Taki no Kuni (País da Cachoeira), dias atuais.
Não compreendi a razão do seu escárnio, pelo menos não de imediato. A expressão maliciosa em seu rosto não fez sentido para mim a princípio, tampouco o olhar maníaco que me fitou de volta.
Ele havia acabado de abrir um sorriso cheio de dentes para mim quando murmurou as próximas palavras num tom suficientemente intimidador, de modo que apenas eu fosse capaz de ouvi-las:
— Acabar, Uchiha? Nossa luta ainda se encontra longe do fim e você ainda não viu todo o meu poder.
Cerrei os dentes e só então me atrevi a desviar o foco do meu olhar, dardejando-o enraivecidamente do seu rosto até o seu peito onde minha lança de Chidori o havia perfurado. Ou ao menos, deveria tê-lo perfurado.
— Mas como... — ofeguei com descrença enquanto chegava à conclusão penosa de que havia me enganado: meu jutsu não o perfurara como pensei.
Muito pelo contrário, a lança não havia sequer conseguido tocá-lo e, ao focar meu Sharingan na região, descobri o motivo. Havia uma camada brilhosa de chakra recobrindo-o por todo o corpo, que na superfície manifestava-se na forma de uma crosta adamantina, quase invisível ao olho nu se não fosse pela luz diurna que se projetava nela.
Tornei a fitar o rosto de Ichiro, que ainda sorria vitorioso:
— Conheça a minha técnica suprema de defesa, Uchiha Sasuke, a Iwa no Yoroi — gabou-se e isso quase me tirou do sério.
Uma armadura de rocha?!, pensei com exaspero. Mas como isso era possível e em que momento ele a havia ativado? Travei o maxilar enquanto desfazia minha técnica, optando por recuar e estudar melhor uma nova tática para abordá-lo.
Foi nesse momento em que o sorriso dele se alargou, criando vincos profundos na sua cara. Ele estendeu um braço para cima, sobre a minha cabeça, e com meu Sharingan eu captei o fluxo de chakra que se adensou sobre a sua pele. Tudo aconteceu tão rápido quanto o intervalo de um piscar de olhos.
A camada adamantina sobre a sua pele assumiu um aspecto mais grotesco e bruto, se tornando rocha pura e amalgamada. Espinhos pontiagudos brotaram a partir dele, imensos de fato, assumindo a forma de uma clava. Ichiro endureceu a expressão e franziu a boca até então sorridente para baixo, abaixando o braço transmutado na minha direção.
Eu evadi o seu ataque com uma pirueta, lançando-me para trás e pondo-me de ponta-cabeça. Tão logo meus pés tocaram o solo novamente, apoiei-me na mão direita a fim de estabilizar meu corpo, deslizando através do gramado por vários metros até parar.
O braço de Ichiro atingiu o espaço vazio onde meu corpo estivera apenas um centésimo de segundo atrás, provocando enormes rachaduras. Quando o recolheu, a clava de rocha derretida se retraiu tão rápido quanto tomou forma, revelando seu braço novamente.
— Essa é a minha segunda técnica de defesa, o Kōka no Jutsu. Ao unificar ambas, eu me torno praticamente intocável — ele voltou a se gabar com arrogância.
Analisando-o mais friamente agora com meu Sharingan, era notório o chakra de natureza da terra que revestia seu corpo, envolvendo-o mesmo como uma espécie de armadura. A segunda técnica, entretanto, continuava um mistério para mim. Ichiro demonstrou poder alterar a primeira camada e fazê-la tomar forma de armas ofensivas com seu elemento Yōton.
O fato de fazê-las aparecer e desaparecer tão rapidamente era um indicativo de que suas mãos continuavam livres para formar selos e ainda deixava seus jutsus de natureza fogo e terra à sua disposição. Eu precisava encontrar uma forma de perfurar a sua armadura. Seria o único jeito de derrotá-lo.
Nesse meio tempo, o sorriso incisivo voltou à sua boca:
— Acredita mesmo que nós chegaríamos aqui sem um plano reserva?
— O que quer dizer? — questionei-o com exasperação e ele me respondeu com frieza.
— Quero dizer que estivemos um passo à sua frente o tempo todo. Toda a vila está em polvorosa e os membros do clã Mori não desperdiçarão uma oportunidade tão valiosa como essa.
