Mesmo acordando bem mais cedo que o habitual, Sai acabou saindo de casa em cima da hora. Isso porque ele passou boa parte do tempo no quarto, se arrumando.
Depois de pesquisar um pouco na internet, ele percebeu que talvez tivesse que se esforçar um pouco mais para causar uma melhor impressão.
Surrupiou um dos barbeadores caros do irmão e usou. Tentou passar as suas roupas por conta própria pela primeira vez e até tentou escolher as meias mais brancas. Passou quase vinte e cinco minutos procurando a calça nova que seu irmão tinha comprado para ele no último período de festa, apenas para encontrar misturado ao lugar em que guardava os lençóis.
Se certificou de cheirar todos os perfumes do irmão e ser mais criterioso para escolher o melhor. Também passou um pano umedecido nos sapatos para disfarçar as manchas de sujeira e tirar a poeira.
Até mesmo parou para assistir vídeos sobre como estilizar o cabelo, mesmo que isso não tenha lhe ajudado muito já que ele costumava manter um corte baixo e que não permitia muita mudança.
Pegou um colar que nunca usava, mas tinha recebido de Shin no seu aniversário de quinze anos, e se olhou bastante no espelho. Normalmente Sai não se preocupava muito com a sua aparência, mas aquele era um dia especial.
Quando finalmente achou que estava pronto para ir, percebeu que não teria muito tempo para tomar café e resolveu comprar algo para comer quando chegasse na faculdade, mas se limitou a pegar um copo de suco que tinha restado da noite anterior.
– Esse é o meu perfume, é? – Shin perguntou, assim que Sai passou por ele na cozinha.
– Não... – Infelizmente, Sai foi muito devagar.
– É sim.
– É. Foi mal.
– Não, tudo bem. Mas da próxima vez pelo menos peça que eu empresto.
– Foi mal. – Sai se repetiu, um tanto envergonhado.
– Ei.
– O quê?
– Vai para a guerra é?
Quase cuspindo o líquido da boca, Sai teve que fazer uma pausa e engolir o que tinha na boca.
– Hã?
– É que você se arrumou tanto. Tomou um banho de perfume e nem está indo com aquele cabelo lambido para o lado que você sempre usa.
– Não é lambido...
– Olha, está até usando aquele colar que eu te dei.
Foi meio instintivo, mas Sai acabou levando a mão até o acessório, em uma tentativa de escondê-lo. Se esqueceu de colocá-lo por dentro da camisa.
– A camisa ficou boa? – Shin perguntou, colocando um pouco de ketchup no pão com presunto.
– Ficou. Serviu direitinho.
– Que bom. Eu estava meio na dúvida.
Sai não respondeu. Estava concentrado em esvaziar o copo e sair.
– Tudo isso é para a loira?
– Cala a boca.
– Está até na defensiva. O negócio é sério.
– Mano, vai se ferrar. É sério.
– Está virando um homenzinho. Vou até ligar para o Danzou.
– Você não é nem doido!
– Eu tenho que atualizar ele. Vai que termina em casório.
Revirando os olhos, em uma mistura de raiva e vergonha, Sai colocou o copo na pia e se preparou para sair.
– Ei. Lava o copo. Deixou a mão cair foi?
– Eu lavo depois. Vai sujar a camisa.
– Vem cá. – Shin insistiu, querendo observar melhor.
– Para quê?
– Vem cá, tabacudo. – Relutante, Sai deu dois passos para frente. Seu irmão continuava sentado, observando por um tempo antes de se levantar. O rapaz achava desconfortável ser observado daquele jeito, então fez seus olhos viajarem pela cozinha enquanto isso acontecia.
Shin ajeitou a barra da manga do casaco preto que o irmão vestia, ajeitando a manga até a metade do braço. Depois, ele foi rapidamente até o quarto e voltou com um relógio.
– Eu tenho celular. Não preciso de relógio.
