Lauren POV
Era ridículo pensar que eu tinha acordado de bom humor só por saber que ia receber uma visita da Normani. Primeiro porque eu a via praticamente todos os dias da minha vida, até ano passado. E segundo porque era a Mani. Só a Mani. Pra vocês terem uma ideia do tédio que a minha vida tinha se tornado em míseros dois dias.
Eu folheava algumas fichas e listas de assinatura sobre a grande mesa de mármore na biblioteca quando escutei o barulho dos saltos batendo contra o piso de madeira.
- Você não tem tendências suicidas, tem? Porque esse lugarzinho dá vontade de morrer. – ela disse, entrando e olhando ao redor, com uma bolsa enorme pendurada em um dos braços. Eu sorri abertamente e me levantei, indo em direção a ela.
- Eu to provavelmente começando a desenvolver algumas.
Ela me olhou, sorrindo como eu, e abriu os braços para me agarrar num abraço apertado.
- Ai, minha Lolo! – ela praticamente gritou no meu ouvido, me apertando ainda mais. – Quem diria que esse seria o nosso fim. Uma trabalhando no internato dos pais, a outra, recém-casada, descobrindo que está grávida do primeiro filho. – meus olhos se arregalaram em uma fração de segundos e eu a soltei no mesmo momento, buscando o seu rosto e me sentindo levemente sem ar. Ela gargalhou alto da minha expressão de pânico e me puxou para perto novamente. – Eu to brincando!
Eu respirei fundo, tentando acalmar os batimentos do meu coração e a olhei com a expressão mais enfurecida que eu possuía.
- Como eu te odeio...
- Vem cá, que horas é esse teu intervalo, hein? – ela perguntou, ignorando o que eu disse. – Queria poder conversar num lugar menos... Assim. – ela disse, gesticulando para o ambiente. Eu ri da cara que ela fez e olhei no relógio da parede.
- Agora. Vamos lá, eu preciso comer alguma coisa.
Sentamos em uma das mesas do refeitório destinado apenas a funcionários e comemos entre conversas e risadas. Normani me disse que a grande novidade era que seus pais tinham comprado pra ela um apartamento próximo à universidade na qual ela pretendia entrar no começo do ano que vem. Acreditam nisso? Um apartamento todinho só pra ela? Em menos de quinze minutos de conversa, já havíamos feito trilhares de planos e programas dentro daquele lugar. Estava radiante por ela, mas não posso negar que senti uma pontinha de inveja. Tudo que eu queria no momento era estar livre pra viver fazendo o que eu bem entendesse. Mas, como vocês bem podiam ver, isso não tava sendo muito possível no momento.
Eu sorri quando vi Nicolas vindo até nossa mesa atrás de Normani e ela, percebendo meu olhar, se virou na mesma direção para ver pra onde eu olhava. Em um segundo, a morena virou o rosto de volta pra mim, com as sobrancelhas erguidas, e eu li seus lábios se moverem num silencioso “Meu Deus”. Eu tive de me segurar para não rir com aquilo quando Nicolas se aproximou o suficiente.
- E não é que você tem mesmo outros amigos? To impressionado. – ele disse, se sentando ao meu lado e olhando pra Normani, com um sorriso.
- É que eu tenho uma paciência enorme, sabe? Além de um instinto solidário muito grande. – Normani respondeu, sorrindo exageradamente.
- Sério mesmo que vocês mal se conhecem e já se juntaram pra me irritar? – eu questionei incrédula e os dois riram da minha pergunta.
- É bom saber que uma coisa a gente já tem em comum. – Normani disse, olhando diretamente para Nicolas. Eu tentei não rir da sua atitude descarada, mas quando percebi Nicolas literalmente corar com o comentário, eu não aguentei e gargalhei alto.
- Sim. Vocês realmente se merecem. – eu disse quando consegui me acalmar. – Dois idiotas que vivem pra zoar com a minha cara. Nicolas, essa é a Normani. Normani, esse é o Nicolas. – os apresentei, indicando um para outro. – Quem sabe um não começa a aguentar a chatisse do outro e assim os dois me deixam finalmente em paz? – eu terminei com um sorriso sarcástico nos lábios.
- Ah, Lauren, quanta inocência. – Nicolas disse. – Eu não sei se você percebeu, mas os seus problemas acabaram de dobrar. Não é, Normani?