Cerrei os dentes, irritado. Por isso eles não haviam se dado ao trabalho de vir até aqui. Por sorte, eu também estava um passo à frente. Ichiro não tinha ideia da presença do Taka na vila e tampouco do plano que o envolvia. Mas eu não poderia perder mais tempo ali, precisava acabar com aquela luta de uma vez por todas e ir ao encontro deles o mais depressa possível.
Empertiguei-me de repente, encarando Ichiro olho no olho enquanto pensava numa estratégia para vencer sua armadura:
— O que você ganha com isso? Qual o seu propósito ao desestabilizar um país inteiro e conduzi-lo a uma guerra civil?
Um canto da sua boca se ergueu num meio-sorriso e seus olhos faiscaram brevemente.
— Eu quero Kirigakure para mim — ele declarou sem preâmbulos ou qualquer escrúpulo.
— Quer derrubar a Mizukage — pontuei e ele assentiu.
— Se desestabilizarmos uma única nação, todas as outras serão arrastadas para o centro do conflito; é como funciona, não é mesmo? A paz estabelecida entre as nações desde o fim da guerra não é apenas frágil, na realidade ela não passa de uma ilusão efêmera, um delírio febril que eu pretendo extinguir — declarou ao cerrar um dos seus punhos e encostá-lo ao peito. — A paz enfraquece as nossas resoluções, mina os nossos preceitos. Que propósitos temos nós Shinobis, ferramentas de guerra, em tempos de bonança?
— Você está enganado a respeito disso — murmurei, enrijecendo meu olhar e reassumindo uma postura defensiva. — Não somos instrumentos de guerra. Uma vez alguém me disse “Shinobis são aqueles que sofrem para alcançar seus objetivos” e ele estava certo.
Curvei meu corpo e tornei a formar com minha mão a lança de Chidori. Eu cortaria aquela armadura dele não importa o que eu tivesse de fazer. Ichiro notou isso, pois juntou suas mãos para formar selos imediatamente. Eu avancei com a minha velocidade superior, disparando como um relâmpago através do campo de batalha, vencendo a distância que me separava dele.
O chakra que ele reuniu enfim foi liberado e a primeira barreira de rocha surgiu perante mim num piscar de olhos, bloqueando meu caminho. Eu estava farto de joguinhos, não conteria mais o meu poder a partir de agora.
Sem demora, queimei chakra no meu olho para ativar uma parte do meu Susano’o e um imenso braço esquelético tomou forma ao meu redor, irradiando sua aura violeta. Recuei seu punho cerrado gigante, controlando-o com o meu próprio, e o mandei de encontro à parede de rocha, socando-a e despedaçando-a.
Continuei a avançar, uma vez que saltei por cima dos escombros, enquanto o torso do meu Susano’o, por fim, se completava. Preparei uma flecha envolta nas chamas do Amaterasu e a disparei com a besta acoplada a um dos braços. O projétil deslizou tão rápido quanto letal através do campo de batalha, sibilando como o vento.
Por um momento, Ichiro ficou lívido, mas isso só durou até o momento em que seus braços tomaram a forma de duas clavas gigantescas. Mais uma vez, aquela variação das suas técnicas de defesa, percebi. Com extrema dificuldade devido ao seu peso, Ichiro os balançou conjuntamente e chocou-os com força assim que a flecha de chamas negras chegou perto o bastante, atingindo a extremidade pontiaguda do projétil e desviando a sua trajetória.
A flecha teve seu curso desviado por vários metros para a direita, viajando com tamanha velocidade que atravessou o campo gramado e desapareceu no bosque que o cerceava. Ele era esperto, sabia que não haveria como desviar o corpo da trajetória ou mesmo bloqueá-la, por isso tratou de desviar a própria flecha, mandando-a para longe. Além disso, se o havia desviado é porque havia uma chance de que minha flecha fosse capaz de perfurar a sua armadura.
Não recuei em momento algum, mas aumentei a minha velocidade para abordá-lo. Meu Susano’o só desapareceu no instante em que colidimos. Eu segurei a minha lança de Chidori com ambas as mãos na horizontal e a brandi de encontro ao corpo dele, chocando-a contra a crosta diamantada que o envolvia com muita força. Esperava que a intensidade do meu golpe fosse o bastante para atravessá-la dessa vez.
