— O que está acontecendo com ele? — Naruto perguntou quando Sakura o levou até o escritório de Sasuke, que ainda se encontrava tendo calafrios, deitado em seu divã.
— Também gostaria de saber. — A rosada confessou, mordendo o lábio superior numa tentativa de conter a preocupação exacerbada. — Mas ele não parecia bem. Sasuke está numa intensidade sem igual esses dias. Às vezes eu me questiono se ele ainda está no controle.
Os olhos azuis de Naruto fixam-se duros em Sakura.
— O que quer dizer com isso? — ele pergunta baixinho.
Sakura olha para o amigo, e faz um breve suspense. Ela ajusta o cobertor sobre Sasuke, que já estava medicado; era questão de tempo até que o remédio fizesse efeito no mesmo. Sakura apenas esperava que isso acontecesse em breve, sentia o coração apertado só de ver que o amado não estava bem.
Quando deixou Sasuke mais acomodado, ela tocou Naruto no braço em um convite para se afastar de Sasuke, para que ele pudesse repousar melhor.
— As coisas que você ouviu sobre Sasuke, são verdadeiras. — Admitiu quando tomaram certa distância.
Aquele segredo era dele para contar, não dela. Mas as coisas estavam ficando apertadas, como em um beco sem saída. Contar o segredo de Sasuke foi tão natural, que ela não sentiu estar fazendo a coisa errada. Muito pelo contrário.
Se Sakura tinha de ter feito algo de errado, ela fez naquela noite anterior em que transou com a Fera. Tinha consciência disso. Foi o que deixou Sasuke louco de vez, porque a enfermeira havia despertado um sentimento de possessividade na besta, e Sasuke não havia gostado do que a Fera havia sentido em relação a isso. O que ele havia sentido também… terrivelmente gostado, colocando em jogo tudo o que ele sabia sobre sua humanidade.
Ela não sabia dizer bem o porquê, mas nunca ter escutado Sasuke se lamuriar pelo fato de não ter um outro braço, a fez pensar que ele não se renderia facilmente a trocas tentadoras sobre ser alguém poderoso… útil.
Aquilo era triste, e não estava em seu dever dizê-lo o que fazer. Sakura não conseguia se imaginar sem um membro do seu corpo, seria algo muito difícil de aceitar.
Naruto observava a amiga atentamente.
— Toda meia-noite ele se transforma em uma besta, resultado de uma maldição que acompanha os Uchihas há centenas de anos como punição pelos atos deles. É imparável. Sasuke sofre com isso, por isso que se mantém recluso da sociedade, escrever e responder seus leitores por e-mails foi a única saída social que ele teve. Só que agora as coisas andam mais tensas, porque ao mesmo tempo que ele parece controlar a Fera, ela também pode surgir a hora que quiser.
Para ela aquilo poderia ser normal, mas a informação fez com que os pelos de Naruto arrepiassem, e ele engolisse em seco quando olhou para Sasuke na expectativa dele se transformar no segundo depois que Sakura terminou de falar. Felizmente, aquilo não aconteceu.
— Não se preocupe, ele está apenas… mal. Ele não vai se transformar — avisou —, acredite, não é assim que começa.
Aquilo fez com que Naruto respirasse fundo, e ficasse menos pálido de medo, embora tivesse perguntado nervoso:
— E você já viu ele se transformar?
— Bem na minha frente. — enfatizou fazendo com que o amigo estremecesse. — Mas, não sei. Não foi nada ameaçador. Sasuke já me falou algumas vezes que se ele se esforçar, consegue assumir o controle.
— Está tentando dizer que não é perigoso?
— Perigoso, é. Mas parece que a Fera tem um instinto protetor. Ela quer proteger a casa e aqueles que estão dentro dela.
— É por isso que Chiyo passou tantos anos enfurnada aqui?
Ela olhou para ele com complacência, não aprovava aquele tipo de perguntas sarcásticas, embora Naruto só estivesse de fato curioso.
— Ela só queria ajudar, assim como todos nós queríamos. — Sakura então voltou a olhar para Sasuke, e a pressão dela quase baixou quando percebeu que o mesmo estava deitado virado para os dois, apenas os observando com os olhos duros. Seus músculos ficaram tensos. Ao lado dela, Naruto parecia ter se assustado também com a postura inesperada do homem em sua frente.
— O que… ele está observando a gente? — perguntou baixinho, sem conseguir tirar os olhos de Sasuke.
