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História Nossa Trilha Sonora - Conforto - História escrita por nicolydndr - Spirit Fanfics e Histórias
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História Nossa Trilha Sonora - Conforto


Escrita por: nicolydndr

Notas do Autor


Música de hoje: Sorriso Ao Sono - Phill Veras

Foi recomendação / pedido de alguém, eu não lembro quem é a pessoa, quando me contarem eu coloco aqui... Mas, enfim, esse capítulo e esse momento é seu :)

Capítulo 26 - Conforto


Me interessa esse lado teu

Tal bem ninguém percebeu

Me desarma, me convenceu

Me doou

 

    Samantha P.O.V.

Eu não sei por quanto tempo ficamos naquela posição, não consigo lembrar por quanto tempo eu chorei. Mas eu consigo lembrar exatamente a intensidade do meu choro, eu consigo lembrar o quanto doeu. Um momento que definitivamente nunca sairia da minha cabeça, uma memória sem final.

Em dado momento, minha mãe abriu a porta, provavelmente para checar se eu já havia dormido novamente. Eu abracei a Lica mais forte contra o meu peito, para que a luz não a incomodasse, para que ela não sentisse que precisava sair dos meus braços se não quisesse - porque ela realmente não precisava. Ergui o olhar para a minha mãe e lentamente balancei a cabeça em negação, ela entendeu a cena, provavelmente leu nos meus olhos vermelhos o que estava acontecendo e nos concedeu licença.

Era algum momento da madrugada e o quarto estava completamente escuro. Eu escorreguei pela cabeceira da cadeira e me sentei ao seu lado. Nós nos entendemos em uma posição que doeria quando acordássemos daqui algumas horas, mas naquele momento pareceu o contato e encaixe perfeito.

Lica dormiu por um certo tempo e gradualmente eu parei de chorar. Pelo menos parei de emitir sons de choro, mas ocasionalmente enquanto eu imaginava coisas que poderiam ter acontecido, lágrimas caíam. Ela parecia um anjo deitada em meus braços, mas um anjo em sofrimento e eu nunca imaginei que poderia sentir tanta dor por outro ser humano. Seus olhos negros estavam fechados e inchados de tanto chorar, sua franja caía de modo desarrumado pelo seu rosto e suas mãos se mantinham abraçando a minha cintura mesmo depois de ter dormido.

Eu queria sentir todos os sentimentos bons que envolviam aquela cena. Queria aceitar como aquela poderia ser uma linda fotografia de casal. Queria ficar feliz por ela parecer se sentir segura nos meus braços. Mas o que eu sentia mesmo era dor. Dor porque eu não fazia a minima ideia de quantas vezes aquilo iria acontecer novamente, porque eu não tinha como prevenir, eu não tinha como impedir. Porque eu não podia fazer nada e tudo que eu queria era poder ajudá-la.

 

Algumas horas depois ela começou a se mexer. O sol ainda não havia despontado completamente, mas eu sabia que em breve ela teria que sair dali. Eu não queria deixar ela sair dali, eu não sabia se ela estaria segura quando saísse dali. Mas eu também precisava mandar ela pra casa. Eu não queria, mas depois do que havia ouvido, eu tinha certeza de que também não era uma boa ideia que ela ficasse ali. Ela precisava de ares mais tranquilos, com memórias melhores.

O problema com seus movimentos foram percebidos depois de alguns segundos. Ela não estava acordada. Ela estava sonhando. Sonhando coisas terríveis. Sonhando com as coisas que eu estava imaginando acordada e que estavam me fazendo chorar sem controle.

 

Ela vem nos sonhos me amar

Nem pergunta ao menos quem sou

Peço ao sono pra me afogar

 

    Eu via seu semblante de assombro, sua expressão se contorcendo de dor e eu não sabia o que fazer. Era causador de sofrimento enorme pra mim simplesmente ficar ali. Eu a abracei, a levantando um pouco do meu colo e a apertei contra os meus braços. Eu dei um beijo no topo da sua testa e sussurrei as coisas mais reconfortantes que eu conseguia porque o máximo que eu podia fazer era aquilo. E no momento aquilo foi suficiente.

    No momento.

 

    Horas depois…

    -Samantha.

    Eu abri os olhos lentamente. A luz do sol mandou sinal, um sinal forte e doloroso. Eu me mexi levemente e não consegui levantar porque havia um corpo sobre o meu. O corpo que havia me acordado.