Ichiro afastou ambas as pernas para estabilizar o próprio peso contra o meu golpe. Vários centímetros mais alto do que eu, e curvado como eu estava, ele assomou sobre mim como uma besta enraivecida, rosnando através dos dentes cerrados e da boca arreganhada.
Minha lança de Chidori bateu em sua armadura de rocha, bem sobre o seu estômago, e eu a observei de perto com meu Sharingan. Vi inúmeras e tênues fissuras se espalharem através da superfície cristalífera, trincas e veios tão finos quanto fios de cabelo. Mas foi o suficiente para mim.
Com um meio-sorriso por haver conseguido provar minha tese, afastei-me o mais depressa que pude dali, uma vez que os braços de Ichiro, que voltaram a assumir a forma de clavas, levantaram-se sobre mim, mirando a minha cabeça.
Dessa vez, saltei por cima dele, girando meu corpo e, assim que pousei no chão, afastando-me com rodopios continuados. Ichiro voltou-se para mim com um olhar frio e cobriu o estômago com uma das mãos (que havia voltado ao normal), escondendo as fissuras dos meus olhos.
Ele sabia o que eu havia acabado de descobrir e o descontentamento no seu rosto era evidente. Sua armadura possuía uma abertura afinal, não era indestrutível, e com a quantidade certa de trauma poderia ser vencida. Um plano começou a se formar na minha cabeça — e eu sabia exatamente como o executaria.
Voltei-me para Sakura, localizando-a a alguns metros dali, e, sem perder mais tempo, corri até ela, observando sua batalha com Kazuhiko tomar proporções desastrosas.
Alcancei-os no momento em que Sakura tentou acertá-lo com seu calcanhar, sua perna direita esticada enquanto a esquerda, dobrada, garantia o equilíbrio dinâmico ao restante do seu corpo, pairando sobre ele a uma grande altura.
Kazuhiko desviou no último segundo com uma série de acrobacias. Quanto à Sakura, ela colidiu com o solo e causou um enorme estrago, despedaçando-o e levantando rochas que mediam o dobro ou mesmo o triplo do seu tamanho. Ele se aproveitou quando ela abaixou a guarda para reaparecer às suas costas de espada em riste e brandiu a lâmina de encontro ao corpo dela num corte oblíquo que ia da sua omoplata à lombar.
Sakura arquejou de dor e seu sangue respingou nas rochas, mas ela se recuperou tão espantosamente rápido que creio que nem mesmo o próprio Kazuhiko previu o seu próximo movimento.
Sem se importar com a laceração profunda nas suas costas ou com a dor que deveria estar sentindo, Sakura girou o corpo e ergueu um punho, tentando acertá-lo. Kazuhiko desviou do soco certeiro somente por um triz e por possuir reflexos tão rápidos que se equiparavam aos meus, saltando para longe.
Foi nesse momento em que a abordei, enquanto ela apoiava um punho cerrado na coxa e arfava discretamente, com seu jutsu ainda fechando o talho profundo nas suas costas como se não fosse nada. Apesar disso, os sinais de que ela estava, pouco a pouco, chegando ao seu limite estavam claros para mim.
Sakura ainda não havia se recuperado completamente de sua batalha contra a Higanbana e do coma do qual despertou. Ela estava queimando chakra demais num espaço de tempo curto demais. Mais uma razão para que eu terminasse aquela batalha.
Quando me notou ali, ao seu lado, ela se empertigou.
— O que houve, Sasuke-kun?
Colando-me às suas costas por ver que Ichiro já havia nos alcançado, murmurei num tom baixo o bastante para que apenas ela pudesse me ouvir com clareza:
— Eu tenho um plano para derrotá-los e preciso da sua ajuda.
— Sabe que pode contar comigo, Sasuke-kun — ela garantiu-me com evidente surpresa. — O que precisa que eu faça?
— Ichiro está usando uma espécie de armadura de rocha que o protege de tudo, mas que pode ser enfraquecida com o tipo certo de trauma — expliquei-a sucinto e resolvi espiar sua expressão de viés. — Eu só preciso de uma única abertura, enquanto a armadura dele estiver debilitada.
