A sala ficou silenciosa e eu abaixei minha cabeça envergonhada.
- No fim. Todos os planos clichês que eu tive teriam sido bem melhores do que encher minha cara de pó e atacar a Carol. Porque o resultado daquela noite foi um puta sermão das minhas amigas, a mulher dos meus sonhos desapontada comigo, uma rebordosa do cacete e um olho roxo.
- Que eu me orgulho de ter deixado na sua cara. - Fernanda sorriu vitoriosa, mas logo se lembrou que estava na frente dos seus alunos e tratou de se explicar. - Mas deixo claro que eu era uma adolescente inconsequente e estava revoltada com minha amiga.
- Nós somos adolescentes inconsequentes. - Carlos se manifestou. - Podemos socar os outros na escola?
- Não. - Ela respondeu séria. - Não podem. E se você usar meu comportamento adolescente como desculpa aí é que eu te arrumo um monte de trabalho comunitário pra fazer.
Ele se rearranjou na cadeira, incomodado.
Sorri ao me lembrar de algo e continuar nosso papo.
- Mas foi aquele olho roxo que levou ao meu segundo e, oficialmente declarado, primeiro beijo com a Carol. - Trocamos olhares apaixonados novamente e uma aluna apaixonada nos interrompeu.
- Awnnn… Vocês são tão fofas. Quero um cara que me olhe como vocês olham uma pra outra.
Outro aluno perguntou, indignado.
- Você fez uma merda daquelas e ainda teve segundo beijo? O que tu fez pra ela te perdoar?
- Eu fiz o que devia ter feito da primeira vez. Abri meu coração de cara limpa.
Julho de 2017
O fim de semana foi um tormento para as duas garotas. Dayane descobriu que a ressaca de cocaína era um inferno. A fazia se sentir mil vezes pior do que deveria se sentir. Sem exageros, pensou em se jogar da janela do quinto andar. Não era fácil de entender… Era cocaína e tristeza, tudo junto.
Sua cabeça doía e Thaylise fez o favor de lembrá-la logo cedo como tinha sido tão babaca. E Day sentiu que apodrecia tudo em que encostava. Não bastava perder Caroline, precisava atacar e traumatizá-la também… Tinha que ir contra os seus próprios princípios e avançar o sinal quando tinha que fazer o momento ser o mais perfeito possível.
A cocaína a fez correr todas as etapas em uma só: conquistar, beijar, saborear, apertar e querer transar. A fez parecer um macho escroto no fim das contas. Logo ela, que brigou tanto com Dreicon por conta de machismo e respeito às mulheres da escola…
E Caroline… Ela estava realmente assustada e desapontada. Havia fantasiado tantos enredos para aquele encontro. O dia em que finalmente se abriria com Day e assumiria seus sentimentos. Mas nenhum deles era em um quarto, no meio de uma festa com gente louca, com a garota drogada e querendo lhe arrastar pra cama sem ainda nem ter separado do primeiro beijo.
Longe de Caroline ser a puritana da moral e bons costumes. Ela mesma, na sua filosofia do desapego, já havia beijado e transado no primeiro encontro, mas o que tornava seus sentimentos por Dayane especiais era que com ela Carol fantasiava o diferente. Ela imaginava um pouco mais de romantismo, um pouco mais de açúcar… Então sim, Day atáca-la como um animal sedento a assustou.
E imaginar que o que Day queria mesmo era usufruir de seu corpinho foi uma surpresa que a deixou devastada. A dor do desapontamento era maior do que qualquer outra, e ser surpreendida com uma surpresa desagradável daquelas a fez desabar no colo de Fernanda, que acariciou seus cabelos e a deixou desabafar, pouco se importando se estava revelando todas as suas fantasias melosas e seus traumas.
Na segunda-feira, o que as duas mais temiam aconteceu. O clima estava estranho. De manhã, no colégio, Day e Carol mal se falaram quando se encontraram antes da aula. Ninguém além das amigas de Day ou Fernanda, sabia o que tinha acontecido, e ficaram todos confusos.
Todos sabiam que Dayane e Fernanda tinham se extranhado alguns dias antes e desde então, estavam sem se falar, mas isso nunca tinha afetado a ruiva, nem em nenhuma das outras diversas discussões que as duas tiveram em longos anos de amizade.
