Camila POV
Minha cabeça latejava como nunca antes. A dor era tão intensa que mesmo acordada eu não tive coragem o suficiente para tentar abrir os olhos. Só o pensamento de minha íris entrando em contado com a claridade do ambiente a minha volta fazia meu cérebro inteiro comprimir, como se pudesse explodir a qualquer momento. Senti uma mão quente repousar sobre a minha testa, acariciando-me levemente e eu gemi em aprovação, ajeitando-me preguiçosamente na cama sob o edredom.
- Mila... – ouvi a voz de Dinah chamar perto do meu rosto.
- Shh. – eu respondi, mantendo os olhos fortemente fechados e fazendo um bico que fez minha amiga rir baixinho.
- Vamos, Mila. Uma hora você vai precisar acordar. Não dá pra dormir pra sempre...
- Quem disse? – eu respondi, virando-me para o lado contrário e afundando o rosto no travesseiro sob mim.
- A sua vergonha na cara. Vai. Pode levantando dessa cama. Até porque preciso saber de tudo o que houve naquela festa durante a minha ausência.
- Eu posso perfeitamente te contar isso deitada e de olhos fechados. – não precisei olhar para Dinah para saber que neste momento ela adotava uma expressão repreensiva, me observando em silêncio. Suspirei derrotada antes de começar a abrir minhas pálpebras na maior lentidão possível e sentir minha cabeça estourar em resposta. Aos poucos, meus olhos focalizaram Dinah à minha frente e todo o resto do ambiente. É verdade. Eu estava na casa dela e não na minha. Porque tinha bebido feito uma condenada no dia anterior e obviamente terminado a noite completamente bêbada e inválida. Como flashes do que parecia ter sido um sonho distante, memórias da festa começaram a passar pela minha mente, algumas levemente distorcidas. A última coisa da qual me lembrava com clareza era de ter discutido com Austin, e a partir daí, tudo eram borrões que se resumiam em imagens de mim mesma bebendo, dançando nos jardins, caindo dentro da piscina, sendo socorrida por Ally e... Pela monitora? Lauren?! Eu podia me recordar de mais alguns borrões de alguma conversa que tivemos assim que Ally saiu para fazer sabe-se lá o que, mas nada com muita nitidez. Suspirei e até mesmo esse mínimo gesto fez minha cabeça doer.
- Quer comer algo? – Dinah perguntou me observando com atenção.
- Não... To meio enjoada. – respondi num fio de voz. – Ei! – eu exclamei de repente, mais alto do que deveria, assim que me lembrei de algo. – Em que raio de lugar você se enfiou ontem a festa toda, Dinah Jane? Posso ter ficado bêbada, mas não me esqueci de que não te achei em canto nenhum! Ficou se agarrando com quem?
- Agarrando, Karla? Agarrando?! Eu passei aquela droga de festa inteira te procurando! Num segundo você tava do meu lado dançando nos jardins e no outro, puf. Sumiu. Eu bem que queria mesmo ter passado a noite toda me agarrando com alguém, se não fosse pela minha melhor amiga agindo como uma criança que precisa de babá. – ela respondeu irritada. Minhas bochechas ferveram, envergonhada, e eu não contive um risinho.
- Desculpa. – disse, sorrindo amarelo e ela jogou uma almofada na minha direção. – Ei! Eu to de ressaca, poxa! – disse, fazendo biquinho novamente.
- Eu não to nem ai. Agradeça por eu não ter pulado na sua goela no mesmo instante em que você abriu esses olhinhos. – ela disse, sentando-se sobre a cama mais perto de mim e continuando a falar num tom mais sereno. – Sério, Mila. Eu realmente fiquei preocupada ontem. Quando Ally finalmente me achou e disse que você tinha caído bêbada na piscina, meu coração veio na boca.
Eu sorri e a olhei ternamente.
- Amo você, sabia? – disse, alargando meu sorriso e jogando meus braços ao seu redor para abraçá-la. – Desculpa por ter sumido e te deixado preocupada, DJ. De verdade.
Ela me abraçou de volta e ficamos naquela posição por alguns segundos. Antes de me soltar, Dinah deu um tapinha na minha cabeça que foi o suficiente para desencadear uma dor horrível, me fazendo gemer.