Sakura abriu um sorriso incisivo para mim:
— Entendi, Sasuke-kun.
— Soque-o com tudo o que você tiver — reforcei e o brilho ferino que vi nos seus olhos me deu a certeza de que ela o faria e não hesitaria em usar todo o seu poder.
Ichiro se posicionou diante de mim e quanto a Kazuhiko... Ele voltou a se postar perante Sakura. Para que meu plano fosse executado com triunfo, nosso timing teria de ser perfeito e nós teríamos de confiar plenamente nas habilidades um do outro. Por sorte, eu a tinha como parceira e ela, a mim. Talvez a única outra pessoa em quem eu depositasse tamanha fé fosse Naruto.
Alguns segundos bastante espaçados escoaram entre nós e nossos oponentes; uma gota de suor deslizou lentamente pela minha têmpora e o vento soprou gentil nos fiapos secos do gramado sob os nossos pés. Com minha visão periférica, notei que Kazuhiko seria o primeiro a fazer seu movimento.
Discretamente, percebi que sua mão esquerda deslizou até sua bolsa de equipamentos. Foi então que Ichiro juntou suas mãos, atraindo minha atenção de volta para ele, e reuniu seu chakra:
— Kazuhiko, agora! — ele bradou para o comparsa enquanto seu chakra liberado fazia a terra sob os meus pés trepidar violentamente.
Voltei-me para Sakura a fim de adverti-la.
— Sakura!
— Eu sei! — gritou de volta para mim enquanto saltávamos para cima, antes que a terra instável nos engolisse.
O solo sob os nossos pés se partiu numa imensa e profunda fissura. Imensas rochas se moveram causando estrondos e tremores por toda a região e, então, finalmente, se levantaram e assumiram a forma de grandes mandíbulas denteadas que tentavam se fechar sobre nós, visando nos esmagar.
Por sorte, éramos mais rápidos e ágeis, de modo que pudemos evitar a maior parte das rochas imensas. E aquelas que não podíamos, Sakura e eu a destruíamos: ela com seus punhos, eu com meu Chidori. Antes mesmo de pousarmos, contudo, Kazuhiko agiu, materializando-se defronte para mim e com as mãos equipadas com diversas shurikens:
— Fūton: Kaiten Shuriken! — bradou assim que suas mãos lançaram as shurikens que, envoltas em esferas de vento, partiram na nossa direção, guiadas por sua vontade.
Por sorte, eu também tinha os meus truques com shurikens, e foi isso o que fiz ao preparar algumas delas na minha bolsa de equipamentos:
— Katon: Hōsenka no jutsu!
Guiei uma a uma as shurikens envoltas em fogo, colidindo-as contra as shurikens de Kazuhiko. O fogo consumia seu vento e as shurikens se chocavam com estrépitos agudos e metálicos, despencando inofensivas e imóveis em meio ao gramado.
Eu pousei no chão, a alguns metros de onde a técnica de Ichiro havia destruído o solo, e imediatamente parti para cima de Kazuhiko. Eu precisava tirá-lo da equação antes de pôr o meu plano em prática. Acreditava que ele soubesse de minhas intenções, pois veio ao meu encontro brandindo sua espada contra mim mais uma vez.
Evitei seus ataques, desviando da sua lâmina, lendo cada movimento dele precisamente com o meu Sharingan. Em certo ponto, durante uma investida falha com sua arma, percebi que sua guarda estava baixa e não desperdicei a oportunidade: parti para cima dele.
O chakra do elemento relâmpago correu pelo meu braço esquerdo como uma velha e conhecida sensação de formigamento e, na ponta dos meus dedos, o Chidori cintilou; a cauda de um relâmpago bem na palma da minha mão, chiando e estalando reluzentemente.
Abaixei-me quando arremeti contra ele, curvando meu corpo e mantendo meu braço rente ao meu torso. Mas assim que colidimos, ergui-me e ergui-o congruentemente, mirando-o no seu peito.
Kazuhiko era veloz, mas não foi o bastante para evitar o meu ataque de todo. Ele jogou o corpo para o lado num movimento desesperado, porém lento demais para os meus reflexos aguçados. Minha mão perfurou-o do mesmo modo, sob a axila direita, e atravessou-o sob a omoplata, enterrando meu braço na sua caixa torácica.
