- Vem Claire.
Abri meus olhos devagar, vendo seus olhos azuis brilharem bem ali, muito perto dos meus. Eu segurei a mão que ele me estendia, me levantando e observando que já não era mais tão cedo, já que o céu já estava escuro. As meninas ainda estavam dormindo no carpete, ao meu lado, mas os potes de sorvete tinham sumido.
Ele estava sorrindo, e era um sorriso lindo. Eu sorri de volta. Subimos as escadas em direção ao quarto em que dormimos na noite anterior, acho que dava pra dizer que aquele era nosso quarto. Sorri e corei diante da ideia, eu dividia um quarto com Rafael Lange. Não é que não tivéssemos dormido juntos na noite anterior, é só que agora eu estava consciente disso.
- Uma moeda por seus pensamentos. – Ele disse, olhando para minhas bochechas coradas.
- Nós dividimos um quarto. – Eu sussurrei.
- Isso é um problema? – Ele perguntou, com as sobrancelhas franzidas, me olhando preocupado.
- É só novidade para mim. – Eu disse sorrindo.
Ele parou de andar, colocando uma das mãos no meu rosto.
- Quer que eu saia? – Ele perguntou, e em seus olhos, eu pude ver que ele estava sendo sincero.
Eu apenas sacudi a cabeça dizendo que não, e me derreti com o beijinho no nariz que recebi a seguir.
Ao entramos no quarto, Rafael me puxou para a cama, o que fez meu coração bater forte em meu peito. Deitamos-nos um de frente pro outro, ficando quase desaparecidos debaixo da quantidade de edredons que tinha ali.
Ele ficou em silêncio por um tempo, apenas me olhando. Seus olhos eram perturbadores, de uma forma incrivelmente sadia. Faziam-me ter vontade de não sair dali jamais.
- No que está pensando? – Ele sussurra.
Abri um sorriso pequenininho.
- Que acho que você gosta muito de saber o pensamento das pessoas. – Respondi.
- Não é das pessoas. – Ele respondeu. – É o seu.
- E o que tem de interessante nisso? – Eu perguntei.
- Serem seus. – Ele disse, corando um pouquinho.
- Tava pensando nos seus olhos. – Eu sussurrei.
- E o que têm eles? – Ele disse, com as sobrancelhas franzidas.
- São muito bonitos. – Eu disse.
Ele sorriu um pouquinho, colando nossas testas. Ficamos algum tempo assim, sem nos movermos.
- Tive medo de você não ser você. – Eu sussurrei.
- Eu também. – Ele respondeu ainda me olhando.
Fiquei surpresa com a resposta direta dele, eu não precisei explicar a pergunta pra ele, nada. Ele simplesmente entendeu.
- Você é muito mais Rafael do que Cellbit. – Eu disse.
- Graças a você ter voltado. – Ele comentou. – Graças a um pedacinho de Rafael ter estado vivo o suficiente pra ir à biblioteca, em um sábado chuvoso às sete da manhã.
- Pessoas normais não fazem isso. – Eu disse rindo, me lembrando de ter tido o mesmo pensamento que ele ao entrar na biblioteca.
- Não fazem mesmo. – Ele riu de volta. – Graças a Deus que parafusos faltam na sua cabeça.
Eu ri.
- Felps e Pac estão errados. – Ele disse, de repente.
- O que quer dizer? – Eu perguntei.
- Você é muito mais parecida comigo do que eles imaginam. Ou eu com você, não sei. – Ele disse confuso.
- O que eles imaginam? – Eu perguntei.
- Que você não joga, nem gosta de séries. – Ele disse. – Que você dorme cedo, e mais ainda, que dorme a noite inteira. E sabem que não tem redes sociais.
- Eles estão certos nisso. – Eu disse. – No que eles estão errados?
- Eles estão errados por que eu gosto de bibliotecas, eu gosto de avós que fazem crochê e chá, eu gosto de fotografias, eu gosto de andar de bicicleta e de cozinhar, mesmo que eu não saiba cozinhar de verdade e acabe alagando o almoço e a casa. – Ele sorriu. - Eu gosto de ver filmes, além de jogos e séries. Eu gosto de passear, como uma pessoa normal. Mas mais que isso. – Ele disse. – Eu gosto de você Claire, eu gosto muito de você. O suficiente pra ter trago você pra conhecer cada um deles. Gosto de você o suficiente pra te pedir pra ficar, e prometer fazer o mesmo, mesmo sabendo que nós dois morremos de medo de perder as pessoas. Ah, Claire, eu gosto muito de você. – Ele corou. – E isso já é motivo mais que o suficiente pra querer você aqui, pra fazer de mim alguém muito parecido com você. Pra encarar seu humor, e agir de acordo com ele. Pra pensar em você em muitos momentos. – Ele deu uma risada sem graça. – Ultimamente o tempo todo, pra ser sincero.
