Julieta massageou as costas de Aurélio com devoção, deixando que seus dedos tocassem a pele nua, deslizassem por toda aquela região que se curvava cada vez que intensificava os movimentos, cada vez que ousava tocar uma parte mais sensível. Empurrando-o contra a cama, ela o viu se sentar na borda, onde, minutos antes, se entregava ao desejo que sentia, ao amor que sufocava dentro de si, a saudade daquela pele que quis repelir, ao toque que parecia lhe faltar como um membro amputado. A massagem que lhe dedicava passou a ser mais lenta, menos sensual, mais carinhosa. Seus dedos, que se demoraram nas costas e peito do marido, agora desciam para as mãos, que entrelaçou contra as suas, até sentir que ficavam esbranquiçadas pelo aperto forte. Com um suspiro cansado, um tanto aflito e alto, ela puxou as mãos que segurava e levou-as até os lábios, beijando-as com devoção, exprimindo todo o sentimento que não havia se permitido soltar.
Quando deixou-se encará-lo e seus olhos brilhantes se encontraram com uma emoção quase contida, ela prendeu o ar. Aurélio suspirou e desceu os lábios pelo rosto de Julieta, espalhando beijos doces e lentos até seu queixo e ela fechou os olhos ao senti-lo. Os dedos dele se soltaram das mãos dela e a alisaram com delicadeza. Julieta soltou o ar, abraçando-o.
- Às vezes me pergunto como pode ser possível esse sentimento que você me provoca – Aurélio murmurou, aspirando levemente o cheiro do pescoço da esposa.
Ela fincou os dedos nas costas de Aurélio, suspirando.
- Achei que enlouqueceria nesses últimos dias – ele continuou. – Ter ficado tão distante de você foi...
- Como estar presa em um pesadelo horrível e interminável? – ela arriscou, vociferando o que ela mesma havia sentido. Agora que o tocava, que deixava que suas peles, lentamente, voltassem a se reconhecer, vinha à tona uma mistura de sentimentos intensos, desesperados e quase dolorosos. A distância que os separou não havia sido física, mas emocional. O havia, propositalmente, afastado. Quis senti-lo longe, quis sentir-se, de alguma forma, machucada por ele, para que a culpa de suas mentiras não a machucasse ainda mais.
- Sim – Aurélio respondeu, quase sorrindo com a precisão daquela definição. Seus olhos azuis estavam cansados. Mal havia dormido nos últimos dias, tendo Julieta povoado todos os seus sonhos e pensamentos.
Com um suspiro, ela se levantou, dando-lhe as costas.
- Essa foi a nossa primeira briga – ela refletiu. Já haviam tido inúmeras discussões antes, mas nada como aquilo. Seus temperamentos fortes e, por vezes, explosivos, às vezes se chocavam e, especialmente Julieta, explodia em milhares de faíscas, deixando que uma ou outra o atingisse eventualmente. Sempre acertavam suas pendências antes do anoitecer e nunca haviam passado uma noite separados.
Aurélio aproximou-se, abraçando-a por trás. Julieta, no entanto, se afastou, virando-se para encará-lo.
- E eu fui a responsável – ela prosseguiu.
- Fomos nós dois – ele ponderou.
- Não, não, Aurélio. – Ela suspirou e balançou a cabeça, escondendo o rosto entre as mãos. – Eu menti. Eu não devia ter mentido.
- Eu entendo suas razões agora.
Ela balançou a cabeça e quando voltou a encará-lo, notou que ele franzia a testa. Aurélio parecida confuso com o estremecimento que encontrou na expressão da mulher, que nada se parecia àquela cheia de desejo que o encarava minutos atrás, ou com a defensiva que tentava explicar suas razões depois.
- Você queria que eu continuasse furioso? – ele arriscou, de repente entendendo.
Julieta soltou o ar.
- Seria muito mais fácil – ela desabafou, encarando-o com irritação. Aurélio quase sorriu. – Assim, essa culpa que estou sentindo poderia dar lugar à raiva que tentei... Que tentei cultivar... Durante todos esses dias... – A frase saiu entrecortada e um choro já incontido a cortou. Aurélio preocupado se aproximou, segurando o rosto vermelho entre as mãos. – Você tinha razão... Eu fui uma irresponsável.
Aurélio suspirou beijando a face encharcada com demora. Julieta prendeu o ar, tentando silenciar o pranto, que parecia vazar de seu corpo, que voltava a ficar trêmulo.
- Acalme-se, querida.
