Com dificuldade abriu a janela de madeira permitindo que a luz do sol entrassem e iluminasse seu até então lar. Os raios de sol faziam os cabelos louro morango de Antonella — uma tonalidade entre o loiro e o ruivo— brilharem.
Muito provavelmente uma das últimas vezes que faria isso naquela casa onde viu sua vida se transformar — primeiro experimentou o "amor" em sua forma carnal, depois em sua forma mais pura quando Davi nasceu e por fim as dores da perda. Um ciclo, com começo, meio e fim mas que marcará a vida de Antonella para sempre.
Um mês e meio havia se passado desde a partida de Pedro, sua presença naquela casa não era tão constante mas não impediu de sentir um doloroso vazio, além de perder a segurança que havia conquistado ao seu lado. Não era sobre questões materiais — embora sempre sonhou em viver uma vida de luxos por mais irreal que isso parecesse para alguém como ela — era simplesmente por não estar mais exposta aos clientes da taberna que atormentavam e a constrangiam e as ordens de seu pai que a condenariam a passar os restos dos seus dias trabalhando miseravelmente na taberna ou acabaria sendo vendida a algum velho asqueroso. Temia que isso pudesse voltar a ser sua realidade, porém havia o convite do Conde — ele ainda era a ela repugnante, alguém que não lhe transmitia a devida confiança mas parecia uma opção mais viável do que retornar ao seu antigo lar e ainda ter que entregar seu filho a seus sogros, o que esmagaria seu coração se o fizesse.
Encostada na janela, olhando para o nada enquanto pensava sobre seu destino, é surpreendida por seu irmão que estava a porta, isso lhe faz voltar ao momento presente e rapidamente ela vai recebê-lo com um abraço:
— Leonardo, meu irmão, que alegria em vê-lo!
— Como tem passado? — O jovem rapaz perguntou preocupado.
— Estou bem, na medida do possível, Valentina tem me ajudado muito por aqui. — Ela responde apontando para trás onde a irmã está e continua — E nossa mãe como está?
— Está bem, apesar de se cansar com facilidade, a barriga está cada dia maior.
— Queria tanto poder estar com ela. — Suspirou ao lembrar que seu pai a impediria de voltar para seu antigo lar. E pensando em sua única luz engatou:
— Já que está aqui eu queria lhe pedir uma coisa!
— Pois diga, se estiver em meu alcance.
— Preciso que escreva uma carta ao Conde
— Para o Conde? — O rapaz estranhou levantando uma das sobrancelhas, sabia que a irmã não nutria uma grande simpatia pelo homem logo o pedido lhe parecia muito inusitado.
Evitando questionamentos a jovem ordenou:
— Só peço que a escreva sem me julgar e depois leve até o endereço que falar. Há um homem que trabalha para ele — que eu me lembre é alto, de cabelos escuros e um tanto carrancudo, e que sempre vem a cidade. Não consigo me recordar o nome, mas escreva por favor, depois vá ao endereço e peça para falar com um dos homens que trabalha para O Conde de Bragança.
— Está certo eu assim o farei.
— Obrigada.
Leonardo atendeu o pedido da irmã e conseguiu entregar a carta a Conrado, que estava de passagem em uma loja de mantimentos.
Ao chegar a noite, enquanto a luz suave do crepúsculo filtrava-se pelas grandes janelas do seu escritório, o Conde recebeu a carta pelas mãos de Conrado, sem imaginar que pudesse ser de Antonella.
— Uma carta para mim? Quem será? — Questionou antes de iniciar a leitura e curioso começou:
"Saudações, Daniel, espero que esteja bem. Quem vos escreve, é Antonella, através de meu irmão Leonardo.
Neste momento que está lendo esta carta deve imaginar o motivo da mesma. Há algumas semanas quando esteve aqui prometeu-me apoio e acolhimento para mim e meu filho em vosso lar e acredite você é a minha última mas também única opção.
