Severo chegou possesso em seus aposentos. Qualquer verdade sobre o que sentia por Lílian era difícil de engolir, principalmente quando empurrada sua garganta a baixo. Limitar-se-ia a ficar sozinho então, já que Narcisa fazia tanta questão disso.
Narcisa largou-se na cadeira e precisou respirar fundo algumas boas vezes. Teve vontade de chorar, mas não se permitiu, estava cansada de fraquejar, principalmente por causa de Snape. Não podia nem se dar ao trabalho de sentir-se ofendida, afinal ele estava certo, em momento algum lhe disse ter esquecido Lílian ou lhe prometeu algo. Ela só havia esperado demais dele.
~*~
Dias já haviam se passado e os dois só davam-se o trabalho de direcionar um pequeno cumprimento durante o jantar ou o almoço. Eram cabeças duras de mais para darem o braço a torcer que estavam sentindo falta um do outro. A indiferença havia se tornado a principal arma dos dois.
Narcisa não havia ido fazer o desjejum na manhã de sexta, preferiu tomar um chá em seus aposentos e depois seguir para a sala de aula. Estava sentindo um clima estranho na escola, sem saber direito o que era, mas os olhares que Harry Potter trocava com Dumbledore durante as refeições e a forma como o diretor estava ficando abatido haviam colocado uma pulga atrás da sua orelha.
E ela sabia que não era a única a ter percebido. Sentia a postura de Snape cada vez mais rígida ao seu lado nas refeições e a forma eficiente que havia criado para ignorar o diretor. Chegou a sua sala e sentou-se à sua mesa, pegando uma pilha de pergaminhos para separá-los devidamente. Ouviu batidas leves na porta e murmurou um “entre”.
Hermione entrou junto a Gina e fechou a porta. Cissa largou as coisas e sorriu para as meninas, que se aproximaram.
- Bom dia. – disse.
- Bom dia. – responderam.
- Estávamos indo até o pátio e o professor Snape pediu para trazermos isso. – Mione largou um livro sobre a mesa da professora.
- Na verdade ele quase jogou isso na gente. – Gina olhou a amiga. Hermione devolveu um olhar de repreensão. – O que? Não fale como se ele fosse uma pessoa educada a ponto de pedir algo. Principalmente para duas alunas da Grifinória.
- Gina. – Hermione tentou de novo. A ruiva deu de ombros.
- Tudo bem, Hermione. – Narcisa riu. – Me surpreenderia mais se ele tivesse pedido de forma educada. Mas agradeço por terem vindo. É hoje que devem entregar a pesquisa, não é? – olhou a castanha.
- Sim. – disse animada. – Esse foi sem dúvidas o melhor trabalho que ele podia ter dado. Se bem que o mau humor dele cresceu consideravelmente de segunda para cá. – deu de ombros. – Mas não importa, a turma está toda empolgada. Digamos que é a salvação pra quem achou que ia mal no N.O.M. ’s.
- Desejo sorte para vocês então. – disse.
- Obrigada. – sorriu.
- Eu tenho herbologia agora, vejo vocês depois. – Gina disse. – Até mais, Professora Malfoy.
Narcisa acenou com a cabeça e a menina deixou a sala, fechando a porta em um baque surdo. A professora desceu os olhos para o livro sobre a mesa.
- Está tudo bem? – Hermione perguntou.
Cissa olhou para a menina.
- Sim. – resposta automática. – Por quê?
- O professor Snape mandou um livro sobre História da Magia. – riu-se.
A mais velha sorriu, virando o livro sobre a mesa para olhar o título “Hogwarts um História”. Puxou-o mais para perto e abriu a capa. Um pedaço de pergaminho estava preso junto à página, reconheceu a caligafria rebuscada e passou os olhos pelas palavras.
“Em tempos de guerra não há espaço para brigas.
Torre de Astronomia, 20h.
S.S.”