Sakura soltou um forte suspiro após se recuperar do breve susto.
— Seja gentil. — ela disse antes de andar de volta na direção de Sasuke. — Isso foi rápido. — disse a ele. — Como se sente?
— O que ele faz aqui? — perguntou à rosada, ignorando a pergunta que ela havia feito.
— Sabe que eu ainda não sei? — ela revelou olhando então para Naruto. — Eu estava tão apavorada que nem tive tempo de perguntar. O que faz aqui, Naruto?
O loiro ficou olhando para os dois. Parecia indeciso, como se não soubesse se contava o motivo ou dava uma desculpa esfarrapada para dar o fora dali o mais rápido possível. Seu medo era visível, mas parecia confrontar algo maior, talvez algo como a empatia de acabar compreendendo a situação.
As coisas que Sakura disse soavam como loucuras. Ele ainda pagaria ver para crer, mas o homem deitado no divã lhe fazia os ossos tremerem de medo; não gostava do olhar assassino do Uchiha, mas o cara não estava em suas melhores condições, e via Naruto como uma ameaça. Parecia ser compreensível, sim, no momento em questão.
No entanto, quando olhou para Sakura, Naruto lembrou o motivo de ter se apressado para chegar ali o mais rápido possível e dar o aviso, bem como havia prometido que faria caso soubesse de algo.
— Vocês queriam informações, e estou trazendo uma muito importante. — Avisou.
Sakura ficou dura ao lado do divã, enquanto Sasuke que parecia não tremer, ou talvez ele apenas estivesse contendo, pois ainda estava enrolado nas cobertas. Ambos lhe deram total atenção.
— Ouvi dizer que Gaara e Tobi irão subir hoje o morro e atacar a mansão.
— Tem certeza disso? — Sakura perguntou.
— Quando saí na rua, me senti em um filme medieval. Eles querem mesmo fazer isso de um jeito antigo, por isso estão fazendo suas próprias armas para exterminar o monstro que habita aqui.
— Burros. — Sakura exasperou enraivada, mas era nítido o seu desespero também. — A Fera consegue se regenerar em sua forma bestial. Não importa o quão a machuque, ela irá se recuperar e matar a todos.
— Gaara e Tobi sabem dessa informação? — A pergunta dele foi direcionada a Sasuke, que se prontificou a ficar sentado, mesmo que ainda parecesse doente.
— Tobi. Ele já confrontou a besta do meu pai uma vez, não foi como planejado. Sua raiva maior não é porque a sua irmã pôde ter morrido decorrente do envolvimento dela com a Fera, e sim, porque ele não obteve sucesso em sua tentativa de matar o meu pai, e quando ela soube o que ele fez, o expulsou para sempre daqui, e da vida dela também.
Sakura olhou surpresa para ele. Não sabia daquela informação. Quantas coisas ele ainda não havia a contado?
— Bom, se Tobi sabe, Gaara agora também sabe.
— E o que eles vão fazer? — Sakura indagou. — Vão matar Sasuke? Cometer um assassinato contra um inocente? Ele estará em sua forma humana! Como vão explicar as autoridades o que fizeram?
— Sinceramente, se a polícia não participar disso será uma grande surpresa.
Ela quis desabar no chão. Naruto estava certo, pois a mesma lembrara da forma como aqueles policiais na noite de ano novo apareceram e simplesmente quiseram falar sobre os boatos, e como quase acusaram Sasuke de algo por causa disso.
Era como se estivessem em um beco sem saída.
— Não podemos ficar aqui. — ela conclui depois de alguns segundos. — É perigoso para todos nós. Você não conhece nenhum lugar seguro na floresta?
— O que a faz achar que, se tivesse, não o procurariam lá?
— Estamos passando por um inverno rigoroso. Não acho que eles conseguirão nos alcançar em algum outro ponto distante daqui. — explicou determinada.
— Mas também não precisarão ir muito longe. — disse Sasuke, se erguendo deixando o cobertor deslizar pelo seu corpo quando ficou em pé. — Por mais que me levem para longe, a Fera vai voltar para cá. Minha sugestão é deixar que eu os enfrente.
— Se fizer isso, só irá mostrar que Gaara e Tobi estão certos. E se você conseguir conter a Fera, que nem naquela noite de ano novo?
— Eu fiz isso apenas uma vez. Não é garantia que dê certo numa segunda tentativa.
— Não sei… talvez tudo o que a gente precise provar, é que eles estão errados sobre você se transformar em uma besta depois da meia-noite. Não levará mais que um minuto.
