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História O Internato - Rotina - História escrita por seinomrohf - Spirit Fanfics e Histórias
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História O Internato - Rotina


Escrita por: seinomrohf

Capítulo 62 - Rotina


DOIS MESES DEPOIS.

 

Camila POV.

Eu havia me despedido do acampamento de férias há exatos dois dias – exatamente uma semana antes do início do último semestre de aulas do ano.

Não que o acampamento tivesse sido ruim – pelo contrário, eu me surpreendi com o quanto aquele lugar, pelos últimos dois meses, havia me feito bem –, mas estar tão próxima ao começo das aulas outra vez, mais precisamente de ter de voltar a morar no Internato Jauregui, me deixava em certo pânico.

Algo dentro de mim simplesmente clamava por um adiamento àquilo, ou pelo menos para que aquela última semana se estendesse em, quem sabe, três. Eu só não queria que as férias terminassem, e estava disposta, mesmo após tudo o que havia vivido no acampamento, a aproveitar seus últimos dias ao máximo que poderia.

- Quer dizer que o acampamento não foi tão péssimo quanto você achou que seria, huh? – Allyson questionou com um sorriso, enquanto buscava por algo para vestir dentro de seu armário. Era um fim de tarde tranquilo de sexta-feira e estávamos ambas em seu quarto.

- Não mesmo – a respondi, dando de ombros. – No começo, eu fiquei em completa negação. Mas todos foram tão pacientes comigo que eu simplesmente não consegui me manter afastada por tanto tempo. Aos poucos, eu fui me enturmando e quando menos esperava, já estava sentindo falta por saber que teria de ir embora de lá.

- Isso é ótimo, Mila. – a baixinha devolveu com um sorriso genuíno, antes de escolher entre algumas peças de roupa e jogá-las sobre a cama à minha frente. – Eu e Dinah estávamos preocupadas que com Austin lá você simplesmente não conseguisse ficar em paz.

- Eu também estava. – comentei com indiferença, dando de ombros novamente. – Nas primeiras semanas eu até tentei evitá-lo. Mas depois de perceber que isso seria impossível, eu simplesmente desisti. – suspirei, recordando-me de como fora me acostumar com uma rotina da qual o garoto era parte quase integral. – Se quer saber, eu quase me senti como quando éramos melhores amigos. – Ally me fitou surpresa e eu rapidamente frisei. – Quase. Eu ainda não consegui esquecer o que ele fez para mim.

- Certo. – ela assentiu prontamente, em seguida desviando seu olhar do meu para concentrar-se nas roupas que havia escolhido. Se eu não a conhecesse bem o suficiente, não teria notado sua mudança repentina de postura.

- O que foi, Ally?

- O quê? – a menor questionou com as sobrancelhas erguidas, como se eu fosse realmente cair nessa. – Bom. – ela deu-se por vencida no instante seguinte, ao perceber meu olhar descrente. – Eu queria evitar o assunto, mas... – começou, instantaneamente me fazendo enrijecer ao somente imaginar o que ela diria em seguida. – Eu não posso deixar de perguntar. – concluiu o raciocínio com o olhar envergonhado, sentando-se ao meu lado na beira da cama, antes de soltar quase num sussurro. – Você tem falado com Lauren?

Lauren.

Era a primeira vez, em dois meses, que eu ouvia o nome da garota ser dito em voz alta.

- Não. – respondi curtamente, sem dar indícios de que falaria sobre o assunto mais do que somente isso.

Entendendo, Ally assentiu mais uma vez e, então, sorriu abertamente.

- Dinah deve estar chegando! O que você acha desse aqui? – mudou de assunto, mostrando-me um vestido azul claro, de estampa florida.

- Acho lindo. – respondi sincera, procurando sorrir. – Mas... – continuei, pigarreando sem jeito antes de perguntar. – Nós não estamos indo somente assistir a um jogo de basquete...? Porque, se não, preciso me arrumar mais do qu-

- Ei, é claro que não! – a baixinha me interrompeu. – Quer dizer. – sorriu sem graça, revirando os olhos por uma fração de segundos. – Sim, estamos indo só a um jogo de basquete. E não, você não precisa se arrumar mais do que isso, essa roupa está ótima. – pontuou, gesticulando para a calça branca de cintura alta que eu vestia, em conjunto com a regata cinza. – A questão é que é um jogo de basquete do time de Troy, então... – ela completou, corando no mesmo segundo.

- Oh, isso! – exclamei ao me recordar. – Entendi. Esse vestido está lindo, Ally, ele com certeza vai adorar. – sugeri outra vez com sinceridade, vendo-a dar pulinhos de alegria.

Pelo menos uma das duas estava feliz.

Não que eu estivesse infeliz. De forma alguma. É só que deixar o acampamento parecia ter me abalado mais do que eu gostaria de admitir. A verdade é que eu já havia me acostumado com a rotina do lugar; em acordar cedo, tomar um baita de um café da manhã, passar o resto da tarde num circuito de atividades imenso, até que o dia terminasse e eu despencasse exausta sobre a cama do dormitório feminino que eu dividira com outras três garotas, num pequeno chalé do lugar.

Lá, era como se não me sobrasse tempo para nada, pois todo o tempo que eu tinha era preenchido ininterruptamente por uma tarefa diferente. Eu me mantinha ocupada em 100% do dia, o que impedia minha mente de viajar a lugares sombrios e a memórias desagradáveis. Voltar de lá e quebrar tal ritmo era como retornar à realidade, onde tudo o que eu desejava esquecer vinha novamente à tona. E isso, obviamente, não era nada bom.

Eu precisava me manter tão ocupada aqui quanto me mantinha no acampamento e, justamente por isso, eu me dispus a ir com Ally e Dinah assistir ao tal jogo de basquete de um time amador em que Troy participava.

Ao que parecia, Dinah havia conhecido um colega de equipe do garoto e saído em casais, junto dele e de Allyson, durante as últimas semanas. Agora, a garota estava louca para que eu conhecesse o tal menino e lhe dissesse o que eu acho dele – como se minha opinião fosse realmente influenciar a cabeça de Dinah Jane de alguma forma.

- Meninas! – falando nela, o rosto da mais alta surgiu de repente no vão da porta entreaberta do quarto de Allyson, antes que ela adentrasse o cômodo por inteiro, revelando as grandes sacolas cheias de bebidas que tinha nas mãos. – Trouxe surpresas! – exclamou animada, sorrindo de orelha à orelha.

