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História O Homem que Mora na Colina (Reylo AU) - Vinte e Três - História escrita por VanVet - Spirit Fanfics e Histórias
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História O Homem que Mora na Colina (Reylo AU) - Vinte e Três


Escrita por: VanVet

Notas do Autor


Olá, pessoal! ✌
Tudo bem com vocês? Eu estou bem... e tentando sobreviver ao calor.

Capítulo de hoje tem o retorno das emoções mirabolantes que dominaram esta fanfic e o início de algo que muitos vem aguardando há tempos. Antes de ir para o capítulo, agradeço a todos que leram e participaram do capítulo passado e quero avisá-los que, como a próxima atualização será bastante completa de conteúdo, não teremos novas postagens por algumas semanas.

Então vamos todos aproveitar o fim de ano, desejo um ótimo Natal e virada de ano para todos vocês, afinal ano que vem será o nosso ano - o ano Reylo, p@rra! - e me sigam na leitura! ❤

Capítulo 23 - Vinte e Três


Fanfic / Fanfiction O Homem que Mora na Colina (Reylo AU) - Vinte e Três

O tempo continuava voando e já se passara exato um mês desde o dia em que o Sr. Ren confirmara para Luke, Rey e o mordomo da casa, que a reforma aconteceria. Desde então, Luke providenciou a contratação dos pedreiros, a chegada do material e, com o sobrinho e sua animada esposa, acompanharam as mudanças acontecendo na propriedade dia a dia.

Como resultado do esforço e da dedicação conjunta para ver tal transmutação, quase tudo na parte externa estava pronto e tão belo quanto era antigamente. Os jardins bem cuidados; as lajotas de pedra do pátio, alinhadas; as esquadrias, colunatas e arcadas, como novas; os telhados trocados e as habitações externas prontas para uso e abuso.

Para completar, um novo gerador fora comprado em Londres e eles ficaram aliviados por pararem de depender tanto dos castiçais de vela. A tecnologia vibrante em mãos, os transformou em pessoas mal acostumadas.

Naquele dia em especial, terminariam as decorações finais dentro da mansão e, se tudo corresse bem, em pouco tempo estaria finalizado.

— Não é cedo demais para uma conversa? — Kylo, cansado das noites exaustivas de arrumação, bocejou e pegou sua xícara de chá.

Se encontrava dentro da cabana do tio, nos primeiros minutos da manhã, após ter sido solicitado para este encontro com o velho homem na noite anterior. Sonolento, ele havia deixado Rey aninhada nas cobertas sobre o chão, querendo, na verdade, continuar abraçado aquele corpo pequeno e delicioso, e seguido para o encontro na choupana tão puída quanto as roupas de Skywalker.

— Certamente que não — Luke sentou-se na outra cadeira da cozinha, de frente para o mais jovem. Uma cena muito semelhante da de meses atrás, quando ele ameaçou abandonar as ideologias cegas do rapaz para sempre. Coçando a barba longamente, disse — Eu diria que pode ser tarde demais.

— O que há? — Kylo ergueu uma sobrancelha por cima da xícara. Cauteloso.

— Quando contará?

Uma bufada e a xícara foi apoiada sobre a mesa com um estrépito mais forte do que deveria. Chá verde derramou sobre a toalha limpa.

— Por que quer saber? — Por que não deixava que ele tomasse suas próprias decisões, as que achasse melhor, ao em vez de pressioná-lo como uma hiena em cima da carcaça? Ao fim, passaram por tantas coisas juntos. Por que não confiar no que ele escolheria?

— Ben… — Luke o olhou com gentileza e tal semblante só tornava as coisas piores para o outro — Sim, não aguento mais te chamar por este nome inventado: Kylo Ren. Se o fiz por todos esses anos, foi porque aquele menino que reencontrei à deriva no mar, subnutrido e esfomeado de ódio, era mesmo um alguém diferente. Não meu sobrinho, mas um ser humano corroído pela maldade alheia.

“Veja, eu aceitei fazer parte disso, embora em nenhum momento sentia-me à vontade. Vingança é um sentimento que destrói tanto quem o pratica quanto quem o recebe. No fim, não há vencedores. No fim, não há felicidade para um ou para outro.

“Eu quis honrar a memória de Leia, eu amava tanto minha irmã, que achava que se o ajudasse conseguiria suprir os anos em que fiquei viajando pelo mundo enquanto ela me enviava dezenas de cartas pedindo para visitá-la. Ao menos, que eu acompanhasse seu crescimento vez ou outra.