— Parece uma boa opção. — Naruto analisou. — Eles irão chegar convictos de algo, mas, se verem o Sr. Uchiha, irão ficar confusos, envergonhados. Culparão Gaara e Tobi por isso.
— Sim! — Sakura deu um passo à frente, mas virou-se para Sasuke, ficando no meio na distância que havia entre ele e Naruto. — E você só vai precisar ser aquele homem com aquela imagem que todos já tinha de você: frio, misterioso e grosseiro.
Sasuke franziu o cenho para ela.
— Eu nunca fui grosseiro com ninguém. — defendeu-se.
Apesar da tensão, um sorriso genuíno surgiu nos lábios da rosada que se aproximou dele e segurou seu rosto com as mãos em formato de concha. A pele dele ainda estava quente, mas não muito.
— Não. Mas, vamos supor que as pessoas lá de baixo pensem isso de você. Apenas aja dessa forma para que tudo acabe o mais rápido. Você não estará sozinho. Sairemos com você, para mostrar que está tudo bem.
— É perigoso.
— O perigo vai passar. Precisamos dar credibilidade a nossa simulação, e que ela não seja passageira como o medo.
O medo estava ali. No entanto, para a surpresa de Sakura, ela havia encontrado conforto naquele plano improvisado deles, pois só mostrava que não desistiriam facilmente de Sasuke.
Havia uma certa hesitação da parte dele, mas Sakura e Naruto pareciam determinados com aquela ideia.
A porta do escritório se abriu, revelando Tsunade e Guy logo atrás. Eles pareciam tensos, e olharam para os três com uma certa confusão em seus semblantes. Pareciam ter visto algo da qual não se agradaram, e apesar de saber o que já era, pois ambos vinham da cidade e poderiam ter visto a mesma coisa que Naruto, Tsunade avisou:
— Eles estão se preparando para algo grande.
Sakura olhou para Sasuke na esperança dele ceder. E para a sua surpresa e felicidade, o moreno disse:
— Nós também.
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O plano era claro, objetivo, mas não tão simples. Por mais que Gaara e Tobi estivessem praticamente armando os homens da cidade inteira para matarem a Fera, Sasuke faria aquilo de um jeito mais pacífico. Não era a sua primeira opção, mas talvez aquilo poupasse uma chacina e um banho de sangue. Além do mais, não queria amedrontar Sakura com um possível homicídio em massa.
Aquilo acabava sendo uma amostra do poder que ela tinha sobre ele. Ele não queria deixar se levar por seus caprichos e rancor, o que Sakura determinasse, ele o faria. Primeiro, porque a amava, e segundo, ainda estava se sentindo mal pelo que fizeram.
A Fera nunca teria sido cuidadosa ao ponto de cobrir Sakura para não sentir frio, ela nunca teria ficado quieta enquanto a mesma dormia. Não era fácil assumir o controle, mas quando isso acontecia, Sasuke tinha ciência de que não poderia tomar todo poder de domínio da Fera.
Foi por isso que Sakura saiu com hematomas e uma costa arranhada por unhas afiadas. O pior de tudo foi vê-la sentindo prazer diante tudo aquilo, e então, ter a sensação de que ele estava gostando do que estava oferecendo a ela. Nunca se sentira tão poderoso, dominador… Sasuke achava que podia conviver daquela forma para sempre.
Mas era exatamente aquilo que a Fera queria. Dominá-lo, assumir o controle e deixá-lo como sendo seu subordinado; Sasuke não teria mais escolha de nada, apenas aceitar. E a Fera havia criado um tipo de obsessão por Sakura depois que a dominou, que a sentiu… não era nada daquilo que ela e Sasuke tinham, e sim, algo mais carnal e primata.
Ele jamais conseguiria dizer a ela em palavras o que de fato aconteceu, mas aquilo o adoeceu. Sasuke sentiu-se de repente louco por ter em algum segundo, curtido tudo aquilo, cogitado vivenciar o poder da Fera de forma predominante. A consciência pesou, e o medo de não se reconhecer mais como ser humano o deixou apavorado.
Por mais que não se declarasse um homem perfeito, a sua humanidade ainda era a única coisa boa que lhe restava. Tal coisa o permitia amar Sakura, ser um bom patrão para Guy e Tsunade, entre outras coisas. Era tão humano que de repente, não se importava com o fato de Naruto está perambulando pela sua mansão como se fossem amigos há anos.