Ele cuspiu sangue e encarou-me com olhos vítreos e congelados de pavor. Senti meus dedos ficarem úmidos e pegajosos com seu sangue e, por isso, recuei minha mão do seu corpo quase instantaneamente. Kazuhiko tombou para trás, inconsciente.
Ótimo, agora o meu plano poderia ser colocado em ação. Sem demora, voltei-me para Ichiro, a quem Sakura distraía, e me lancei na direção deles, disposto a terminar essa batalha de uma vez por todas. Cruzei a distância que me separava deles tão veloz quanto indetectável e, ao meu aproximar, joguei-me para baixo, apoiado na minha mão direita para garantir estabilidade ao meu golpe.
Minha perna esquerda esticou-se para cima enquanto a direita permaneceu presa ao solo, na posição familiar do Shishi Rendan. A sola do meu pé foi de encontro ao maxilar de Ichiro, chutando-o com força o bastante para tirá-lo do chão.
Foi o suficiente de todo modo, o resto do trabalho eu faria com meu Susano’o e, uma vez que ele tomou forma, direcionei um punho gigantesco do humanoide de encontro ao corpo de Ichiro, ainda suspenso no ar, atingindo com tudo sua armadura e mandando-o ainda mais alto.
— Sakura, agora! — gritei para ela, que assentiu e saltou também, preparando-se para abordá-lo por cima.
Ela pulou o mais alto que conseguiu e reuniu tanto chakra como não havia reunido até então para um único soco. Com um brado que reverberou tão forte quanto a sua coragem, ela recompensou a minha confiança com um golpe muito bem executado.
Seu punho adamantino atingiu Ichiro pela frente com um estrondo ensurdecedor, liberando todo o chakra armazenado. Mesmo à distância, consegui distinguir o som do gemido de Ichiro — e, posso jurar, até mesmo o som de sua armadura trincando. Agora era a minha vez.
Também saltei, com o torso do meu Susano’o ainda me envolvendo e preparei mais uma flecha para ser disparada pela besta. Sentindo-me inclemente, disparei-a contra a sua armadura, atingindo-o pelas costas. Minha flecha estilhaçou sua armadura já enfraquecida, lançando milhares de centelhas no céu azul ao nosso redor, centelhas que faiscaram sob a luz do sol nas cores do arco-íris.
Então, nós caímos, todos os três. Eu primeiro, pois era o mais próximo ao solo; pousei a alguns metros de onde o corpo de Ichirou colidiu contra o chão com um estrondo, impulsionado ainda pela força do soco poderoso de Sakura, e de onde ela própria pousou, um segundo depois — exausta, eu não consegui deixar de reparar.
Suspirei aliviado depois de observar o corpo imóvel de Ichiro em meio aos escombros. Aparentemente, a batalha havia mesmo terminado. Meu plano havia dado certo. Mas, por via das dúvidas, aproximei-me dele mesmo assim, com passos cautelosos, e com meu Sharingan ainda ativado.
Ichiro não estava inconsciente, como pensara, mas sua consciência certamente agarrava-se por um único fio. Sua boca estava cheia de sangue, impedindo-o até mesmo de gemer de dor. Eu tinha dúvidas quanto a qual ataque havia sido mais devastador: a força bruta de Sakura ou a flecha do meu Susano’o. De qualquer forma, a combinação de ambos havia sido mais do que suficiente para sentenciá-lo a uma morte certeira e rápida.
Olhá-lo agonizar e definhar não me trouxe nenhuma espécie de contentamento. No fim, eu só havia cumprido o meu dever ao ajudar a preservar a paz que Naruto e os outros lutaram tanto para conquistar.
Desviei a atenção de Ichiro quando ouvi Sakura arquejar dolorosamente à distância e cair sobre um joelho, tossindo sangue no gramado. Ela havia exagerado, como eu suspeitara.
Travei o maxilar e contornei os escombros para alcançá-la e acudi-la, mas foi nesse momento em que o vi materializar-se às costas de Sakura com sua velocidade, portando sua espada. Por pouco não estagnei onde estava, resistindo ao impulso de olhar para o lado e procurar pelo lugar onde seu corpo estivera caído.