- Isso foi só pra você aprender a não fazer de novo o que fez ontem. Fica esperta. – eu ia respondê-la com algum palavrão mal educado quando ouvi meu celular tocar. Dinah se esticou na direção dele, pegando-o de cima de uma mesinha e estendeu-lhe para mim. Olhei no visor e vi que havia recebido uma mensagem de Austin, o que me fez revirar os olhos em seguida.
- Austin? – Dinah perguntou.
- Sim. Como sabe?
- Ally. Parece que enquanto você tava bêbada, passou horas xingando o menino pra coitada. O que ele quer?
- Não sei nem faço questão de saber. – disse, jogando o celular para longe de mim sobre a cama sem abrir a mensagem.
- Vocês discutiram feio, não é?
- Sim. Mas também não quero falar sobre isso agora. – disse, sentindo-me extremamente cansada. – Na verdade, tudo o que eu quero agora é dormir de novo e só acordar amanhã, pra ir pra droga da aula.
- Camila, nem comece. Você precisa comer, tomar um banho, dar um sinal de vida para os seus pais, um monte de coisas. Vai, vamos. – Dinah disse num tom sério, levantando-se e indo em direção à porta.
Eu bufei mostrando toda a minha insatisfação com aquilo antes de concordar.
- Tá, que seja. Eu faço tudo isso. Mas depois vou voltar a dormir. – disse num tom manhoso, enquanto me levantava da cama a muito custo e a seguia para fora do quarto.
Lauren POV.
- Você é uma grande filha da puta mesmo. Conhecia um homem desses há anos e nunca pensou em apresentá-lo pra melhor amiga. Olha só todo o tempo que eu perdi nessa vida, Lauren! Olha só quantos babacas eu tive o desprazer de conhecer antes dele!
Eu deixei uma risada escapar entre meus lábios ao ouvir o que Normani dizia ao telefone. Era segunda-feira e eu havia voltado ao meu posto infernal na biblioteca do internato. O dia anterior havia consistido em meu quarto, minha cama, meu edredom e minha comida, basicamente. O que no exato momento me parecia um cenário perfeito, já que mais uma semana de trabalho havia começado. A ligação de Normani há uns vinte minutos atrás tinha sido a única distração digna da minha alegria até então naquela manhã.
- Nunca me passou pela cabeça apresentar vocês dois. Eu devia ter imaginado que dois chatos e insuportáveis se dariam bem eventualmente. – eu a respondi, defendendo-me. Ela suspirou do outro lado da linha e pude perceber que ela estava sorrindo.
- Foi tão bom, Lolo... – ela disse após algum tempo, parecendo distraída, e eu sorri genuinamente feliz por ver minha amiga feliz também.
- Quando é que vocês vão se ver de novo?
- Não sei. Aliás, você bem que podia mexer uns pauzinhos e fazer ele me chamar pra sair outra vez, não é? Já que foi uma imprestável por todos esses anos.
- Normani...
- Vai fazer isso por mim, sim senhora! Nem pensa em reclamar.
Eu bufei e no mesmo segundo o sinal indicando o intervalo tocou.
- Tá. Mas você vai ficar me devendo essa.
- Meu amor, eu já sou um anjo na sua vida. Não tem mais nada que você possa querer de mim. – ela riu ao terminar de falar e eu revirei os olhos.
- Só esteja avisada. Eu vou desligar agora porque tá na hora do meu intervalo.
- Ai que bom! Aproveita e vai atrás dele na enfermaria, assim você já agiliza isso aí!
Eu revirei os olhos outra vez e ri do desespero dela.
- Normani. Tchau. – disse, sorrindo.
- Ai, tá, tá. Grossa. Tchau. Amo você.
Eu ri, murmurando um “te amo também” e desliguei o aparelho. Olhei ao redor e vi que minha substituta chegara. Cumprimentei-a de longe, como fazia todos os dias, e segui pra fora de lá. Deus, parecia ontem que eu havia estado ali. Se algo muito significativo não tivesse acontecido no fim de semana, eu ia acreditar que ele mal existiu, de tão rápido que passou. E por algo significativo vocês bem sabem o que eu quero dizer, certo? Pois é. Se eu disser que não consegui pregar o olho o sábado todo após a festa porque fiquei pensando naquela garota e lembrando do que ela havia me dito, eu vou parecer uma idiota, não é? Sim, vou. Porém, em minha defesa, eu quero deixar claro que não eram vocês quem estavam frente a frente com aquela menina naquela festa, vendo-a falar sobre como sua boca parecia ser gostosa de beijar, completamente molhada sob a roupa beirando a transparência por conta de toda a água, com os olhos fixos em você e os lábios carnudos perigosamente próximos, pronunciando palavras que, por toda a inocência com que eram proferidas, só tornavam-se ainda mais provocativas. Por isso, não me julguem.