- Pra que isso, Dinah? – Ally questionou com uma expressão provavelmente tão confusa quanto a minha.

- Ora, para comemorarmos quando a equipe dos meninos ganhar! – respondeu com propriedade, sem deixar que seu sorriso sumisse.

- E se por acaso a equipe deles perder? – perguntei, erguendo uma das sobrancelhas e vendo-a dar de ombros sem se abalar.

- Daí teremos mais um motivo para afogar nossas mágoas nessas belezas aqui. – eu revirei os olhos ao vê-la erguer as sacolas e não pude conter um sorriso descrente. Para Dinah, tudo realmente era motivo de festa. – Já combinei tudo com Ramon. Assim que o jogo terminar, nós nos encontraremos com o resto do time para celebrar. Oh, Mila! – ela exclamou sem avisos, largando as sacolas ao chão e praticamente correndo em minha direção. – Você vai adorar Ramon, ele é maravilhoso! – começou a falar com afobação, passando as mãos pelo próprio corpo enquanto parecia recordar-se do garoto em sua mente. – Os ombros largos, os braços enormes, as pernas definidas e aquela boca... Mila, aquela boca. – suspirou sorridente, antes de atentar-se ao meu rosto inexpressivo e, então, bufar com impaciência. – Urgh, eu esqueço que agora os seus critérios de beleza se resumem a branquelas de olhos verdes.

Era para ter sido uma brincadeira.

Mas dado o clima que instantaneamente se instalou no cômodo, dava para perceber que não fora uma das mais sensatas.

Tanto eu, quanto Ally, quanto a própria Dinah, paralisamos no mesmo segundo, sem saber como reagir ao comentário. O assunto “Lauren”, que há dois meses não era trazido de volta, agora era como um verdadeiro tabu.

Por não falar na garota, eu nem mesmo sabia ao certo como me sentia em relação a ela. Só sabia que quanto mais evitava a questão, melhor parecia. Logo, tratei de simplesmente ignorar o comentário e levar a conversa para outro rumo.

- Afinal, quão fortes são essas bebidas?

O olhar diabólico que então surgiu no rosto de Dinah à minha pergunta fora resposta o suficiente.

 

Para a minha surpresa, a tal quadra de esportes em que os dois times amadores jogariam estava lotada. Por toda a arquibancada era possível ver jovens, da minha idade ou pouco mais velhos do que eu, vestidos com os uniformes dos respectivos times para os quais torciam, vibrando em gritos de guerra e palavras de incentivo. Afinal de contas, o tal jogo era levado mais a sério do que eu pensava, ainda que as equipes não fossem profissionais, já que a rivalidade era nítida no ar.

Mal nos apertamos entre uma fileira e outra da arquibancada para chegarmos ao lugar em que sentaríamos, e o apito indicando o início da partida soou por todo o local. Os gritos pareceram intensificar e logo toda a atmosfera estava imersa e concentrada no que acontecia ao centro da quadra. À minha esquerda, Dinah berrava mais do que qualquer coisa, ora direcionando elogios a Ramon – qual eu identifiquei como um dos mais altos jogadores do time –, ora xingando em alto e bom tom qualquer outro garoto que ousasse aproximar-se dele de alguma maneira remotamente ofensiva. À minha direita, Allyson parecia mais contida, provavelmente nervosa demais para sequer falar, ao ver que Troy constantemente recebia falta, por ser um dos mais marcados na partida.

Apesar de realmente não me importar com quem sairia vitorioso dali, eu me engajei em torcer e vibrar junto de toda a torcida a favor do time dos meninos. Prestando mais atenção, inclusive, eu até reconheci um dos jogadores, que agora saía do banco de reservas para substituir Ramon. A cabeleira rala e loira já era mais do que conhecida por mim – e os gritos que seguiram a sua entrada no jogo somente afirmaram minha suspeita.

- VAI, GREGOIRE!

- Acaba com eles, Greg!

Ao ouvir a voz estranhamente familiar a apenas alguns metros atrás de mim, eu imediatamente girei meu corpo e dei de cara com ninguém menos que Normani, gritando o nome do amigo a plenos pulmões.

Ao vê-la ali, após tanto tempo, um turbilhão de sensações esquisitas me atravessou e meu pulso acelerou com uma rapidez provavelmente anormal. Em seguida, um pânico profundo me atingiu ao relacionar a presença da morena ali à de outras pessoas e pela fração de segundos em que meus olhos involuntariamente passaram dela para as figuras sentadas ao seu lado, eu me senti sufocar – até me dar conta de que ali estavam Nicolas, Christóvão e Homero.

Mais ninguém.

Apenas os quatro.

- OOOOOOH!

- MAS QUE MERDA É ESSA?! Ô, JUIZ! ABRE ESSE OLHO, SEU INÚTIL!

À comoção geral e aos gritos de Dinah, eu voltei minha atenção ao jogo a tempo de ver Ramon rapidamente levantar-se do chão e avançar na direção de um dos jogadores adversários, iniciando uma baita de uma discussão. Imediatamente, o juiz colocou-se ao meio dos dois e os separou às ameaças, soando seu apito com veemência e pedindo pela bola. Ao retorná-la à quadra e reiniciar a partida, o clima de alvoroço voltou ao ambiente.

A cada ponto que qualquer um dos times conquistava, uma gritaria imensa se instalava, mostrando que ali não havia maioria de torcida alguma. Apesar disso, o time adversário mantinha-se na frente e por mais que o time de Troy e Gregoire tentasse reverter o placar, a vantagem não desaparecia.

À metade da partida, eu me surpreendi mais uma vez ao ver que quem entrava agora no lugar de outro jogador desconhecido era ninguém mais, ninguém menos, do que Kim. Ao que parecia, o moreno jogava ao lado de Troy e Gregoire e, apesar de não ser nem remotamente tão alto quanto os dois, ele se mostrou extremamente habilidoso, conquistando vários pontos a favor do time e levando a torcida à loucura.

Quando estávamos perto de virar o placar, porém, o infeliz aconteceu. Numa roubada de bola bruta, um dos jogadores da equipe adversária praticamente lançou Kim para fora da quadra, fazendo com que o moreno despencasse ao chão sobre seu ombro direito e, então, gritasse de dor. Em meio ao brado enfurecido de toda a torcida, incluindo o meu e o de Normani, logo atrás de mim, o garoto teve de ser substituído e levado imediatamente à enfermaria do lugar.