Normani piscou para ele e depois virou o rosto em minha direção, lançando um olhar bastante significativo.
- Isso mesmo. Vai ter que nos aguentar juntos, agora.
Eu sorri, entendendo o que ela no fundo quis dizer com aquela frase e balancei a cabeça. Os dois, então, embalaram uma conversa alheia a mim e eu me vi perdida em outro assunto. Logo atrás de mim, dois funcionários conversavam. O que me fez passar a prestar atenção neles foi a menção da palavra “festa”. Ta aí algo de que eu sentia muita, mas muita falta. Uma festa. Ou um momento de pura diversão na minha vida, o que vinha sendo raro nos últimos meses. Eu inclinei o meu corpo levemente para trás, tentando me aproximar de onde vinha o som de suas vozes, e me esforcei para ouvir melhor o que eles diziam.
- É, parece que é o tal do filho dos Mahone que vai organizar. Vai ser na casa dele, este sábado. Vi alguns garotos do último ano comentando sobre isso nos jardins.
- Austin, não é? Uma dessas festas dele já trouxe problemas pro internato. Parece que os pais dão de tudo e não existe limite pra nada.
Austin. O garoto que eu peguei no flagra com Amy? Provável. Era bem a cara dele ser um desses riquinhos e populares que adoram dar uma festa, no mínimo, ilícita, pra ficarem se achando pros outros depois. E pelo jeito, era o tipo de festa em que até funcionários compareciam. Melhor dizendo, parecia o tipo de festa em que qualquer espécie de ser vivo compareceria, já que pelo andar das fofocas, o garoto tinha feito questão de convidar até as paredes e de receber quem quer que brotasse em sua porta. Mas enfim. As chances de eu me sujeitar a ir a uma festa que seria dada justamente por ele eram mínimas, mesmo que a minha abstinência por um pouco de diversão e confusão estivesse quase me matando.
Fui de repente retirada de meus próprios pensamentos por Normani, que me deu
um tapa na cabeça.
- Ei! – eu reclamei, massageando o lugar onde ela tinha acertado e percebendo que os dois já estavam de pé.
- Vamos andar um pouco até o seu intervalo acabar. – ela disse.
- Ou prefere continuar no seu mundo da lua? – Nicolas perguntou e eu soltei um risinho irônico pra ele.
Saímos dali e assim que cruzamos os grandes portões para os jardins, naquele momento lotado de alunos em seus intervalos, eu os vi sentados em um dos bancos, próximos às arvores que ladeavam toda a extensão externa do internato; dois dos três alunos que eu havia tido maior contado ali dentro: Austin e Camila.
Enquanto andávamos e Nicolas e Normani estavam entretidos demais um com o outro para prestarem atenção em mim, eu aproveitei para reparar melhor naquela cena. Os dois conversavam com os rostos muito próximos um do outro e a expressão de ambos era distinta. Austin parecia se esforçar para dizer as palavras que estava dizendo, enquanto olhava nos olhos de Camila que, por sua vez, parecia preocupada e permanecia com o olhar cabisbaixo. Sem avisos, ele levou uma das mãos até seu rosto, fazendo com que ela o olhasse nos olhos, e eu pude percebê-la adquirir uma postura tensa. Então quer dizer que o tal do Austin além de riquinho e popular, também fazia o tipo pegador? No mesmo segundo em que eu completei meu pensamento, um clique estourou na minha mente. É claro! A garota só podia estar indo encontrar escondido com ele na noite passada. A tal da Amy devia ser uma baita de uma corna. Ou... Camila era a corna da história? Eu continuei observando os dois e de repente um sentimento distinto começou a se formar dentro de mim. Camila tinha aquela expressão de quem desconfiava do que o garoto dizia pra ela no momento, mas não parecia muito segura das suas desconfianças. A possibilidade do garoto ser seu namorado e a trair com Amy, ou sabe-se lá com quem mais pelos cantos daquele internato, me fez ter vontade de revirar os olhos. Quero dizer. Que tipo de cara tem uma garota daquela, com um rosto daquele e uma bunda daquela, e abre mão de tudo isso pra ficar se agarrando com uma vara de pescar na biblioteca do colégio? Era estúpido, no mínimo. Ou não. Considerando a personalidade insuportável que eu descobri que ela tinha...