“Existia um pouco de solidão nela também. Han era um marido incrível, mas, como lhe disse em outras ocasiões, enroscava-se em esquemas mirabolantes e formas infalíveis de lucro, e os deixava sozinhos com mais frequência do que deveria.

“Quanto a mim, não me provei muito melhor. Com esta ânsia por visitar todos os lugares possíveis, passei mais tempo prometendo rever Leia do que vindo, efetivamente. Triste humor do destino, só honrei a chegada ao seu velório e este segue sendo um dos arrependimentos de minha vida.

“Revi como era o rosto de minha irmã apenas com a máscara da morte e qualquer desejo por um semblante vívido ficou relegado apenas a visão através das pinturas penduradas nas paredes deste casarão.

“Quando eu descobri que você, sangue do meu sangue, era um escravo naquele navio, abateu sobre mim o objetivo incontestável de salvar o filhinho de Leia. Isto eu poderia fazer por ela!

“Então eu o encontrei e, mesmo você tendo muito dela e de Han na aparência e na personalidade, um brilho maligno circundava seus olhos. Eu sabia o que era aquele brilho, o vi em outros homens nas minhas dezenas de andanças entre povos e terras distantes, e nada mais me importou do que cuidar de você, mesmo eu tendo ficado despedaço por ver a esperança fugir da sua alma.

“Aceitei seu novo nome, sua personalidade instável e seu espírito corrompido. Sobretudo, não queria desagradá-lo e prometi não o contrariar. E, quando me disse sobre seus desejos sórdidos de acabar com o que não conhecia, com um suposto homem que arruinou seu pai, eu, imprudentemente acatei. Não gostei, mas dediquei energias pessoais para ajudá-lo.

“Eu fiz isso por amor, Ben. Porque o amo. Sabe o que isso significa agora, não sabe? Não conseguir dizer não para uma pessoa e querer vê-la bem e feliz a qualquer custo… custe o que custar?”

Kylo abaixou a cabeça e encarou as próprias mãos. Seu peito era nada mais do que um rombo escuro vertendo remorso e autocomiseração.

— Sabes bem — Luke continuou diante do silêncio do parente — Quando a senhorita Westerming chegou a esta casa eu já queria contar a verdade. Para mim era imperativo confrontar o homem que o trouxe a Inglaterra. Não havia cabimento fazê-la sofrer pelo erro de outro, uma inocente...

“Por outro lado, Rey continuou nos surpreendendo a despeito da forma terrível como a tratava. Ela trouxe a vida para esta colina, trouxe um ânimo nos nossos dias e… como se isso não fosse possível… trouxe Ben Solo de volta ao próprio lar.

“Sim, entenda isso. Não é mais o mesmo, como vemos. Nem por dentro e nem por fora. Abandonou o preto e, com ele, os sonhos rancorosos. Ah, me deixe adivinhar, seus pesadelos também pararam? — tão pouco esperou uma resposta — É, como eu imaginei. Sua aparência é outra. Você renasceu. Como só conheci Ben quando criança, estes últimos tempos foram a primeira vez que lhe vi novamente.

“Ao fim, partindo de todo esse raciocínio, se Kylo Ren acabou, como pode manter a parte mais importante dele, este segredo, entre você e sua esposa?”

— Tenho medo — ele se viu, surpreso, confessando ao tio. Fazia muitos anos que não tinham uma conversa tão honesta — Não quero perdê-la. Eu a amo.

Luke coçou os olhos com desânimo e resmungou baixinho. Temia isto. E, se a raiva que levava a vingança era um sentimento forte de se enfrentar, o medo que trazia a paralisação, era algo mais venenoso ainda. Mas o experiente Skywalker não passaria a mão na cabeça do filho de Leia de novo. Sua própria saúde mental estava em jogo, porque cada vez mais encarar os sorrisos gentis de Rey sabendo que compactuara numa mentira contra ela, o atormentava.

— Já passou por coisas terríveis, deve conseguir passar por mais esta — saiu da cadeira tocando no ombro de Kylo para dar apoio — Infelizmente terá de ser assim.

— Só por um tempo, às vezes, penso que seria melhor nunca trazer esta trama a tona… eu…

— O que acha que acontece com um homem e uma mulher que dormem juntos todos os dias, rapaz? — Luke o olhou com alguma dureza. Estava cansado de ser condescendente. Tudo aquilo havia acontecido por isto, para início de conversa — Quer que ela tenha filhos de um sujeito inventado especialmente para destruir a família dela?!

— É óbvio que não! — ele exclamou irritado, mas muito mais amargurado. Se eles se transformassem numa nova família com esta mentira cobrindo-os, aí sim que ela jamais o olharia no rosto.