Eu aposto que nenhum de nós realmente pensou que isto pudesse acontecer mas está acontecendo, e é através desta que velho lhe confirmar que aceito sua ajuda.
Não sei quanto tempo poderá nos ajudar e apesar de nossas muitas diferenças e desafetos eu lhe serei eternamente grata."
Um misto de emoções se instaurou nele — surpreso pela mulher ter aceito seu convite, com certo receio com a forma que lidaria com a situação e como sua família reagiria mas uma parte de si feliz por tê-la mais próximo.
Sem revelar nada, ele vai até a sala e reúne seus empregados, que olham uns para os outros curiosos, e tendo todos ali reunidos o Conde ordena ao cocheiro:
— Muito cedo mande a carruagem buscá-los. E também quero que Emma vá a cidade e faça algumas compras, quero recebe-los da melhor forma possivel.
— Aconteceu algo senhor? — Questionou Emma se mordendo de curiosidade lançando um olhar de desconfiança com seus frios olhos azuis acinzentados:
— Esta casa ficará um pouco mais movimentada que de costume. — Ele acrescentou em meio a um sorriso sem expor o real motivo para toda a movimentação.
Na manhã seguinte, Antonella já estava de malas prontas — a grosso modo de dizer visto que seus pertences eram poucos e estavam acomodados em uma pequena trouxa.
Ao dar um nó no lençol que serviu para acomodar seus pertences, lamentou para si mesma:
— Não era para ser assim, mas que seja o que Deus quiser!
Ainda que o Conde lhe assegurasse que a ajudaria havia o medo por suas indiferenças — nunca se deram bem e talvez um desentendimento pudesse por fim a sua generosidade. Mas mesmo que não confiasse nele, era o que lhe restou, não tinha opção melhor ou razoável.
Enquanto sua irmã entretia o bebê, a jovem colheu algumas rosas, brancas e vermelhas que cuidava com muito zelo na pequena área de trás de sua casa, as quais levaria para plantar — se o Conde assim permitissem — em seus grandes jardins de entrada, que apesar de belos e com grande diversidade de flores e plantas não havia uma roseira sequer. Seria como um agrado ao homem pelo seu gesto generoso em lhes acolher, era pouco mas era o que ela podia ofertar.
Aos poucos se despedia da casa que por certo tempo chamou de lar, onde sua vida mudou, floresceu e se multiplicou — assim como fora cenário de suas maiores dores. Partindo agora para um novo e desconhecido capítulo em sua vida.
Com o filho nos braços, enquanto a irmã segurava sua trouxa e as flores, trancou a porta e entregou a chave para velho baixo ter que ostentava um notável bigode enrolado para cima, que aguardava do lado de fora.
— Adeus!
— Adeus bela senhorita espero que tinha dias melhores.
— É o que eu espero também. — Ela remarcou cabisbaixa.
A carruagem enviada pelo Conde a esperava, assim como Leonardo já estava ali para levar a irmã mais nova para a casa.
Se despediu de Valentina com um abraço apertado, e a menina subiu na carroça, antes de partirem fez um pedido ao irmão:
— Pode me fazer uma promessa?
— Se eu conseguir cumpri-la, claro! Do que se trata?
— Promete que vai ensinar nossa irmã a ler e escrever? — A jovem pediu segredando para a irmã mais nova não os ouvir e prontamente o rapaz de cabelos e olhos dourados refutou:
— Sabe que nosso pai não permite algo assim...
— As escondidas, ninguém precisa saber. — Antonella insistiu e se explicou — Não quero que ela cresça e se torne mulher na ignorância sem esse direito como eu. — E insistiu — Promete?
— Eu prometo. — Ele finalmente selou a promessa
A jovem sorriu a ele, acreditando nas palavras do irmão e podendo partir com mais tranquilidade.
Adentrou na carruagem e partiu em uma longa viagem que duraria horas.
