariciou a minha barriga gentilmente.
— É só no que eu penso — Coloquei minha mão também na minha barriga.
O suporte do meu amigo foi tudo que eu estava precisando para não desabar totalmente. Eu não queria conversar sobre o que tinha acabado de acontecer, então ele me respeitou totalmente e só ficou ali em silencio me aparando. Ligou a televisão em um canal qualquer, buscou café da manhã para nós dois, e desmarcou o dia de estúdio para ficar ali ao meu lado assistindo um programa de culinária qualquer.
Praguejei mentalmente o fato de eu não poder beber nada alcoólico naquele momento, pois tudo que eu mais precisava era um porre dos grandes para esquecer o dia de bosta que eu tive e o fato de aquilo estar doendo como se fosse uma ferida real.
***
Terminamos a produção das músicas para o CD novo do Mike, e pela minha falta de criatividade e pelo meu humor não estar ajudando em nada durante a semana que se passou, ele e Stu decidiram me levar para conhecer a cidade de Brighton na Inglaterra, ficava localizada no litoral a sul de Londres, e era conhecida por mim como a cidade natal do Passanger. Ele me disse que eu era uma das seletas pessoas que ele estava levando para conhecer o lugar favorito dele.
E mesmo sem ninguém falar nada, eu sabia que o principal motivo de a gente sair de Sydney era porque o ruivo estava na Austrália passando com a sua turnê Multiply, e estaria em Sydney logo. Os dois barbudos eram totalmente protetores, e eles sabiam que desde que eu sai de Londres não fui a mesma que eles conheciam.
— É deprimente vocês não terem areia em uma praia como essa para a gente sentar — Comentei casualmente.
— É menos bagunça... Areia entra nos lugares mais indesejados — Mike deu risada.
— Pedras são desconfortáveis.
— Nossa, essa gravidez vem acompanhada com esse nojinho todo? — Disse em um tom brincalhão — Stu, ajuda essa senhora aqui a entender que uma praia com pedra é mil vezes melhor do que uma praia com areia.
— Já ouviu o ditado que fala para nunca irritar uma mulher grávida? — Stu de pé um pouco a nossa frente arremessava algumas pedras no oceano calmo.
— Vocês ainda vão se apaixonar por Brighton do jeito certo — Mike dedilhou alguma coisa no seu violão Gibson e sorriu.
— Fui criada para odiar tudo que não for Nova Iorque ou Los Angeles — Brinquei.
— Como consegue amar dois lugares totalmente diferentes um do outro? — Stu perguntou sem desviar os olhos das ondas que quebravam pequenas alguns metros antes dos seus pés descalços.
— Nova Iorque não é tão ruim como todos falam, você só precisa saber para onde ir, fuja dos turistas sempre. Los Angeles... ela foi palco de muitas coisas importantes na minha vida, sempre vai ter um lugar muito especial no meu coração.
— Coisas importantes assim como me conhecer, não é mesmo? — Mesmo dedilhando as cordas ele não perdeu a oportunidade.
— Depois que minha mãe morreu e meu padrasto me rejeitou, lá foi o primeiro lugar que eu me senti em casa — Admiti para os dois rabiscando meu nome numa parte do caderno onde uma música estava surgindo aos poucos.
— Uau, ficou bem dark, bem rápido — Mike tentou descontrair.
— É um talento — Sorri para ele e voltei minha atenção para a folha de papel.
O clima estava gélido naquela tarde de inverno quase primavera, o barulho das ondas se misturavam com som de algumas crianças brincando, pessoas passando, algumas poucas gaivotas sobrevoando a gente. Era a primeira vez em alguns dias que eu não estava me sentindo sufocada, que aquela tristeza enorme que estava alojada em mim não estava vencendo, a primeira vez que eu conseguia relar no meu caderno de composições.
Eu sabia que os dois estavam se sentindo realizados por conseguirem me ajudar, e fiquei extremamente grata por o meu antigo ídolo, agora melhor amigo, estar ali ao meu lado em um tempo tão difícil onde eu não tinha certeza de nada mais.