— Eu lhe dou uma semana — o velho cocheiro ficou, repentinamente, fatigado do assunto — Tem sete dias para colocá-la a par da verdade e assumir as consequências, sejam elas quais forem. Minha consciência me atormenta dia e noite, não aguento mais esconder como fomos canalhas. Claro, vou apoiá-lo e trazer todos os argumentos cabais para ajudá-la a ver porque fez isso, pode contar comigo. Entretanto, se, ao fim destes sete dias não o fizer, eu terei de contar e será do meu jeito.

Contrariando o que ele esperava do sobrinho e provando como ele estava mudando, o jovem homem anuiu. Estava um tanto pálido quando isso o fez, mas disse:

— Está certo, Luke. É justo. Sei que meu tempo está se esgotando, afinal…

 

Poucas foram as vezes que Rey se sentiu segura o suficiente para subir nas torres externas da mansão. Após as reformas, o lugar estava apto a se tornar um dos seus prediletos por ali, com sua vista deslumbrante da floresta em todo o redor, a deixando alguns metros mais próxima do céu.

Tão logo ela subiu no ponto mais alto da torre norte, apoiou-se sobre a amurada – nenhum medo da altura –, observando os pedreiros contratados, como pequenos seres humanos, se movendo para lá e para cá, no pátio.

Era bom viver na colina.

Como a natureza e as pessoas que a cercavam se tornaram tão importantes para ela? Já não se via sem aquele início de pôr do sol alaranjado e espetacular. A natureza desinibida cantando e farfalhando em seus ouvidos. A certeza de que acordaria vendo o homem mais lindo de todo o mundo, exatamente ao alcance de uma mão, nos despertares dela.

E, embora soubesse que estava no lugar que seu coração mais queria, pairava a sensação de que ainda faltava algo… O que seria?

— Seu rosto me diz que está pensando em alguma coisa… — o Sr. Ren veio andando pela amurada e parou exatamente ao lado da garota. Rey virou a cabeça e sorriu para ele — Alguma coisa séria.

— No momento, em como este lugar é mais e mais bonito, a cada novo ângulo que flagremos ele. Este horizonte não quer perder uma competição de beleza.

— Ele encontrou uma séria concorrente há uns meses — Kylo ergueu a mão e colocou uma mecha rebelde que pendia do coque dela, atrás da orelha.

— Estou falando sério — Rey retorquiu, mas se surpreendendo em como era possível continuar se estremecendo com algum toque do Sr. Ren quando já o tinha por completo.

— Também estou. — ela o encarou contrariada até ele ceder. Nesse espaço de tempo fugaz nascia um brilho que parecia ser um brilho de tristeza naqueles olhos castanhos tão belos — Mas está correta — Kylo apoiou-se com os cotovelos sobre a amurada — Quando voltei para cá descobri como minhas lembranças anteriores eram vagas. Este aqui é um pequeno paraíso na nossa terra.

Rey franziu o cenho, acreditando ter perdido alguma narrativa:

— Quando voltou? Como assim? Está falando de quando veio para a Inglaterra assumir a propriedade de seu parente?

Uma intensa perturbação passou pelos olhos do homem. Não era mais uma impressão. E, pior, não era nova. Nos últimos dias, vinha se tornando um angustiante costume ela surpreendê-lo encarando-a de modo melancólico.

— Não, Rey. Eu conhecia a colina antes de retornar ao país — disse pausadamente.

— Pensei que…

— Em algum momento creio que dei a entender o contrário — ele complementou. Coçando a lateral da têmpora, estava ansioso como uma criança segurando uma mentira comprometedora para os pais.

Era sobre o passado dele, ela tinha certeza. Esta era a grande rusga que vinha o afligindo e freando o relacionamento deles. Não precisaram comentar sobre o tema uma única vez para saberem que era. Será que ele queria lhe contar sobre suas cicatrizes, seu comportamento sombrio e o que mais? Ela tentou ajudá-lo naquilo para que soubesse que nada do que dissesse mudaria o que Rey nutria por ele.

— Sr. Ren, meu esposo — pegou a mão esquerda dele, envolveu-o na sua palma, dedos finos sobre dedos grossos, pele sobre pele, e o beijou de leve nas costas da mão — Precisamos descobrir os segredos um do outro para avançarmos nisso que chamamos de casamento, mas, antes que qualquer coisa seja dita, saiba de antemão, que estou ao seu lado. Confie em mim, tudo bem?

Ele só pode lhe devolver um sorriso sem muitas esperanças.

— Eu confio em você, Rey. Não estaríamos assim, juntos, se seu coração não fosse grande e generoso. Conheço-a por um período muito curto, mas entendo-a como alguém que esteve ao seu lado desde o início. E, por conhecer você, eu temo.