O restante do jogo foi um verdadeiro massacre. Abalados com a saída de Kim e nervosos demais para agir com esperteza, os meninos terminaram a partida perdendo feio. Ao final das contas, a ideia de Dinah, de levar as bebidas para afogar as mágoas, não fora tão ruim.

- Eu disse que isso serviria pra alguma coisa. – a mais alta piscou sorridente ainda segurando as sacolas de bebida nas mãos, ao vagarosamente deixamos as arquibancadas a caminho da saída. – Oh, ei, Mani! – ela exclamou de repente, ao avistar a morena a alguns passos de nós.

Eu já havia a visto antes, mas pelo olhar surpreso em seu rosto, aquela parecia a primeira vez que Normani nos via ali.

- Wow! – ela soltou com a boca entreaberta e um pequeno sorriso brincando nos lábios. – Estão todas aqui! – constatou animada, abrindo os braços para receber Dinah num abraço apertado. – Já sei! – disse com um sorriso ao afastar-se, virando-se na direção de Ally. – Vieram por causa de Troy, huh?

A baixinha instantaneamente corou, mas assentiu, antes de caminhar até Normani e lhe dar um abraço.

- E de Ramon, também! – Dinah fez questão de frisar, piscando para a morena.

- Como é?! – ela devolveu surpresa ao separar-se de Ally, mantendo seu sorriso e recebendo um aceno positivo de Dinah. – Dinah Jane, você vai precisar me contar tudo!

- Sorte a sua que temos todo tempo do mundo pra isso agora mesmo, lá no estacionamento do parque. – piscou para a morena novamente, erguendo as sacolas em suas mãos.

- Estaremos lá, então! – respondeu sorridente, antes de finalmente virar-se em minha direção e encontrar o meu olhar. Seu sorriso, então, alargou-se ainda mais e eu pude ver a alegria nítida em seus olhos. – Ei, Mila. – cumprimentou de forma serena e quase compreensiva.

Eu nem me mesmo me preocupei em respondê-la e somente avancei em sua direção, dando-lhe um abraço forte que foi prontamente correspondido. Ver a morena após tanto tempo, sabendo o que ela representava para mim – ou pelo menos a quem a minha mente associava a sua figura – fora mais reconfortante do que eu imaginei que seria.

- Senti saudades. – disse sincera, com o peito cheio de algo esquisito, que eu simplesmente não conseguia identificar no momento. – Você está bem? – perguntei sorrindo, vendo-a assentir e responder baixinho.

- Sim. Estamos todos bem. – seu olhar fixou-se ao meu de maneira intensa e a sensação esquisita em meu peito intensificou-se. – E você?

- Estou bem. – devolvi de maneira quase automática, estranhamente sentindo agora uma maior dificuldade em manter meu sorriso.

- Isso é ótimo. – soltou num murmúrio de forme sincera, antes de ser praticamente interrompida por Homero, que surgiu absolutamente do nada ao nosso lado, com Nicolas e Christóvão em seu encalço.

- Kim até que está legal, mas preferiu ir pra casa. – contou com pesar, fazendo-me recordar da falta violenta que o garoto havia sofrido. – Eu vou dar uma carona pra ele e encontro vocês depois, ok? Oh, oi, Camila! – me cumprimentou ao se dar conta da minha presença ali, chamando a atenção de Christóvão e Nicolas.

- Vejam só que mundinho pequeno. – o mais baixo soltou em seu habitual tom sarcástico, aproximando-se de mim para me dar um beijo no rosto. – Será que o destino quis que nos encontrássemos aqui?

- Larga de ser palhaço, Christóvão! – Homero cutucou-lhe pelos ombros, fazendo-me rir da forma como o menor nem se abalou, mantendo os olhos em mim mesmo ao tropeçar com o cutucão.

Quando menos percebi, Christóvão já tinha os braços sobre meus ombros e me levava, junto de todos os outros, até a saída. Eu somente tive tempo de olhar na direção de Nicolas, receber um sorriso genuíno do rapaz e, então, devolvê-lo de longe.

Todos estavam ali. Nicolas, Normani, Gregoire, Kim, Homero e Christóvão.

Por mais que eu tentasse evitar, era impossível não me perguntar sobre o paradeiro dela.

Não que eu me importasse, é claro. É só que...

É só que nada. Eu não me importava. Até porque não tinha tempo para isso. Meu foco agora estava na pequena “festa” no estacionamento ao lado e em todas as bebidas que Dinah levava consigo para lá.

 

Em verdade, a “pequena festa” em nada tinha de “pequena”. O estacionamento largo e aparentemente abandonado agora estava repleto de carros e mais carros, com suas portas e vidros abertos e a música alta soando através dos alto-falantes poderosos. A rivalidade que havia entre torcidas parecia restrita à quadra e às arquibancadas, já que do lado de fora o número de pessoas era o mesmo de antes. Não fora apenas Dinah quem levara bebida, já que agora todos tinham pelo menos um copo cheio de álcool em mãos, enquanto conversavam em pequenos grupos espalhados pelo local. Logo, eu mesma me servi da bebida e não demorei muito a já me sentir um pouco alta num curto período de tempo.

- Eu te disse que era forte. – Dinah comentou, apontando para o quarto ou quinto copo que eu tinha em mãos, vendo-me fazer uma careta ao tomar um gole.

- É meio ruim. – dei de ombros, antes de sorrir debilmente. – Mas é bom. – Dinah riu de mim e fez menção de comentar algo, quando Ramon surgiu às suas costas e abraçou-lhe pela cintura, beijando-lhe o rosto em seguida. À cena, um “own” comovido escapou da minha boca.

- Vou buscar mais pra gente, ok? – ele murmurou contra sua bochecha, pegando o copo vazio das mãos de Dinah e lançando-me uma piscadela ao se afastar outra vez.

Assim que chegamos ao estacionamento, Dinah apresentou-me ao garoto e ele me pareceu ser realmente legal – quase uma versão masculina dela, para ser sincera. Logo, minha aprovação era total e eu estava muito feliz por saber que minha melhor amiga havia finalmente encontrado alguém que, aparentemente, gostava de verdade dela.

- Quer dizer que você já conseguiu domesticar? – zombei da sua cara, vendo-a revirar os olhos e sorrir.

