Deixando o livro de lado, Julieta bufou. Seu estômago revirado a fez soltar o ar com muita força dos pulmões. Sentada na cadeira de balanço na varanda, via o dia passar diante de seus olhos com enfado. Sentia-se cansada de ficar presa naquela mansão, dividindo-se entre uma leitura e um passeio pela cozinha, onde Catarina a entretinha.
Levantando-se, desceu os degraus da varanda com determinação e apressou os passos na grama quente, segurando o ventre de quase cinco meses que pesava. Ao passar por Aurélio, encostado na porteira de madeira, fingiu não vê-lo e continuou caminhando. Ele, no entanto, a seguiu.
- Onde está indo? – ele perguntou.
Soltando o ar, Julieta não se deteve e continuou caminhando em direção à estrada.
- Preciso caminhar. Estou enjoada – ela disse, com uma careta. – Me deixe, sim?
- Você sabe que é perigoso – Aurélio disse, mantendo o tom calmo. Julieta continuava andando, obrigando-o a segui-la.
- Eu só vou caminhar – Julieta disse, com irritação. – Eu preciso caminhar.
Suspirando, Aurélio deu de ombros.
- Está bem. Então vamos caminhar.
Ela parou para encará-lo. Seu olhar furioso o fez recuar.
- Aurélio...
- Julieta, por favor, entenda. Eu não posso deixá-la. É o meu trabalho. E estamos falando da sua segurança. Da segurança desse bebê que está aí dentro.
Julieta cruzou os braços em frente ao peito, balançando a cabeça com reprovação. No entanto, rendida, voltou a caminhar apressada, esperando que ele a seguisse. Aurélio, satisfeito e aliviado, apressou-se para acompanhá-la.
Ela caminhava com precisão, sem se importar com a poeira que se grudava aos seus pés. Seus passos firmes, tomaram uma direção que Aurélio desconhecia e ela adentrou em uma mata fechada, sem se importar com os galhos baixos que batiam em seu tronco. Tenso, Aurélio tentou ajudá-la a se livrar deles, mas ela não permitiu, caminhando com mais pressa e deixando-o para trás. Ele não ousou pará-la, notando em sua respiração um furor irritadiço. Manteve-se atento a possíveis perigos, mas deixando-a guiar o caminho.
Depois de quase meia hora de caminhada, em que Aurélio precisou conter o impulso de perguntar se ela se sentia bem ou pedir para que desacelerasse, ouviram um barulho baixo, que a fez parar. Com a testa molhada de suor e os pés doloridos, Julieta soltou um suspiro aliviado e, caminhando com mais rapidez, desviou das árvores e da folhagem, que, mais a frente, se abriu com a vista de uma cachoeira reluzente e abundante. O rio, onde a enorme cascata desaguava, era cercado por enormes rochas, e uma areia fina e aconchegante parecia guiar o caminho até a água.
Com a respiração cansada, Julieta se arrastou até uma pedra grande, onde se sentou para descansar. Mesmo que os próprios pulmões fossem exigentes em busca de ar, Aurélio, preocupado, caminhou até ela, sem se deixar descansar.
- Você está bem? – ele perguntou, aflito.
Julieta o encarou. Suas bochechas coradas e molhadas de suor se franziram em um sorriso inesperado que o surpreendeu.
- Como não estar bem em um lugar assim?
Passada a tensão com a possibilidade de um mal-estar repentino da patroa, Aurélio, aliviado, soltou o ar. Mais calmo e com um sorriso cansado nos lábios, virou-se, olhando à volta. O lugar, quase paradisíaco, o deixou em um misto de contentamento e surpresa. A cachoeira, tão bem escondida entre a mata, era de uma beleza quase surreal. As águas transparentes e convidativas faziam um barulho calmante ao se chocarem contra as rochas e ele deixou seu corpo encostar na mesma pedra em que Julieta descansava. Com a respiração acelerada, ele a encarou. Ela, que de olhos fechados deixava o ar frio tocar seu rosto, não notou a meticulosa observação que ele lhe dedicava.