Eu não me considerava alguém fácil de impressionar. Posso ter ficado com muitas pessoas durante toda a minha vida, mas nunca, nenhuma delas, havia me deixado momentaneamente abalada e sem palavras como aquela garota. Eu sempre tive o controle da situação e estava acostumada a ser aquela que pegava os outros de surpresa. Enxergar-me agora do outro lado da situação era extremamente estranho. Eu mal conhecia Camila e nos primeiros contatos que tivemos, não posso dizer que nos demos exatamente bem. Com exceção desta única vez, na festa, em que, diga-se de passagem, ela não estava totalmente sóbria, o que conta muito.
Andava em direção ao refeitório quando algo se chocou contra o meu ombro, despertando-me dos meus pensamentos. Esses alunos pareciam ter essa mania irritante de simplesmente não olhar por onde andam.
- Sinto muito. – o garoto que havia esbarrado em mim disse baixinho, enquanto voltava a seguir seu caminho. Na rápida troca de olhares que tivemos, reconheci Austin. Ele, por sua vez, assim que percebeu em quem havia esbarrado, interrompeu sua caminhada e se voltou para mim, com um olhar... Irritado? – Você. – ele disse, andando rapidamente de volta em minha direção e parando há alguns passos de mim.
Eu permaneci parada no lugar sem entender o por que de ele ter parado para falar comigo.
- Sim? Eu? – questionei, erguendo uma das sobrancelhas e encarando-o com firmeza.
- Você abriu sua boca pra alguém sobre o que viu na biblioteca?
- Se eu o quê?!
- Se você abriu essa tua boca pra fofocar pra alguém o que você me viu fazendo com Amy na biblioteca! – ele disse, dando mais um passo em minha direção e falando entre os dentes. Ah, não. Eu não estava realmente vendo o que eu estava vendo. Um aluno mimadinho e metido a esperto como ele querendo me questionar. Mas era só o que me faltava.
- Desculpa. Eu to aqui tentando lembrar quando foi que eu te dei a liberdade e o direito de ficar me interrogando sobre o que eu fiz ou deixei de fazer. Ah, é mesmo! Eu não dei. – respondi secamente, com a expressão dura e sustentando seu olhar irritado.
Ele se aproximou mais uma vez e me olhou nos olhos, falando num tom mais baixo ainda.
- Eu te vi falando com Camila Cabello, na festa. Desde quando vocês se conhecem?
Eu segurei uma gargalhada. Eu realmente tinha ouvido aquilo?
- Desde quando quem eu conheço é do seu interesse, Austin? Eu preciso te lembrar de novo que eu não sou uma coleguinha sua de internato pra você se dirigir a mim assim, e sim uma autoridade aqui dentro? – eu disse apontando o dedo na direção de seu peito.
- Eu não to nem aí pro que você é. – ele disse, praticamente cuspindo. – Se você abrir a boca pra falar o que você viu pra Camila, eu acabo com a sua vida aqui dentro, entendeu?
Ele estava me ameaçando? Meu Deus. Sim. Ele estava. Dessa vez não consegui me controlar e soltei uma risada longa e alta. Ele me olhava sem entender, com a testa franzida e numa posição totalmente defensiva. Eu me acalmei ao poucos e olhei em seus olhos novamente, adotando o tom mais sacana possível antes de falar com um sorrisinho irônico brincando nos lábios.
- Que pena seria se eu já tivesse feito isso, não é mesmo? – sem dizer mais uma palavra sequer, eu simplesmente me virei na direção contrária e saí andando dali. Mais uma respostinha atravessada que eu escutasse saindo da boca daquele moleque e eu acabaria voando no pescoço dele pra arrancar sua cabeça fora. Se ele queria arrumar confusão comigo, então ele acabou de conseguir. E eu o faria se arrepender amargamente por isso.
Camila POV.