    -Lica. - Eu respondi com a voz arrastada.

    -Bom dia… Ai.

    -É. Ai.

    Nós rimos levemente e ela se levantou do meu colo. Me deu a mão e me ajudou a levantar também. Toda a dor esperada estava ali, nas minhas costas, nos meus ombros, na minha cabeça. Eu sentia meus pontos doerem também, mas eles estavam todos em seu devido lugar.

    -A enfermeira quase me matou. - Ela disse enquanto se sentava na beirada da cama.

    Ela parecia outra pessoa agora. Parecia a pessoa que eu via andando pelos corredores do colégio, parecia a pessoa que havia passado a maior parte dos dias passados comigo. O sol batendo no seu rosto, escondia todos os traços de choro e sofrimento da noite anterior. Mas agora eu sabia o que estava ali dentro, eu sabia o que se escondia por trás dos seus pensamentos.

    -Por que?

    -Porque você recém saiu de uma cirurgia e você precisava de repouso, não de uma sessão de esmagamento. - Ela disse me fazendo rir. - Desculpa por isso…

    -Se você pedir desculpa, eu juro que te agrido. - Eu disse rapidamente. Era uma péssima ideia ter feito o que fizemos, mas era uma péssima ideia mútua, então, teríamos que simplesmente aceitar. E não era como se nós duas não precisássemos disso. - Você vai pra casa hoje?

    -Não. - Ela disse rapidamente.

    -Você pode ir pra casa hoje? - Ela assentiu lentamente, sua boca se abriu para dizer alguma coisa e eu sabia bem o que era, tão bem quanto ela sabia o que eu iria dizer. - Então você devia ir pra casa hoje.

    Ela ficou em silêncio por algum tempo, se ajeitando na beirada da cama, sem certeza de como se defender ou se deveria estar se defendendo. Ela sabia que eu não estava a mandando por que eu queria, no fundo ela tinha certeza de que tudo que eu queria era que ela ficasse. E ela também reconhecia que precisava ir pra casa.

    -Eu não vou me sentir bem em casa, Sam.

    -E eu também não vou me sentir bem aqui, Lica. - Eu disse calmamente. - Mas é que… Você não precisa ficar aqui, não precisa ficar se submetendo as memórias…

    -Mas você vai ficar. Eu quero ficar com você.

    -Eu sei. Eu tenho certeza disso. Mas eu quero que você fique comigo sem isso te causar sofrimento. - Eu disse forçando um sorriso. - Eu tenho outra cirurgia hoje a noite, você não precisa passar pelo estresse que passou da última vez. Você vai pra casa, resolve as coisas… Passa no colégio, tem que resolver o lance da prova, dar notícias de você… Só vai pra algum lugar que te faz bem.

    -Eu queria que você fosse comigo pra um lugar que me faz bem.

    -E quando eu puder, eu vou pra todos eles.

    Ela abriu um sorriso. Um sorriso triste, mas um sorriso desarmado. Fim de argumentação.

    Ela se inclinou e me abraçou. Deu um beijo na minha testa e me perguntou se eu queria que trouxesse alguma coisa quando ela pudesse voltar. Eu estava realmente era cansada daquela cama, ficar parada era um estorvo enorme, mas não tinha nada que ela pudesse fazer quanto a isso, então, eu apenas pedi para que ela trouxesse o meu ukelele no dia seguinte.

 

    As enfermeiras apareceram, junto com a minha médica. Ela colocou um dos exames na tela de luz do quarto e me mostrou o que faríamos na cirurgia da noite. Eu assenti para tudo sem realmente me ligar no que ela estava sentindo. Quanto menos eu soubesse do que estava acontecendo, menos medo eu sentia. Eu preferia acreditar que era um procedimento muito simples e sem chance alguma de dar errado e não dava para ter esses pensamentos se eu escutasse todos os nomes que eu era incapaz de reconhecer saindo da boca da doutora.

    Depois da aula de medicina, me levaram para fazer algumas exames de rotina para checar se estava apta a fazer a cirurgia. Então, me forçaram a comer comidas de hospital que não eram a coisa mais gostosa do mundo e nem chegava perto disso. Eu estava com o apetite zerado com tudo que aconteceu, com todo o estresse, com todo o nervosismo, mas nem com o apetite de mil exércitos eu ficaria feliz comendo aquilo.