Ela soluçou, voltando a encará-lo. Seus olhos vermelhos pareciam os de uma criança assustada. Agora que tomava distância, que respirava, que refletia, que permitia a si mesma analisar as atitudes que havia tido nos últimos dias, era tomava por um pavor quase insuportável. Tentou transformá-lo em culpa, logo em raiva ao se colocar no papel de incompreendida pelo marido e até em um desejo ardente que a fez tomá-lo tão desesperadamente naquela noite, mas agora, que o absolvia das culpas que ele talvez nem merecia carregar e que havia saciado a ânsia que permitiu tomar todo seu corpo, ela própria era abraçada pelas sensações que havia decidido, mesmo que não totalmente consciente, enterrar.
- Você tinha razão – ela murmurou. – Eu poderia ter colocado Camilo em perigo. Nós... Ema.
- Você se viu naquela mulher, como poderia lhe dar as costas? – Aurélio insistiu. Nenhum dos dois, concentrados em deixar vir à tona os sentimentos abafados e em consolar o outro, notava a evidente troca de papeis, como a que se dava tão comumente em comédias trágicas do século anterior.
- Mas eu devia ter colocado vocês em primeiro lugar.
Aurélio secou as lágrimas com os dedos e voltou a beijar as bochechas coradas.
- Pare, Julieta. Você viveu anos terríveis naquele inferno, você aguentou tudo o que pôde e mais. Mesmo assim, se manteve boa, se manteve gentil e empática com o mundo ao seu redor. Se você tivesse virado às costas àquela mulher, o que você seria, então? Eu, certamente, não a reconheceria, por mais que fosse mais confortável e conveniente para mim, senti-la segura e fora de perigo.
Ela se calou e o encarou em silêncio. Aurélio sorriu levemente e beijou-a nos lábios.
- Eu também tive medo e fiquei, sim, furioso. Mas agora também entendo, entendo o que você estava sentindo.
Julieta mordeu os lábios e sorriu, mesmo que seus olhos ainda estivessem embaçados e úmidos.
- Você é bom demais para mim – ela sussurrou.
- Eu te amo, Julieta – ele falou, com rapidez, apertando-a contra si. – Te amo mesmo quando você comete erros e te amo ainda mais quando os reconhecesse e os aceita como partes construtivas de si mesma.
Julieta alargou um sorriso um tanto amuado e fechou os olhos, esperando que ele entendesse o convite e a beijasse. Aurélio o fez, afundando seus lábios nos dela com uma lentidão sensual, demorada e amorosa.
- Podíamos ter tido essa conversa antes de você me arrastar para o quarto, não é? – Aurélio provocou, com um riso baixo.
Julieta, ofendida, o empurrou, fechando a cara. Ele abafou o riso e a puxou pela mão.
- Se você não estivesse me ignorando há dias, talvez poderíamos – ela resmungou.
- É incrível como você consegue acabar com o meu silêncio.
- Verdade – Julieta resmungou, dando de ombros e tentando soltar-se com graça dos braços do marido, que tentava puxá-la mais e mais para si. – Você não estava nada silencioso minutos atrás.
Aurélio riu e a apertou contra si, beijando seus cabelos, enquanto deixava as mãos escorregaram até a cintura bem feita.
- Seus métodos são sempre infalíveis – ele provocou.
Julieta sorriu e, com um suspiro alto, deixou que seus braços enlaçassem o pescoço de Aurélio, que roçou seus lábios nos dela. Seu rosto ainda tinha os vestígios de um choro há muito abafado e ele, gentilmente, terminou de limpá-lo com os dedos.
- Senti tanto a sua falta – ele murmurou.
- Achei que fosse morrer – ela confessou.
- Me prometa que, seja lá o que acontecer, estaremos juntos, para decidir o que fazer e como fazer.
- Prometo – ela disse, com veemência. – Sem mais segredos.
- Prometi estar do seu lado, não importa o que aconteça. Preciso que você me deixe fazer isso.
- Está bem – ela murmurou. – Me desculpe. Sinto muito.
Aurélio assentiu e beijou os cabelos castanhos com demora, até encontrar a testa, as bochechas e os lábios da esposa, que ele, mais uma vez, tomou com pressa, mas de forma tão delicada, que a ouviu suspirar.
- Estou exausta – Julieta confessou.
- Vem, vamos nos deitar – ele sugeriu, puxando-a pela mão.
Julieta o acompanhou, e esperou que ele se deitasse para fazer o mesmo, apoiando a cabeça no peito arfante, quente, carinhoso. Ele ajeitou os cabelos dela atrás de sua orelha e deixou os dedos alisaram a pele alva do rosto que não deixou de encará-lo até que ambos adormecessem.
Aurélio abriu os olhos devagar e sorriu ao sentir a respiração plácida de Julieta, que ainda tinha a cabeça sobre seu peito. Com cuidado, alisou as mechas do cabalo castanho-escuro, que se enrolaram entre seus dedos. Lentamente, ela despertou. Sorriu ao sentir o carinho que ele lhe dedicava tão amorosamente.