Surpresa. Ela definitivamente não esperava que ele tomasse uma iniciativa para que voltassem a se falar, a final mal se olhavam na cara nas refeições ou quando se encontrava pelos corredores. E como não tinha intenção de puxar assunto, não achou que voltariam a se falar tão cedo.
- Aconteceu alguma coisa, não é? – Hermione sentou-se.
- Tens uma ótima percepção. – fechou o livro e olhou para a menina.
- Ultimamente não é preciso muito. – disse. – O clima tenso entre vocês está quase esmagando quem para perto. E dá pra ver no seu rosto que tem alguma coisa errada. E definitivamente no comportamento dele.
- Envergonho-me um pouco em falar com a senhorita sobre esse tipo de coisa. – Narcisa levantou-se. – Tem a idade do meu filho e sabe muito bem que sou casada. Deve ter uma imagem errada de mim, ou pelo menos a imagem que estou passando de mim mesma.
- Conheço o seu marido. – Hermione levantou-se também. – E vamos combinar que até mesmo o professor Snape parece uma escolha melhor, por pior humorado e grosseiro que seja às vezes. Posso ter a mesma idade que Draco, mas digamos que sou mais sensível que ele. – aproximou-se da professora e segurou-lhe as mãos. – E não se preocupe, passa-me uma imagem de alguém que quer ser feliz. Além de ser uma das melhores professoras que Dumbledore imaginou em contratar.
- Obrigada. – sorriu.
As duas olharam-se uns instantes e trocaram um abraço carinho. Hermione afastou-se e despediu-se, seguindo para sua aula.
~*~
O dia de Snape começou totalmente avesso. Havia sido acordado por uma coruja de Dumbledore, pedindo que se encontrassem no final do dia e que o professor levasse as poções que estavam faltando. Não podia negar que seu humor havia piorado desde segunda feira e da discussão com Narcisa.
Foi aí que, ao virar-se na cama e sentir o cheiro de jasmim dos cabelos dela que havia ficado preso ao travesseiro, que ele percebeu que sentia falta dela. Não que uma semana fosse um prazo curto de tempo para dar-se conta disso, mas pensou que demoraria mais. Não a encontrou no café da manhã e teve que dar seu jeito para mandar-lhe um recado.
Torre de Astronomia, 20h.
O dia não foi tão desgostoso como costumava ser. Pela a primeira vez em seus anos de docência, percebeu que seus alunos estavam sentindo prazer em participar de suas aulas. Surpreendeu-se, até mais do que viria a admitir um dia. Os trabalhos da turma do sexto ano, Grifinória e Sonserina, haviam ficado consideravelmente bons. Mas mesmo assim ele limitou-se a sentar em seu lugar e anotar as observações em um pedaço de pergaminho enquanto os alunos faziam as apresentações.
Depois do almoço, passou a tarde aplicando exames nas demais turmas que tinha aula. Quando tudo acabou estava exaustou. Dar aulas falando cansava bem menos do que sentar e ficar olhando um bando de cabeças ocas escrevendo.
Foi até seu quarto e banhou-se, fez a barba e em seguida foi até o laboratório preparar as poções de Dumbledore. Quando havia terminado tudo, e que não podia inventar nada mais para adiar, seguiu de encontro ao diretor. Chegou ao escritório e entrou pela porta que já estava aberta, fechando-a em seguida. O diretor estava sentando à sua mesa e a cadeira que Severo sentava-se, já estava ao lado da mesa. O professor seguiu até ela em silêncio e sentou-se, largando a poção sobre a mesa.
Alvo estendeu a mão para o homem que a pegou com cuidado e a analisou por alguns segundos.
- E então? – perguntou.
- Conseguimos retardar bem o avanço. – disse. – Teria um ano ainda.
O diretor recolheu a mão e o homem levantou-se indo em direção a porta.
- Não me ignore, Severo. – o diretor levantou-se.
Snape virou-se para ele.
- Sabe que eu vou morrer e você vai ter que me matar... – o professor ergueu a mão, fazendo o diretor calar-se.