 

    Quando o horário de visita começou, eu me senti uma celebridade recebendo fãs no camarim após um show. O show que eu havia dado era um bem ruim de estresse para todo mundo, mas ainda assim ali estavam todos eles.

    Os primeiros a entrarem foram os meus melhores amigos de banda.

    Guto passou pela porta com o braço apoiado em uma muleta e o braço imobilizado por uma bota, MB veio logo atrás fisicamente intacto, mas com uma digna expressão de cansaço e morte interna. Felipe estava intacto de todas as maneiras, menos pela sua clara expressão de preocupação.

Eu estava ansiando para que alguém me contasse exatamente o que havia acontecido, até agora ninguém havia me fornecido detalhes coerentes sobre a briga. O máximo que sabia, havia sido me passado pela Clara que nem sequer estava na festa e que estava muito interessada em descobrir mais sobre o Leonardo junto ao Gabriel.

-Samanthinha do Berranteiro. - MB disse com um sorriso vindo até a minha cama.

Eu ri contrariada com o apelido enquanto ele se agachava um pouco para me abraçar. Eu não sabia quem estava com o corpo mais sensível, eu ou ele.

-O que aconteceu contigo? - Eu perguntei encarando sua careta de desconforto.

-Nada heróico. - Ele resmungou. - Eu não participei da Guerra Civil se você está se perguntando. - Ele disse dando a volta na minha cama e se jogando na poltrona. - Mas o Guto, sim.

-Eu também não fiz nada heróico. Só cai no chão, na verdade. - Ele disse rindo. Eu o encarei atentamente, indicando que não queria piadas sobre o assunto, eu queria saber o que havia acontecido. A preocupação nos olhos dele quanto a mim também era real se invertida. - Eu estirei um ligamento. Nada demais…

-Eu espero que o Rafael esteja andando se arrastando. - Eu disse o interrompendo. E eu realmente esperava.

Sabe todo a procura por paz? Ela havia se esvaído. Aquela situação colocou ódio na minha cabeça de uma maneira que eu até então julgava impossível. Eu queria ter tido a oportunidade de participar daquela briga, provavelmente estaria mais machucada do que tendo o papel que eu tive, mas estaria acordada para ver o Rafael e os seus amigos destruídos - assim como estava vendo os meus - e naquele momento era tudo que eu queria.

-Ah, ele chegou bem perto disso. - Felipe disse ajudando Guto a se sentar. - Você teve um exército muito bom pra te defender.

-Não que devessem né? - Eu disse enviesada. - Tá todo mundo machucado agora e você nem tem nada a ver com a história…

-Ninguém tem nada a ver com a história, Samanthinha. - MB disse. - Nem sequer tem uma história. O Rafael é doido, e é isto.

-Ninguém ia deixar você e a Lica lá no meio e não fazer nada. Você já defendeu todos nós, vocês já lutaram por tanta gente. - O Felipe disse se sentando na beirada da cama. - Que tipo de amigos você acha que tem?

Eu ri minimamente. Eu com certeza faria a mesma coisa que eles, mas ainda não me parecia justo. Mas aquela situação toda não era justa, afinal. O soco que eu levei não era justo. As coisas amaldiçoadas na minha barriga não eram justas. O que era era justo na vida?

-Os melhores. - Eu disse com um sorriso. - Mas vocês vão ficar bem, né?

-Eu tenho certeza que vai ficar tudo bem em dias, já o MB...

-O que aconteceu? - Eu perguntei encarando o menino loiro do outro lado do quarto. Ele franziu o cenho e virou o olhar para a janela. Eu sabia o que aquele olhar significava, já havíamos passado tempo o suficiente juntos e xingando os nossos pais para saber de onde aquilo saía. - O que seu pai fez, MB?

Ele se mexeu na cadeira, ficando em silêncio. Eu continuei o encarando com insistência, ele seria obrigado a me contar.

-Você tá sabendo da confusão do corredor com a sua mãe e os pais do Rafael, né? - Ele perguntou enfim. Eu assenti, era praticamente a única coisa que eu sabia que estava acontecendo além da porta daquele quarto. - O meu pai resolveu dar a sua opinião sobre o assunto e ele nem tem nada a ver com assunto, Samanthinha. - Ele disse se inclinando e apoiando os braços nos joelhos. - Aí ele abre a boca pra falar que concorda com os pais do Rafael. Que ele também faria a mesma coisa com o Anderson… Meu pai é um caso perdido, cara.