Enquanto Daniel pedia a ajuda de Elias para levar o berço que pertenceu a seus filhos para o quarto que reservou para Antonella e o bebê. Preparava cada pequeno detalhe para uma calorosa recepção. — Até mesmo pediu alguns vestidos a Baronesa de Vaz que poderiam servir em Antonella e algumas roupinhas para Davi, aos quais ela traria dentro de alguns dias.
Quase ao anoitecer finalmente a carruagem chegou a residência do Conde que os aguardava ansioso.
O cocheiro ajudou-a a descer e estava lá frente a frente com Daniel acompanhado do filho que observava a situação sem entender. O homem os saudou de forma calorosa:
— Sejam muito bem vindos a minha casa.
— Agradeço muito pelo que está fazendo por nós mas... — Antes que pudesse continuar é interrompida pelo homem:
— Não se preocupe com o futuro, apenas entre, descanse e coma algo.
Antonella apenas sorri de modo discreto a ele e voltando o olhar para o cocheiro acrescenta:
— Senhor, eu trouxe algo para ti.
O homem sabendo do que se tratava — visto que haviam falado sobre no caminho — apanha as rosas dentro da carruagem.
— São as rosas que eu cultivava em minha casa. Se for de seu agrado pode plantá-las em seu jardim. Eu sei que é algo muito simples mas pensei que poderia ser um presente em agradecimento pelo seu gesto.
— São lindas, amanhã logo pela manhã eu mesmo tratarei de planta-las. Fico agradecido pelo presente. — O Conde esboçou um sorriso ao tê-las em mãos.
Adentraram na mansão, e Antonella mais uma vez se deslumbrava com a grandeza daquela casa. Estar ali como moradora era completamente diferente de estar ali como visitante, observava cada pequeno detalhe luxuoso da majestosa residência do Conde como se fosse a primeira vez. As cortinas marsala com detalhes dourados ornamentado aquelas enormes janelas, os tapetes ricos em detalhes enfeitados com arabescos, cada peça de porcelana, o chão de mármore que não parecia ter fim.
— Uma casa tão grande, tanto luxo, para um homem que vive praticamente só. — A mulher demandou um tanto inconformada e foi prontamente refutada:
— Penso que viver confortavel seja o minimo que eu possa fazer por mim mesmo. Não acha?
Na sala de estar, seus demais empregados estavam reunidos bastante atentos a situação, ficando frente a frente a eles, o homem os apresentou:
— Estes são os novos moradores desta residência. — Antonella e Davi.
Alguns deram um sorriso tímido a ela, outros um singelo aperto de mão mas Emma tenta disfarçar seu descontentamento com um falso sorriso, se aproxima de Antonella e sussurra:
— Terá em mim uma amiga!
— Agradeço! — a jovem remarcou simpaticamente tendo uma primeira boa impressão da governanta.
Observando as calorosas boas vindas de seus empregados, Daniel se aproxima e sugere a nova moradora:
— Creio que esteja cansada e queira tomar um banho. Me acompanhe eu os levarei até o quarto que lhes pertencerá.
Subiram as escadas e a jovem se deixava guiar pelo homem, chegando ao quarto ele apresentou a ela:
— Este é o seu quarto agora, pode organizar seus pertences do modo quiser. Se quiser se banhar eu posso cuidar do seu menino.
— Se puder fazer este favor eu ficaria muito grata.
Ele pegou o pequeno em seus braços — que estava acordado e observando tudo com seus olhinhos castanhos.
— Não é favor algum — O Conde afirmou e voltando o olhar para o pequeno continuou — Cuidarei dele com muito gosto e acredito que meu filho vai gostar muito da companhia dele.
Daniel levou o menino até a sala que ficava no segundo andar, onde se encontrava o piano, lá estava seu filho quieto, ainda confuso com tal situação. Sentou-se ao lado do pequeno que ficou radiante na presença do bebê e aproveitou para engatar:
— Pai, porquê eles estão aqui? Estão nos visitando?