— Vou agendar com a Taylor para a próxima semana em Los Angeles, e agora que você está livre vamos conseguir terminar a nossa música também...
— Tenho que dizer o quanto é bom te ver voltando a pensar em trabalho — Mike comentou com um pequeno sorriso se formando — Suas músicas vão ser um estouro.
— Acho que o ar de Sydney estava pesado demais. A energia de saber que a ligação do ponto final foi lá... — Não consegui completar, só dei de ombros cansada.
— Pode ficar aqui em casa o quanto precisar.
— Valeu Mike, mas eu preciso voltar para Los Angeles — Levantei meus olhos para ver Stu caminhar em nossa direção relaxado e cair ao meu lado sentado — Meu empresário/pai ainda não sabe que vai ser vovô, eu não tenho um lugar para morar, preciso achar um médico para me acompanhar na minha cidade e a gravadora está enchendo o meu saco para escolher uma data para lançar ao menos um single para acompanhar a fama pós grammy. Tenho bastante coisa acontecendo... O mundo não para de girar só porque eu terminei um relacionamento que parecia indestrutível.
Passamos mais um tempo ali, minhas composições ficaram melhores a cada dia que se passava. A cidade era muito acolhedora e tranquila, sem nenhum surto de fã, não precisei tirar fotos, nem assinar nada. Era um alivio poder andar tranquilamente pelas ruas sem me preocupar com nada, e ter os dois estranhos ali comigo só fez o momento ficar ainda mais especial.
Mas quando eu percebi os dias de calmaria se passaram, e eu estava em um avião indo para a cidade dos anjos, mais conhecida como “casa” por mim. Tudo era muito bagunçado por lá, para sair do aeroporto demora uma vida, o transito é caótico, os turistas estão em todas as ruas, parte da cidade é perigosa por conta de gangues, mas era sem dúvida o melhor lugar para eu estar depois de tudo que aconteceu, pois ali eu tinha uma coisa que podia chamar de família, onde eu conseguia ir de Santa Monica do apartamento da Marg e do Sam, para Malibu na casa recém comprada do Steven e Hollywood no flat do Benjamin que estava trabalhando no centro da cidade com a minha gravadora.
Marquei um almoço com meu empresário/pai no Shekarchi Restaurant, que era comandado por Sam assim que cheguei na cidade para aproveitar que o fuso horário estava para menos no meu corpo me dando energia no começo do dia, ao invés do final.
— Hey Tatha — Stev veio me abraçar assim que eu cheguei perto da mesa que tinha reservada para nós dois — Como vai a minha cantora sumida?
— Sua cantora sumida? — tentei descontrair — Foram o que? Alguns dias só. Para de drama.
— Um mês — Negou com a cabeça e indicou para eu me sentar — um mês que a gravadora está respirando no meu cangote atrás de você e de novidades pós Grammy, Thomas está desesperado.
— Eu sei Stev, foi mal. Mas eu precisei dessas semanas, vou contar o porquê e você vai me entender melhor — Me arrumei na cadeira desconfortável e respirei fundo.
Ele me deu uma trégua quando o garçom veio anotar os nossos pedidos, foi um tempo para pensar em como contar essa bomba que eu carrego comigo. Era muita informação rodando na minha cabeça, o que fazia meu coração ficar disparado e minha boca seca.
Assim que trouxeram nossas bebidas, uma água e uma coca, ele me lançou aquele olhar paterno que falava sem palavras “me conta tudo”.
— Posso começar dizendo que eu estou com saudades de você? — Dei um sorriso com meu olhar de gato de botas.
— Tentando me agradar? — estreitou os olhos — O que você fez?
— Lembrando que, eu vou finalizar qualquer música e qualquer CD que você quiser, vou fazer a divulgação de que precisar, em nenhum momento minha carreira vai ficar para trás...