Será que a treta de Day e Fer teria se extendido à Caroline? Será que Caroline tinha defendido Fernanda e Day estava com raiva? O que diabos tinha acontecido para as duas estarem se evitando?
A confusão aumentou ainda mais quando Fernanda viu Dayane e Thay conversando antes da aula começar e, com furia nos olhos foi atrás da amiga.
- Fer, não! - Caroline até tentou impedir, mas a amiga já marchava ao encontro de Day.
- Sua hipócrita de merda. - Puxou Day pelo ombro e acertou um soco certeiro no rosto da garota, que caiu no chão levando a mão no rosto.
Todo mundo que viu a cena correu para conferir de perto, ansiosos por mais um conflito entre as duas. Mas ficaram sem entender nada ao verem Day permanecer no chão, calada, escutando todos os desaforos que Fernanda lhe gritava.
- Você é uma cretina, Dayane! - Apontava o dedo na cara da amiga. - Eu venho aturando suas idiotisses e tentado entender as suas loucuras. Mas nada te dá o direito de fazer o que fez com a Carol. - Se abaixou para agarrar Dayane pela gola da camisa. - Quando uma garota diz não, é não! Não é porque você também é mulher que tem o direito de forçar alguma coisa.
Caroline furou a rodinha e puxou Fernanda pelos braços, antes que a amiga espalhasse todos os segredos para todo o colégio.
- Fer, solta ela. Por favor.
Fernanda afrouxou o aperto e soltou Day devagar. Day e Carol trocaram um rápido olhar de arrependimento e saudade.
- Nunca imaginei que você fosse esse tipo de gente Day. Você me decepciona. - Fernanda balançou a cabeça em negação.
Antes de sairem da roda, Day pôde ouvir Fernanda resmungar.
- Não sei o que você viu nessa idiota.
Caroline não havia contado para Fernanda sobre a cocaína. E vendo Day tão vulnerável sob as ameaças da amiga, ela teve certeza que tudo o que aconteceu naquela noite só aconteceu por conta da química, e sem ela, Dayane era a mesma de sempre. A garota por quem estava perdidamente apaixonada.
Só que, sem querer, Fernanda havia jogado a merda no ventilador. Todos ficaram ainda mais confusos e a fofoca começou antes mesmo de Thay ajudar a amiga a levantar e a levar para a enfermaria.
“Day pegou a Carol?”
“Não! Ela agarrou a Caroline a força!”
“Sapatão é assim mesmo. Elas querem ser justamente a pior parte dos homens.”
“Pera aí! Mas e a Fernanda!? Tá com ciúme da Carol?”
“A Fernanda e a Caroline se pegam?”
“A Fer e a Carol são namoradas, e a Day, pra implicar com a amiga, tentou agarrar a Carol a força.”
Lógico que a rádio corredor chegou até o diretor, e Day e Fernanda foram parar na sala do dele mais uma vez, acompanhadas de Caroline agora.
Nenhuma pergunta sobre o olho roxo e nem mesmo uma mediação entre as duas para que se entendessem de uma vez. A única coisa que ele queria saber era se alguma das duas estava namorando a Carol. Satisfeito com a resposta negativa, liberou as três.
Caroline foi ao banheiro, ainda não se sentia nada confortável perto de Day.
As duas continuaram em silêncio até Fernanda perceber que a amiga estava cabisbaixa demais. Amigas por tanto tempo, Fer sabia que Day não estava bem e, mais calma, permitiu se confundir também. Afinal, Dayane podia ter todos os defeitos do mundo, mas jamais passou por sua cabeça que ela poderia fazer o que fez com Carol.
- Por que você fez aquilo? - Day a olhou confusa. - Com a Carol… Eu só não consigo entender.
Day bufou e se pos a falar.
- Nem eu entendo… Eu queria abrir meu coração pra ela, mas não tinha coragem. Daí tomei coragem, mas fiquei tão louca, que não conseguia me conter.
- Agora faz mais sentido… Vodca.
- O quê?