Kazuhiko havia sobrevivido ao ferimento que lhe infligi e, mesmo sangrando, agora apontava sua espada para Sakura, que debilitada e exausta, nada poderia fazer para se defender do seu ataque dessa vez.
Pensei em ampliar minha velocidade, pensei em avisá-la a respeito da presença dele, mas sabia que não haveria tempo para isso. Tudo aconteceu tão depressa, não sei ao certo ainda que espécie de impulso me levou a fazer o que fiz. Tudo o que consegui enxergar foi a lâmina cintilante de Kazuhiko pesar sobre o pescoço de Sakura e ela, indefesa sob ele.
Acho que meu corpo se moveu por conta própria, mais uma vez, como sempre haveria de acontecer a cada vez que alguém que eu amasse corresse perigo. Foi puramente instintiva a forma como reuni chakra no meu olho esquerdo para ter acesso ao Amenotejikara e como o usei para trocar de lugar com Sakura — a minha única opção.
O teletransporte foi instantâneo, aconteceu num único milésimo de segundo, tal como a espada que desceu silvando sobre mim. Como era mais rápido, tentei desviar para a direita e isso me custou o braço que havia erguido quando percebi que não seria possível — o braço esquerdo.
Sibilei de dor ao sentir a espada se enterrar na carne do meu braço até o osso. A mistura de dor e adrenalina pontilhou minha visão de negro e vermelho e eu grunhi, defendendo-me da melhor forma que pude. Ergui minha perna e o chutei, plantando a sola do meu pé no seu peito e atirando-o para longe de mim.
Entretanto, como estava ferido, não fui muito efetivo, conseguindo no máximo empurrá-lo para uma boa distância de mim. Sua espada, por sua vez, permaneceu para trás, fincada no meu braço como estava; a dor era lancinante àquela altura.
— Sasuke-kun! — Sakura gritou meu nome à distância, já tendo se recuperado, quando caí sobre um joelho, os dentes fortemente cerrados para conseguir aguentar a dor.
Kazuhiko ainda não havia se dado por vencido, percebi, pois se levantou, mesmo gravemente ferido, e me encarou com um olhar triunfante, vingativo:
— Agora estamos quites, Uchiha — cuspiu com ressentimento, pressionando uma mão na perfuração que eu fizera no seu corpo.
Mirei a espada cravada no meu braço e a envolvi com minha mão direita, firmando-a para tentar retirá-la; o sangue já empapava minha blusa àquela altura, escorrendo pelos meus dedos.
— Não mexa, Sasuke-kun! — Sakura me advertiu, tendo me alcançado, e ajoelhando-se ao meu lado para avaliar o ferimento.
Kazuhiko encarou a nós dois com ódio e sorriu escarnecedor.
— Eu vou acabar com vocês dois, eu vou...
Sua fala foi interrompida por um brado bastante familiar tanto para mim quanto Sakura, e levou nós dois a erguer nossas cabeças para identificar a silhueta dourada como o sol que se acercava rapidamente:
— Fūton: Rasenshuriken!
Uma imensa esfera de vento cíclico e brilhante foi arremessada à distância e apanhou Kazuhiko com a guarda baixa, empurrando-o para longe de mim e de Sakura e consumindo-o, depois, num vórtice sibilante. Kazuhiko gritou de dor e cuspiu mais uma golfada de sangue, então seus olhos perderam foco e seu corpo tombou no gramado. Daquela vez, entretanto, não voltou a se levantar.
A silhueta dourada parou a poucos metros de mim e de Sakura, com um sorriso triunfante nos lábios:
— Sasuke, Sakura-chan... Que bom que estão bem!
O reconhecimento — tal como o sentimento de alívio — foi mútuo. Anuí para ele, grato por sua intervenção dessa vez, e Sakura suspirou, serena.
— Naruto.
O Usuratonkachi havia vindo nos ajudar então, concluí com um meio-sorriso.
— Está atrasado — eu o alfinetei, mais por hábito do que por qualquer outra coisa e Naruto enfim se desfez do chakra brilhante da Kyūbi que o envolvia.
— É, eu tive alguns contratempos no caminho — explicou-se com um dar de ombros que objetivava compensar meu falso tom de censura.