— Tudo bem, agora você está me assustando. Desembucha logo Thaís... — Pediu aflito.
— Steven... — Fiz uma pausa guardando cada segundo daquele momento — Você vai ser vovô — Soltei em somente um ar, tão rápido que eu mesma não entenderia se estivesse no lugar dele.
Mas Stev me conhecia muito bem, não precisei explicar mais nada, seu rosto mudou drasticamente, o desespero para saber o que era fora embora, e em seu lugar seus olhos marejadas, seu lábio começou a tremer e um sorriso lindo se espalhou naquele rosto que, muitas das vezes passava um ar de durão, mas no fundo eu sabia o quão mole ele era por dentro.
Esticou sua mão em cima da mesa e eu coloquei a minha na dele não aguentando o choro também.
— É sério isso? — disse baixo, como se estivesse com medo de alguém ouvir.
— Três meses e contando — Afirmei com a cabeça positivamente algumas vezes.
— Thaís, isso é maravilhoso — Stev soltou da minha mão para secar suas lágrimas.
— Não está bravo?
— Porque ficaria? — Me respondeu com outra pergunta sem que seu sorriso morresse.
— Minha carreira está decolando agora, eu mesma já me perguntei se esse seria o momento certo para isso acontecer...
— Hey — Me cortou — Não tem essa de tempo certo, se isso aconteceu agora, era porque era para acontecer agora e ponto final — Soltou a repreensão sem medo.
— Isso é assustador — Eu admiti sentindo cada efeito de finalmente colocar aquela verdade para fora.
— A vida é assustadora, pequena — Sua voz tranquila tentava me acalmar — Se apresentar sozinha na frente de milhares de pessoas é assustador, enfrentar o mundo sozinha com quatorze anos de idade é assustador, mas não essa gravidez! Você pode ter certeza que estará cercada das pessoas que te amam para te ajudar no que for preciso a qualquer momento.
Assim que eu fui agradecer ele, o nosso pedido chegou, e eu só percebi o quanto estava faminta quando o cheiro do meu prato chegou até o meu nariz. Ataquei sem nenhuma cerimônia, e Stev achou aquilo engraçado. Seus olhos brilhando de felicidade era a melhor reação que eu poderia imaginar.
— Então... Qual foi a reação do cabeça de fogo? — Perguntou animado e eu me engasguei com a comida.
O ruim de conviver a tanto tempo com esse grandão, era que sem precisar falar nada ele já conseguia resumir toda a história só pela minha reação, e as peças do quebra cabeça iam se encaixando na cabeça dele com facilidade. O porque de eu ter me afastado, de ter sumido por um tempo, de ter evitado ele.
— O que ele falou para você?
— De começo? Apoio e aceitação, mas no Brits ele acabou bebendo demais e nós brigamos por que eu o ouvi admitindo para o Stu que achava a minha gravidez uma “cagada”...
— Não é somente sua essa gravidez, ele tem responsabilidade nisso também. Eu vou conversar com esse covarde — Seu rosto ficou vermelho num piscar de olhos — Quem ele pensa que é para te dispensar logo depois de te engravidar?
— Steven, esse ultimo mês foi um dos mais difíceis para mim. Tive sorte que o Mike e o Stu me ajudaram bastante, mas passei por dias que eu não consegui sair da cama, que parecia que tinha alguma coisa me sufocando e isso é o medo e a incerteza do meu futuro sem ele. Eu não quero viver isso de novo, então decidi deixar tudo isso quieto, varrer a sujeira para baixo do tapete, não sou forte a ponto de conseguir encarar tudo isso agora.
— Mas...
— Podemos mudar de assunto? — Pedi e pela dor na minha voz ele concordou.
O fato era que eu tinha percebido que se eu não citasse o nome dele a dor era menor. Se eu tentasse forçar meu cérebro a esquecer um pouco da nossa história, eu conseguia respirar melhor, e nada tinha mais efeito do que pensar no futuro e em conhecer o meu filho ou filha.
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