- Aposto que nunca tinha vindo aqui – Julieta sussurrou, com um riso baixo, ainda com os olhos fechados e segurando o ventre. Sua respiração começava a voltar ao normal, mas o rubor de sua face não cessava.
- Não, realmente não conhecia... – Aurélio respondeu. Seu olhar, perdido no rosto sorridente de Julieta, era atento, quase atônito. Já tinha estado perto dela antes, mas nunca pudera realmente deixar-se olhá-la, como fazia agora que ela não notava sua atenção. O rosto branco de Julieta era delicado, assim como seus lábios, vermelhos e sorridentes. Havia pequenas sardas espalhadas por suas bochechas e nariz e seu queixo parecia ter um contorno único. Seu sorriso, deliciado com o vento gelado que lhe tocava o rosto, delatava duas covinhas discretas nas bochechas, que o fizeram sorrir de um estranho prazer.
- É lindo, não é?
- Sim. Lindo, muito lindo – Aurélio concordou, vidrado naquele rosto, no cheiro que os cabelos presos emanavam, no sorriso perdido e genuíno que, de repente, pareceu provocar-lhe sensações que nunca antes havia experimentado.
Sem notar, Julieta soltou o ar com delicadeza, e, ao abrir os olhos, correu em direção à água. Com cuidado, mas rapidez, tirou os sapatos e mergulhou os pés na parte rasa, que lhe cobriu os tornozelos, e só não molhou o vestido porque ela segurou a barra até as panturrilhas.
- Ah, senti tanta falta desse lugar.
Encantando com aquela expressão de um prazer quase inocente, Aurélio se aproximou. Uma urgência de sentir novamente o cheiro da pele de Julieta o deixou inquieto e, tenso, abriu o primeiro botão da camisa, que pareceu sufocá-lo.
- Cuidado. Você pode escorregar.
Dando de ombros, Julieta escondeu um sorriso, agraciada com a preocupação e, com um suspiro, voltou à margem, deixando os pés afundarem na areia clara.
Notando seu semblante cansado, Aurélio tirou o casaco que usava e o esticou no chão, encorajando-a a se sentar. Mesmo duvidosa, Julieta o fez, sentindo as próprias pernas trêmulas pela caminhada longa.
- Obrigada – ela disse, com certa relutância.
Igualmente cansado, ele se sentou na areia, esticando as pernas com um suspiro
- A caminhada valeu a pena? – ele arriscou.
- O enjoo passou – ela retrucou, com uma provocação desafiadora, que o fez sorrir. A barriga, já evidente e redonda, se escondia por trás de seus braços, que, segurando o próprio ventre, suspirava com um olhar contemplativo que se perdia entre as águas e as árvores altas que se balançavam com o vento.
- Já pensou nos nomes? – ele perguntou, quebrando o silêncio que se formou.
Depois encará-lo, o olhar de Julieta, tenso e pensativo, voltou a se perder na paisagem. Só naquele momento se deu conta que sequer havia pensado no assunto.
- Para dizer a verdade... Não – ela confessou, com culpa.
Compreensivo, Aurélio, a uma curta distância, deu de ombros.
- Acho que algumas pessoas só pensam nesses detalhes depois que a criança nasce. Deve ficar mais fácil decidir depois de ver o rosto do bebê.
Depois de uma breve reflexão, a voz de Julieta surgiu baixa:
- Eu não esperava que isso fosse acontecer. A gravidez, quero dizer. Como não aconteceu nos primeiros anos, eu achei que... Bem, acreditei não ser capaz de gerar uma criança. Foi uma surpresa, um susto – ela confessou, com relutância, mas, de certa forma, com alívio. – Eu não tenho ideia do que fazer. De como será.
- Acho que ninguém tem – Aurélio disse com calma.
- Não, Aurélio, você não entende.
- Eu sei que pode parecer assustador, Julieta, mas...