— Não, não estão. Na verdade ficarão muito mais tempo que uma visita costuma ficar. Depois que o tio Pedro nos deixou, os dois ficaram sem ter um lar. E eu prometi ao tio Pedro que não deixaria esses dois desamparados.
— Eles vão ficar muito tempo? — O menino de cabelos cacheados questionou esticando seus pequenos olhos castanhos.
—Não sei dizer meu filho, mas acho bom se acostumar e tratar este pequeno como se fosse seu irmão.
Ao ouvir as palavras do pai o menino torceu seu narizinho um tanto descontente mas logo segurando a mão gorducha do bebê remarcou não deixando de lado sua sinceridade:
— Não sei que esta parte me agrada mas eu prometo tentar.
Enquanto Antonella preparou seu banho, se despiu e adentrou da banheira. A água que cobria seu corpo era morna e agradável trazendo o relaxamento necessário. Não deixou de se atentar minuciosamente aos detalhes do quarto, ainda não conseguia acreditar que estava na casa do Conde, em um lugar tão deslumbrante como aquele.
Após seu devaneio terminou o banho se vestiu e foi procurar pelo homem, que continuava na sala do piano na companhia dos dois meninos. Juntos desceram para a sala de jantar, que ficava no primeiro andar — um ambiente com grandes janelas com uma bela vista do lago que ficava em frente na casa, — mas que naquela hora estavam tapadas pelas cortinas marsalas — ornamentada com quadros e uma mesa que parecia não ter fim já com os pratos da noite servidos.
A jovem estava um tanto perdida por onde deveria começar e analisava as diferentes colheres até que o Conde aponta:
— Esse talher serve para comer o próximo prato, use a colher maior primeiro.
Antonella fica corada com a advertência do Conde:
— Me perdoe eu não sabia.
Seu constrangimento é facilmente notado pelas suas faces e a ponta de seu nariz — pequeno e um tanto empinado — nitidamente vermelhos ficando bem destacados por causa de sua pele branca como porcelana. E afim de amenizar a situação, Daniel remarcou:
— Emma deveria ter pensado em algo mais simples.
Mas a jovem interpreta suas palavras como uma forma de a hostilizar e refuta de modo brusco:
— Está dizendo que eu não sei comer sua comida?
Mantendo a voz calma e com um sorriso de canto que enaltecia suas rugas, Daniel a tranquilizou:
— Não me interprete mal, eu só quis dizer que um prato mais simples seria melhor.
Antonella não refutou evitando entrar em conflito, terminou seu jantar em silêncio e se retirou para seu quarto.
O Conde a seguiu até o quarto, buscando se retratar pela situação, bateu a porta e foi atendido.
Os dois ficaram frente a frente, a diferença de altura dos dois era bastante notável, o que dificultava um pouco para Daniel olhar nos olhos de Antonella ainda mais quando a mesma parecia evitar esse contato com ele, voltando seus grandes olhos cor de mel para o chão, mesmo sem prender sua atenção da forma como queria ele prosseguiu:
— Perdoe-me pelo ocorrido no jantar, não quis lhe ofender.
— Não foi nada demais, não se preocupe. — Ela afirmou, exibindo um sorriso tímido em seus lábios carnudos o confortando.
Percebendo que estavam em paz ele se despediu e foi para seus aposentos:
— Tenha uma boa noite.
— Igualmente. — Ela o observou se retirar.
Aquela noite fora de chuva — contínua porém mansa — perfeita para uma noite de sono relaxante a qual Antonella tanto precisava.
Muito cedo no outro dia, a chuva havia cessado, Daniel foi o primeiro a acordar, tratou de plantar as rosas em seus jardins, ele mesmo, como havia dito a Antonella. E por uns instantes parou para admirar a pureza e a beleza das flores — e de como elas eram como a jovem mulher que a presenteou. Havia algo puro, belo e indecente nela.
Se recolheu para o lar e desfrutou de um farto café da manhã, só assim iniciando seu dia e ocupando-se de seus trabalhos no escritório.