— Assim está me deixando assustada… — a conversa não tomava um rumo que a agradava.

— Acredite em mim, não o quero. Não era para ser assim. Nada de confusão. Nada de obstáculos. Nada de desconfianças. A honestidade deve ser prioridade entre nós. Lutei minha vida inteira defendendo essa causa.

— Suas palavras são sábias, mas… elas ainda me assustam.

— Tudo bem — ele respirou fundo e a pegou delicadamente pelos ombros — Rey, eu tinha interesses sombrios quando me casei com você.

Ponderando, respondeu calmamente.

— Compreensível — Imaginava isso. Fosse para alçar voos na sociedade ou para criar uma imagem respeitosa no condado, o motivo inicial não fora porque ele se encantou por seus belos olhos verde escuros. Seria muito hipocrisia de Rey esperar pelo contrário quando ela própria mantinha a cabeça e os sentimentos em outro lugar — Quanto a isto, estamos quites. Se será honesto comigo, creio que chegou a hora de colocar as coisas as claras de minha parte também. Estava enamorada por outro homem, como descobriu, e quase fugi com ele antes de nos casarmos. O que me segurou, entretanto, não foi a ideia de passar meus dias com você, eu o odiava com todas as minhas forças, mas manter meus pais protegidos financeiramente. O discurso de sempre, Kylo, minha família, assim como você agora, é tudo para mim.

— Sim, eu sei — aquela afirmação pareceu não deixá-lo nada confortável. Diferente do que ela esperava causar.

— Os meus eram interesses já conhece e creio que não de hoje. Como os Westerming estavam falidos, qual foi o seu motivo então, Sr. Ren?

Engolindo em seco e molhando os lábios, preparou-se para começar:

— Senhor! Senhor! — Ce Trêspeó surgiu no início da arcada, acenando de longe e os tirando daquela conversa séria.

Rey suspirou, resignada, mas Kylo, semblante aliviado, relaxou os músculos tensos nos ombros ao ser interrompido.

— O senhor está sendo solicitado pelo mestre de obras. Ele quer lhe perguntar algo sobre o piso da parte de trás da casa e a cozinha p-

— Está bem, Ce Trêspeó. Estou indo — interrompeu o homenzinho, o espantando com um gesto de mão. Voltando-se para Rey, prometeu — Como vê, será difícil termos uma conversa por estas horas, mas, mais tarde, no quarto, continuamos de onde paramos. Pode ser?

— Claro. Será até melhor. Sem interrupções. Agora vá — concordou exibindo um sorriso carinhoso, mas que murchou assim que o Sr. Ren saiu do seu campo de visão.

Novamente sozinha na torre, ficou um tempo encarando a paisagem, que, após a tensão daquele diálogo, perdera um pouco do seu propósito de ser apreciada. Impaciente, Rey saiu da amurada e desceu em direção a casa.

Desviando de pessoas carregando tábuas, móveis fora do lugar e equipamentos de construção espalhados pelos corredores internos, a garota concluiu que haveria muita bagunça para ser limpa e organizada assim que os pedreiros terminassem as reformas dos interiores. Entrementes, era de extrema satisfação ver os cômodos ganharem outra vida e outras cores.

Os painéis austeros do saguão foram substituídos, as paredes marcadas por molduras de antigos quadros que nem existiam mais, pintadas em tons quentes. O chão de mármore fora preservado pela sua magnitude, mas onde havia carpetes gastos e escuros, novos, claros e macios, eram trocados.

Cumprimentando dois trabalhadores que refaziam um ornamento das colunatas no corredor que levava a sala de treino, seu objetivo final no momento, Rey notou, de canto de olho, uma cena inédita. A porta debaixo das escadas, a que sempre estava fechada ou emperrada e, portanto, nunca fora possível dela conhecer, estava aberta. Naquele lugar, segundo Luke e Kylo, existia uma adega abandonada e decrépita, perigosa de ruir o teto, alertavam. A chave se perdera, palavras do próprio Sr. Ren, e ela acabou esquecendo-se de explorar mais aquele cômodo.

Rey despediu-se dos trabalhadores e partiu cautelosa, na direção da porta. Aproximando-se, uma fresta escura a encarava de volta. Pegou a maçaneta frouxa, olhou para os lados, uma estranha sensação de que praticava algo errado, e afastou o objeto para poder enxergar melhor o que havia oculto. A luz do corredor derramou-se sobre o espaço estreito e revelou degraus quebradiços engolidos por mais escuridão.