Quer dizer, o loiro estava fazendo de tudo para não ter que socializar com o Uchiha, e por isso ficava com a história de que estava admirando o interior da mansão. Mas isso já se fazia um bom tempo, e Sakura estava com Tsunade e Guy, que estavam se desfazendo de qualquer prova de que uma besta mortal residia ali.
Quando Naruto voltou para verificar se Sasuke não tinha se transformado, ou se a febre não voltara, o moreno tomou uma decisão quando viu aquela cabeleira espiar pela brecha da porta.
— Você é pior do que um bebê medroso. — ele declarou ao loiro que parou para olhá-lo com uma surpresa estática.
— Como é?
Sentado em sua poltrona logo atrás da mesa onde trabalhava, Sasuke deu um sorriso sem graça e olhou para a tela escura de seu monitor.
— Você já é um homem bem crescidinho, e fica aí agindo como se fosse um garotinho espiando debaixo da cama ao procurar por monstros.
Naruto segurou o contorno da porta em silêncio. Sasuke achou que ele não rebateria, mas a distância ainda dava ao Uzumaki uma certa… segurança.
— Talvez porque eu já esteja olhando para um.
Aquilo fez Sasuke olhar de novo para ele. Estava sério, mas depois de uns segundos, sorriu de um jeito que Sakura poderia considerar provocante, mas para Naruto aquele sorriso era quase perturbador.
— Está com medo?
— Estou em dúvida sobre ter feito a escolha certa. — Naruto admitiu.
— Você fez. Eu teria feito a mesma coisa, porque sei que você fez isso pela Sakura, e não por mim. — Sasuke declarou suas suspeitas.
Os dedos de Naruto se apertaram na quina da porta, e ele encarou o chão, porque era difícil demais olhar nos olhos de Sasuke sabendo que Sakura e ele estavam juntos.
— Sempre devemos fazer algo bondoso pelos outros.
— Não. — O moreno rebateu rapidamente, parecendo indiferente. — Você não está aqui por mim ou por Guy e Tsunade. Está aqui pela Sakura. Jamais faria algo bondoso para um homem que é portador do mal.
E Naruto piscou, absorto, como se um véu fosse tirado de si e revelado algo do qual ele não queria expor. Pelo menos não na frente do Uchiha, que parecia testá-lo. Tanto o seu caráter como suas emoções referente a medo e coragem.
O dedo de Sasuke balançou na direção do loiro no mesmo instante em que pontuou:
— Mas não fico zangado com você. Seus motivos são de extrema importância para mim, pois se refere à segurança de Sakura. Inclusive, quero que faça um favor para mim.
Ele começou a revirar algumas gavetas de sua mesa de madeira pesada. Naruto não havia recebido nenhum convite formal, mas acabou adentrando mais ainda o escritório até se aproximar do homem que precisava dele.
Os cabelos de Sasuke estava uma bagunça. A palidez ainda não o deixara, e os lábios vermelhos mostravam que uma febre ameaçava derrubá-lo de novo. Embora a aparência sorumbática, o mesmo parecia pela primeira vez mais velho.
Sasuke sempre adotou de uma beleza jovial. Lembrava a muitos um vampiro pelo seu estilo de vida sombrio, mas sua face era tentadora demais. No entanto, naquelas últimas horas, algo nele havia o deixado mais envelhecido. Até mesmo Naruto havia percebido que o Uchiha já teve dias melhores.
A procura por algo que não sabia onde havia enfiado, parecia árdua. Naruto foi paciente, e curioso. Aproveitou para bisbilhotar de longe a bagunça da mesa daquele homem que escrevia livros de terror. Apesar de que fosse uma informação antiga, ele percebeu que nunca lera nada do mesmo. Não era de ler muito, mas depois disso, certamente compraria algum exemplar do Uchiha.
Naruto estava tão inerte emergido em seus pensamentos, que não se deu conta quando Sasuke encontrou o que tanto queria. Mas quando ele colocou sobre a mesa o revólver, o loiro recuou espantado.
— O que significa isso? — ele perguntou com os olhos vidrados na arma.
Sasuke o olhou.
— Não se assuste, eu não vou matar você, muito menos machucá-lo. — alertou na intenção de tranquilizar o amigo de Sakura. Sasuke voltou a pegar o revólver e acomodou-se em sua poltrona enquanto encarava o metal reluzente como ônix em sua mão. — Mas andei pensando que talvez você precise disso para me machucar.