Antonella diferente do Conde, acordou mais tarde, mas estava com as energias totalmente restabelecidas. Nunca havia dormido um sono tão tranquilo, em uma cama tão confortável com lençóis e travesseiro tão macios. Trocou sua camisola branca por um vestido simples rosa claro — o mesmo que usara em seu noivado — penteou seus longos cabelos ondulados e prendeu algumas madeixas em um penteado semi-preso.
Voltou-se para o berço, Davi estava acordado brincando com seus pezinhos gorduchos, apanhou o bebê em seu colo e deu-lhe de mamar. Ao finalizar desceu para o café da manhã, onde estava acompanhada de Vicente que também havia acordado mais tarde. Sendo uma companhia adorável apesar de silencioso.
Aproveitando a simpatia de Emma, pediu a mulher para tomar conta de Davi, mas Vicente sabendo da real índole da mulher não saiu de perto do menino nem por um segundo.
Antonella se dirigiu para o escritório do Conde para falarem a sós, visto que na noite anterior não foi possível ter uma conversa. Ela bateu a porta e ele logo ordenou:
— Pode entrar!
Adentrou e fechou novamente a porta, era mais um cômodo para se encantar, ainda mais pelas ostentosas prateleiras de livros que preenchiam as paredes, ao centro lá estava o Conde em sua escrivaninha rodeado de papéis, observando a situação a jovem questiona:
— Está ocupado?
— Não é nada muito importante — Daniel remarcou em meio a um sorriso dispondo os papeis para o lado e continuou brincando — quer dizer eu já fiz isso no mínimo umas 5 ou 6 vezes. — Mas me diga o que deseja, sente-se por favor.
Ela acomodou-se na macia cadeira de veludo vermelho, com as mãos no colo um tanto retraída, e sem mais delongas iniciou:
— Creio que deveríamos conversar sobre a minha estadia aqui.
— Se sente essa necessidade, claro! — Ele afirmou amigavelmente tentando a deixar mais solta e a jovem logo indalgou:
— Quanto tempo eu vou poder aqui?
— O tempo que for necessário! — Assegurou a ela que agora apoiando as mãos na mesa refutou cabisbaixa:
— Esse é o problema, não tenho nada em mente.
— Não se preocupe, estando aqui você nunca estará desempadada. — O Conde afirmou tocando-lhe a mão direita com um sorriso, a jovem ainda desconfiada questiona:
— Promete?
— Eu juro. — Ele afirmou apertando suas pequenas mãos lhe tirando um sorriso retraído.
Assim que sentiram o calor das mãos de ambos as afastaram e a loira questionou:
— Pedro te pediu para fazer isso?
— É, ele me pediu. Foram as últimas palavras dele mas eu os ajudaria de qualquer forma. Afinal seu filho é meu afilhado e como pode ver tenho boas condições. — Ele afirmou gesticulando com as mãos.
Olhando para o redor ela continua:
— Isso tudo é muito estranho para mim, talvez por um bom tempo ainda será.
— Eu entendo, mas sinta-se em casa. E não esqueça que deve confiar em mim se algo lhe incomodar ou lhe afligir, tem em mim um ombro amigo.
Se sentindo mais confortada pelas palavras do Conde Antonella se deixa levar pelo fascínio e mesmo com receio permite explorar as estantes de livros encantada, os tocando delicadamente com a ponta dos dedos ela fantasiou:
— Gostaria de poder saber o que tem dentro desses livros.
O homem se levantou e indo em sua direção ele revelou:
— Alguns contam histórias fascinantes, outros te dão o conhecimento necessário para lidar com algumas coisas. Sinta-se a vontade para ler o que quiser quando quiser.
— Não posso. — Rapidamente deixando transparecer sua melancolia relevou — Não sou capaz de entender as letras, eu mal sei reconhecer meu nome.
Um tanto mais próximo da jovem ele questiona:
— E você queria? Não é mesmo?