Eu comia tranquilamente com Ally e Dinah, sentada no refeitório, naquele primeiro intervalo de segunda-feira, quando Austin passou atrás de mim a caminho de outra mesa. Eu teria o ignorado, sequer levado em conta sua existência, se não fosse pelo que ele maldosamente disse ao passar rente às minhas costas, num tom suficientemente alto para que eu escutasse.
- Bom saber que eu já fui substituído...
- Como é que é?!
Vejam bem. Eu já não andava com muita paciência. O pouco que eu tinha havia se esgotado completamente no dia em que discutimos dentro daquele banheiro. Uma simples atitude dele, por menor que fosse, já me irritaria profundamente. Quando eu escutei a voz arrastada, coberta de rancor e ironia, soltando uma indireta que eu sabia que era pra mim, eu não demorei sequer dois segundos para surtar, parando o que eu fazia no mesmo momento e levantando-me para olhar em sua direção.
Ele parou no lugar ao me ouvir e virou-se todo para mim, olhando-me nos olhos.
- Exatamente o que você ouviu. Ou você vai fingir que já não encontrou outra amiguinha pra tomar o meu lugar?
- Austin, qual é o seu problema?! – eu continuei questionando-o, abaixando dessa vez o tom de voz ao perceber que algumas pessoas passaram a nos observar.
Ele se aproximou mais um pouco de mim e respondeu-me no mesmo tom que eu.
- O meu problema é você acreditando em coisas que pessoas que você mal conhece te falam, invés de acreditar no que o seu melhor amigo diz.
- Tá. Do que exatamente você tá falando agora? – eu perguntei, olhando-o sem entender absolutamente nada do que ele dizia.
- Estou falando de você ficar de conversinha com a monitora da biblioteca, acreditando em qualquer fofoca que ela te conte.
- Austin... – eu suspirei pesadamente antes de continuar, levando uma das mãos à minha testa a massageando-a com a ponta dos dedos. Toda aquela confusão já começava a me dar dor de cabeça. – De onde você tirou que eu fico de "conversinha com a monitora"?
- Não se faz de sonsa, Camila. – ele disse, passando a mão nervosamente pelos cabelos. – Eu sei que ela andou te falando coisas sobre mim. Eu mesmo arranquei isso dela. E eu aposto que foi ela quem colocou as besteiras que você me disse sábado dentro da sua cabeça, com essas fofocas idiotas.
- Ok, primeiro. – eu disse, levantando o dedo indicador em sua direção, praticamente interrompendo-o. – Sim. Ela andou me contando algumas coisas que ela viu na biblioteca e eu não acho que sejam apenas fofocas. Segundo. Não. Não foi ela quem colocou “besteiras” na minha cabeça, porque eu não sou influenciável a esse ponto e muito menos deixaria que uma monitora do internato se intrometesse nos problemas que eu tenho com os meus amigos. Lauren apenas viu uma situação, achou que o que tinha visto fosse do meu interesse, já que percebeu que nós éramos amigos, e decidiu me contar. Fim. – ele soltou uma risada abafada e irônica antes de falar.
- “Lauren”. Estamos íntimas, então. – o tom de desgosto na sua voz era nítido e aquilo me irritou ainda mais.
- Você vai parar com essa merda ou não, Austin?! Para de incluir os outros no nosso problema e de querer me culpar por uma coisa nada a ver. Eu te disse tudo aquilo porque era o que já vinha passando na minha cabeça desde o começo das férias! O que a monitora veio me contar só veio confirmar o que eu já achava.
- O que você acha é errado, Camila! – ele continuou, alterado e aumentando o tom de voz.
- É você quem tá confundido tudo, Austin, por Deus! – eu exclamei, praticamente gritando, já não me importando mais com os olhares de provavelmente todo o refeitório sobre nós. O que, por sua vez, pareceu incomodar Austin, que olhou ao redor e puxou-me pelo braço para mais perto, sussurrando próximo do meu rosto em seguida.