Naruto ficou pálido-esverdeado. Mais um pouco e ele vomitaria no tapete de Sasuke. Um zunido encheu seus tímpanos; não era possível que aquele homem estivesse lhe fazendo tal pedido.
— Está pedindo a pessoa errada. — ele resfolegou meio nervoso.
— Ah, não. Tenho certeza de que estou pedindo a pessoa certa. — Sasuke tornou a dizer. Ele então se levantou, e conforme contornava a mesa para se aproximar de Naruto, explicava: — Se eu pedisse tal coisa a Guy ou Tsunade, até mesmo para Sakura, eles hesitariam. Não fariam isso porque veem toda situação como… solucionável. Mas, você, não.
Sasuke então parou diante de Naruto, que estava se tremendo todo. Ele não sabia dizer se era por conta da presença de Sasuke, da arma ou então a complexa junção dos dois. Mas lá estava ele, agindo de forma idiota porque sabia o risco que aquele homem causava.
Como Sakura conseguia lidar com isso? Ele realmente ainda não conseguia entender.
O Uchiha então continuou:
— Você nem sequer pensaria duas vezes. Não há nenhum envolvimento afetivo entre nós dois que o faça mudar de ideia. O seu único motivo para não se juntar a Gaara e Tobi, é porque não quer decepcionar a Sakura. E eu entendo.
Naruto então olhou para o revólver na mão de Sasuke, e refletiu por alguns segundos, franzindo o cenho ele concluiu:
— Se eu fizer o que está pedindo, ela não vai ficar decepcionada de qualquer jeito?
— Ela irá odiá-lo, mas depois vai entender o seu lado e então perdoá-lo.
Os olhos do loiro estavam vítreos quando se ergueram de novo para Sasuke.
— Por que está fazendo isso escondido dela? Ela ficaria tão decepcionada com você quanto comigo.
A pergunta fez com que Sasuke perdesse a compostura. Seu semblante hesitou, como se ele estivesse relutando para não demonstrar a dor que aquela pergunta lhe causava. Ele parecia tão decidido, tão intimidante, que foi só colocar ele numa situação trágica com Sakura, que todo seu esplendor desabou.
Parecia um cão sem dono. Dava para ver que ele realmente gostava da rosada, mas que também havia adotado uma espécie de superproteção para com ela, onde algumas decisões não a envolviam. Naruto entendia que era para o bem dela, mas ela seria tão afetada quanto Sasuke. Ele sentia que estavam a negligenciando, e teve certeza de que Sasuke sentia isso também.
— Sakura é a pessoa mais corajosa que eu conheci nesse mundo. — As palavras de Sasuke, apesar de sua aparência meio lunática, pareciam brotar do coração. — E eu sei que por mais que a Fera faça estragos, ela nunca optaria por uma ação drástica porque sabe que eu existo por debaixo daquele monstro. Ela vê toda situação ruim por um tipo de óptica solucionável para mim, mas para a vida dela… as vezes ela me diz que tudo só fez sentido depois que me conheceu. Bem, eu discordo.
“Acho que Sakura só nunca soube se reencontrar, como ela soube agora. De fato, talvez eu tenha dado mais sentido à vida dela que estava meio parada desde que assumiu a responsabilidade da vida sozinha e teve seus sonhos destruídos por uma mãe gananciosa, mas, alguma coisa lá no fundo me diz que fui apenas uma ponte para que ela pudesse chegar em outros territórios. Só que ela não sabe disso ainda. E nunca vai saber, se permitir ficar presa para sempre aqui comigo.”
Naruto sabia que não tinha nenhum pingo de sentimento por aquele homem, no entanto, tinha de admitir: era triste. Dava para ver que ele sofria com aquele destino que fora selado em sua vida ainda em seus ancestrais. Por causa disso, Sasuke tinha uma vida medíocre e limitada; ele não era livre, mas Sakura, sim.
— Então apesar do plano que ela teve, você quer que eu mate você? — O loiro perguntou depois de dar uma respirada profunda.
— N-não… eu só… bem, se as coisas saírem do controle, você sabe o que fazer. — ele indicou a arma que não estava engatilhada, para o alívio de Naruto. — Irei deixá-la na primeira gaveta, em um fundo falso. Você saberá então o que fazer. Mas só se perceber que não estou voltando, ou que posso machucar um de vocês.
— Mas você se regenera na forma bestial. Então, do que adianta?
O olhar de Sasuke estava vazio.