— De certo que sim! Só meu pai e meu irmão sabem ler, escrever e entender os números, já eu ele nunca quis ensinar disse que não era necessário. — Ela confessou ainda deslumbrada com os livros.
Comovido com o relato da jovem, o Conde sugeriu:
— Eu posso lhe ensinar.
— Pode? — Antonella se voltou para ele com um sorriso nos lábios.
— Sim, eu estou ensinando o meu filho, também ensinei Elias, o rapaz que cuida dos animais e Cecília — uma de minhas empregadas a qual dei um periodo de férias para visitar a família mas em breve estará aqui para conhecê-la.
Antes que Antonella pudesse dizer algo o momento é atrapalhado por Nicolau que adentra da sala anunciando a chegada de Heitor:
— Com vossa licença senhor, o seu primo, Heitor, está na sala de visitas o aguardando.
— Eu já vou recebê-lo. — Afirmou ao mordomo que prontamente se retirou.
— Podemos continuar esse assunto em outro momento afinal teremos muito tempo — Daniel afirmou a Antonella.
Os dois deixaram o escritório e seguiram para a sala de estar, onde seu primo aguardava sentando ao sofá, servindo-se com um chá e biscoitos amanteigados.
Ao avista-los, Heitor — um homem um tanto bronzeado, de mesma estatura que o Conde, cujos olhos eram escuros e um tanto fundos, seus cabelos enrolados mesclavam fios pretos e alguns brancos, trajando vestes negras, acompanhado de uma pequena mala de couro marrom — se levantou para cumprimenta-lo com um abraço:
— Quanto tempo primo Daniel.
— Digo o mesmo Heitor, já faz uns dois anos que não vem me visitar. — O Conde remarcou cobrando a ausência do primo que com bom humor se explicou:
— Ora pois mora tão retirado que as visitas não podem ser frequentes!
E desfazendo o sorriso acrescentou:
— Primeiramente meus pêsames pelo Pedro, que fatalidade, tão jovem.
— Agradeço as condolências não é fácil lidar com uma perda tão súbita e precoce.
Heitor, não se contendo, logo volta sua atenção para Antonella que parecia se esconder atrás de Daniel:
— E esta bela jovem? É sua nova mulher?
— Ah, não. Me permita apresenta-lá — O Conde remarcou ficando ao lado da mulher a expondo:
— Antonella, viúva de Pedro. — Este é Heitor, meu primo.
O primo, inclinou-se e beijou-lhe a mão, não deixando de olhar de cima abaixo encantando com sua beleza:
— Muito prazer em conhecê-la. Meus pêsames pelo ocorrido.
— Agradecida! — Antonella remarcou sem voltar o olhar para o homem e antes de se retirar disse a Daniel:
— Eu vou ver o meu filho.
Ela se retirou e ainda assim Heitor a observava de longe:
— Que lástima uma mulher tão jovem e bonita viúva. — e ainda fascinado pela mulher questiona:
— O que ela faz aqui?
Os dois se sentaram novamente no sofá e Daniel pôs-se a relatar:
— É uma situação complicada mas Pedro morreu endividado e nisso tudo não deixou nem uma casa para ela e o filho. Eu prometi ao meu irmão que não os deixaria desamparados e os acolhi.
Ao entender a situação, Heitor logo provoca:
— E você vai aguentar?
— Do que está falando? — Daniel refuta sem entender a malícia das palavras do primo que aponta:
— Meu primo, ela é uma mulher bonita, muito bonita. Vocês dois são viúvos, não vão aguentar muito tempo só convivendo como meros vizinhos que dividem o mesmo teto.
O Conde estreitou seus olhos um tanto desconfortável com a insinuação de seu primo:
— Heitor, ela é a mulher do meu irmão!
— Era. — Heitor afirma com um sorriso malicioso sem o menor pudor.
Se mantendo firme apesar do desconforto que lhe fora causado Daniel muda os rumos da conversa:
— Falemos dos seus negócios, certo?