- Eu não vou mais discutir com você, tudo bem? – ele disse, num tom um pouco mais calmo e, até mesmo, chateado. – Eu cansei, Mila. Eu já disse tudo o que eu tinha pra dizer e se você realmente não quer acreditar no que eu sei que eu sinto, por medo do que isso possa significar pra nossa amizade, eu sinceramente não posso fazer mais nada, a não ser esperar até que você aceite que as coisas mudaram. – à menção das palavras “amizade” e “mudaram” eu prendi a respiração por alguns segundos. Ele não estava falando bobagens. Apesar de toda a merda que ele vinha jogando na minha cara ultimamente, aquelas últimas palavras eram verdade. Eu tinha medo. Tinha e não negava. O mero pensamento daquela mudança já me assustava. E perceber que ele tinha consciência disso me deixou, no momento, sem palavras para respondê-lo.
Notando isso, ele se afastou lentamente, olhando-me nos olhos uma última vez antes de seguir para a sua própria mesa. De repente, eu já não sentia mais nem um pingo de fome.
Olhei para o lado e vi que Dinah e Ally fitavam-me aflitas. Percebi que durante toda a minha pequena discussão com Austin ali, elas não haviam conseguido encostar nas próprias comidas. Decidi que não voltaria a me sentar ali. Já havia perdido a fome e tinha algo mais importante para fazer naquele momento.
- Eu encontro com vocês mais tarde. – disse para as duas rapidamente, antes de sair correndo dali com destino direto à biblioteca.
Austin havia dito que tinha “arrancado ele mesmo” aquelas coisas de Lauren, o que significava que ele tinha ido atrás da garota pra falar de assuntos com os quais ela mal tinha a ver e provavelmente sequer se importava. Senti uma onda de vergonha tomar conta de mim só de imaginar Austin dando uma de doido pra cima da monitora do colégio por minha causa.
Dobrei o último corredor antes de entrar na biblioteca e não avistá-la no seu lugar usual, sentada sobre a grande mesa de mármore. Olhei ao redor e vi que ela estava próxima a algumas prateleiras de livros, um pouco mais ao fundo da sala. Andei rapidamente até ela, sentindo-me levemente ansiosa. Parei abruptamente ao seu lado e respirei fundo antes de me pronunciar.
- Lauren. – eu disse e a garota simplesmente pulou de susto no mesmo segundo.
- Puta merda! – ela exclamou, colocando uma das mãos sobre o peito, com os olhos arregalados em minha direção. – Você é doida de chegar assim absolutamente do nada, garota?! Que susto da porra! – ela disse e eu senti minhas bochechas ferverem.
- Desculpe. – respondi baixinho, sem fitá-la nos olhos, de repente me arrependendo de ter ido até ali atrás dela.
- Diz. O que você quer? – ela perguntou, acalmando-se, porém com o mesmo tom irritado.
- Eu... Ahm. Eu queria pedir desculpas.
- De novo? – ela questionou, erguendo uma das sobrancelhas em minha direção. Eu soltei uma risadinha nervosa.
- É... Na verdade, não. Quer dizer. Sim, quero pedir desculpas, mas... Mas não pelo susto. Por outra coisa. – disse, odiando-me no momento por estar agindo feito uma idiota na frente dela sem razão nenhuma.
- Tá. Por qual coisa? – ela disse, tirando os olhos de mim e voltando a arrumar alguns livros na prateleira a sua frente.
- Por Austin. – eu disse baixinho, observando-a. Ela olhou-me pelo canto do olho, sem parar de fazer o que fazia.
- O que tem ele? – ela perguntou, no mesmo tom.
- Ele me disse que falou com você sobre mim e... Bom, eu sei que você é apenas a monitora do colégio e que não tem nada a ver com os problemas pessoais dos alunos. Por isso queria pedir desculpas por ele ter te envolvido na nossa história confusa.
Vi que um pequeno sorriso se formou em seu rosto quando terminei de falar. Ela arrumou um último livro sobre a prateleira e virou-se para mim.
- Tecnicamente, eu mesma me meti na história, quando resolvi te contar o que eu vi. Mas tudo bem. Desculpas aceitas. – ela disse com o pequeno sorriso ainda brincando nos lábios. – De qualquer forma, Austin é um babaca. Pode até ser teu amigo, mas é um idiota. – eu ri do modo como ela falou e ela riu de mim. – Fui àquela única festa dele, pra nunca mais.
Ao ouvi-la citar a festa, me lembrei no mesmo instante de algo. Meu Deus!
- Ai não! Desculpa! – disse de repente, colocando uma das mãos sobre a boca. Ela me olhou sem entender minha reação.