Distante dos meus pensamentos eu pude ouvir Normani dizer algo sobre o fim de semana para Nicolas, provavelmente chamando-o para sair. O que saiu da minha boca no segundo seguinte não foi em nada planejado.
- Vamos a uma festa.
Os dois me olharam assustados, como se eu não estivesse lá o tempo todo.
- Que festa? – Nicolas perguntou.
Por um momento eu não soube o que responder. Estava extremamente surpresa com o que havia acabado de sair tão espontaneamente da minha boca.
- Festa de um dos alunos daqui. Os funcionários têm comentado, sabe? – eu disse, pigarreando para limpar a garganta e tentando parecer o mais casual possível.
- Por que raio de motivos a gente iria numa festa de alunos, Lauren? – Normani questionou, me olhando como se eu tivesse dito a coisa mais idiota do mundo.
- Porque disseram que seria muita boa. – eles continuaram me olhando em silêncio, sem entender. – E também... Porque disseram que nesse tipo de festa, no fim, geralmente dá merda.
Nicolas me olhou desconfiado e Normani sorriu, cruzando os braços sobre o peito.
- Falou em confusão, você tá sempre arrumando um jeito de se enfiar no meio, não é Jauregui?
- É do Austin? – Nicolas questionou de repente. Eu apenas confirmei com a cabeça e ele deu de ombros. – Realmente. Já ouvi falar bastante sobre as festas que ele dá.
- Então pronto. Fica decidido que nós vamos à festa dele.
Os dois concordaram sem hesitar e eu voltei a respirar normalmente, ainda digerindo aquela minha reação e atitude repentinas. Eu imediatamente voltei a olhar na direção em que o casal estava, mas o banco não mais era ocupado por eles.
A verdade é que enxergar toda a situação de fora me fez ter uma súbita vontade de comparecer a festa, talvez para me distrair com a confusão que claramente era aquela história, talvez para me ocupar com alguma outra coisa engraçada e inútil que não fosse apenas aquele trabalho chato na biblioteca, ou simplesmente porque havia achado duas pessoas sobre as quais eu detinha poder por tê-los pego no flagra em situações distintas, com quem eu pudesse me ocupar e com quem, pelo menos dentro daquele colégio, eu tinha a autoridade pra irritar sem ser revidada, o que tinha se mostrado especialmente divertido, principalmente no caso do espertinho do Austin. O fato era que, naquele momento, enxerguei-os como dois bonequinhos prazerosos de irritar e manipular, e me vi torcendo para que Camila fosse realmente à festa, como eu imaginava, pois sua presença seria de extrema importância para os meus planos.
Camila POV
Sabe quando alguém te diz algo tão inesperado que no segundo seguinte, a impressão que dá é que toda a sua vida começa a passar em câmera lenta à sua volta? Só que não de um jeito bom? Pois é. Era o que acontecia comigo no exato momento. Estávamos durante o intervalo, sentados sobre um dos bancos do jardim, e Austin continuava dizendo palavras que pra mim eram totalmente desconexas, mas eu não prestava atenção. Tudo o que pairava na minha mente eram as últimas quatro palavras que ele havia dito há alguns minutos atrás. “Eu gosto de você”. A partir daí, toda a minha paranoia passou a fazer sentido e eu tremi dos pés a cabeça. Aquilo não podia de jeito nenhum estar acontecendo. Quer dizer. Austin era meu amigo, por Deus, o meu melhor amigo homem! Era isso o que ele era. Não há 10 minutos ou há um dia, e sim desde que eu entrei nesse internato. Eram anos de amizade! Por que as coisas não podiam simplesmente continuar assim? Às vezes eu acho que as pessoas têm uma dificuldade enorme pra aceitar uma amizade entre um homem e uma mulher. Mesmo Austin vem se incluindo entre elas. Eu não consegui acreditar totalmente no que ele dizia. Algo dentro de mim gritava que ele tava confundindo os sentimentos dele completamente.
- Camila, presta atenção em mim. – ele disse me puxando pra fora dos meus próprios devaneios e colocando uma das mãos em meu rosto, me fazendo olhar em seus olhos.
Eu suspirei pesadamente e desviei o olhar do dele.
- Austin... Eu não sei o que te dizer. Eu, sinceramente, não sei.