– Isso não é para ver a hora, abestalhado. É só para ficar bonito.
– Tá bom. Já está tarde. – Tentando se desvencilhar, o fato de Shin continuar amarrando o relógio ao seu braço acabou o impedindo. Quando terminou, olhou para a peça. Agitou o pulso, estranhando a presença de algo lá.
– Você se acostuma. – O irmão garantiu, batendo no seu ombro. – Agora... Vai querer camisinha?
– Não! – Foi uma negação imediata. Seu rosto ficou vermelho em instantes.
– Leva. É melhor prevenir.
– Não.
– Leva. É sério. Nunca se sabe. – Mesmo tendo consciência de que sexo era algo fora de questão naquele momento, ele aceitou apenas para encerrar o assunto o mais rápido possível.
Shin, sorrindo, tirou do bolso do calção uma embalagem pequena no bolso do casaco.
– Sabe colocar, né?
– Sei!
– Sei lá. Achei melhor perguntar. Vai que você nunca teve aquela aula da banana?
– Tá. Valeu...
– De nada, irmãozinho.
Mesmo a contragosto, Sai sorriu um pouco. Ele sabia que Shin só queria ajudar, ainda que do jeito dele.
– Está rindo porque sabe que vai perder o cabaço, né?
– Vai se foder, velho.
– Vai tu.
– Eu já vou indo. Você não tem aula hoje?
– Não. Mas eu tenho uns trabalhos para terminar. Então é quase a mesma coisa que ir para a faculdade. Eu só não vou gastar passagem. Ou ir em pé no ônibus.
– Tá bom, então. Já vou indo.
– Vai lá. – Sorrindo, Shin não deixou a oportunidade passar. – Taradão.
Irritado, Sai se limitou a lhe lançar os dedos do meio de ambas as mãos antes de sair pela porta, deixando o mais velho para trás, com um sorriso ainda maior.
***
O barulho de passos ecoando sobre o piso deixava-o em estado de alerta. Sempre. Estava sentado no mesmo ponto do mesmo corredor em que costumava ficar. Olhou para os lados, atento. O coração batia tão rápido e forte que ele conseguia destingir o som com clareza.
Sai chegou a ter a impressão que a sua respiração ficou suspensa nos instantes mais críticos que antecipavam a entrada da silhueta no corredor, mas não tinha certeza. De qualquer forma, ele soltou o ar quando percebeu que, novamente, não era ela. Não era Ino.
Na medida do possível, o rapaz relaxou. Ele não se sentia pronto. O fundo do seu abdômen estava gelado, e vez ou outra ele sentia gotas frias de suor escorrendo pela sua testa. Todo o seu corpo reagia de alguma forma perante a ansiedade que tinha lhe dominado, a ponto de lhe dar a impressão de que tinha sido traído pela própria natureza.
Fechando os olhos com força, Sai reclinou o pescoço até encostar a nuca na parede. Fitou a linha desenhada entre o teto e a parede por alguns segundos antes de voltar a sua atenção para o esboço em que estava trabalhando.
Tinha deixado a sala de aula uns minutinhos mais cedo e pretendia esperar pacientemente pela garota com quem precisava conversar ali. Como não conseguia focar no que o professor dizia, achou que seria melhor usar parte daquele tempo para ensaiar uma forma de abordar Ino.
As palavras se recombinavam inúmeras vezes dentro dos seus pensamentos, mas nunca pareciam certas. Imaginou que ao ficar sem fazer nada ajudaria a alinhar a sua mente, mas o tédio lhe venceu rapidamente e quando se deu conta, seus dedos já estavam trocando de lápis, buscando pelos traços adequados para completar a figura que se formara em sua imaginação e que agora tentava transpor para o papel.
O que tinha começado como um punhado de linhas bruscas e até meio tronchas tinha sido preenchido e remodelado algumas vezes e já estava mais, segundo os seus próprios padrões, apresentável.