Eu fiquei em silêncio, nós ficamos em silêncio. Nem Guto nem Felipe entendiam o que era isso, acho que nunca experimentaram o sentimento profundo de odiar seus pais. Mas eu sabia. O que eu sabia também é que as vezes eles precisavam de segundas chances, mas não tinha certeza se era o caso do pai do MB. Era eu quem recebia as ligações mais confidencias para contar o que estava acontecendo, era eu quem saía para beber e conversar com o MB quando a Lica não estava disponível e ele realmente precisava me contar o que havia acontecido e não somente mandar algo para dentro.

Eu havia escutado todas as histórias de fraude, todas as armações, os atos falhos e os atos bem sucedidos. Eu havia escutado os casos com mulheres casadas, os casos com mulheres solteiras, os sumiços e principalmente a falta dele. E eu também havia escutado o que acontecia quando eu não podia dar atenção pra ele e principalmente depois do que ouvida Lica, eu não queria que isso acontecesse.

-MB, esquece isso aí. - Felipe disse depois de algum tempo.

-É. - Eu concordei. - Você sabe como você fica e o que faz quando tá pilhado. Não vai se meter em confusão. Tá todo mundo cheio de confusão já.

-Cês escutaram o que e acabei de dizer, né? - Ele perguntou variando o olhar entre nós três. Seus olhos estavam vidrados em uma expressão conhecida. - Meu pai é um babaca…

-Mas você não. - Eu disse o interrompendo. - O que aconteceu com você pra ficar internado aqui, MB? - Sua expressão mudou consideravelmente e ele encostou as costas na cadeira, desviando o olhar. Eu soltei uma risada descrente e decepcionada. - De novo?

-Eu já ouvi esse discurso hoje. - Ele resmungou.

-Não tem discurso, MB. - Eu respondi indignada.

-Uhum. Okay.

Ele se levantou da cadeira rapidamente por nós e passou por nós como um furacão saindo do quarto. Eu encarei Felipe e ele assentiu indo atrás do loiro no mesmo seguinte.

Eu respirei fundo com um leve cansaço escalando meus ombros. Lica e MB tinham algo muito próximo quando se tratava de temperamento. Ao mesmo tempo em que estavam bem e levando as coisas na boa, eles podiam explodir e levar todo mundo com eles.

-Sam. - O Guto chamou. Eu havia esquecido que ele ainda estava ali. - Você tá bem? - Ele disse descendo o olhar para a minha barriga.

-Eu? Tô. - Eu respondi forçando um sorriso. - Eu tenho a última cirurgia hoje a noite. O resto é só recuperação.

-E como tá se sentindo com a cirurgia?

-Como uma coadjuvante de Grey’s Anatomy. - Eu disse o fazendo rir.

 

Nós conversamos por bastante tempo até que a mãe do Guto apareceu para buscá-lo. Eu percebi que era a única pessoa que ficaria no hospital dali pra frente e já queria me matar só de imaginar no tédio que seria. A mãe do Guto me trouxe chocolate e eu sorri com uma lágrima caindo por dentro quando me lembrei que não podia nem tocar nela. Ela também me deu um abraço, daqueles bem apertados, daqueles bem “mãe do Guto”.

Alguns minutos depois de ela sair, a porta se abriu novamente. O horário de visita ainda não havia acabado e pelo que entendi o montante de pessoas também não.

Um rosto negro muito bonito apareceu atrás da porta e Ellen sorriu pra mim com a metade do corpo pra dentro. Ela perguntou se podia entrar e eu assenti, com receio de que talvez elas fossem jogar Lica pra dentro do quarto de novo. Mas pelo contrário.

Logo depois de Ellen, Tina passou pela porta e dessa vez eu fui incapaz de controlar a minha surpresa.

-Tina?

-Você poderia parecer um pouco menos surpresa. - Ela disse rindo e se aproximando da cama. - Ia ser legal.

-Mas não verdadeiro. - Eu disse rindo. - Desculpa, é que…

-Eu entendo, eu entendo.

Ela entendia. Todo mundo entendia. E talvez todo mundo entendesse errado, mas todos iriam concordar que eu não imaginava que ela fosse me visitar estando ali, pelo menos não sem a Lica.