Aquilo atiçara sua curiosidade. Teria de explorar, nem que fosse brevemente e a despeito dos alertas de desabamento do Mestre e do esposo, esta suposta adega abandonada. Dependendo do que encontrasse, avaliou retornando para as salas de lazer em busca de um castiçal perdido, poderia enviar os pedreiros para restaurarem mais um lugar.

Retornou minutos depois com um castiçal, encarou o corredor uma última vez para ver se ninguém a seguia, e desceu os primeiros degraus. Conforme avançava, ganhando distância do térreo, respirou a atmosfera pesada e úmida. Os lances de escadas, vencidos lentamente para não escorregar e se machucar no breu desconhecido, demoraram mais do que o esperado. Deveria estar há uns dez metros da parte principal da casa quando tocou o patamar.

Erguendo o castiçal a frente do corpo, não encontrou adega alguma.

***

Kylo balançou a cabeça concordando com o que o mestre de obra dizia sobre a melhor forma de instalar o gesso na cozinha. Demandaria algum custo extra, mas preservaria o ambiente por mais tempo. Ouvindo o homem falar do serviço, foi novamente interrompido por Trêspeó, que agora disse:

— Sr. Ren, mil perdões por esta nova interrupção, mas temos visitas.

Aquilo o pôs em confusão.

— Como é? Visitas? Estávamos esperando por alguém?

— Não que eu tenha sido devidamente informado, senhor.

— De quem se trata?

— Hum… bem… — Trêspeó achava aquilo atípico — É o Sr. Westerming.

Kylo dispensou o funcionário da reforma num gesto vago e questionou o indiano:

— Meu sogro aqui? Chamou minha esposa para recebê-lo?

— Ah… — o outro pigarreou — Tentei localizar a madame, mas ela, misteriosamente, desapareceu. No tocante privacidade, contudo, o Sr. Westerming disse-me em tom de ressalva que queria falar-lhe em particular. Somente ele e o patrão. Ganhando tempo, tomei a liberdade de acomodá-lo em vosso escritório. Não sei se fiz bem.

Estranho. O que aquele destruidor de vidas de uma figa veio fazer para perturbar a paz na colina?!

— Senhor, e então, fiz bem?

— Fez — Kylo concordou para o outro calar-se. Seguindo a passos largas na direção do escritório, ainda alertou o homenzinho por cima dos ombros — Quando encontrar Rey, não diga que o pai está aqui. Não ainda.

— Claro…

Precisando de menos de um minuto para contornar as dependências principais do casarão e parar na soleira do escritório, mirou o cômodo. Lá estava August Westerming, seu maior inimigo, parado diante de uma das janelonas com vista para o jardim de inverno, olhando as folhagens recém-plantadas.

— Boa tarde, senhor — Kylo Ren se fez ouvir, rigidamente, ainda na entrada do escritório.

O convidado escanteou a atenção no jardim e fitou o homem mais novo.

— Boa tarde, Sr. Ren — frieza na voz. Retirando a sua máscara, não é? — Estão promovendo melhorias na propriedade. Está ficando muito bom. Me remeteu aos tempos em que Han morava aqui com sua amável família.

— Sim — Kylo entrou de vez e fechou a porta consigo, encerrando-os no ambiente — Ideia de sua filha.

— Claro. Só poderia ser — o homem sorriu. Nenhum deles aproximou-se para um cumprimento inglês mais respeitoso, com direito a apertos de mãos.

— Veio a convite dela, aliás? — o senhor da colina parou na mesinha de bebidas e mexeu nas garrafas de xerez e conhaque.

— Não. Não avisei Rey de que viria.

— Nem a mim — ele fez questão de dizer para mostrar o quanto era deselegante uma visita surgir sem ser convidado. Sobretudo, uma que ele detestava. Uma vez decretado que teria de contar tudo a Rey, não via mais serventia em bancar o personagem do bom moço para aquela víbora —Tudo bem com a Sra. Westerming?

— Frans exerce pleno gozo de sua saúde.

— Que bom — em tom que poderia significar ‘quem se importa’ — Quer beber algo?

— Não — August apoiou a cartola que trazia em mãos no braço do sofá — E o motivo de minha visita é simples e direto, Sr. Ren. Vim lhe falar.

— Verdade. Disse algo para meu mordomo neste sentido — Kylo pegou um gole de conhaque, detestava a bebida porém sentia que ela seria uma boa companheira para seus nervos. Contornou a escrivaninha e sentou-se de frente para o velho rotundo — Fique à vontade — indicou a poltrona — Creio que o motivo sejam as finanças. Está tudo… bem?

— Se não se importa, ficarei em pé — August retorquiu, áspero — A viagem foi longa e quero esticar as pernas.