Ele ficou por alguns segundos apenas me olhando, com a mão ainda sobre a lateral do meu rosto e eu voltei a encará-lo nos olhos, pra que ele entendesse que aquilo era tudo o que eu podia lhe dizer no momento. Ou seja, nada.
Ele pareceu entender e afastou sua mão de mim, abaixando seu olhar.
- Tá. – ele respondeu simplesmente e voltou a me encarar. – Você ainda vai à festa, certo?
Eu sorri fracamente e assenti com a cabeça. Ele tentou sorrir de volta, mas percebi que sorrir naquele momento estaria sendo extremamente difícil pra ele. De repente, uma onda de remorso tomou conta de mim e involuntariamente eu soltei outro longo suspiro.
No segundo seguinte, ele apenas se levantou e saiu dali, sem me dirigir mais nenhuma palavra. Eu olhei ao redor e vi que Dinah e Ally estavam logo atrás de mim, apenas aguardando que aquela conversa claramente estranha terminasse. Eu me levantei e segui em direção às duas, que percebendo minha expressão, apenas me acolheram, cada uma segurando em um de meus braços, e me acompanhando de volta à próxima aula em silêncio.
Foi infernal. Eu simplesmente não conseguia prestar atenção em absolutamente nada do que o professor dizia. Eu tentava focar e, no mínimo, copiar a matéria, e nem isso tava dando muito certo. Eu olhei para as meninas, que eu sentia que me observavam o tempo todo, e simplesmente levantei da cadeira, me dirigindo pra fora da sala. Ao passar perto do professor, eu o encarei e ele me lançou um olhar compreensível, provavelmente deduzindo só pela minha cara que aquele não vinha sendo um bom dia pra mim. Eu agradeci mentalmente por isso e dali me dirigi direto para um dos banheiros.
Mal entrei e praticamente corri até a pia, me apoiando ali sobre as duas mãos. Eu encarei meu rosto no espelho e eu parecia miserável. Uma expressão desolada e desanimada. Abri a torneira e inclinei meu corpo para frente, para jogar uma água em meu rosto. Quem sabe aquilo ajudasse a lavar aquela minha cara de infelicidade. No instante em que minhas mãos molhadas tocaram o meu rosto, eu pude ouvir a porta do banheiro sendo aberta. A princípio, nem sequer me preocupei em abrir os olhos pra descobrir quem poderia ser. De certo, uma das meninas ficou preocupada com a minha saída e tinha vindo me procurar ali. Porém, assim que abaixei as mãos e abri os olhos, vi pelo reflexo do espelho a última pessoa que eu esperava encontrar novamente, a não ser que eu fosse à biblioteca. Sim, exatamente quem você tá pensando.
Ela me encarava, parada atrás de mim, com uma expressão curiosa. Ou pelo menos foi isso o que pareceu. Eu não sei, aqueles olhos verdes eram um mistério terrível pra mim. E não entender qual era a de uma pessoa, nem mesmo olhando fundo em seus olhos, era algo que me irritava e incomodava profundamente.
- Tá tudo bem? – ela questionou após alguns segundos, com a voz calma. Eu voltei a olhar para meu próprio reflexo no espelho e assenti silenciosamente com a cabeça. Rapidamente, andei até a outra extremidade do banheiro e retirei algumas folhas de papel da parede para passar sobre o rosto molhado. Assim que o fiz e abri os olhos novamente, vi que ela não havia se movido. Permanecia no mesmo lugar com o mesmo olhar em minha direção.
- Eu to bem. - disse enquanto virava-me em sua direção para encará-la diretamente, caso ela não tivesse entendido o meu sinal da primeira vez. Ela ergueu uma das sobrancelhas em desconfiança e eu completei da forma mais segura possível. – É sério. – o que não deu muito certo, é óbvio, porque no momento em que disse a palavra “sério”, minha voz estremeceu. Ela soltou um riso fraco e se direcionou para a pia, abrindo a torneira e começando a lavar as próprias mãos.
- Você precisa parar de tentar mentir, sabia? Já não deu muito certo da primeira vez. Dessa, também não. – ela fechou a torneira e caminhou para perto de mim. Eu instintivamente me afastei e ela passou reto ao meu lado para retirar papéis do mesmo lugar em que eu havia retirado. – Você é péssima fazendo isso.
