História Nossa Trilha Sonora - Prólogo

    Era o último dia de aula antes da pausa de julho e o último horário de sexta-feira se apresentava um desafio tão grande como de costume para o professor.

    -Turma, por favor, só me deixem terminar. - Ele disse pela milésima vez. - E eu já libero vocês, vinte minutos mais cedo porque eu não aguento mais os seus hormônios.

    -Na verdade, professor, eu posso dar um recado. - Uma das alunas disse erguendo a mão. Era a descendente asiática de cabelos platinados, umas das vozes mais constantes da turma. O professor lhe concedeu a palavra, um pouco contrariado do silêncio que ela conquistou facilmente. - Bom, para garantir que ninguém ficasse sem beijar nas férias e principalmente que esse colégio volte a ter mais casais, a nossa professora do Bill Gates fez um app muito legal.

    Ela apontava para uma das alunas ao seu lado. Um pouco mais tímida que ela - afinal, todo mundo era mais tímido que Tina. - a negra se levantou com um sorriso e se virou pra turma.

    -Antes de começar eu queria reforçar que eu fui forçada a fazer isso e a ideia foi completamente orquestrada pela Tina, não acho que seja difícil de acreditar nisso. - Ellen disse dando de ombros e fazendo a turma rir. - O app consiste em juntar pessoas com gostos musicais parecidos ou complementares. Vocês montaram as suas playlists de músicas favoritas e elas foram usadas para parear vocês e em vinte minutos vocês saberão com quem vocês foram “juntados”.

    -E o que a gente faz depois? - Um dos meninos da turma perguntou.

    -Se vocês apertarem em começar - Tina disse se levantando novamente e Ellene suspirou de alívio se sentando. - todos os dias o aplicativo vai liberar uma ou duas músicas que vocês têm em comum ou que se pareçam muito. Daí você e a pessoa.vão poder conversar sobre o gosto musical de vocês e quem sabe se beijar e…

    -E se beijar, Tina. Só isso. - Lica disse colocando a mão sobre o seu braço e a puxando para se sentar novamente. A sala ecoou em risos enquanto o professor se sentia um pouco desconfortável.

    -Bom. Acho que agora vai ser mais inútil ainda tentar manter vocês aqui. Boas férias. - Ele disse acenando em direção a porta.

    Ninguém correu pra casa naquela sexta-feira. Alguns provavelmente deveriam porque iriam viajar as férias inteiras com a família ou porque estavam realmente cansados dos intensos meses de aula. Mas o que ninguém queria era perder sequer um segundo com a sua possível alma-gêmea de férias.

    Nossas duas protagonistas tinham praticamente a mesma opinião sobre aquele aplicativo. Divertido, mas desnecessário. Lica não estava procurando por sua alma gêmea e Samantha muito menos. Lica beijaria que o mar lhe trouxesse nas férias e torcia para que fosse uma onda boa e com muitas pessoas. Já Samantha apesar de ter metade do coração interessado em alguém para passar um tempo fixo, sabia que não teria chance nenhuma nessa área - e que não se encontra alma-gêmeas na adolescência.

    Algumas pessoas partilhavam dessas opiniões, outras não partilhavam muito e uma porção pequena achavam um absurdo. Essas últimas pessoas eram a razão porque Ellen não queria ter programado aquele aplicativo e havia colocado um aviso no começo do aplicativo dizendo que não era a Mãe Diná e só queria trazer diversão pra todo mundo. Tina não se encaixava em nenhum dos grupos acima. A sua ideia girava em torno de apenas uma pessoa.

    -Tina, imagina se o aplicativo não funciona logo com você? - Lica pergunta implicando com a amiga.

    Elas estavam sentadas no canto do hall da escola, onde sempre se juntavam todos. Naquele momento só as Five estavam juntas - Lica, Ellen, Benê, Keyla e Tina - porque o mundo havia se dividido nos menores grupos possíveis para receber o nome do seu par.

    -Isso não vai acontecer. Nem brinca com isso, Heloísa. - A amiga disse sem tirar os olhos do seu telefone. Ellen estava bem ao seu lado fazendo os últimos ajustes para colocar o aplicativo no ar, portanto, Tina sabia que o aplicativo não sairia naquele exato segundo, mas ainda assim encarava o telefone como se ele fosse explodir se ela parasse. - Você colocou eu e ele juntos né? Sem precisar de o aplicativo calcular certo?

    -Uhum. - Ellen murmurou entre dentes porque era vigésima sétima vez que ela respondia aquela pergunta para a amiga. - Eu nunca mais me envolvo nos seus planos, Tina. Pronto. - Ellen fechou seu computador e se levantou colocando-o na mochila. - 30 segundos, galera. - Ela gritou. - Boas férias, meninas.

    Assim que Ellen cruzou o portão do Grupo, pessoas começaram a se erguer, algumas gritando em êxito como se tivessem tirado a melhor carta do jogo e outras gritando em clara frustração. Mas as mais interessantes eram as pessoas gritando em confusão:

“Que? Como assim?”

“Eu e ela não temos nada em comum”

-Nossa, Tina, quem será que você tirou? - Lica disse encarando a

amiga quando ela se levantou sorrindo.

Tina abriu um sorriso irônico pra amiga, jogou a mochila nas costas e saiu quase saltitando. Benê não havia entrado na brincadeira, então, se retirou assim que as pessoas começaram a gritar e Keyla se lembrou que tinha outras obrigações que não envolviam garotos daquela idade e sim menores.

Quando ficou sozinha é que Lica se lembrou de que também deveria estar checando seu telefone. Ela pegou seu telefone no bolso e abriu o aplicativo. Depois do aviso de Ellen - que não servia pra ela - uma foto apareceu e embaixo o último nome que ela queria ver.

Ela ergueu a cabeça e encontrou exatamente no lado oposto do hall a moça te encarando. Samantha havia abrido o aplicativo como todo assim que os seu telefone começou a vibrar e teve praticamente a mesma reação que Lica quando viu o nome de Heloísa lá.

Não é como se elas se odiassem. Elas não se odiavam. Não tinham porque se odiar. Até onde sabemos, elas não deveriam sentir exatamente nada uma pela outra. Apenas indiferença já que nunca haviam se falado. Mas elas já tinham trocado olhares antes, elas já tinham ignorado matches em outros aplicativos.

Samantha e Lica não tinham muito em comum. Mas uma das únicas coisas que tinham era que estavam ambas tentando fugir da possibilidade de se pegar e se apegar. Elas eram o ponto fraco uma da outra e sabiam disso mesmo sem se conhecer direito.

Elas podiam ignorar mais uma vez como fizeram em todas as outras ocasiões. Ou não.

-Oi, Heloísa. - Samantha disse se aproximando.

Lica piscou perplexa. Ela não havia notado que Samantha sequer havia levantado no hall.

-Oi, Samantha.

-Mais um pra coleção. - Samantha disse balançando o telefone.

-E o que a gente faz com ele?

Samantha não respondeu. Elas ficaram bons segundos se encarando. Era ali que o problema começava. Na cabeça de Samantha, Lica era uma das pessoas mais bonitas daquele colégio. Na cabeça de Lica, Samantha era uma das pessoas mais bonitas daquele colégio. As duas já haviam percorrido todos os caminhos que o Grupo e a região apresentavam, elas eram as pessoas mais desejadas. E por isso, ela se desejavam.

Samantha variou o olhar entre os olhos de Samantha e a sua boca, abrindo um sorriso.

-Excelente resposta.

“Começar”.