Mas não é como se eu não quisesse aquela visita, também. Eu me sentia um pouco pressionada a conversar com elas, elas eram praticamente parte da Lica e era quase como se eu tivesse aceitado ter um relacionamento com elas também no final. Mas tudo isso tinha o peso não só de saber que alguém sempre poderia me ajudar a lidar com a Lica, mas também a preocupação de que eu não poderia cometer um erro sequer.

-A gente queria saber como você está. - Ellen disse.

-Ah… Eu tô indo. - Eu disse com a voz arrastada. Tava cada vez mais difícil arranjar uma resposta vaga e convincente. - Como tá o Anderson?

-Bem… - Elas disseram simultaneamente e eu sentia uma leve falha no tom de voz das duas. Eu ergui a sobrancelha indicando que não havia sido convencida. - Fisicamente bem. - A Tina respondeu.

-O que aconteceu? Foi a discussão do corredor? - Eu perguntei.

Eu conhecia o Anderson, havia namorado com ele e mesmo depois que terminamos ainda éramos muito bons amigos. Eu me preocupava com ele assim como me preocupava com todo mundo, mas Anderson tinha uma diferença. Anderson era mais sensível do que parecia, principalmente quando se tratava daquele assunto. Provavelmente pelo que aconteceu com o pai dele.

-Sim. - Ellen disse com pesar e eu percebi que ele não era o único que havia sido afetado pelo que aconteceu. - Ele não quer falar sobre, mas todo mundo sabe que ele ficou mexido.

-Com todo direito, né? - Eu disse sem evitar a ira que aquilo me trazia. - Minha mãe já começou a arrumar as coisas pra entrar com o processo…

-É… Então. - A Tina disse com um olhar sério. - Isso é um problema.

-Por quê? - Eu perguntei confusa. - Vocês não vão precisar pagar nada, vocês sabem disso, né?

-Não, não é isso. - A Ellen disse se sentando. - É que o Anderson não quer entrar na causa. Ele não quer fazer nada. E eu realmente acho que ele devia.

-Eu também acho. - A Tina disse. - Mas ele disse que não vai fazer diferença, que é o Rafael e mais outras coisas que podem até fazer sentido…

-Mas não são um motivo. - Eu disse a interrompendo. Ela assentiu concordando. - Vocês tem certeza que não tem um jeito de fazer ele aceitar? Todo mundo já tentou conversar com ele?

-Não você. - a Tina disse me fazendo encará-la. Ela tinha um sorriso mínimo no rosto, um sorriso para sinalizar que aquela frase era realmente um pedido e não um ataque em qualquer grau. Um sorriso de bandeira branca. - O Anderson entrou na briga pra te salvar, ele se importa com você, acho que a sua voz pode importar pra ele.

-E você deve entender do que a gente tá falando. - Ellen disse. - Da questão do preconceito… Foi isso que te colocou aí em primeiro lugar.

-É. - Eu concordei baixando a cabeça. - Eu posso tentar falar com ele sim. - Eu disse abrindo um sorriso.

-Muito obrigado. - Ela correspondeu sorrindo. -E agradece a sua mãe de novo, eu conversei com ela ontem, me parece ser uma pessoa muito legal.

-Claramente, ela criou a Samantha. - Tina comentou nos fazendo rir.

Meu telefone vibrou em cima da mesa e eu imaginei que fosse uma mensagem do Felipe me dando notícias do MB ou da Lica, mas era uma mensagem do aplicativo. Eu me inclinei para pegar o telefone e ler o nome da música, mas percebi que tinha algo errado.

-Que foi?

-Seu aplicativo tá meio bêbado. - Eu disse rindo. - Eu já recebi essa música antes.

-Ah eu não acredito. - Ela disse com raiva pegando o seu telefone. - De repente o código começou a dar problema e eu não sei mais o que fazer com ele. E eu nem tenho tempo pra resolver isso, tem muita coisa acontecendo.

Eu queria ter uma solução para aquele problema porque gostava muito da experiência do aplicativo e achava que era uma das melhores ideias que já havia visto. Mas eu sabia tanto de tecnologia quanto sabia de Física e eu não sabia nada sobre Física.

-Você não pode tirar ele do ar?

-Não. - Ela disse erguendo o olhar com um sorriso. - Não até você e a Lica terminarem a playlist de vocês.