Eu estreitei os olhos enquanto a encarava sem entender o motivo daquela conversa.
- Onde exatamente eu assinei dizendo que tinha a obrigação de falar a verdade sobre coisas pessoais a alguém que eu mal conheço? – perguntei num tom um pouco mais rude do que imaginei na minha cabeça. Toda a reviravolta das últimas horas com Austin me deixou sem um pingo de paciência.
Ela voltou a se afastar, parando a alguns passos de mim, e me olhou nos olhos antes de responder com a expressão dura.
- Você lembra que eu sou uma funcionária do internato, certo? Lembra que me deve respeito por isso? Lembra que me deve mais respeito ainda sabendo que eu sei de algo sobre você que poderia facilmente te ferrar e mesmo assim não te encaminhei pra diretoria? – eu engoli em seco e continuei sustentando seu olhar, sem conseguir pronunciar uma palavra. – Lembra ou não? – ela questionou, dando um passo em minha direção.
- Lembro. – respondi rapidamente, prendendo o ar com a aproximação. Agora, seus olhos estavam ainda mais perto e a intensidade neles chegou a me dar calafrios. Ela pareceu perceber a minha reação e relaxou a expressão.
- Ótimo. Então você já pode acrescentar “ser educada” à “não tentar mentir” na lista de coisas que você deve fazer. Se eu perguntei se você tava bem, foi por pura educação, Cabello. – ela sorriu ironicamente e eu retribuí o seu sorriso da mesma maneira.
Eu ia simplesmente me dirigir à porta para sair dali e encerrar aquela conversa desnecessária antes que eu acabasse sendo grossa mais uma vez com ela e terminasse numa detenção, quando escutei o que ela disse em seguida e paralisei no meio do caminho.
- Aliás, você tava indo encontrar com o Austin ontem, não é?
Eu virei todo o meu corpo lentamente em sua direção enquanto minha mente ainda processava o que ela havia acabado de dizer. Como ela sabia?
Ela sorriu quando viu que eu fiquei calada, apenas a observando, e voltou a se aproximar de mim. Essa história de ficar com aqueles olhos infernais a menos de um metro de distância tava começando a me agoniar.
- Se eu fosse você, me preocupava mais com o que ele faz durante à tarde do que durante a noite. – dizendo isso, no mesmo tom misterioso e levemente sarcástico, ela se dirigiu para a porta do banheiro e simplesmente saiu dali, sem dizer mais uma palavra, me deixando sozinha e sem respostas.
Se eu estivesse um pouco mais fora de mim, eu teria gritado o mais alto possível e destruído aquele banheiro inteirinho, tamanha a raiva que me tomou naquele momento. Por que raio de motivos uma monitora me questionaria sobre o Austin? Ou pior! Por que raio de motivos o que o Austin fazia ou deixava de fazer durante a tarde seria do meu interesse?! O que ela sabia que eu não sabia? E O QUE CUSTAVA ESSA INFELIZ NÃO TER ME DEIXADO FALANDO SOZINHA, FEITO UMA RETARDADA? Se ela pensava que era grande coisa só por cuidar da monitoria da biblioteca e que podia ficar dizendo o que bem entendesse pros outros e sair andando sem explicações, ela tava muito enganada. Pois eu ia caçar essa garota até ela me responder todas as perguntas que eu tinha.
Saí do banheiro, enfurecida, no exato momento em que o sinal tocou, encerrando a aula em que eu deveria estar e anunciando o começo da próxima dali a cinco minutos. Ou seja, se eu quisesse ir atrás daquela monitora, eu teria que esperar até que as aulas do dia acabassem. Eu bufei alto, me segurando novamente para não gritar de raiva, e voltei para a minha sala, para encontrar com Dinah e Ally e buscar minhas coisas.
Assim que as encontrei, as duas se entreolharam e Ally se aproximou de mim, falando baixinho.
- Você tá bem? Saiu daqui toda cabisbaixa e quando volta, só falta cuspir fogo de tão irritada. – eu mal me incomodei em encará-la enquanto pegava minha mochila e a colocava nas costas, saindo da sala logo em seguida e sendo rapidamente seguida pelas duas.
- Ei! – Dinah exclamou e me puxou por um dos ombros, me fazendo bruscamente parar no meio do caminho.