— Que seja.

— E quanto ao motivo de minha visita é para falar sobre finanças, sim.

***

Rey jogou a luz da vela sobre o que havia a sua frente e tropeçou com uma coleção de quinquilharias esquecidas pelo tempo. Caixotes de madeira, sacos de pano, molduras desgastadas, móveis velhos, livros mofados e tudo o que era possível passar pelas escadas estreitas até ali, enfiados naquele espaço. Se um dia aquela catacumba de entulho foi uma adega, encontrou outra função.

Singrando entre os objetos ultrapassados e tirando teias de aranhas de perto do rosto, estudou com minucias o que deveria ser tudo aquilo. Aparentemente refugos da parte de cima da casa que já não possuíam destino melhor… Entretanto, quem os colocara ali? Fora um serviço executado pelo Sr. Ren e Mestre Luke?

Em um caixote, após remover a grossa camada de poeira do tampo, encontrou roupas femininas de uma mulher adulta e de criança do sexo masculino, mofando. Eram belos vestidos de senhora e vestimentas para um garoto de não mais do que dez anos de idade. Além, joias femininas numa caixinha de porcelana e sapatos de passeio, gastos. Abaixo, roupas de homem adulto dobradas caprichosamente.

Com seu espírito desbravador, seguia por entre uma cristaleira quebrada e um relógio de cerejeira sem ponteiros, e alcançou outro caixote, este contendo livros e rolos de papéis. Apoiando o castiçal num móvel, se pôs a desbravá-los. Os livros eram sobre os temas mais variados, mas os rolos de papéis eram de caráter pessoal. Uma letra longa e rebuscada fazendo listas para entrega de alimentos. Outra, mais caótica, escrevendo sobre suprimentos para animais de estábulos. Havia também desenhos infantis rabiscados em folha amarelada de carta, feito pedaço de carvão, forjando um homem, uma mulher e uma criança, no topo de uma montanha.

Será que tais bugigangas contavam a história dos parentes do Sr. Ren? Será que ele guardou suas coisas pessoais, porque não queria envolvimento com a intimidade de parentes mortos e esquecidos nalgum lugar do passado?

Pegando um rolo de papel maior, leu algo mais íntimo escrito na caligrafia garranchenta:

 

“Bom dia, minha paixão! Precisei me ausentar no dia de hoje, negócios no condado com os amigos me tiram de nosso lar. Retorno, no mais tardar, até amanhã a noite. Pedi a governanta para preparar sua refeição preferida no almoço. Minha forma de me redimir… Se não surgir antes do pôr do sol de amanhã, será a vez de Ben ganhar seu prato predileto! Com amor, Han”.

 

Han? Era esse o nome do amigo que seu pai sempre dizia, não era? O tio de Kylo Ren…

Querendo descobrir tudo que conseguisse, de repente os mortos lhe causavam compaixão, fuçou outras caixas e encontrou outros bilhetes. O próximo a ser lido na bela caligrafia:

 

“Han, é impressionante como seu filho é igual a você, não consegue ficar longe de uma boa confusão! Estou a escrever porque não quero perder todos os detalhes quando for contar pessoalmente. Ben encontrou num formigueiro enorme atrás da estufa e o cutucou, indevidamente, garoto atentado... Está com a perna toda picada, teve febre leve, mas, apesar de tudo, quer sair para procurar por mais.

O jardineiro disse que estava oculto embaixo de uma planta especial que está cultivando para enfeitar os corredores, portanto, muito bem escondido.

E ele encontrou! Ah, garoto encrenqueiro. Pior é eu rir de suas travessuras sendo que o certo é repreendê-lo. Outro dia também…”.

 

“Em breve, quero levá-los para uma longa viagem. França, Alemanha e, quem sabe, até para além do mediterrâneo. Leia, você ficaria linda com as roupas exóticas daquelas regiões. A senhora minha esposa é linda de qualquer forma, não se ofenda se pareceu menos, e eu sou o homem mais feliz do mundo. Tenho dito”.

 

“Não sabia que era possível amar tanto e tão intensamente um novo ser humano. Sim, ser mãe é a experiência mais edificante de minha vida e amo nosso filho tanto, mas tanto, que até dói. Saber que ele é parte minha, parte sua, e inteiro concebido pelo nosso amor, só reforça isto, Han. Ben. Ele se chamará Ben.”

***

— Minhas finanças — reforçou August no escritório — Ou melhor, como fui de um nobre próspero a um velho que vende a filha ao primeiro forasteiro que lhe sacode um maço de títulos.

— Senhor…

— Deixe-me falar, tudo bem? Pode fazer isto por mim?