— A Fera apenas se cura muito rápido. Imagino que quando muito debilitada, ela não consiga ter chances. Então sugiro que faça um estrago bem feito. — Sasuke aconselhou de forma mórbida.
Eles estavam mesmo conversando sobre uma forma como matá-lo? Bem, era o que parecia, e Naruto não conseguia apenas concordar com aquilo. Ele nunca precisou matar ninguém, muito menos um animal para fazer algum tipo de comparação. Ele não sabia como pegar em uma arma também. E se atirasse na direção errada?
Umedecendo os lábios nervoso, Naruto então acrescentou:
— A ideia parece tentadora, mas não sou esse tipo de cara. Nunca fiz nada parecido.
Foi quando para a sua surpresa, Sasuke se aproximou envolvendo no pescoço de Naruto a mão que segurava a arma. Ele parecia aborrecido. Os olhos azuis do loiro ficaram arregalados, mas Sasuke parecia saber o que estava fazendo.
Estavam cara a cara. Testa colada em testa, e por alguma razão inexplicável, Naruto não conseguia recuar porque 1)Sasuke tinha uma força quase sobre-humana, e 2)seus olhos escuros como dois túneis pareciam querer revelá-lo algo, e a voz áspera e rastejante dele soava como um tipo de hipnose quando começou a falar:
— Que tipo de cara você é então, hum? O tipo que não consegue se encaixar em um grupo de pessoas, muito menos conseguir alguém para se relacionar? Não me admira que você tenha que precisar embebedar algumas garotas para conseguir uma trepada — Naruto ficou petrificado pela profundidade de acusações que Sasuke fazia a seu respeito, era como se um demônio tivesse possuído o corpo de Sasuke e agora estava citando os maiores segredos dele, principalmente quando ele continuou: —, ou que depois de uma noitada você deixe alguns caras chuparem seu pau porque não tem mais ninguém pra fazer isso.
Instintivamente e completamente envergonhado, Naruto colocou as mãos sobre o peito de Sasuke e começou a empurrá-lo, mas ele era incrivelmente forte e sólido. Não mexera um centímetro. Seu coração então disparou quando lhe correu o pensamento de que Sasuke estaria prestes a se transformar na Fera.
Ele não conhecia o processo, não sabia como começava. O que o deixava mais apavorado ainda.
Vendo seu desespero, Sasuke deu um sorriso viperino de satisfação.
— Você não é homem o suficiente. Deve ser por isso que Sakura nunca sentiu atração por você. E apesar de você gostar de estar com caras, o que o torna menos homem é o fato de não ter culhão o suficiente. Até a Sakura tem mais que você.
— Pare! — Naruto exclamou, voltando a empurrar contra o peito de Sasuke.
Aquilo era inútil. Tão inútil que não impediu que Sasuke avançasse e desse um beijo na boca de Naruto, que ficou sem reação, mas não recuou.
Os lábios de Sasuke estavam quentes, e os de Naruto, trêmulos. Os olhos deles estavam abertos em surpresa; Sasuke parecia se divertir com a surpresa exacerbada de Naruto, e ao mesmo tempo desafiava o loiro a manter o contato.
O corpo do Uchiha pressionou contra o de Naruto, que não procurou se afastar. O loiro não sabia como, mas teve um breve vislumbre de como aquilo terminaria. Seu corpo inteiro travou ao ver flashes de um ser gigante meio azulado, musculoso e de cabelo comprido dominando-o. Era como se Sasuke estivesse enviando a ele aqueles vislumbres de um futuro. Tal coisa fez com que uma dor aguda percorresse por todo seu corpo, mas a única coisa que os separou, foi quando a porta do escritório foi aberta e uma Sakura paralisada ficou diante deles enquanto digeria o flagra. Naruto limpava a boca depressa, e Sasuke se afastou como se fizesse pouco caso. Foi quando seu olhar duro e apavorado sustentou a arma que Sasuke segurava na mão.
— Que merda tá acontecendo aqui? — ela sibilou.
O moreno bufou banalizando a situação.
— Não é o que você está pensando. Não vou atirar nele. — tratou de explicar, voltando então para a mesa enquanto sacudia o revólver no ar de forma despretensiosa.
— Bem, então tente me explicar melhor porque você está com uma arma na mão e… estava be-beijando o Naruto.
Sasuke deu uma risadinha sarcástica.
— Não deu pra resistir, estávamos muito… perto.