- Bom dia – ela murmurou.
- Bom dia – ele respondeu, beijando levemente o topo da cabeça da mulher. – Acho que acordar assim, ao seu lado, só pode ser um presságio de um dia incrível.
Ela alargou um sorriso sonolento e o encarou.
- Aposto que o sofá não foi tão gentil com você.
- Não como você, definitivamente – ele disse, com um sorriso.
Ela balançou a cabeça e o beijou, lenta e apaixonadamente.
Depois de se vestirem, foram para a cozinha. Aurélio começou a preparar o café da manhã, como era costume e Julieta ajeitou a mesa, colocando as xícaras e os pratos no lugar de costume. Antes que precisasse ir até o quarto, acordar Ema e Camilo, os dois apareceram. O menino tinha os olhos ainda semicerrados e Ema, apesar de ser ainda tão cedo, já parecia animada e disposta.
- Bom dia – Ema exclamou. – Sentimos o cheiro do café lá do quarto, não é, Camilo?
- Eu estou com sono – ele resmungou.
Julieta riu e se adiantou até o filho, tomando-o nos braços. Camilo, ainda meio adormecido, apoiou a cabeça no ombro da mãe.
- Não seja preguiçoso – ela murmurou, beijando-o.
- Pois é, foi o que eu disse a ele – Ema acrescentou, sentando-se à mesa. Analisou o pai e Julieta com demora, escondendo um sorriso por notar que tudo havia ficado bem e eles tinham deixado para trás o clima áspero que os havia cercado nos últimos dias.
- Café? – Julieta perguntou, já servindo Ema.
- Fiz uns bolinhos – Aurélio acrescentou.
- Fico feliz que as coisas tenham voltado ao normal nessa casa – Ema disse, amorosamente.
Julieta abaixou o olhar, com um sorriso constrangido, mas maternal. Aurélio aproximou-se da mesa, servindo Camilo e Ema.
- Tudo está em perfeita harmonia – ele disse. – Aliás, como sempre, não é?
Julieta assentiu, encarando-o com um sorriso apaixonado.
- Como sempre.
- Sente-se – Aurélio exigiu, com carinho. Julieta o obedeceu e se sentou ao lado do filho, tocando a ponta de seu nariz para que ele despertasse. – Hoje o café é por minha conta.
- Ah, fantástico – Ema exclamou. – Já passou da hora de que os homens assumam os papeis mais básicos dentro de uma casa, não é, Julieta?
Orgulhosa, Julieta assentiu.
- Você tem toda a razão. E eu sempre digo que seu pai fica especialmente bonito com esse avental, você não acha?
- Talvez não tanto quanto você ache, mas concordo – Ema disse, rindo.
Aurélio tentou fazer-se de ofendido, mas logo se rendeu a um riso alegre.
Depois de servir a todos e beijar o topo da cabeça de Camilo, que, finalmente, pareceu acordar depois de morder um pedaço do bolinho que o pai havia colocado em seu prato, Aurélio se sentou. Ele bebericou o café lentamente, observando as mulheres que experimentavam o doce que ele havia preparado.
- Você se supera a cada dia – Ema concluiu.
- Não está nada mal – Julieta concordou, virando o rosto para encará-lo. Aurélio retribuiu o elogio com um beijo na bochecha da esposa, que sorriu.
- Essa é a receita de Catarina? – Ema perguntou.
- Sim. Ela deixou para Julieta um caderno cheio delas – Aurélio explicou, encarando a filha.
- Que interessou mais ao seu pai – Julieta acrescentou.
- Não vou negar – Aurélio retrucou, alisando as costas da mulher. – Mas meus talentos não se resumem apenas à cozinha, de qualquer forma.
Ema riu e Julieta balançou a cabeça, encarando-o com o canto dos olhos. Não soube se realmente havia um tom malicioso naquela frase ou se ainda estava sob o efeito da noite passada. De qualquer forma, sentiu-se estremecer levemente com a insinuação e o sorriso satisfeito de Aurélio pareceu entender.
- Você está se saindo um belo dorminhoco, hein? – Aurélio provocou Camilo, que ainda segurava o pequeno rosto rechonchudo entre as mãos. Seus olhos estavam quase fechados, mesmo que não deixasse o bolo de lado.
- A culpa foi minha – Ema disse, dando de ombros. – Ontem ficamos até tarde lendo, não é?
Camilo fez uma careta.
- Ema ficou lendo um monte de palavras e me obrigou a ouvi-la.
Julieta e Aurélio riram e Ema, fazendo-se de ofendida, deu um tapinha no ombro da criança.
- Você disse que estava gostando!
- Você não parava de falar – Camilo rebateu.
Ema, finalmente, riu.
- Ora, Camilo, eram poemas belíssimos. Os meus favoritos.