— Eu posso — Kylo respondeu entredentes. Como ele queria expulsar aquele verme carniceiro da casa e, se possível, de sua vida de uma vez por todas. Ao contrário da raiva que sentia, tentou relaxar na cadeira e ouvi-lo. Infelizmente o bichinho da curiosidade o assombrava.

— Eu fui criado muito bem para não ser um irresponsável patético. Meu pai prezava a nobreza de um homem que sabe administrar seu dinheiro e prover para suas mulheres, portanto, me considerei valoroso toda a minha vida. Um dia, mais de um ano atrás, estava somando títulos dos negócios que tenho na cidade, e fora dele, e descobri disparidades alarmantes: minhas contas não fechavam no azul. “Ora, pensei, o que diabos você fez, August Westerming? Está ficando velho e desorganizado? Se perdendo nas contas e nos papéis, ou realmente algo não bate este ano?

“Intrigado, repito, isto nunca me aconteceu nos meus mais de sessenta anos de vida, saí para confrontar meu contador em Londres. Passamos uma tarde chuvosa dentro do escritório dele, recalculando inúmeras vezes somente para descobrir que tomei a liberdade por um investimento descuidado e que me resultou em grande desfalque. Um investimento tão escancaradamente suspeito que alguém como eu, experiente, naturalmente não cairia.

“Fiquei quase uma semana fora de casa. Vaguei por diversas fontes dos rendimentos até encontrar a primária. Para começar, soube que o trâmite fora feito através de um banco de idoneidade inquestionável, por isso não desconfiei de nada. Um amigo de um amigo de um fazedor de negócios com um fazendeiro respeitoso, chegado a um investidor próspero que levou os títulos ao banco – é confuso, eu sei, - que o encaminhou a um investidor externo que… simplesmente evaporou com as perspectivas de ganho de que poderia ter. Compreende a trama macabra?

— Confuso sim, macabro não sei dizer, senhor. Está cheio de golpistas por aí se disfarçando de cordeirinhos para iludir as cadeias mais prósperas do nosso setor.

— Correto. Falou bem, meu caro — August concordou, o olho iluminado por um ardil selvagem. Ele sabe — Conversei com o amigo do amigo, aquele do início de toda esta celeuma, e me contentei com seu argumento de que alguma atividade criminosa anônima ocorrera no meio do caminho. Como eu mesmo assinei muitos desses papéis, temi acionar as autoridades e ser acusado, por exemplo, de fraude. Pouco depois do meu retorno à Londres, milagrosamente, o providencial Sr. Kylo Ren surgiu com a cura para meus problemas.

— Desculpe, senhor. Se preferia a falência, nós…

— Jovens, todos impacientes — o Sr. Westerming o atropelou — Vou contar, tenha calma. Eu disse que sou um investidor antigo e experiente. Nunca me conformei com a minha falência. Acima de tudo, me doía ver que Rey serviu de moeda de troca para minha boa vida. Eu conheci Han Solo, mas não o senhor. O senhor era só um forasteiro sombrio e taciturno, que roubou uma mulher sonhadora do seu curso natural. O casamento de vocês não foi normal, as condições não foram aceitáveis a minha moral e caráter. Assim, continuei investigando e, numa jornada exausta, cheguei ao idealizador de toda a minha falência. Ah sim, não fora um crime aleatório. Foi preciso mexer peças estratégicas, mas o objetivo era um só. E a centelha se acendeu de vez ao vir visitá-los nesta casa. Aquela vez, Rey disse-me sobre o seu cocheiro. Skywalker.

***

As cartas de amor e carinho emocionaram Rey a valer. Sentada num caixote de roupas, acompanhava, a luz de velas, todo o desenrolar de uma família nascendo e morrendo diante de seus olhos. Cada papel empoeirado era uma peça do quebra-cabeça doce da vida deles, pessoas felizes que, tudo indicava, moraram ali. Sendo eles tão extraordinários, não entendeu o motivo do Sr. Ren nunca contar sobre estes parentes.

Uma pena o destino que tiveram… A mãe, morta da doença dos pulmões. Pai e filho, desenganados sem o norte feminino, perdidos no mar para nunca mais serem encontrados. Tragédias demais a criaturas que amaram viver.

A família tinha um nome, Rey conseguiu captar. Eram os Solo. O patriarca Han, a espirituosa esposa Leia e a meiga criança, com energia em abundância, Ben. Como deveriam ser seus rostos?