— Precisarei fazer documentos de escritura de algumas propriedades. — Ele diz ao tirar alguns papeis de sua mala — Creio que posso contar contigo.
— Veio visitar o parente certo! — Daniel afirma.
Em um outro cômodo, o bebê está em um cesto, confortavelmente, aos cuidados de Vicente, Antonella o pega no colo e fala com seu filho:
— Olha só você acordou, meu amor!
— Eu fiquei cuidando dele para ti. — O menino afirmou a jovem que aproximou-se dele para agradecer acariciando seus cabelos cacheados castanho-escuros:
— Obrigada pelo gesto pequeno.
Saindo pela porta de traz que dava acesso ao quintal e uma bela vista ao rio que passava por ali, o menino sentou-se no balanço um tanto distante de Antonella que sentou-se na grama com o bebê nos braços.
— Este é o seu novo lar. É bem bonito aqui fora não é? Logo você estar brincando por aí. — A mulher falava ao pequeno e percebendo a solidão do filho do Conde ela chama sua atenção:
— Ei, guri! Vicente! Me perdoe quase esqueci seu nome, senta aqui conosco!
O menino obedecendo a jovem vai ao seu encontro e se acomoda ao lado dela, que continua puxando assunto olhando para o horizonte:
— Parece tão solitário por aqui.
— Me acostumei, sempre foi assim. — O menino respondeu parecendo conformado com sua situação.
—Agora eu posso te fazer companhia, eu e o seu priminho. — Ela o animou e o pequeno se sentindo mais confortável com a presença da mulher acrescentou:
— Papai me falou que eu tenho que tratar o Davi como se fosse meu irmãozinho já que vocês dois vão ficar por aqui por bastante tempo. É verdade?
— É verdade sim! Eu espero conseguir achar um lugar para morar logo mas por enquanto seremos como uma família. — Antonella afirmou acolhendo o menino para mais próximo de si que em meio a um sorriso ele afirmou:
— Acho que eu gosto da ideia.
Emma assiste a cena escondida atrás da cortina desgostando da aproximação de Antonella e do pequeno herdeiro do Conde. Ao se retirar para a cozinha se depara com Heitor que começa a especular:
— E essa Antonella hein? Viúva do meu primo, quem é ela?
— Ela? Não me faça começar pois acabarei sendo indelicada. — A mulher responde entojada mas curioso Heitor continua:
— Indelicada por qual motivo?
— Digamos que ela é alguém duvidosa. — A mulher revela instigando ainda mais o homem.
— Ela me pareceu tão arisca, um tanto selvagem quando fui apresentado a ela.
— É de família muito pobre, não tem modos. E ainda deu o golpe da barriga no falecido. — Emma balbucia sem puder e aumenta ainda mais suas mentiras — O Conde não gosta que falem do passado dela, mas ela é uma cortesã, uma mulher fácil e interesseira que usa a beleza e a lascívia para conseguir o que quer.
— Isso eu não consigo duvidar. — Ele fantasiou ao observa-la de longe
— Ela esconde isso nesse comportamento selvagem mas não se engane ela é fácil e vulgar. — Emma finaliza antes de seguir para a sozinha, o instigando ainda mais.
Durante o almoço Heitor tentava mas não conseguia desviar o olhar de Antonella o que ela fingia não perceber, buscando não alimentar ainda mais a situação.
Ele não desistiria de tentar algo mais com a mulher, ainda mais depois das revelações de Emma, não iria embora sem sentir o calor da mulher.
A tarde, os meninos tiraram uma soneca, Daniel estava ocupado com seus trabalhos, logo Heitor via nessa solitude a oportunidade perfeita para tentar algo com Antonella. Contou com a ajuda de Emma, que revelou onde a mesma estava, ao rio banhando-se. Ele a espia pela janela ao longe, admirando sua beleza e sensualidade.