Nesse momento, Sakura segurou meu braço ferido e eu grunhi de dor, por ter sido lembrado da espada que continuava enterrada até o osso no meu membro. Fitei-a e encontrei seu semblante fechado e seus olhos, nubilosos.
— Pode remover a lâmina? — perguntei a ela, que demorou mais do que o habitual para me responder.
Sem me dizer palavra alguma, ela retirou as luvas de combate e agarrou a manga da minha blusa com ambas as mãos nuas, rasgando o tecido sem dificuldade, do pulso até meu antebraço onde a espada estava fincada.
— Está sentindo a prótese, Sasuke-kun?
— Está dormente — disse a ela — e as pontas dos dedos estão geladas.
Sakura soltou uma lufada de ar através dos lábios apartados e estudou o ferimento com calma. Então, sem dizer uma única palavra, firmou as mãos na espada, a partir do cabo e, com sua força, quebrou um pedaço da lâmina, mantendo no meu braço apenas uma parte dela.
— A lâmina está alojada bem sobre a junção do seu braço com a prótese, Sasuke-kun — ela murmurou num tom sombrio, aflito. — Creio que você esteja perdendo a prótese — afirmou para mim, sem delongas.
Naruto se aproximou de nós dois com um olhar preocupado.
— Eu preciso remover a lâmina para começar a fechar o ferimento — Sakura murmurou, olhando-me nos olhos —, mas se eu removê-la, você perde a prótese, Sasuke-kun.
Não hesitei quando a respondi, nem mesmo estremeci sob a intensidade tortuosa do seu olhar:
— Faça.
— Se você perder essa prótese, há a possibilidade do seu corpo jamais aceitar outra substituta — ela contrapôs com calma, apesar da aflição nítida presente nas suas feições.
Inspirei, consternado, mas não vacilei, tampouco o meu timbre fremiu quando reafirmei minha vontade:
— Faça, Sakura.
Ela piscou a fim de afastar as lágrimas que certamente ameaçavam nublar sua visão e anuiu para mim. Segurou a lâmina enterrada no meu braço com uma mão e com a outra deixou seu chakra fluir para o meu corpo, começando o doloroso processo para removê-la.
No fim, a prótese tinha pouco ou nenhum valor para mim. Eu a sacrificaria cem vezes para salvar a vida de Sakura se fosse necessário e não sentiria qualquer remorso por isso.
Mas o meu futuro e a minha única chance de recomeçar e de reencontrar o sentido e o amor que a minha existência vazia buscou por tanto tempo, isso era único e insubstituível.
Disso eu não abriria mão e por isso eu estava disposto a lutar.
⊱❊⊰
Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.
A comemoração pela minha absolvição no julgamento não poderia ter terminado de outra maneira.
Naruto e Sakura arrastaram tanto a mim quanto a Kakashi para o Ichiraku e lá nós assistimos a Naruto devorar tantas tigelas de ramen quanto era humanamente — ou não — possível. Eles conversaram com entusiasmo e fizeram inúmeros planos para o Time 7.
Sakura segurou a minha mão enquanto ninguém se dispunha a prestar atenção em nós dois. Seu aperto delicado me deu a certeza de que eu poderia recuar se quisesse, se não me sentisse confortável com seu toque.
A questão, entretanto, era que eu não quis recuar em momento algum e seu toque era mais do que bem-vindo.
Horas mais tarde, Kakashi foi o primeiro a despedir de nós três, alegando ter responsabilidades das quais não poderia evadir como Hokage. Em seguida, Naruto nos deixou com um sorriso grande e abobalhado.
Por fim, Sakura e eu caminhamos pelas ruas calmas de Konoha, sob a lua e a iluminação artificial dos postes de luz, com o cricrilar dos grilos ecoando à nossa volta. Ao invés de seguir na direção da casa dos pais dela, entretanto, eu me surpreendi indo para a quitinete com ela no meu encalço.
Mais importante do que isso: eu não tentei impedi-la de vir comigo.
Foi ela a abrir a porta quando chegamos e foi ela a me dizer para entrar. Apesar das semanas em que estive ausente, preso numa cela escura e úmida, a quitinete continuava organizada e limpa como eu a havia deixado. Suspeitei que Naruto ou Sakura estivessem envolvidos, mas não vocalizei esses pensamentos.