Eu virei meu corpo na direção das duas e bufei alto, passando uma das mãos pelos cabelos.
- Desculpa. – eu disse, me sentindo ainda extremamente irritada. – É que eu encontrei com aquela monitora de novo. - Dinah arregalou os olhos e Ally passou a olhar de mim para Dinah com a expressão confusão. – Longa história. – eu completei, me direcionando diretamente pra Ally.
- Ela te ameaçou? – Dinah questionou com a expressão preocupada, enquanto voltávamos a andar a caminho da próxima aula.
- Não. Ela só me lembrou de que se quisesse, podia me arrumar uma detenção. Mas não foi exatamente uma ameaça...
- Então, porque toda essa raiva? – ela perguntou.
- Porque ela me questionou sobre o Austin.
Dessa vez, até mesmo Ally mudou sua expressão de confusa para surpresa, ainda que não tivesse entendendo absolutamente nada da história.
- Como uma monitora sabe da sua história com o Austin? – ela perguntou.
- Eu não sei se ela sabe da história exatamente. Mas sabe que eu o conheço e veio dando uma de espertinha pra cima de mim, me regulando por ter ido encontrar com ele ontem e dizendo que eu devia me preocupar mais com o que ele faz durante a tarde do que a noite.
Dinah me observava com a expressão fechada, concentrada em seus próprios pensamentos, analisando tudo o que eu dizia. Ally permaneceu em silêncio, apenas me observando, e logo estávamos na sala da próxima aula.
A tarde toda se arrastou como nunca antes. Nem mesmo as sextas-feiras demoraram tanto para terminar. Tudo o que eu queria era que aquele bendito dia acabasse pra que eu pudesse ir até aquela biblioteca e tirar as respostas que eu queria da boca daquela garota. Eu mal tinha contado para Dinah e Ally sobre Austin, simplesmente não me descia que alguém tão alheio à história quanto ela soubesse mais sobre o assunto do que as duas. Aposto que ela é uma baita de uma fofoqueira, que invés de cuidar do próprio trabalho dentro daquela biblioteca, fica caçando conversa dos outros pra depois vir com comentáriozinhos bestas pra cima dos alunos.
Depois do que pareceram décadas, o sinal encerrando a última aula do dia tocou e eu levantei do meu lugar tão rapidamente que quando Dinah e Ally fizeram o mesmo, eu já havia saído da sala faz tempo. Eu andava rapidamente pelos corredores com destino certo, desviando de quem quer que fosse que brotasse no meu caminho. Àquela hora, dezenas de turmas saíam de suas classes no mesmo momento e aquilo só me atrapalhou. Com um pouco de esforço, eu finalmente estava atravessando as grandes portas daquela biblioteca, andando decidida na direção da mesa em que a monitora se encontrava sentada e concentrada em alguns papéis.
Parei na frente dela, do outro lado do móvel, e pigarreei pra que ela percebesse minha presença. Ela ergueu os olhos em minha direção e rapidamente voltou a olhar para os papéis. Eu podia jurar que naquela fração de segundos, eu vi um pequeno sorriso se formar no canto de seus lábios. Aquilo só me subiu novamente toda a raiva que eu vinha sentindo.
- Você me deve algumas respostas. – eu disse simplesmente, encarando-a.
Ela continuou em silêncio, lendo os papéis a sua frente e eu senti meu sangue ferver por estar sendo claramente ignorada. Num movimento bruto, eu retirei a mochila das minhas costas e a coloquei em cima da mesa, exatamente sobre os papéis que ela lia, a impedindo de continuar com aquela atitude idiota.
Ela voltou a me olhar, dessa vez com nenhum vestígio de um sorriso em seus lábios. Seus olhos eram agora ameaçadores, mas eu não me importava. Estava irritada demais e decidida demais a conseguir as respostas que eu queria pra me intimidar com aquilo.
- O que você quer saber? – ela perguntou com a voz calma, o que contrastou com a sua expressão dura.
- Como sabe que eu conheço o Austin? – perguntei, sendo direta.