- Não é só o medo de não ser boa o bastante – Julieta o interrompeu, perdida nas próprias emoções que pareciam se aflorar naquele lugar que sempre lhe parecera tão seguro e acolhedor. – Não estou falando dos medos comuns que os pais sentem, de pensar em como será ser responsável por um outro ser, por uma outra vida, de pensar sobre as dificuldades, as incertezas... Sinto medo de... – De repente, ela parou. Insegura e assustada, escondeu o rosto entre as mãos, incerta do que diria, do que sentia.
Aurélio, preocupado, aproximou-se e tocou suas mãos, que escondiam os olhos assustados.
- Se acalme.
Ao sentir o toque leve entre os dedos, Julieta levantou o olhar rapidamente. Uma sensação de queimação passou pela pele que ele tocava e seu coração se acelerou inexplicavelmente. Aturdida, ela se levantou com rapidez, engolindo em seco.
- Está ficando tarde... – ela disse, com a voz vacilante.
Curioso, Aurélio também se levantou. Seu olhar calmo a observava com insistência e, sem se conter, quebrou a distância que os separava.
Julieta parecia nervosa, como se todos os seus medos maternos se fizessem simultaneamente presentes naquele desabafo contido e se lembrasse de tantos outros que surgiram naquele momento estranhamente íntimo. Ou como se temesse revelar algo que não deveria ser dito.
- O que há? – ele insistiu, mais próximo do que antes.
A respiração agitada e o rubor de suas bochechas, revelavam um desconforto insuportável que ele, desconfiado, não ignorou.
- Estou só... Cansada – Julieta disse, por fim. – Vamos.
Quando ela se abaixou para colocar as botas que havia tirado, Aurélio, solícito, fez o mesmo. Suas mãos se tocaram com lentidão e, tensa, Julieta se levantou. Com um sorriso plácido, Aurélio fez o trabalho, tocando seus pés com delicadeza e ajudando-a a calçar as botas pretas, amarrando os cadarços com paciência.
Fechando os olhos, Julieta estremeceu ao senti-lo tocando sua pele de forma lenta. Um arrepio violento percorreu seu corpo e, quando ele se levantou, ficando à altura de seu rosto, ela voltou a encará-lo, com uma confusão visível.
- Está tudo bem? – ele perguntou com a voz suave.
Sem conseguir formular uma resposta, Julieta balançou a cabeça. O rosto dele, tão próximo, emanava um perfume doce, que ela reconheceu prontamente. Já havia sentido aquele cheiro antes, já havia se embriagado naquele olhar antes. Como se uma força sobrenatural e alheia a tomasse, ela levou uma das mãos até o rosto de Aurélio, num desespero quase visível de senti-lo de forma mais íntima do que nunca.
Tomado por uma surpresa descomunal, Aurélio a encarou com seus olhos azuis estreitos. Mesmo constrangida, Julieta não conteve o impulso de alisar sua barba com lentidão, curiosidade e um desejo descabido, que fazia seu corpo se acender como nunca antes. Passado o susto, Aurélio, sentindo o corpo reagir diante daquele gesto inesperado, deu outro passo na direção da mulher, fazendo com que seus corpos se tocassem. A barriga acentuada impedia uma aproximação mais íntima, mas para ele foi o suficiente. Como se se desse conta de que ela não era alheia aos impulsos que lhe tiravam o sono, Aurélio sorriu, de um contentamento ansioso e repetiu o movimento que ela fazia em seu rosto.
Ao tocar a pele de Julieta, ele a ouviu suspirar e, encorajado, enlaçou sua cintura com uma ousadia que ela não repeliu.
- Julieta... – ele sussurrou.
Engolindo em seco, ela fechou os olhos. O convite foi acatado quase imediatamente e, ao sentir os lábios de Aurélio nos seus, um forte tremor tomou o corpo de Julieta, em uma sensação explosiva de um prazer que ela nunca imaginou ser possível.
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