— Que mulher linda. A pele branca como porcelana, com detalhes rosados. Que curvas perfeitas...
Ele retira o sobretudo o deixando no gramado e adentra no rio silenciosamente agarrando a mulher pela cintura tentando tocar seus seios cobertos pelo tecio branco e molhado do vestido que a deixava exposta e imediatamente ela revida:
— Me solta!
Ele continua a agarrando mais forte e a provoca:
— Não se faça de difícil, isto para você faz parte da sua rotina, não faz?
— O quê? Me solta seu asqueroso!
Ela continua se debatendo e prestes a gritar por ajuda o homem tenta tapar sua boca mas a jovem o impende mordendo o braço do homem que a solta de imediato. Antonella consegue fugir e sai correndo entrando pela porta da cozinha e encontrando Emma que finge surpresa e preocupação:
— O que aconteceu?
— Aquele homem estava me importunando, ele me agarrou. — Antonella releva aos prantos tomada pelo ódio e o asco que sentia.
— Meu Deus! Que coisa deplorável. — Emma estreita as sobrancelhas indo a abraçar.
— Eu preciso contar para o Daniel. — a jovem afirma pretendo ir de encontro do Conde mas Emma a adverte:
— Não! Não faça isso! Esses dois são primos, se conhecem desde que nasceram e você sabe como são os homens eles acreditam só uns nos outros.
— Acha que se eu contar vou ter problemas? — Assustada Antonella questiona e descaradamente a governanta assegura:
— Infelizmente creio que sim! Mas não se preocupe eu também não direi nada e não vou deixar ele se aproximar de você. Lembre-se que você tem em mim uma amiga. — Novamente Emma se aproxima e abraça Antonella acariciando os cabelos loiros da jovem que corresponde ao gesto:
— Obrigada! Muito obrigada!
Emma assistiu a jovem se retirar para o quarto com um sorriso de maldade.
Mais tarde, ainda naquele dia Heitor se despediu de todos, ao Conde um aperto de mão amigável mas ao se despedir de Antonella, a jovem se mostra respida e um tanto amedrontada, logo puxando sua mão que fora beijada pelo primo, ele finalmente partiu de volta para sua cidade.
Sua atitude ríspida e ao mesmo tempo que demonstrava algo mais profundo que uma simples antipatia fora percebida por Daniel, que com um pequeno gesto a chama para seu escritório. Ao adentrarem, ele tranca a porta certificando que ficariam a sós.
— Está tudo bem? — Ele questionou fixando seus olhos castanhos nos olhos cor de mel de Antonella que guardavam uma grande angústia.
— Sim, não se preocupe. — A jovem omitia com medo do que a revelação lhe traria.
— Eu percebi sua estranheza com meu primo Heitor. Aliás parecia algo bem mais conturbado que isso, eu vi repulsa e medo em seu olhar. — Sabendo que havia algo errado ele persiste — Estou certo?
A mulher permanece em silêncio e o homem insiste ficando frente a frente com ela:
— Antonella eu preciso saber tudo o que acontece nesta casa. Pode e deve confiar em mim mais do que em qualquer pessoa aqui. — Ele assegura segurando as mãos de Antonella com ternura — Se há algo, só eu posso resolver, mas eu preciso que diga. Eu sei que confiar é algo difícil mas é algo que precisa ser construído.
Eu prometi ao meu irmão que cuidaria de vocês dois — de todas as formas possíveis — e é isso que vou fazer.
Antonella suspirou fundo voltando o olhar para as mãos de Daniel que seguravam as suas, enquanto deixou uma singela lágrima percorrer seu belo rosto. Ainda que o medo quisesse a impedir de falar a verdade seu coração falava mais alto e sentia que deveria confiar em Daniel e abrir-se com ele.
Sua incerteza lhe deixava dividida — seguiria seu medo, omitindo a situação e não arriscando sua estadia na casa ou se guiaria pela intuição e contaria a verdade iniciando uma relação de confiança com o Conde?
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