- Quando você troca a palavra coragem pela palavra vodca faz sentido. Agora Day… Conhecendo vocês duas como eu conheço… Se você realmente sente algo pela Carol, não se esconde atrás de bebida pra criar coragem. Vai lá e conversa com ela. Seja você mesma, porque mesmo se eu não tivesse certeza que ela é louca por você… - Day até levantou o rosto, espantada com aquela revelação. -… eu saberia te dizer com cem por cento de certeza que ela ama você como você é de verdade, e não quem você vira depois de entornar meia garrafa de vodca.
Dayane abaixou o olhar, raciocinando as palavras da amiga. Ela sorriu e por fim, abraçou a amiga.
- Desculpa por ter sido uma escrota com você esse tempo todo. Sério. Me perdoa? - Day se abriu.
Fernanda sorriu e abraçou a amiga com mais força. Quando se separarm, perceberam singelas lágrimas nos olhos uma da outra. Fernada secou as de Day e brincou.
- E aí? Que tal você pular um muro e ir colher umas violetas?
- Como é?
- A Carol adora violetas.
Day sorriu abertamente, abraçou sua amiga uma última vez e correu dali. Seguiria o conselho de Fernanda. Pularia o muro da escola, colheria umas violetas e depois seria ela mesma com Caroline.
Carol por sua vez ficou curiosa quando viu só Fernanda voltar pra sala. Cutucou a amiga, que se sentava na sua frente, e sussurrou.
- Tá tudo bem, Fer?
- Tá sim, amiga. Melhor impossível.
- Cadê a Day?
- Sua trombadinha? - Sorriu convencida. - Foi dar uma volta. Ver se botava aquela cabeça dura no lugar.
Carol achou estranho o tom da amiga pra quem havia socado a cara da outra com tanta indignação. Achou ainda mais estranho quando bateu o sino e Fernanda e Thaylise conversavam e soltavam sorrisinhos.
Ia perguntar pra Bruno e Vitão o que estava acontecendo, mas eles estavam tão perdidos quanto ela. A única coisa que perguntaram foi:
- Você ficou com a Day?
E assim ela passou o dia. Depois ela voltou pra casa e tentou estudar, além de Dayane não sair da sua cabeça, a matéria era um saco. Por fim, ela desistiu de tudo e começou a zapear por canais de TV. Mas nenhum canal lhe chamava atenção. Parecia que Caroline só voltaria a ter paz depois que decidisse o que sentia por Day naquele momento.
Queria estar revoltada, mas o beijo foi mesmo muito bom até certo ponto. Queria estar com raiva, mas estava mais preocupada com Day e o fato de ela ter usado cocaína para lhe beijar do que com raiva pela garota ter estragado aquele momento. Queria dizer que odiava Day, mas só conseguia pensar o quanto ainda estava apaixonada.
Foi nessa hora que a campainha tocou. Caroline achou estranho, porque a mãe só chegaria do trabalho a noite, não estava esperando ninguém e o porteiro também não tinha anunciado visita.
Relutante, abriu a porta e seu queixo caiu ao ver quem estava ali.
- Day? - Sim. Ela mesma. - O que é isso?
A garota estava lá de pé, com um buquê rústico de violetas brancas na mão, um sorriso tímido no rosto, que somado ao roxo no contorno do olho a deixava ainda mais fofa.
- As violetas tem um significado por trás da beleza e o aroma. Significam lealdade, modéstia e simplicidade… - Caroline a encarava sem acreditar no que via. -… Já as violetas brancas possuem um significado especial. Eu li que quando uma pessoa te presenteia com violetas brancas, ela quer dizer ‘me dá uma chance?’.
Então ela olhou para o singelo buquê nas mãos e estendeu para Carol. A garota de cachos entendeu o recado e até se emocionou com o gesto, aceitando o presente e fazendo Day sorrir.
- Onde você achou essas violetas? - Caroline sorriu. - Adoro violetas.
- Eu sei. Por isso eu achei uma senhora na Liberdade que as planta. Ela não queria me vender essas, então eu tive que pular o portão dela quando ela não tava vendo, colher as mais lindas do jardim e pular de volta antes que o cachorro me pegasse.
Carol sorriu com a descrição e isso fez o coração de Dayane inflar ainda mais.