Eventualmente Kurenai passou por ele no corredor e acenou com um sorriso simpático no rosto.
– Você vem hoje? – Ela perguntou.
Sem saber o que responder, Sai tomou mais tempo do que gostaria, mas foi o suficiente para que ela compreendesse.
– Acho que entendi. Bom, você sabe onde eu vou estar e se precisar, a porta vai estar aberta.
– Eu sei. Eu estou decidindo, ainda. – Ele respondeu, tentando não negar completamente.
– Tudo bem. Pense com calma. – Ela respondeu. – Mas agora eu vou indo, tá? Ainda tenho que almoçar.
– Certo. Até depois.
Com um aceno rápido, ela retornou ao seu rumo e continuou a descer pelo corredor.
Quando pensava em uma palavra para descrever Kurenai, a primeira coisa que passava pela mente de Sai era “chique”.
Uma coisa que ele tinha reparado é que ela sempre se vestia muito bem e tinha uma postura que externava confiança. Pelo que Sai podia lembrar, nunca tinha visto a mulher com uma cor de batom que fugisse do vermelho. Essa era a sua cor.
Depois de Kurenai, outras coisas acabaram por tomar a sua mente. Alternando a sua atenção entre finalizar o desenho e os seus devaneios, mal percebeu o tempo passar. Entretanto, ele ainda estava consciente do que estava por vir.
A ansiedade recomeçou. A cada sinal de que alguém se aproximava, ele terminava apreensivo. Apesar de ser uma área pouco movimentada devido ao horário, um número considerável de pessoas passava por ali.
Ele se distraia tantas vezes quando parava para prestar atenção à esquina e confirmar se era Ino que quando ela realmente apareceu, a sensação de surpresa acabou sendo maior.
Ela estava alguns minutos adiantada. Kurenai ainda não tinha aparecido. Ela andava com certa lentidão pois parecia preocupada em digitar algo no celular.
Sai não sabia o que fazer. Tantas horas pensando para no fim terminar parado.
Ela estava bonita, como sempre. Vestia uma blusa branca, simples e adornada apenas por um desenho de uma flor que Sai não conhecia pelo nome, e um short jeans.
Quando recomeçou a andar após tirar os olhos da tela do celular, ela acabou avistando Sai no canto do corredor e acenou com um sorriso.
– A Kurenai foi almoçar. – Ele falou, mas Ino já tinha passado por ele.
– O quê? – Ela perguntou, já que não tinha ouvido claramente da primeira vez.
– A Kurenai foi almoçar. Eu vi quando ela saiu.
– Ah, entendi. Mas pela hora, ela já deve estar voltando. Você é o primeiro da fila hoje? – Ela perguntou, conferindo a tela novamente.
– Sim.
Ino sentiu o olhar de Sai, mas fez pouco caso disso e voltou a conferir o telefone após sentir uma vibração.
– Ei.
– Hã?
– Na verdade... Como eu posso falar... – Sai mais murmurava para si do que falava com Ino. Ele não tinha mais tempo de pensar em alternativas. – Bem, é que eu não vim pela consulta. Não hoje, pelo menos.
– Não veio?
– Eu queria falar contigo. É rápido. Eu juro.
– Comigo? – Ino abriu os olhos surpreendida e curiosa.
– Sim, se não tiver problema. – Ele tomava cuidado para não tropeçar nas palavras. Sua voz também estava mais baixa que o normal – Se estiver ocupada, tudo bem. Não é importante. Quer saber? Esquece.
Tomado pelo nervosismo, Sai acelerou a metade final da sua fala. Confuso, logo concluiu que aquele não era um bom momento e achou que a decisão mais sábia era abortar a missão.
– Não. Eu posso falar, sim. Vou acabar tendo que esperar na frente da sala mesmo. Ainda tenho um tempinho.