- Olha, se você tiver algum tipo de mania de sair pedindo desculpas mil vezes pra todo mundo que vê, me avisa, porque...
- Não. – eu disse, interrompendo-a. – É que... Você cuidou de mim na festa. Lembra? Por um instante eu havia me esquecido... Na verdade, acho que eu preciso te agradecer por isso, não é? – disse timidamente, me embolando nas palavras. Que raiva eu tava sentindo de mim mesma agora...
- Ah. Sim. A festa. – ela disse adotando uma expressão séria. – Pensei que não se lembrasse dela. – o seu tom de voz me preocupou e no mesmo momento eu estremeci. Eu me lembrava da festa, mas não com toda a riqueza de detalhes que pelo visto eu deveria. Será que eu tinha feito alguma coisa ruim...?
- Ahm. É. Eu lembro sim. – disse tentando parecer casual. Ela me olhou com atenção, percebendo meu tom nada convincente.
- Você não lembra direito do que aconteceu, não é...? – ela disse após alguns segundos e eu senti meu corpo congelar no lugar. Engoli em seco e confessei.
- Mais ou menos...
- Então não lembra que agarrou aquele gordinho nojento e que eu tive de te salvar antes que ele arrancasse fora aquela cueca enorme e te...
- MEU DEUS! PARA! – eu gritei o mais alto que pude completamente assustada com o que ela dizia. Ela parou no mesmo momento e começou a rir da minha cara. Sim. Ela simplesmente começou a gargalhar bem na minha frente, como se eu não me lembrar de uma merda daquelas fosse realmente algo engraçado. Eu estava prestes a ter um troço!
- Eu... Eu – ela tentava falar em meio às risadas, mas não conseguia se controlar. Eu continuei olhando-a horrorizada por simplesmente não me lembrar de ter feito nada daquilo e procurei vasculhar cada pedacinho da minha memória para ver se alguma imagem remota daquela cena aparecia na minha mente. Alguns minutos depois, quais ela passou gargalhando sem parar um só segundo, a minha ficha caiu.
- Você tá só me zoando, não é? – eu perguntei seca, vendo-a começar a rir mais intensamente ainda ao me ouvir, se é que era possível. Cruzei os braços sobre o peito, apoiando-me em uma das pernas e esperei até que ela parasse com aquilo. Quando ela finalmente se acalmou, recuperando o fôlego, eu mantive meu olhar pregado ao dela com a testa franzida e com muita raiva.
- Desculpa. Eu não consegui segurar. Tava na sua cara que você não lembrava exatamente do que tinha acontecido. – ela disse sorrindo, claramente segurando a vontade de voltar a rir. – Se você tivesse visto a expressão de pânico que você fez...
- Ah sim, eu teria morrido de rir. – respondi friamente.
- Pelo menos eu não disse que você falou que minha boca devia ser gostosa de beijar.
- É claro, nessa eu não cairia nunca. – respondi revirando os olhos. Ela permaneceu em silêncio, olhando para mim, até que desviou o olhar e voltou a mexer em alguns livros. De repente, o clima passou a ser outro e eu engoli em seco. – Eu falei isso mesmo, não falei...?
Ela apenas assentiu com a cabeça sem me olhar, soltando uma risadinha nasal. Eu devo ter ficado roxa, dos pés a cabeça. Que raios eu tinha bebido pra ficar dizendo esse tipo de idiotice, afinal? Pior! O que eu havia bebido pra dizer aquilo logo pra monitora do internato?! Qual era o meu problema, Jesus?!
- Em minha defesa, eu tava bêbada e não sabia o que tava dizendo. – ela me olhou, erguendo uma das sobrancelhas, e rapidamente voltou a mexer nos livros. – É verdade! Eu nunca diria uma coisa dessas. – ela soltou outra risada nasal. – Quer dizer. Não que a sua boca não pareça gostosa de beijar. – meu Deus, o que eu tava dizendo...? – Não que ela pareça, também! Não é que eu ache... Que... Ai. – Camila, CALA A BOCA. – Enfim. Eu só queria pedir desculpas e agradecer. Tchau. – disse as últimas palavras numa velocidade recorde e simplesmente sai andando dali, sem coragem de olhá-la antes de ir embora e decidida a nunca mais botar os meus pés dentro daquela biblioteca novamente. Como eu era estúpida!
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