- Além do mais… Eu tive que tomar todo cuidado para fugir do cachorro e pular o portão sem machucá-las porque são flores muito sensíveis. E nesse ponto, me lembram que você é uma flor tão delicada quanto essas que colhi e que eu deveria te tratar com o mesmo cuidado e carinho, para nunca te machucar e estragar sua beleza.
- Day…
- E isso tudo é pra saber se você me perdoa por ter sido uma cuzona de primeira na festa de sexta.
Carol abraçou Day e as duas puderam fechar os olhos e se permitiram sorrir com aquela sensação que elas achavam ter se perdido pra sempre.
- Isso é um sim?
- Sim, Day. Isso é um sim.
As duas sorriram e Dayane então pegou a mão da garota.
- Então vem comigo.
- Pra onde?
Day tirou uma flor de violeta, a enfiou nos cabelos de Caroline e repetiu.
- Vem comigo.
Da última vez que Day falou aquilo, Carol acabou com a mão na sua cara. Mas ela esperava que a garota entendesse que ela estava tentando recomeçar do zero. Como deveria ter sido naquela noite.
- Tá. Espera eu só colocar as flores num vasinho e calçar um sapato.
Day tinha pago o porteiro para lhe deixar subir sem ser avisada e cuidar da sua bicicleta. Day montou e Carol sentou na garupa, abraçando firme a cintura da mais alta.
Enquanto Dayane pedalava, a ruiva apreciava o vento em seus cabelos e observava a paisagem até o Ibirapuera. Entraram no parque e Day parou perto de uma árvore, onde uma mocinha mais nova estava sentada em uma toalha estendida e uma cesta. Day entregou para garota uma caixa de Skittles, que agradeceu e saiu saltitante.
Day estendeu os braços para que Carol se sentasse e se sentou logo em seguida.
- Você comprou todas as pessoas de São Paulo?
- Só as que cobraram baratinho.
As duas sorriram e Day tirou da cesta duas taças, um pequena garrafa de vinho tinto, o abridor, e uma cestinha menor com pães finos. Entregou uma taça para Carol, pegou a garrafa e se pôs a abrir.
- Gente… Quanta pompa.
Day apenas sorriu enquanto se concentrou em girar o abridor e fazer força para puxar a rolha. Encheu a taça de Carol e, depois a sua própria. As duas brindaram, beberam e comeram. Para deixar tudo mais apaixonante, o sol estava se pondo atrás dos prédios, deixando o cenário ainda mais bonito.
- Day?
- Hum?
- O dia tá perfeito mas… Por que você fez tudo isso?
Dayane se virou para Carol, colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhou bem fundo nos olhos da garota em sua frente.
- Porque eu precisava dizer como eu me sinto. Como eu realmente me sinto, Carol. - Acariciou o rosto da garota, como se apreciasse uma obra de arte. - Eu tô apaixonada. Há tempos eu reparo na sua voz, na sua beleza, nos seus olhos, seu sorriso, na sua sinceridade, na sua força de vontade, do jeito como você é destemida e acertiva, da sua inteligência, como a gente pode ficar horas e horas conversando sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo… Dos conselhos que você me dá, da forma como cuida de mim e sempre me dá motivos pra sorrir… Eu não sabia o que fazer com esse sentimento e tive medo de que você não quisesse corresponder e se distanciasse de mim, tanto medo só me fez enfiar os pés pelas mãos e fazer aquela burrada… - Foi calada pelo indicador de Carol em seus lábios.
- Shhh… Esquece isso Day. Já passou. Vamos fingir que nunca aconteceu, tá bem?
Day assentiu e acariciou o rosto de Carol mais uma vez, se aproximando aos poucos, até que as duas sentiram a respiração uma da outra, fecharam os olhos e colaram os lábios com todo o carinho do mundo.
Mais uma vez, Caroline deu passagem para que as línguas dançassem num ritmo suave e o beijo se intensificasse com muito mais amor do que desejo. Foi um beijo calmo, que, como um vinho, foi degustado pelas duas, que apreciaram aquele momento decididas a fazer história.
E quando faltou o ar e se separaram, as duas se olharam e sorriram. Definitivamente lembrariam daquele beijo pra sempre. O primeiro de muitos.
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