- De novo não, já estou farto disso. – disse rude.
- Tudo bem, mas agora quero que você entenda do porque ter que ser você. – começou. – Sabe que confio em você mais do que qualquer um, vamos provar para Voldemort que sua lealdade é dele e assim será mais fácil para ficar de olho em Harry. Saberá os passos, porque ele confiará em você mais do que nunca. Confiará em você, Severo, como eu confio. – respirou fundo. – E na hora certa poderá dizer ao Harry... Que naquela noite, quando Lílian se colocou entre ele e Voldemort, um fragmento da alma do Lord agarrou-se a coisa viva mais próxima...
- Você está dizendo... – não terminou.
- Harry é uma horcrux e na hora certa deve morrer. – concluiu.
O professor manteve-se em silêncio um instante.
- Que tipo de pessoa você é, Alvo? – o tom de voz era alto, desacreditado. – Criou o garoto como um porco para o abate! Permitiu-lhe a vida para que ele morra!
- Não me diga que se apegou ao garoto, Severo. – o diretor franziu a testa.
Snape respirou fundo e tirou a varinha do bolso.
- Expecto Patronum! – movimentou-a no ar.
Logo uma corsa azul e prata saiu de sua varinha para correr em volta dele e desaparecer pela janela. Dumbledore o olhava surpreso.
- Lílian. – disse. – Depois de todo esse tempo?
- Sempre. – Severo respondeu. – Essa Guerra para mim sempre foi e sempre vai ser por ela.
- E quanto a Narcisa? – estava espantado de certa forma.
- Não compare as duas. – respondeu seco. – Lílian apareceu na minha vida no momento que eu mais estava precisando, trouxe um pouco de luz para mim. E o que eu fiz? Joguei-a nas trevas das quais ela havia me salvado. Talvez isso não seja só por Lílian, mas pelo Potter também. Um erro meu levou o Lord das Trevas até eles, morreram por minha causa. Proteger o garoto foi uma forma de me redimir com a mulher que amei grande parte da minha vida. – disse. – Narcisa é diferente. Ela me devolveu uma vontade de viver que eu já havia perdido há muito tempo. Mostrou-me que Lílian morreu, mas ainda estou aqui. – completou.
Dumbledore percebeu que Snape falava mais para si do que para ele. Sentiu-se mal, quis por um momento que as coisas tivessem sido diferentes desde o inicio.
- Uma semana. – o diretor disse depois de um tempo em silêncio. Severo ergueu os olhos para ele, pareceu não entender num primeiro momento. – Talvez se sinta melhor em saber. Temos no máximo uma semana para que aconteça. Eu sinto muito.
- Não. – a resposta saiu atravessada. – Nos vemos em uma semana diretor.
Saiu da sala batendo a porta com força. Andou o mais rápido que conseguiu até a Torre de Astronomia e firmou-se no parapeito. Sentia como se a atmosfera do castelo estivesse pesada de mais para conseguir respirar.
Harry era uma horcrux.
Passou anos protegendo o garoto para no final ter feito mais um trabalho em vão.
Em uma semana todos estariam o chamando de assassino pelas costas.
Em uma semana ele seria um assassino. Assassino do homem que havia lhe estendido à mão.
Velho manipulador. Passou as mãos pelo cabelo. Fui usado desde o inicio, então porque inferno ainda me preocupo? Ouviu passos pela escada e reassumiu sua expressão de sempre.
Indiferença.
~*~
Narcisa não pode negar que hesitou algum tempo se deveria aparecer ou não ao encontro, mas no final das contas resolveu aparecer. Estava curiosa a certo ponto, queria saber o que ele tinha para lhe dizer. Então quando faltavam poucos minutos para chegar às 20h, seguiu para a Torre de Astronomia.