- Ele só parece um brutamontes, mas é realmente gentil. – explicou com o ar apaixonado, suspirando em seguida.

- Ew, é meio estranho te ver assim. – comentei, antes de tomar outro gole. – Toda romântica e... Doce. – expliquei ao ver sua expressão confusa transformar-se numa risada.

- Eu ainda sou a mesma Dinah de sempre, ok? Não pense que por causa de Ramon eu vou amolecer e deixar de te dar uma surra nesse rabo, caso você mereça.

- Urgh, eu tinha esperanças. – soltei sarcasticamente, vendo-a negar com a cabeça e sorrir mais uma vez. – Bom. Já que eu não tenho um cachorrinho domesticado... – disse, tomando o último gole do meu copo e erguendo-o vazio aos olhos da garota. – Vou buscar mais pra mim.

- Vá pela sombra, Karla! – Dinah gritou às minhas costas e eu sorri sozinha ao me afastar na direção das bebidas.

Eu até poderia não estar exatamente sóbria no momento, mas não chegava nem perto de estar na mesma situação em que certas pessoas. Enquanto caminhava, tive de desviar de pelo menos três bêbados que, ou tropeçavam nos próprios pés e mal equilibravam-se no lugar, ou moviam-se de forma exagerada como se não tivessem controle dos próprios braços, quase acertando-me no rosto nas três ocasiões. À quarta, eu teria me saído tão bem quanto nas anteriores se, ao desviar de uma garota completamente louca, eu não tivesse tropeçado no pé de outra e dado com meu nariz no chão áspero e fedorento do estacionamento.

- Merda. – xinguei para dentro, ao sentir meus joelhos arderem em contato com o solo. Ao meu redor, pequenos uivos zombeteiros podiam ser ouvidos, mas eu mal tive tempo de me importar com eles. Um par de mãos geladas logo tocou meus ombros e a voz desconhecida soou próxima dos meus ouvidos.

- Você tá legal?

O que você acha?!, pensei comigo mesma com irritação, esforçando-me para não responder de forma desagradável à pergunta idiota da única pessoa que se dispusera a me ajudar no momento.

- Estou. – soltei de forma abafada, erguendo-me com cuidado do chão e dispensando as mãos estendidas agora em minha direção. – Eu só tropecei. – expliquei com rapidez, finalmente colocando-me de pé e, pela primeira vez, atentando-me à figura solícita.

Era uma garota da mesma altura que a minha – talvez dois centímetros mais alta? –, de longos cabelos lisos e loiros, caídos sobre os ombros. Na cabeça, o boné colocado com a aba para trás a deixava aparentemente mais jovem do que ela realmente deveria ser. Os olhos castanhos estavam preocupados sobre os meus e as suas mãos ainda permaneciam estendidas na minha direção, como se a qualquer momento eu fosse tropeçar mais uma vez.

- Você tem certeza? Eu acho que... – ela pausou, desviando sua atenção para o meu corpo e apontando acanhada na direção dos meus joelhos. – A sua calça... – completou baixinho, fazendo-me seguir seu olhar e encontrar um pequeno rasgo no jeans branco da minha perna direita.

- Ah, não tem problema. – resmunguei de maneira não muito convincente, abaixando-me para limpar a região rasgada.

- Eu sinto muito. – murmurou em resposta, chamando minha atenção novamente.

- Ei, a culpa não foi sua. – dei de ombros, olhando rapidamente ao redor. – Eu que fui estúpida de tropeçar em outra pessoa...

- Você só tentou desviar de outra garota bêbada, eu vi. – a loira insistiu, ajeitando o boné sobre sua cabeça num gesto que me pareceu costumeiro. – Na verdade, a culpa é desses idiotas que bebem e perdem toda a noção.

- É. – soltei sem graça, recordando-me que somente havia passado por ali para pegar mais bebida. Agora, o copo que há pouco caíra da minha mão já estava em algum lugar qualquer do chão, provavelmente pisoteado.

- Você estava indo até lá, não é? – apontou de repente na direção em que eu seguia, onde dois rapazes do time de basquete distribuíam as bebidas. Depois do seu último comentário, e de saber que no fundo eu não estava em minha forma mais sóbria, eu somente assenti à sua pergunta e a vi buscar minha mão sem hesitação. – Vem, eu te levo até lá sem que ninguém te faça tropeçar de novo.

No segundo seguinte, a tal garota já me guiava até os dois jogadores, com os dedos naturalmente entrelaçados aos meus. Ao gesto, uma sensação esquisita me atingiu. Não que eu não tivesse tocado na mão de Dinah, de Ally ou até mesmo de qualquer outra garota no acampamento durante os últimos dois meses. Mas algo na intimidade daquilo fez com que as pontas dos meus dedos formigassem e minha palma suasse vergonhosamente de encontro à dela. Em resumo, o ato não me parecera bom, nem ruim. Só esquisito.

- Aqui. – ela me entregou um copo cheio, após gentilmente pedir para que um dos rapazes a servisse.

- Você não pegou outro pra você? – perguntei baixinho, ao perceber que a garota não tinha nada em mãos.

- Eu não bebo. – ela respondeu com um pequeno sorriso e eu a fitei com uma das sobrancelhas erguida, sem acreditar. Uma risada escapou de seus lábios bem desenhados, antes que ela insistisse. – É verdade. Eu não bebo.

- O que você está fazendo num estacionamento, a essa hora da noite, sem absolutamente nada para fazer, além de beber? – questionei incrédula, procurando ao máximo não parecer grosseira.

- Meu irmão. – respondeu com simplicidade, tornando a mexer em seu boné. – Ele faz parte do time e eu prometi voltar com ele pra casa. Oh, a propósito...! – ela de repente estendeu sua mão a mim, sorrindo em descrença. – Desculpe. Meu nome é Lorena.

Ual. “Lorena”. Quão conveniente.

- Camila. – me apresentei um pouco desconsertada, me apressando em apertar a sua mão.

 - Então, Camila... – ela frisou, cruzando os braços sobre o peito e me fitando com um sorriso brincando nos lábios. – O que traz você a “um estacionamento, a essa hora da noite, sem absolutamente nada para fazer, além de beber”? – me imitou, levando-me a rir.