Sakura olhou para ele e piscou três vezes lentamente, avaliando a situação com cautela. Os pelos atrás do seu pescoço se arrepiaram, como um aviso de que algo não estava certo.
Por mais que ter presenciado aquilo tivesse sido embaraçoso demais, a única coisa que ela conseguia temer naquele momento era a arma que Sasuke tinha na mão.
— E o que você pretendia fazer com isso?
— Apenas demonstrando a Naruto o que ele deve fazer em casos de urgência. — omitiu enquanto guardava a arma na mesma gaveta em que indicara para Naruto. Sasuke estava ciente que daquele ângulo, Sakura não conseguia ver onde ele a colocava.
Ela então olhou para o amigo, à procura de qualquer sinal de que o amado pudesse estar dizendo a verdade. Não que ela não acreditasse nele, mas ultimamente vinha suspeitando que a maldição vinha interferindo e causando oscilações de humor em Sasuke.
— Tá tudo bem, Sah. — Naruto a tranquilizou com o rosto ainda corado, tomado pela vergonha e alguma coisa a mais que ele seria incapaz de admitir até para si mesmo. — O sr. Uchiha e eu estamos tentando manter uma comunicação.
Sasuke o olhou, e embora estivesse surpreso pelo posicionamento de Naruto, não demonstrou isso muito bem.
— Mas ele está bem — continuou enquanto andava na direção dela. — Pelo visto não andou se transformando.
— Você estava demorando, então vim me certificar de que estava tudo bem. Mas pelo visto, estava até demais.
Naruto engoliu em seco. Ele sabia que aquilo renderia um interrogatório da amiga mais tarde.
— Me desculpe, eu ainda não consigo entender tudo com clareza. — ele anunciou, e parecia bastante atordoado.
Da mesa, Sasuke olhou para ela e deu um sorriso provocador. Ela não soube dizer o que aquilo significava. O breve pico de adrenalina já havia deixado o seu corpo quando ela soltou um suspiro forte e disse para o amigo:
— Tudo bem, eu assumo daqui.
Naruto saiu dando uma última olhada para Sasuke, que agora se encontrava sentado na ponta de sua mesa de trabalho, com uma mão enfiada no bolso da calça, enquanto observava Sakura se aproximar com um semblante de irritação.
Ela chegou perto cruzando os braços. Parecia uma mãe mandona, mas na verdade ele era o mais velho ali, e por isso não se intimidava na presença dela, embora sentisse que ficaria de joelhos e faria qualquer coisa que ela pedisse.
— Desde quando você tem uma arma? — ela voltou para o assunto que ainda a incomodava.
— Era do meu pai. Ela sempre esteve aí.
Eles ficaram então se encarando. Sakura não gostava da tonalidade rosada que envolvia ao redor dos olhos de Sasuke, e de toda aquela aparência doente que ele assumia. Ela já viu muitos filmes de terror e na maioria das vezes a pessoa possuída tinha uma aparência semelhante àquela.
No entanto, conexão entre os dois havia alcançado uma intimidade da qual Sasuke podia olhar para aquele semblante dela e perceber que ela estava ciente de que, quando Sasuke quis tirar a própria vida, ele poderia ter ido atrás daquele revólver. Mas, não. Ele preferiu se jogar do penhasco, onde acabou perdendo metade do braço esquerdo.
A garganta da rosada oscilou. Foi como ter reprovado aquele pensamento que lhe correu à cabeça.
— Eu acho que é muita informação em menos de vinte e quatro horas. — ela confessou.
— Concordo.
Sakura franziu as sobrancelhas castanhas na direção dele.
— O que está acontecendo com você, afinal? Por que toda essa indiferença? Nunca ouvi você falar dessa forma, do mesmo jeito que algumas informações estão vindo à tona e faz isso parecer que não o conheço mais o suficiente.
Sakura tinha culhões, isso Sasuke tinha de admitir, e admirava muito isso nela. Amava toda iniciativa que ela tomava, a forma como ela poderia domá-lo facilmente. Tal coisa o fez abaixar as rédeas.
— Desculpa se isto está magoando você. — ele disse a olhando profundamente. — Acho que eu só estou tentando não enlouquecer de vez. Você está tão preocupada com tudo, não quero piorar a energia da casa mais do que já estou.
— Não acho que esteja fazendo isso de forma consciente. Conheço você, Sasuke. Essa personalidade, ela não é sua.