— É bom voltar aqui, não é, Sasuke-kun? — ela me perguntou ao fechar a porta e bloquear a corrente de ar frio que entrava.
— Nem tanto — discordei num tom monocórdio que a confundiu.
— O que quer dizer, Sasuke-kun?
Voltei-me completamente para ela, estagnada junto à porta, a fim de respondê-la apropriadamente.
— Aqui não é o meu lar, não sinto como se o fosse... — divaguei, desviando meu olhar para observar a mobília simples aglomerada num canto do cômodo, os armários quase vazios.
Era muito... impessoal. Sentia tanta apatia por aquele lugar como sentiria pela casa de um estranho.
— Você ainda poderá recomeçar a sua vida, Sasuke-kun — ela me garantiu com um sorriso delicado. — Há tempo para isso.
Não concordei, mas tampouco neguei sua afirmativa. Vaguei a esmo pelo cômodo, sem ter um rumo certo — tanto para o meu corpo quanto para a minha mente —, até que Sakura suspirou.
— Acho que devo ir agora. Você deve estar cansado e louco por um banho, não é? — tentou rir ao final, mas vi através do seu nervosismo.
Sakura se aproximou com passos incertos e tímidos de mim. Apoiou as mãos no meu peito e esticou-se na ponta dos pés para roçar os lábios nos meus num toque breve e doce. Quando se afastou, procurou pelos meus olhos como eu procurei pelos dela desesperadamente.
Nos olhos de Sakura cabiam tanta intensidade e força... Mesmo depois de tantos anos a conhecendo e encarando-os, eles ainda conseguiam silenciar todos os meus pensamentos de uma só vez. Seus olhos, por vezes, me desconcertavam. Eram lindos e me faziam desejar que eu tivesse feito tudo diferente desde o começo.
Envolvi sua cintura com meu braço e a trouxe para perto. O rubor no seu rosto se intensificou e ela apartou os lábios para arquejar timidamente. Um segundo depois disso, ela os tinha colados aos meus.
Suas mãos migraram do meu peito para os meus ombros e, brevemente, seus dedos se agarravam ao meu cabelo. Afoguei-me nela, perdi-me nela, na tortura deliciosa que era tê-la tão próxima a mim. Seu calor e seu perfume me faziam arder de desejo por ela.
Recuei com ela até tê-la encostada à parede e deslizei minha mão através do tecido do seu vestido, enganchando meus dedos na sua roupa, e separei suas pernas ao enfiar meu joelho no meio delas.
Sakura suspirou nos meus lábios e tombou a cabeça para trás quando minha boca se moveu para o seu pescoço. Subi minha mão através do seu ventre e a descansei no seu colo, acariciando os ossos da sua clavícula e sentindo-me tentado a abaixar a alça fina do seu vestido.
— Sasuke-kun... — ela gemeu, afagando os cabelos na minha nuca.
Eu poderia tê-la ali, poderia fazê-la minha agora se eu a pedisse, tinha certeza de que ela não me rejeitaria. E eu queria. Todo o meu corpo estava desperto para as sensações que ela provocava em mim. Eu a queria nua sob o meu corpo, arfando meu nome com ardor e agarrando-se a mim.
Mas, eu sabia que ainda não era o momento, por isso afastei esse pensamento da minha cabeça e afastei-me dela, quebrando nosso contato. Porém, encostei minha testa à dela e fechei os meus olhos a fim de fomentar aquela resolução que contrariava as minhas necessidades mais urgentes.
Depois de um tempo, Sakura segurou o meu rosto e suspirou o meu nome:
— Sasuke-kun.
Abri meus olhos num estalo e me afastei de vez, abandonando o calor do seu corpo.
— Você deveria ir.
Sakura enrubesceu e assentiu, rumando até a porta com pressa. Contudo, antes que sequer a alcançasse, detive-a ao chamá-la:
— Sakura.
Ela estacou e tombou os belos olhos para mim outra vez. Fitei-a em silêncio, sereno.
— Boa noite, Sasuke-kun — disse-me com leveza, sem ressentimento; assenti.
No fim, ela sorriu para mim e saiu pela porta, deixando-me sozinho com meus desejos frustrados, meus pensamentos vazios e a minha moral indesejada.
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