- Eu vim assistir um amigo jogar. Na verdade, dois. Quer dizer. – pausei com o cenho franzido, a aos poucos me recordar de Gregoire e Kim. – Quatro. Quatro amigos. Eu vim assistir quatro amigos jogarem. – completei finalmente, vendo-a morder os lábios para segurar uma risada.

- Pelo jeito, esse não é apenas o seu segundo copo, não é? – questionou e eu a encarei incrédula.

- Ei! Eu não estou bêbada, se é isso o que você está insinuando.

- Será que não? – insistiu em tom de provocação, deixando que seu sorriso apenas crescesse. – Porque não é o que parece.

- Não mesmo! Só não estou totalmente sóbria, mas... – comecei num tom abaixo, procurando me justificar, mas somente fazendo-a sorrir ainda mais. – Eu não estou bêbada, ok? – concluí, inclusive levando o copo à minha boca e me servindo de mais um gole para justamente afirmar meu ponto.

- Eu não saberia dizer, não é? Afinal, não sei como você seria caso estivesse sóbria. – continuou no mesmo tom provocativo, fazendo-me estreitar os olhos em sua direção. – O quê, ora? É a verdade. Além disso, bêbados são bem mais legais, o que só comprova a minha teoria.

- Quer saber...? – comecei decidida a tirar o sorriso convencido de seu rosto, até me dar conta do que ela havia acabado de implicar. – Espere, você está dizendo que me achou legal?

- Ei, não fique se achando. – piscou para mim, cutucando-me com o indicador. – Como eu disse. É apenas uma teoria. – piscou novamente e eu me vi involuntariamente correspondendo ao seu sorriso.

A verdade é que Lorena parecia bem legal também. E a prova disso é que pela hora seguinte inteira eu me vi distraída com sua presença, sequer dando-me conta de que todo aquele tempo havia passado desde que eu tinha deixado Dinah para buscar uma simples bebida.

Conversar com a garota era extremamente fácil. Um assunto emendava em outro e, quando mal percebíamos, já estávamos falando sobre algo totalmente diferente do original. Eu estaria mentindo se dissesse que não havia percebido um interesse de Lorena em mim ali. Ora ou outra, a loira soltava um flerte mais ou menos evidente e, se eu tivesse de admitir, a verdade é que eu estava realmente gostando de ser desejada daquela forma. Mas em momento algum eu me deixei levar por isso, muito menos lhe dei corda num comentário mais explícito. Apenas me sentia satisfeita com a conversa interessante que mantínhamos e isso era o suficiente para mim naquele momento.   

- Achei você! – a voz grossa soou atrás de mim e eu me sobressaltei ao sentir as mãos enormes de Ramon me chacoalharei pelos ombros. – Ah. Merda. Desculpe. – sussurrou sem graça ao provavelmente atentar-se à minha expressão assustada, afastando as mãos de mim no mesmo momento. – É que eu estava te procurando por toda a parte e não te encontrava. Dinah já estava quase me obrigando a pegar o carro e sair pela cidade procurando por você. Ela está muito nervosa e não para de xingar uma tal de “Ellen”... – franziu o cenho em confusão, antes de balançar a cabeça em negação e sorrir aliviado. – O que importa é que eu achei você!

- Droga. – resmunguei, rapidamente retirando o celular do meu bolso e checando o horário no visor. – Eu esqueci totalmente de Dinah. – murmurei para mim mesma, levando uma das mãos aos cabelos e trazendo-os para trás. – Eu acho melhor ir até ela, antes que ela realmente faça alguma besteira. – disse baixinho, lançando um olhar culpado à Lorena.

- Ei, não se preocupe. – a loira rapidamente respondeu, sorrindo brevemente para Ramon e em seguida voltando a me encarar. – Eu concordo. Vai atrás da sua amiga.

- Tem certeza? – perguntei com sinceridade, no fundo sentindo-me chateada por ter de deixar a garota ali e interromper nossa conversa, somente para evitar que Dinah colocasse a polícia atrás de mim. – A gente... – comecei, sem saber ao certo o que dizer.

Parecendo perceber isso, Lorena sorriu mais uma vez e, então, simplesmente retirou o celular da minha mão, rapidamente digitando algo nele e entregando-me de volta.

- Me ligue depois pra contar o que aconteceu, ok? – por um breve momento eu fiquei sem reação, apenas encarando o aparelho em minhas mãos debilmente, até ouvi-la soltar um riso abafado. – Agora vai lá, antes que sua amiga tenha um ataque.

- O-ok. – soltei encabulada, acenando para ela envergonhadamente, antes de ser praticamente arrastada por Ramon na direção oposta.

- Caramba, eu ainda não tinha visto Dinah tão furiosa assim... – o rapaz sussurrou aparentemente assustado enquanto caminhávamos, checando em seu celular o que deveriam ser inúmeras mensagens ameaçadoras de Dinah, como eu bem sabia que era típico da garota.

- Você ainda não viu nada. – soltei em meio a um riso sem humor algum, vendo-o me encarar com os olhos arregalados. – Ei, você ainda se acostuma. – o cutuquei com o cotovelo, não evitando um sorriso à sua reação. – Agora ande mais devagar ou eu não vou conseguir acompanhar essas suas pernas enormes sem morrer pelo caminho antes. – zombei, vendo-o desacelerar o passo e assentir freneticamente.

Coitado. Eu só poderia imaginar quão assustado Dinah havia o deixado. Apesar de saber que eu nunca deveria subestimar a garota e justamente por isso havia deixado Lorena lá para vir ao seu encontro.

- Sua prostituta! – Dinah xingou com vontade assim que cruzei sua visão, chamando a atenção de vários ao redor. – Em que merda de lugar você se enfiou durante as últimas duas horas, Camila Cabello?! – questionou assim que alcançou-me, com as bochechas vermelhas e o olhar enfurecido.

- Eu só fui buscar mais bebida e acabei encontrando co-

- Você não tem o direito de me assustar desse jeito, Camila! – cortou-me, enfiando o visor de seu celular contra meus olhos. – Você sabe quantas ameaças eu deixei na caixa postal de Ellen enquanto você estava fora?!

- O quê? Como você conseguiu o telef-

- Se você tivesse aparecido cinco segundos mais tarde, eu estaria falando com a polícia nesse exato momento! – interrompeu-me novamente e dessa vez eu somente suspirei em derrota, sabendo que era preferível apenas aguentar o esporro de Dinah quieta.

- Acabou? – perguntei após longos minutos ininterruptos de pura gritaria.