- Eu não sei se você percebeu ainda, ultimamente tem parecido que não, mas eu sou uma funcionária desse colégio. Austin é um aluno. Você é uma aluna. É perfeitamente possível que eu veja os dois andando juntos por aqui. Se vocês andam juntos, logo é porque se conhecem. Não é muito difícil chegar a uma conclusão dessas. – ela dizia tudo pausadamente, como se estivesse explicando algo muito óbvio para alguém muito idiota.
- E como sabe que eu ia me encontrar com ele ontem à noite? – eu continuei, falando firme. Ela sorriu antes de responder.
- Disso eu não tinha certeza. Mas você confirmou que eu tava certa no que eu pensava quando teve aquela reação no banheiro. – ao ouvir aquilo, eu me amaldiçoei por dentro. Ela havia jogado a isca e eu, feito uma idiota, havia mordido.
- Mais alguma coisa? – ela perguntou erguendo as sobrancelhas.
- Por que falou sobre eu me importar com o que ele faz à tarde? O que você sabe dele?
- Se você, que é a namorada dele, não sabe, então...
- O QUE?! – eu a interrompi no mesmo momento, assustando-a com meu grito repentino. – Quem te disse que eu e Austin somos namorados?!
Ela piscou algumas vezes, com a expressão confusa, apenas me olhando com a boca levemente entreaberta. Então era isso. Ela achava que eu e Austin namorávamos e por isso deduziu que eu tivesse indo encontrar com ele àquela hora e desde então vinha enchendo o meu saco.
- Austin tem outra namorada...? – ela questionou, com certa cautela.
- Não. – eu respondi, estranhando a pergunta repentina. – Por quê?
- Nada. – ela respondeu no mesmo momento, empurrando a cadeira para trás e apoiando suas costas no encosto dela, cruzando os braços sobre o peito e me encarando antes de continuar a falar. – Enfim. Eu só disse aquilo porque acabei pegando Austin com outra garota na biblioteca. Quando por acaso eu vi vocês dois juntos hoje mais cedo, a impressão que eu tive foi de que vocês tivessem algo e de que Austin tivesse te traindo, então... Ei. – ela de repente parou de falar, percebendo que eu havia ficado aérea. Como assim ela havia visto o Austin com outra garota? O idiota tinha acabado de dizer que gostava de mim.
- Quando foi isso? – eu questionei, ignorando o seu chamado.
- Ahm. Ontem. Antes de eu te encontrar dando uma de espertinha pelos corredores àquela hora. – eu estreitei os olhos ao ouvi-la. Austin já tinha a intenção de conversar comigo e me dizer aquelas coisas naquela noite mesmo antes de se encontrar com a tal garota na biblioteca. Em partes, eu tava certa das minhas convicções. Um pouco errada quando achei que ele estivesse confundindo os sentimentos dele, porque na verdade, ficava claro que não existia sentimento nenhum, a não ser fogo no rabo. Mas estava certa quando sabia que não havia como ele estar realmente gostando de mim. Esse era o fato. Austin não gostava de mim. Austin poderia continuar sendo meu amigo sem nenhum tipo de sentimento atrapalhando e deixando estranha a nossa relação! Austin. Não. Gostava. De. Mim.
Por um momento, aquela constatação fez com que uma onda enorme de alívio passasse por todo o meu corpo, me levando a sorrir involuntariamente, e só aí eu me dei conta de que ainda estava parada na frente daquela garota, que agora me olhava como se observasse uma espécie de bicho muito estranha.
- Você é realmente esquisita, sabia...? – ela disse baixinho, me observando com cuidado. Eu sorri abertamente, de repente me sentindo extremamente leve, e soltei uma risada.
- Sim. Sabia. – respondi radiante. Aquilo só fez com que a sua expressão ficasse ainda mais desconfiada e confusa e eu não contive uma gargalhada. Tudo estava tão alegre e feliz e lindo de repente. – Obrigada por responder as minhas perguntas...? - ela demorou alguns segundos para entender o que eu estava perguntando e com a mesma expressão ela finalmente respondeu baixinho.
- Lauren.
- Certo. Lauren. Obrigada por responder as minhas perguntas, Lauren. – disse feito uma retardada, ainda sorrindo abertamente, e retirei minha bolsa de sua mesa para colocá-la sobre os ombros. – Tchauzinho, Lauren. - saí dali, encaminhando-me para meu dormitório como se tivesse retirado um peso enorme das minhas costas e, no momento, eu estava infinitamente feliz por isso.
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