Camilo deu de ombros e Julieta sorriu.
- Acho que você deveria investir na escrita, sabe, Ema. Preciso confessar que encontrei alguns de seus rascunhos e não pude evitar lê-los. São surpreendentes.
Ema deu de ombros, com um sorriso alagado.
- São bobagens.
- Não são – Julieta insistiu. – Você tem uma sensibilidade muito propícia para a poesia.
- Eu apoio se decidir se dedicar a isso – Aurélio comentou. – Aliás, eu mesmo já andei me aventurando nessa área.
- Como? – Ema perguntou, com um semblante risonho.
- Uma vez escrevi uma poesia. Para Julieta – ele confessou. Seu rosto ficou levemente ruborizado, o que fez Julieta rir.
- Oh, você está mentindo – ela disse.
- Não estou – Aurélio replicou, revirando os olhos. – Mas foi uma bobagem. Acho que estava me sentindo... Perdido.
Julieta alargou o sorriso e aproximou-se.
- Você me deixará ler?
- É claro que não – Aurélio bufou.
Enquanto cortava os grossos e pontudos espinhos da roseira que crescia viçosa em um vaso de cerâmica, Julieta suspirava. O cheiro daquela estufa parecia quase alimentá-la e pouca coisa a fazia se sentir tão em paz quanto estar ali. Com as luvas grossas que protegiam suas mãos, ela parecia alisar discretamente as flores, acreditando que oferecer-lhes carinho faria com que crescessem mais fortes. Era uma teoria boba que cultivava e havia decidido acreditar nelas, como uma superstição infantil, mas que parecia-lhe quase comprovada.
Quando sentiu que seu corpo era abraçado por trás, sorriu vagarosamente. O toque do marido era inconfundível e quase podia prevê-lo. Deixando-se apoiar a cabeça no peito quente, que sempre a amparava tão bem, ela soltou o ar devagar, segurando a tesoura com mais força para não errar o próximo corte.
- Onde estão Ema e Camilo?
- Saíram – Aurélio disse, beijando o pescoço da mulher, que sorriu. – Camilo queria visitar o potro e Ema não resistiu ao pedido doce e chantagista.
Julieta sorriu ao sentir que Aurélio alisava a lateral de seu corpo com paciência e devoção.
- Estou com um objeto afiado nas mãos, é melhor parar – ela provocou.
Aurélio sorriu e mordiscou sua orelha com malícia.
- Minha esposa é tão brava... – ele murmurou. Julieta soltou uma risada baixa, derretendo-se naqueles braços aconchegantes, quentes e familiares. Encostando a cabeça no peito do marido, deixou-se senti-lo por minutos que se prolongaram. – Tem de ir à cidade hoje?
Julieta negou, virando-se para encará-lo.
- Prometi à Ema que cuidaria da horta.
- Posso ficar para te ajudar.
- Não é necessário – ela disse, enquanto tirava as luvas grossas e deixava que as mãos nuas enrolassem o corpo do marido, que alisava velozmente o seu por cima do vestido. – Você precisa cuidar dos cavalos.
- Queria ficar aqui o dia todo.
- Eu também queria que você ficasse – ela confessou, aproximando-se para roçar os lábios na orelha de Aurélio, que tremeu. – Mas não podemos nos render aos nossos caprichos e agir como adolescentes apaixonados.
- Mas é assim que me sinto. O tempo todo.
Ela riu e o beijou.
- Já não o somos há muito, muito tempo.
Aurélio a enlaçou pela cintura e suspirou.
- Exatamente por termos levado tanto tempo para nos encontrar que acho que precisamos aproveitar... Cada segundo.
Julieta sorriu ao senti-lo mordendo o lóbulo de sua orelha e balançou a cabeça.
- Teremos ainda muito tempo.
- Não tenho dúvidas quanto a isso – ele murmurou ao voltar a encará-la. Aqueles olhos azuis, fortes, intensos, apaixonados e deslumbrados a fizeram sentir um arrepio violento tomar-lhe todo o corpo. – A vida nos deve isso. E você, especialmente, merece, no mínimo, todo o amor e prazer que existe no mundo.
Ela foi incapaz de sorrir, sentindo-se estremecer. Ele a beijou demoradamente, explorando sua boca com uma ânsia contida, mas intensa e, ao afastar-se, sorriu ao encontrar os olhos brilhantes, apaixonados e completamente rendidos da esposa.
- Nos vemos mais tarde.
Ela abriu a boca para replicar, mas foi incapaz, ainda perdida no desejo que a consumia com tanta facilidade. Ao invés disso, sorriu, alisando as bochechas coradas e levando uma mão até o peito. Enquanto o via se afastar, suspirava, agradecendo aos céus pela felicidade tão completa que a invadia.
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