- Não me venha com essa cara de sonsa. – devolveu com o indicador apontado para o meu rosto. – Eu estou falando sério, Camila. Você entendeu tudo o que eu disse? Eu realmente fiquei preocupada, droga.

- Eu entendi, DJ. – respondi num suspiro, levando as mãos aos cabelos novamente. – Desculpe, tudo bem? Eu realmente não vi o tempo passar.

- Ok. – respondeu-me contrariada, cruzando os braços sobre o peito e bufando audivelmente. – Obrigado por achar essa idiota. – completou na direção de Ramon, que sorriu aliviado e passou um de seus braços sobre os ombros da garota.

- Tudo o que você quiser, linda. – o sorriso tímido que se formou em seu rosto ao gesto me fez finalmente ter a certeza de que a discussão terminara.

- Agora vamos embora, antes que a criatura resolva sumir novamente. – ela murmurou para dentro e eu no mesmo segundo travei no lugar.

- Ir embora?! Já?! – questionei com pavor, sentindo minha garganta imediatamente secar.

- Você viu que horas são?! Deus, você realmente perdeu a noção do tempo. – Dinah resmungou para dentro, tirando o celular de dentro do bolso provavelmente para ligar para Ally.

Eu não queria ir embora.

Não mesmo.

Somente o pensamento de ter de voltar para casa e para o vazio do meu quarto, sem absolutamente nada para fazer ou para ocupar a minha mente, já me deixava em completo pânico. Eu não poderia nem sonhar em ficar sozinha, à margem de deixar que minha cabeça me atormentasse com certas memórias.

Eu teria de inventar algo para fazer. Sofia talvez ainda estivesse acordada. Ou quem sabe...

- Ally! – exclamei assim que a vi aproximar-se com Troy atrás de si. – Eu posso dormir na sua casa hoje? – perguntei ansiosa, praticamente me jogando sobre a baixinha.

- Claro, Mila. – ela respondeu com simplicidade, mas lançando-me um olhar desconfiado em seguida. – Algum motivo especial pra isso? Você parece meio desesperada, aconteceu alguma coisa? – disse a última frase num sussurro, para que somente eu a escutasse.

- Não, não, eu só... Estou com saudades de dormir na sua casa, depois de todo esse tempo. – inventei rapidamente, vendo-a sorrir e em seguida me puxar para um abraço.

- Oun, é claro que você pode dormir lá em casa, nem precisava me perguntar, sua boba. – disse em meu ouvido, antes de afastar-se com um sorriso imenso.

Logo, eu estava satisfeita.

Dormir na casa de Ally soava menos solitário do que voltar para casa àquela hora. Pelo menos lá, nós poderíamos conversar uma com a outra até que caíssemos mortas de sono sobre o colchão e aí, então, mais um dia já teria terminado.

Ou pelo menos era isso o que eu esperava que acontecesse.

 

CAMILA!

 A voz é alta, desesperada, vibrante. Soa próxima, como se sua origem estivesse a apenas alguns centímetros da minha orelha, causando vibrações que iniciam em meu ouvido e espalham-se por todo meu corpo, fazendo minha cabeça doer, me atormentando.

Olho para todos os lados e simplesmente não encontro sua fonte. Não a enxergo em lugar algum. Entro em pânico. Quero respondê-la.

CAMILA!

A cada chamado, o desespero somente se intensifica. Sinto frio. Um vazio. Uma sensação extremamente agonizante.

“Onde você está?!” grito para o nada, apesar de não conseguir expandir minha voz tanto quanto gostaria. As palavras parecem presas em minha garganta, me esforço para berrar e simplesmente não encontro energia para isso. “Diz onde você está!” clamo em desespero, buscando em todas as direções possíveis por ela.

CAMILA! CAMILA! CAMILA!

Ela chama seguidas vezes e um arrepio intenso me toma a espinha. Pareço impotente. Incapaz de me mover. Minha visão torna-se turva. Sombras ao meu redor começam a me confundir. Não sei mais exatamente onde estou, nem porque estou ali. Tudo resume-se à vontade imensa de responder o seu chamado.

CAMILA!

“Eu estou aqui!” tento dizer, ignorando a queimação que inicia-se em minha garganta. “Por que você não vem até mim? Eu estou aqui!” insisto, caindo ao chão sobre meus joelhos.

CAMILA!

“Vem até mim!”

CAMILA!

CAMILA!

- Laur... – o nome escapou por meus lábios sem avisos, em meio ao cômodo escuro.

Quando me dei por mim, estava sentada sobre o chão do quarto de Allyson, com meu pulso extremamente acelerado, minha respiração alterada e uma fina camada de suor cobrindo todo meu corpo.

- Ah, não. – sussurrei para ninguém, levando uma das mãos à testa encharcada, antes de deitar-me sobre o colchão às minhas costas. – Não, não, não, de novo não. Esse pesadelo de novo não.

O mesmo pesadelo que se repetira em todas as noites, durante os primeiros dias de acampamento.

O mesmo pesadelo que finalmente deixara de me amedrontar há um mês e meio, depois de muito esforço.

O mesmo pesadelo envolvendo ela e aquele maldito dia. Não poderia ter voltado.

- 8:15 da manhã: alongamento e série de exercícios. – sussurrei para mim mesma, recordando-me do acampamento e, então, levantando-me do colchão às minhas costas num salto.

Àquele horário, os exercícios eram a chave. Todo o dia no acampamento começava com uma série de exercícios rápidos, com o objetivo de que todos estivessem alongados o bastante para o restante das atividades ao longo do dia. Eram optativos. Somente sugeridos pelos monitores do lugar. Mas eu os cumpria religiosamente, porque representavam a minha solução mais certeira.

Enquanto eu corria, fazia agachamentos ou o que quer que fosse, minha mente simplesmente desligava. Nada passava por ela. A sensação de paz e tranquilidade era plena. Nada me interrompia ou me incomodava. Toda a minha atenção voltava-se à repetição de movimentos que eu fazia e fim. Esse era o meu único foco.

- Eu estou realmente vendo Camila Cabello fazendo flexões às sete horas da manhã ou eu ainda estou sonhando?

A voz de Ally me tirou do transe em que eu estava ao contabilizar o número de flexões que eu fazia.

- Eu te acordei? – perguntei, sentindo-me ligeiramente sem fôlego.