Eu sorri sem querer. Eu imaginava que nós seríamos o último casal a terminar aquela playlist por termos feito uma pausa enquanto todo mundo havia decidido intensificar o uso do aplicativo. E saber que estavam esperando a gente, era algo sensacional.

-Bom, eu tenho que ir. - Ellen disse pegando sua bolsa. - Eu preciso descobrir que hora eu vou fazer a prova de Física que a gente perdeu, ainda não resolvi isso. E preciso dar aula de programação hoje ainda.

Ela se despediu de mim com um abraço e em seguida da Tina, saindo do quarto e deixando apenas nós duas. Eu observei seus movimentos até ela passar pela porta, me perguntando como nós duas poderíamos ter a mesma idade. Ellen parecia estar há anos-luz de qualquer um de nós. Nós éramos todos o futuro do país, mas Ellen já estava sendo.

-Então… - Tina disse. - Desculpa vir sem avisar, mas eu achei que você não iria querer receber uma visita minha.

-Por que?

-Eu já fui um pouco… Vamos usar “babaca” pra ficar leve, com você. - Ela disse sem jeito me fazendo rir. - E tem toda a questão com o Anderson…

-Ah. Isso é o de menos. - Eu disse com um sorriso. Eu realmente não dava o mínimo para que havia acontecido envolvendo o Anderson. Eu queria conversar com a Tina, as vezes, mas me sentia impedida de fazer isso porque não sabia se ela tinha os mesmos pensamentos que antes. - É uma conversa entre eu e você, sem homem no meio. - Eu disse e ela assentiu com um sorriso. - E na minha cabeça você tava tentando proteger a Lica, é isso né? Porque se eu fiz algo contra você, eu gostaria muito de saber o que foi…

-Não, não. Foi mais ou menos isso mesmo. - Ela disse com um sorriso leve. - Um pouco de ciúme, eu admito. Mas principalmente medo de você machucar ela. Mas eu realmente acho que ela não poderia estar em mãos melhores.

Tinha toda uma mágica em ouvir aquela frase, principalmente vindo logo depois de saber que Ellen também estava ali para nos apoiar. Era o tipo de suporte e segurança que eu precisava no meio de tudo que estava acontecendo. Quando todo o resto fazia parecer que o meu relacionamento com a Lica era algo errado e que traria problemas para todo mundo era aquilo que eu queria ouvir. Que eu precisava ouvir.

-Eu lembro do que você me disse aqui no hospital, quando o Anderson sofreu o acidente. - Ela continuou. - Quando você falou do brilho nos olhos, que você sentia falta. Eu vejo isso em vocês. O que eu nunca vi em nenhuma das outras tentativas da Lica. Não é só no olhar, vocês duas brilham.  E o melhor é que dessa vez ela nem tá precisando tentar. - Eu sorri incontrolavelmente ouvindo isso. - Você é uma namorada sensacional, Samantha.

-Obrigado, Tina. E você é uma melhor amiga sensacional. - Eu ri sozinha lembrando do tanto que temi aquela conversa. - Isso quer dizer que temos a benção de Tina?

-Claro ou com certeza? - Ela respondeu me fazendo cair na risada. - E outra coisinha... - Ela disse mexendo na sua bolsa. - Foi você que me ensinou que não se visita alguém no hospital de mãos vazias, certo? Sua vó que disse né. - Eu assenti aguardando ansiosamente pelo que sairia daquela bolsa. - Em pagamento daquele sanduíche delicioso que você me trouxe naquele dia, eu achei uma coisa que eu sempre trazia pro Anderson. Eu sei que você tem cirurgia e não pode comer coisa pesada…

-Sim. A única razão de aquela caixa de chocolate ainda estar ali…

-Pois é. Um segredo asiático. - Ela disse se inclinando para me contar como se fosse um segredo mortal. - A gente come coisas muito leves, então, isso aqui vai estar fora do seu organismo em horas, os médicos não vão nem sonhar.

Ela tirou um embrulho da bolsa e o abriu com cuidado revelando várias porções que eu já havia comido no restaurante do Moboru. Meu coração sorriu, meu estômago sorriu e eu sorri pra ela pegando dois hashis para começar a refeição mais desejada da minha vida.

É assim que se começa uma amizade forte, dividindo os assuntos e compartilhando comida.