Rafael se calou, olhando para baixo. Ele estava envergonhado.
- Eu amo você. – Eu deixei escapulir num sussurro.
Eu senti ele se aproximando de mim, ele tinha escutado.
- E eu nem sei dizer quanto tempo faz. – Eu continuei ainda baixo. – Eu esperei pra te ver de novo por quase oito anos. Eu pensei em você todos os dias, mesmo que a minha lembrança de você fosse só a de um menininho correndo pra abrir a porta, roubando doces comigo, como se a minha avó não estivesse vendo. A lembrança de brincarmos em baixo das árvores, de você tentando me convencer a subir de volta naquela bicicleta. De me dar a mão quando passeávamos. Dos seus olhos brilhantes, e do seu sorriso enorme quando eu abria o portão, depois de você passar minutos me chamando. – Eu olhei pra baixo corada. – Eu pensei nesses momentos todos os dias, até que eu vi você lá, em um vídeo. Meu coração bateu mais forte ao ver seus olhos azuis, e eu percebi que estava ferrada. – Eu continuei. – Por que depois de tudo, além de lembrar de você, eu precisava lidar com você em meus sonhos, dia após dia, ano após ano. E eu tive medo quando parei de ver os brilhos nos seus olhos nos vídeos. Eu fiquei apavorada. – Eu disse. – Eu fiquei apavorada com a ideia de perder você, mesmo que eu nem mesmo tivesse você. E aí, meus pais morreram, e eu vim morar aqui. Eu podia ter continuado lá, mas eu não queria morar sozinha, eu não queria mais ficar sozinha, e eu sei, talvez vovó saiba também, que você estar na mesma cidade pra qual eu mudaria, pesou muito, mas muito mesmo na minha decisão no momento de escolher. – Eu engoli em seco. – Eu precisava saber se você ainda estava aí. – Eu parei um pouco, sentindo as lágrimas.
Ele segurou minha mão. Eu levantei meus olhos e a imensidão azul ainda estava ali. Eles estavam marejados também.
- Quando você não se lembrou de mim. - Eu continuei. – Foi quase como se eu tivesse levado um soco na boca do estômago. Mas eu vi em seus olhos que algo se passava na sua cabeça, enquanto me encarava. Então talvez, e só talvez, você não tivesse me esquecido de verdade. E quando você se lembrou de mim, eu vi o brilho nos olhos que eu não via a algum tempo, ele estava ali, era atrás dele que eu tinha vindo. Eu não me importava muito com o que aconteceria a seguir, eu estava tão feliz por você ainda estar aqui, que ... que... – Eu chorava.
Ele me abraçou, me deixando chorar. Eu escondi meu rosto no seu ombro, enquanto meus braços rodeavam seu pescoço.
Eu não sei quando tempo demorou até que eu me acalmasse, mas ele não parecia estar se importando com isso. Quando me acalmei, mesmo que contra minha vontade, eu me soltei de seu abraço.
Seus olhos ainda estavam ali, azuis, de um azul muito intenso. Ele passou algum tempo me encarando, até que de repente ele sorriu, como se tivesse simplesmente aceitado algo. Ele se levantou, indo para um canto do quarto e revirou em uma mochila, que estava jogada no chão.
- Te trouxe algo. – Ele sorriu. – Mas não é de Natal.
- O que é? – Eu perguntei me sentando.
- Uma caixinha preta também. – Ele disse sorrindo, entregando-me o embrulho.
Meu coração parou. Era uma caixinha de veludo.
- Não se preocupe, não são brincos. – Ele disse, enfatizando o não, mudando completamente a frase clichê.
Eu estava tremendo um pouco, então coloquei a caixinha sobre o joelho para poder abri-la sem derrubar o que quer que estivesse lá dentro. Eu a abri, e não disse nada.
- Sei que é diferente. – Ele disse meio inquieto. – Mas eu achei bonito assim.
Eu não tinha palavras no momento. Ali, aninhadas no veludo, repousavam duas alianças. Mas assim como o veludo, elas eram negras, cor de ébano. Eram muito finas, se comparadas a uma aliança normal, o que fazia delas extremamente delicadas e discretas. Elas eram lindas. Eram lindas de verdade.
- São lindas de verdade. – Eu sussurrei, fazendo eco aos meus pensamentos.
- Bom. – Ele disse se levantando e me puxando para a beirada da cama. – Me deixa fazer pelo menos isso direito. – Ele continuou inquieto.
E ali, na minha frente, em suas calças de moletom e camiseta branca, com o cabelo todo bagunçado e os olhos inchados, – não que eu estivesse numa situação muito melhor – com a lua nas suas costas, iluminando o quarto através das portas e janelas de vidro, Rafael Lange se ajoelhou.
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