- Digamos que sim. Mas esse não é o problema. – Ally respondeu, sentando-se ao meu lado no chão. – Desde quando você é adepta a exercícios físicos?

- Desde que eles me fazem bem...? – questionei em tom de pergunta, como se fosse óbvio, sentando-me ao seu lado e esticando as pernas.

- Sei. – respondeu de forma desconfiada, sem conseguir conter um bocejo logo em seguida. – Se eu não estivesse com tanto sono, eu até tentaria descobrir o porque de você não estar me dizendo a verdade.

- Eu estou dizendo a verdade, Ally. – afirmei com firmeza, vendo-a estreitar os olhos na minha direção. – Quão suspeito pode ser fazer exercícios físicos, meu Deus?! – rebati contrariada, vendo-a gesticular para o nada.

- Relaxe, Mila. Não estou questionando você, ok? Acho bom até que você tenha adquirido esse... Hábito. – completou após outro bocejo, em seguida levantando-se e caminhando a passos lentos de volta à sua cama. – Só tente dormir um pouco mais quando terminar, sim? Está cedo pra caramba.

- Espera. – pedi, rapidamente me levantando e parando ao seu lado. – O que nós vamos fazer hoje mais tarde?

- Mila... – a baixinha levou uma das mãos a suas pálpebras e as massageou num gesto cansado. – São sete horas da manhã. Eu não faço a mínima ideia do que nós vamos fazer hoje, se é que eu não vou passar o dia inteiro dormindo...

- Quê?! – questionei quase assustada, vendo-a arregalar os olhos em surpresa. – Quer dizer, como assim “passar o dia inteiro dormindo”, Ally? Nós precisamos aproveitar o sábado. – completei num tom mais ameno, porém sem conseguir esconder a minha ansiedade.

- Eu não sei de você, Mila, mas depois da noite anterior, passar o dia inteiro dormindo é a minha ideia perfeita de “aproveitamento”. – rebateu com um riso curto, antes de bocejar mais uma vez e preparar-se para deitar sobre a cama.

- Ok, você acha que Dinah gostaria de fazer algo hoje, então?

- Pfff. – soltou, negando com a cabeça. – Se eu estou considerando passar o dia dormindo, imagine Dinah. Você a conhece, Camila. – disse e era verdade. Era bem a cara de Dinah passar o maldito sábado inteiro em sua cama, após ter bebido o que bebeu ontem. Inferno. – Mila, com toda a sinceridade do mundo, vá dormir. – Ally tornou a falar, pegando em minha mão. – Sério, aproveite a oportunidade, porque eu sei que no acampamento você sempre teve de acordar cedo.

Sim. Sempre. E era mil vezes melhor. Sem pesadelos idiotas atrapalhando o meu sono.

- Ok... – me dei por vencida, desejando-lhe então uma boa “noite” e tornando a deitar em meu colchão.

O único problema era que de forma alguma eu conseguiria pegar no sono novamente. Não conseguiria, nem queria. Porque dormir significava correr o risco de acabar sonhando novamente. Enquanto permanecer acordada era ainda pior, já que eu não tinha absolutamente nada para ocupar minha mente.

Ally estava decidida a passar o dia dormindo e Dinah, como a baixinha já havia dito, provavelmente faria o mesmo. Sem minhas duas melhores amigas disponíveis, não me sobrava muitas opções. Sofia era nova demais para me acompanhar num dia inteiro, como eu realmente precisava, e sair com meus pais estava fora de cogitação – o que me levava a uma última alternativa.

Ao buscar o nome da garota e encontra-lo salvo em meus contatos com um coração ao lado eu instantaneamente sorri. Digitando rapidamente e pressionando “enviar” antes mesmo que eu tivesse a chance de repensar o ato, eu mandei uma mensagem à Lorena.

Ei, eu sei que ainda é cedo, mas você gostaria de fazer algo comigo hoje à tarde? Eu realmente gostei de conversar com você ontem. Um beijo.

            - Camila.

Agora, só me restava aguardar por sua resposta.

 

À uma hora da tarde do mesmo dia eu felizmente já me via caminhando com Lorena ao meu lado para um de seus restaurantes favoritos.

Para a minha sorte, a loira respondeu-me logo que acordou, dizendo que então nós duas poderíamos almoçar no local, caso eu concordasse. Eu não pensei duas vezes antes de aceitar e passei o resto da manhã contando os minutos até que eu pudesse me encontrar com a garota.

- Se você não provar o meu prato favorito, não vai ter adiantado de nada eu ter te trazido até aqui! – Lorena pontuou, enquanto adentrávamos o lugar.

- Eu não disse que não ia provar. Só disse que provavelmente odiaria e acabaria tendo que pedir outro. – dei de ombros com um sorriso somente para irritá-la, vendo-a negar em descrença.

O tal restaurante era pequeno, felizmente não muito longe de onde nos encontramos, bastante aconchegante e aparentemente tranquilo. As mesas próximas à entrada e às janelas pareciam mais desejadas, já que estavam praticamente todas cheias, enquanto ao fundo apenas algumas eram ocupadas. Assim, nós nos sentamos ao que poderia ser considerado o centro do local e fomos prontamente abordadas por uma garçonete sorridente. Logo, Lorena tratou de fazer os pedidos, incluindo o seu prato favorito para ambas e uma bebida qualquer.

- Já que você está fazendo tanta questão de que eu prove o prato, quer dizer que você é quem vai pagar por ele, certo? – perguntei com minha expressão mais séria, vendo-a revirar os olhos.

- Você era menos folgada quando não estava sóbria, sabia?

- Ouch! – soltei de forma exagerada, colocando uma das mãos sobre meu peito. – Essa machucou, ok?

- Quanta drama. – devolveu com um sorriso descrente, apoiando os cotovelos sobre a mesa para ficar mais perto.

- Folgada, dramática... Assim você só continua magoando os meus sentimen-

O sorriso que somente crescia em meu rosto imediatamente morreu.

À visão em minha frente, a apenas alguns metros das costas de Lorena, eu deixei de funcionar.

Minha respiração cessou. Minha boca calou. Meus movimentos estancaram. E somente meu pulso trabalhou dentro de mim como se não houvesse limites para sua velocidade.

Lauren.

Era Lauren ali.