A rosada então piscou, e ainda tomada pela surpresa, comentou:
— Você e Naruto estavam se beijando. E eu sei que você jamais faria isso em seu estado normal. Mas a Fera… já entendi que ela é depravada, e que está tentando domar você de alguma forma.
Sasuke a olhou por cima dos cílios, fazendo com que o seu olhar se tornasse algo atroz. Ela estremeceu, pois não sabia dizer o que ele faria a seguir. Lhe correu até mesmo o pensamento de que ele a atacaria, mas nada disso aconteceu enquanto ele explicava:
— Foi só um lembrete para mostrar que ele deve ser corajoso. E não temer em dar espaço para as coisas que ele gosta e se permitir conhecer. Mas você não precisa bater cabeça com isso. Acho que Naruto e eu somos amigos agora.
Amigos?
Naquele instante, Sakura teve certeza de que Sasuke não estava em seu estado normal. Não que fosse impossível existir uma amizade entre ele e Naruto, mas até um dia atrás, Sasuke estava enxotando o loiro para fora da mansão por não aceitar ser insultado sob seu teto, e agora, os flagrara quase em um amasso.
Ela não sabia muito bem o que sentir em relação a isso. Uma pessoa em um relacionamento normal sentiria ciúmes, mas Sakura, não. Ela tinha tanta preocupação naquele momento, que Sasuke estar beijando seu amigo parecia ser o de menos.
Impaciente, Sakura se aproximou de Sasuke e espalmou suas mãos na face do homem. Sua pele estava quase em chamas de tão quente. Alívio preencheu Sakura, talvez ele estivesse apenas delirando, e seu semblante estranho fosse apenas o cansaço o domando. No mais, tinha que cuidar daquela febre antes mesmo que ele viesse a ter algum tipo de convulsão
— Você está ardendo em febre, Sasuke. — avisou antes mesmo dele trotar sem forças e guiá-lo até sua poltrona.
Quando Sasuke desabou, foi como se ele finalmente tivesse se entregado. Sakura engoliu o choro. Era horrível vê-lo sofrendo daquele jeito, principalmente quando Sasuke fazia caretas, e coçava o peito, como se algo estivesse o rasgando de dentro para fora. Além de que ele agora parecia possuir duas faces, e mal conseguia reconhecê-lo; lembrava de ter percebido isso ainda naquela madrugada de ano novo, depois que ele conseguiu conter a fera.
Ela sentiu que algo havia mudado a partir daquele momento, mas quis ignorar. Naquela noite, ele teria de conter a Fera mais uma vez, e a preocupava que no final das contas, conter a Fera não fosse algo a se comemorar. Parecia haver consequências. É claro, a besta não deveria gostar nadinha de ser contrariada, sair de cena e domada por um mortal.
Envolvida aos pensamentos, ela sentiu a mão de Sasuke pousar delicadamente em sua face molhada. O toque era quente.
— Não chore, querida. — ele disse com moléstia.
Sakura estava mesmo chorando, mas preferia ignorar. Não era hora de lamúrias.
— Por favor, me diga que vai ficar tudo bem. — ela disse de olhos fechados, enquanto sentia mais lágrimas escorrerem pelo seu rosto.
Mais uma vez, ali estava aquele otimismo de Sakura, que muita das vezes o irritava, e ora o deixava confortável em saber que alguém seria capaz de lutar até o fim por ele. Apesar de tudo, Sasuke se sentia muito sortudo por isso. Mas agora, ela parecia precisar dele para ter forças.
Até que aquele pensamento de conforto foi corrompido pela língua de Sasuke que se movimentou para fora e lambeu o rosto - as lágrimas - dela. Sakura abriu os olhos, estava aliviada em ver o amado ainda ali, porém, sentiu seus órgãos se retorcerem quando viu Sasuke puxar de volta para a boca aquela língua roxa e comprida. A língua da Fera.
— Obrigado por não desistir de mim, Sakura. — Sasuke disse baixinho.
Ela se afastou lentamente no mesmo instante em que ele voltou a se encostar em sua poltrona. O movimento involuntário de Sasuke parecia não ter lhe causado nada, mas Sakura estava assustada. Era como se aos poucos a Fera estivesse tomando posse de Sasuke.
Aquilo doeu como infernos, e Sakura precisou se retirar imediatamente para chorar no corredor.
A história de amor estava se transformando numa verdadeira história de terror. Sua mente dizia “Corra”, mas seu coração dizia “Fique”. Mas naquele momento, ela só queria chorar
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