~*~
Severo observou a mulher surgir no topo da escada e voltou a olhar a paisagem, deixando-a aproximar-se em silêncio. Narcisa parou ao lado dele e escorou-se também no parapeito, virando o rosto para olhá-lo, sem conseguir muito. Alguns fios de cabelo caiam sobre o rosto do homem, que olhava para baixo.
O viu puxar o ar com força e soltá-lo de igual forma.
- É mais difícil para mim do que parece. – ele disse com a voz firme. Seu tom era o mesmo de sempre. Seco, sem emoções.
- O que? – ela ergueu a sobrancelha.
- Desculpar-me. – disse. Finalmente olhou-a, tirando o cabelo do rosto com um movimento de cabeça. – Não consegui evitar lembrar-me dela.
- Não lhe falei aquelas coisas porque quero que pare de lembrar-se dela. – Narcisa olhou para ele. – Seria insensível de minha parte exigir algo assim. Eu tenho plena consciência de como Lílian foi importante para você. O quanto ela ainda é... – respirou fundo. – Também não estava exigindo que me dê o amor que sempre foi dela, ou que me coloque no altar que sempre a colocou. – olhou para frente, sentiu os olhos marejarem. – A única coisa que eu quero... Que eu queria, era que você não me olhasse como se pudesse vê-la no meu lugar. Sei que isso aconteceu uma vez, mas entende como é difícil não ficar a dúvida se isso aconteceu mais vezes ou não... Queria que tivesse percebido que não era só a Lílian que estava ao seu lado quando precisou...
Ficou em silêncio e fechou os olhos. Sentiu uma lágrima descer pelo seu rosto e soltou o ar com força. Não devia estar ali. Severo segurou-lhe a mão que estava pousada sobre o parapeito e olhou para frente.
- Eu entrei nessa Guerra, há quase vinte anos atrás, para tentar consertar a burrada que eu havia feito. Nunca tive uma perspectiva de vida, aceitei qualquer coisa que me deram. Perdi tudo muito cedo... – deu de ombros. Acariciava as costas da mão dela com o polegar. – A morte era a minha ambição. – Narcisa olhou para ele. – Mas quando apareceu aqui, Sra. Malfoy, mostrou-me que a vida, por pior que viesse sendo, ainda assim era melhor que a morte. – olhou para ela. – Eu posso ser muita coisa, Cissa, mas não sou superficial e muito menos um completo idiota. Sei que Lílian não era a única pessoa ao meu lado e que algumas vezes você esteve mais aqui do que ela, mas eu não sei lidar com as pessoas e muito menos com os sentimentos delas. O que a garota mais bonita da Sonserina ia querer comigo? – ele ergueu a sobrancelha. – Acho que ainda me pergunto isso. Então, desculpe-me pelo o que aconteceu. Minha intenção não era compará-la ninguém, até porque isso é impossível. Eu só... Não lidar com sentimentos. Com nenhum tipo deles. O carinho que sinto por você me atormentou a ponto de me trazer até aqui.
Silêncio de ambas as partes novamente. Narcisa virou o corpo para o homem e soltou a mão da dela, subindo-a para tocar-lhe o rosto. Ele já exercia um controle sem igual sobre ela, mesmo que não quisesse admitir. Passou os braços pelo pescoço do homem e o abraçou, sentindo-o ficar sem reação por alguns segundos antes de abraçar-lhe a cintura.
Naquele abraço ela pode sentir que não era só a discussão dos dois sobre Lílian que havia levado ele até ali. Havia uma confusão muito maior por trás daquilo, a tensão dele denunciava. Severo afundou o rosto na curva do pescoço da mulher e respirou fundo seu cheiro. Cissa segurou o rosto do homem entre as mãos e afastou-se o suficiente para olhá-lo. Nunca tinha visto Snape assim, com a guarda tão baixa.
- O que há? – ela perguntou baixo.
O viu engolir seco.
- Eu não consigo mais. – a expressão dura.
- Eu to aqui. – ela beijou-lhe o rosto e o abraçou em seguida. – Como sempre.
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