Enquanto ela se fazia esta pergunta mental, outros objetos captaram-lhe atenção. Escondido no meio de pedaços de madeiras velhas, Rey achou um baú mais novo, que parecia ter sido inserido no ambiente puído, recentemente. Pesquisando dentro, ela reconheceu as vestimentas escuras que o Sr. Ren usava antes de largar o preto e assumir um guarda-roupa alegre.

Desconfiada, afinal Kylo havia dito que perdera a chave da porta, retirou a roupa de cima e chegou a um livro único, embaixo de tudo. Leviatã. Novamente o inquietante livro cheio de pessimismos sobre o instinto humano. O exemplar era muito velho e desgastado, como se tivesse rodado o mundo inteiro. Entre folhas manchadas e soltas, ela encontrou uma dedicatória sombria.

“Para meu filho descobrir o lado real dos homens. Lembre-se Ben, o homem é o lobo do homem”.

Rey sentiu um revez no estômago. Algo não se encaixava. Mais resoluta, continuou folheando aquelas páginas cheias de rabiscos. Palavras amargas, de vingança e melancolia, numa terceira caligrafia que ela tinha impressão de conhecer muito bem, dominavam o topo e os rodapés das páginas subsequentes. Em algumas eram nítidas as palavras, não existia margens para dúvidas, e depunham contra alguém que ela dividia a casa.

“Westerming. August. Condado de Dantemir. Westerming. Westerming. Westerming. Vingança. Westerming”.

O ar se tornou pesado. Deixando o livro tombar, enfraquecida, escorou-se no entulho próximo e respirou fundo até tatear o castiçal. Novamente a chama da vela iluminou os recônditos solitários do porão. Recuperando-se, Rey seguiu na direção de uma coleção de molduras onduladas, idênticas as manchas recém-pintadas nas paredes do saguão.

Quadros antigos.

Ela sentiu medo, mas foi mesmo assim. Diante dos quadros, virou-os um a um, estudando suas imagens.

Os fantasmas das cartas e da casa a fitavam de volta.

Um homem alto, charmoso, de nariz levemente adunco abraçado a uma mulher baixa de olhar penetrante e sorriso contagiante, apoiando os ombros em um garoto de cabelos negros, lábios grossos e pele alva.

Havia feições que, passasse o tempo que fosse, certas pessoas a carregariam no rosto eternamente.

Horrorizada com o que as pinceladas no quadro lhe revelaram, Rey levou as duas mãos a boca e deixou o castiçal cair, a botando na escuridão. Aparvalhada, se recompondo (ou tentando), tateou uma forma de sair dali de volta para as escadas e atrás, não antes de dormir como ele sugerira, de todas as explicações possíveis.

Todas as explicações!

***

— O nome, de início, não me saltou aos olhos, mas depois ficou claro. Sobrenome raro, eu conhecia um Skywalker.

— Skywalker — Kylo repetiu de garganta seca — Sim. Ele trabalha para mim.

— É, ele também é irmão de Leia Solo, esposa de Han Solo. Han Solo, sabe? Meu antigo amigo, antigo proprietário desta casa e, veja só, seu tio.

— Fale de uma vez, Westerming! — o homem cerrou os punhos sobre a mesa.

— Eu pesquisei a fundo, como disse. Fiquei muito encucado depois de descobrir que Luke Skywalker trabalhava para meu genro. Na festa da senhorita Rose e do senhor Finn, reencontrei-o e ele me disse ajudar o sobrinho. O sobrinho que era você.

“Eu fiquei confuso demais, mas foi por pouco tempo. Desde então passei meus dias rastreando quem levou-me à falência. Fui até um banco em Genebra e encontrei um investidor anônimo na pessoa, um certo Noah, ou algo similar. Alguém inexistente. Desci no submundo das informações rápidas, agraciei algumas mãos, agi na ilegalidade para acessar o nome real, mas enfim o consegui. Fiquei aliviado pelos papéis não estarem preenchidos no nome de Kylo Ren, mas estarrecido por terem o nome de uma criança, há muito, morta num naufrágio misterioso. O nome do homem que me arruinou, o escrito no documento era…

Rey abriu a porta do escritório devagar. Ofegante, mas silenciosa, demorou meio instante para ser notada. Quando o foi, os outros integrantes do recinto enxergaram fogo nos olhos dela. Avançando para a escrivaninha jogou o livro de Leviatã para Kylo, que entendeu que tudo estava perdido, e o acusou baixinho:

— Ben… Este é seu verdadeiro nome, não é? Ben Solo.


Notas Finais


Sei que vocês já sabiam de grande parte do que foi mostrado aqui, mas ainda têm arestas a serem aparadas nesse mistério. Essa é a hora e lugar das teorias! A vontade, queridos!

Super beijo e até a próxima atualização! 😘😘


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