 

Passei muito tempo conversando com a Tina, nós tínhamos muito o que conversar e ela tinha muito o que me mostrar. Eu me arrependi com dez minutos de conversar de não ter feito aquilo antes, de não ter tido coragem para conversar com ela, mas se tivesse acontecido mais cedo, não teria sido tão bom.

Depois que ela foi embora, eu recebi mais visitas, recebi mais coisas que não poderia comer, mas isso não me chateou porque eu estava com estômago sorrindo com comida japonesa.

A médica apareceu com os resultados do exame e confirmou que a cirurgia aconteceria e por algum motivo aquilo foi um choque. Eu não achava que teria algo errado quando fiz os exames, praticamente sabia que estava tudo bem, mas ouvir aquilo e ter certeza de quem em questão de minutos viriam me buscar para a cirurgia era estranho.

Tudo havia corrido perfeitamente bem na última cirurgia, eu ficaria com uma cicatriz mínima dela, um paraíso medicinal. Mas eu não estava acordada quando me colocaram na mesa de cirurgia da primeira vez, eu não estava completamente consciente do que estava acontecendo. Dessa vez eu estava, inteiramente ali, e isso não me deixava mais confortável.

Isso me deixava nervosa.

E isso não era bom.

Eu queria conversar com alguém.

Eu queria conversar com a Lica. E ela sabia disso.

 

-Sam? - Ela perguntou assim que eu atendi o telefone.

-Oi, amor. - Eu disse sentindo conforto invadir meu corpo ao ouvir sua voz. - Onde você tá?

-Em casa. Não conseguindo dormir. - Ela respondeu com um riso fraco. - Você tá bem? Sua voz ta estranha.

-Eu tô nervosa, Lica. - Eu admiti. - Não aconteceu nada, não se preocupe, mas vai, né? Eu vou ir pra cirurgia daqui a pouco… Eles vão me sedar agora e eu tô morrendo de medo.

-Eu também. - Ela disse.

Não é isso que se diz para alguém quando essa pessoa te conta que está com medo. Você deve dar dois tapas reconfortantes nas costas da pessoa e dizer que vai ficar tudo bem, dizer coisas óbvias e inúteis. O mundo já havia concordado com essa regra, mas Lica não. Ela discordava bastante.

-Você tá?

-Eu tô. Sabe o que eu estou fazendo pra me desestressar? - Eu murmurei em negação enquanto a enfermeira me pedia para esticar o braço para ela trabalhar. - Eu estou usando a sua blusa do Grupo. Tem seu perfume aqui e isso é muito tranquilizador.

-Sério? - Eu disse sorrindo em um fio de voz.

-Uhum. - Ela assentiu e eu conseguia imaginar o seu sorriso. - Eu queria que você estivesse aqui cantando pra mim, com seu ukelele. Isso seria ainda mais tranquilizador. Ainda mais a música de hoje.

-Eu não sei qual é.

-Saiu há alguns minutos. O aplicativo anda meio loco, mas as nossas playlists continuam louváveis. - Ela disse rindo. - Sorrisso Ao Sono, uma música sua.

-Sim. Eu me sentiria mais tranquila cantando pra você e tocando ukelele.

-Nada te impede de cantar pra mim.

Eu sorri para o nada. Estava completamente alheia aos meus pais e aos médicos no quarto. Minha mãe estava a beira do choro de novo e aquilo era um pouco assustado e nada útil pra mim no momento. Cantar seria útil. Então, eu cantei enquanto eu sentia o efeito do que havia sido injetado em mim começar a subir pelo meu corpo.

A cama entrou em movimento e eu me esqueci ainda mais do que acontecia ao meu redor. Meus pais me acompanharam, andando ao lado da maca, mas eu me senti acompanhada pela Lica também enquanto ela apenas escutava do outro lado da linha.

-Sabe... Sonho demais com você - Eu cantarolei sentindo minha voz ficar cada vez mais lenta. - Tem teu perfume em meu cobertor. Sabe... Tchururururururur… Bem vindo ao que eu sou.

 


Notas Finais


Eu fico muito feliz com o sucesso da fic, com os comentários de vocês e tudo que rola por aí. A minha última long fic tem hoje uns 64k, e essa com certeza vai ultrapassa isso ainda em vida, daí resolvi fazer algo legal pra comemorar. Eu e a autora de Wonderwall estamos trabalhando em um capítulo especial de 50k. É uma união do pop que você quer @?


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