As curvas grossas dos cabelos longos caídos a cada lado de seus ombros, a palidez da sua pele ainda mais evidente à luz baixa do local, os dedos finos das mãos cobertos de anéis diversos, os olhos verdes, vívidos e intensos, atentos a um único ponto, os lábios cheios e agora negros pelo batom escuro que ela usava, curvando-se nos sorrisos que ela dava a cada palavra que saía da boca da figura à sua frente.   

Tudo era familiar demais. Dolorosamente familiar.

E me dar conta de que ela estava ali, acompanhada, foi facada ainda maior.

A garota em sua frente estava de costas para mim. Por isso, de onde sentava, eu somente podia ver seu cabelo curto, a altura dos ombros, castanho e encaracolado. E seja lá o que ela estivesse dizendo à Lauren, com certeza era de seu extremo interesse, já que ora a morena ria de forma tão genuína que chegava a encolher os ombros e avermelhar as bochechas, ora mantinha os olhos tão fixamente atentos à garota que nem sequer piscava, e somente vez ou outra mexia em seu prato, como se prestar atenção à ela fosse mais interessante e importante do que comer.

Foi quando, num gesto abrupto, ela inclinou-se sobre a mesa, buscou as mãos da garota com as suas, as acariciou ternamente com a ponta dos dedos e aproximou seu rosto o máximo possível do dela, colocando toda célula existente em meu corpo em alerta absoluto.

Numa fração de segundos, a imensidão de memórias, privadas pelos últimos dois meses na minha cabeça, me atingiram de uma só vez. Eu senti todos os toques, todos os olhares, todas as palavras, todos os momentos e todas as promessas, ao mesmo tempo. As lágrimas, os sorrisos, os abraços e os suspiros. A quantidade de situações absurdas pelas quais nós já havíamos passado. E a quantidade ainda maior de situações maravilhosas que já havíamos vividos juntas.

Tudo o que eu havia lutado para tentar esquecer.

Tudo o que aconteceu entre ela e mim. Tudo o que aconteceu comigo.

Lauren viveu tudo aquilo junto comigo e não com outra garota. Não com aquela garota. 

 E como se de nada tivesse valido, o esforço que eu fizera para tentar esquecê-la desvaneceu ao simples contato visual. Quando num lapso seus olhos cruzaram de longe os meus e me fitaram como se não acreditassem no que vissem, eu tive certeza: que se dane essa história idiota de esquecer Lauren. Que se dane essa ideia estúpida de achar que inventando uma coisa a fazer, por mais ridícula que seja, para ocupar cada segundo do meu tempo, eu conseguiria me livrar do que eu sentia. Que se dane negar tudo o que eu sabia que ainda estava dentro de mim, apenas adormecido. Que se dane. A verdade é que eu amo Lauren. E que isso não mudou em absolutamente nada durante os últimos dois meses.

- Camila, eu juro que você está me assustando. – a voz preocupada de Lorena finalmente chegou aos meus ouvidos após o que parecera uma eternidade. – Você está bem? – questionou em seguida, enquanto eu ainda me acostumava em encará-la e tentar desviar minha atenção da mesa em que Lauren estava.

- Ahm. – comecei, com minha voz estranhamente rouca. – Desculpe, Lorena, por um momento eu... – continuei quase sem fôlego, sem conseguir ainda firmar-me no lugar após ter parecido ficar sem chão. – Eu me desliguei totalmente... – conclui num murmúrio, fechando os olhos por um momento para tentar me acalmar, ou não conseguiria disfarçar meu abalo nem para Lorena, muito menos para Lauren, que já estava ciente da minha presença ali.

- Você quer um copo d’água? Eu posso trocar nossas bebidas com a garço-

- Não se preocupe. – a interrompi, esforçando-me como nunca para sorrir. – Eu já estou bem, eu só... – tive dificuldades em concluir o pensamento, quando por minha visão panorâmica pude perceber Lauren levantando de sua mesa e seguindo para a saída do restaurante. – Ahm, Lorena, me desculpe mesmo, ok? Só me dê um minuto, eu acho que preciso tomar um pouco de ar.  – disse tudo num só fôlego, provavelmente atropelando as palavras enquanto as dizia.

Mas eu não me importei. Não me importei com o que Lorena acharia ou o quanto poderia ficar preocupada. Não me preocupei com o que aquilo pareceria nem com qual seriam as consequências dos meus próximos atos. Só me preocupei em levantar daquela mesa e seguir o mesmo caminho que Lauren fizeram há apenas alguns segundos, deixando uma Lorena estática e confusa para trás.

Atravessando a entrada, não foi difícil encontrá-la. Lauren estava afastada apenas alguns metros da fachada do restaurante, ainda sobre a calçada, conversando distraída com o celular contra a orelha.

Sem hesitar um só instante, eu rapidamente me adiantei em sua direção e somente parei quando estava perto o suficiente da morena, a provavelmente apenas alguns centímetros de distância de seu corpo.

Imediatamente notando minha presença, ela parou de falar ao celular e rapidamente despediu-me de quem quer que fosse que ela estivesse falando, levando o aparelho ao bolso e, então, dando sua atenção total a mim.

Em seus olhos, a surpresa ainda era evidente. As sobrancelhas juntas demonstravam sua apreensão ao que viria, apesar de esta ser totalmente palpável somente por sua postura. Seu corpo estava ereto, estático, claramente tenso. A boca fechada, os lábios pressionados, o queixo erguido. Ao mesmo tempo em que me desafiava, ela também parecia temer o que eu diria. E querendo acabar de uma vez por todas com a espera, eu simplesmente me adiantei mais um passo e parei com meu rosto agora a milímetros do seu; as órbitas castanhas nunca deixando as verdes, nem por uma fração de segundos, enquanto eu me pus a sussurrar cada palavra com toda a certeza e confiança que eu possuía dentro de mim.

- Não me interessa o que você fez durante esses dois meses, se conheceu alguém, se ficou com alguém, se transou com alguém ou se fez tudo isso com mais de dez pessoas. Não me interessa quantas mulheres você encontrou, quantas beijou, quantas achou que eram lindas ou quantas quis levar pra sua cama. Não me interessa se essa garota dentro desse restaurante com você é sua namorada, sua noiva, sua esposa ou o amor da sua vida. – pausei finalmente por alguns segundos, somente para retomar todo o ar que eu podia antes de completar com meus lábios agora mal roçando os seus. – Você é minha, Lauren. E eu vou te provar isso a todo custo. 



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