– É. – Ele concordou, com um meio sorriso. Não conseguia acreditar que as coisas tinham fluído até àquele ponto. Tinha que pensar com cuidado no que iria fazer de agora em diante.
– E então...? – A garota perguntou, sentando ao lado do moreno. – O que você quer falar comigo?
Vendo a hesitação no rosto do rapaz, Ino ponderou por alguns instantes antes de tentar um palpite.
– Tem a ver com as consultas? – Perguntou, inclinando o rosto levemente para manter o contato visual. – Não me diga que quer parar?
– Não é bem isso. É mais... Desculpa. Eu estou pensando em como perguntar.
– Tudo bem. Leva o tempo que precisar. Mas enquanto você pensa, eu vou ficar olhando o seu caderno, ok?
Apesar de relutante, Sai apenas observou a garota roubar o objeto de cima da sua perna.
– Isso é mais ou menos justo.
– Isso é 100% justo. – Sorrindo enquanto colocava algumas mechas do seu cabelo atrás da orelha. – Nossa... Você é muito bom.
O som de páginas sendo viradas. Um dos sons que Sai mais gostava. Uma, duas vezes. Ele perdeu a conta. Ele a encarava de soslaio vez ou outra, observando a forma que ela interagia com o desenho. Passava a ponta dos dedos delgados sobre os contornos, como se estivesse reproduzindo de alguma forma. Tudo isso embalado pelo cheiro de perfume floral que a garota emitia.
– Eu acho que eu gosto de você.
– Hã? – Ino, que estava distraída com o caderno, encarou o rapaz por um instante.
– Eu disse que eu acho que...
– Puta merda... – Enquanto Sai tentava se repetir, Ino revirou os olhos.
Decepção? Sai não sabia ao certo. O primeiro sinal de negação por parte da garota foi o suficiente para anestesiar todos os seus sentidos, prejudicando as suas habilidades de percepção.
Ela levou as mãos ao rosto, perdida, e praticamente afundou a cabeça entre os joelhos. Murmurava coisas que ele não conseguia decifrar, mesmo estando ao seu lado. Ela juntou as palmas das mãos e as levou ao rosto novamente, onde expirou com força.
Sai acabou completamente sem reação. Precisou de algum tempo para digerir a cena que presenciava. Claro, ele imaginou que uma rejeição era altamente possível. Mas chegar naquele momento e se deparar com ele em plena realidade era mil vezes mais complicado.
Sem palavras, depois de se recuperar um pouco do choque, Sai tentou pegar o seu caderno que ainda estava com a garota e silenciosamente planejou a sua deixa. Ele estava abalado, claro, mas preferia não esboçar alguma reação. Colocou as suas coisas de qualquer jeito dentro da mochila e deslizou o zíper até o fim.
Não sabia se deveria pedir desculpas ou apenas ir embora. Fez menção de que ia se levantar, mas Ino o impediu.
– Não. Fica. É só que... Ah, nem eu sei direito como explicar.
Apenas obedecendo, ele retornou a sua posição inicial, agora abraçando a mochila contra o peito.
Silêncio. Sai deixava o seu dedo indicador brincando, balançando a ponta de um zíper como se fosse um pequeno sino.
– Olha. Foi mal. – Ele falou, por fim. Apesar de Ino ter dito para que esperasse, aquela situação parecia pesada demais para aguentar.
– Não. Você não tem que se desculpar por nada. É sério.
– Mas...
– Eu não estou brava contigo. O problema sou eu, ok? Eu tenho mania de fazer as coisas do meu jeito, sem pensar muito e acabo complicando tudo.
Sai apenas continuou a ouvir. Fitava a parede em frente a maior parte do tempo, mas também a espiava de soslaio.
– Mas isso não tem nada a ver contigo, está bem? O problema sou eu. – Ela falou, percebendo a própria forma com que tinha reagido. – Olha... O problema também é que agora eu não estou procurando um namorado, sabe? E assim... A gente mal se conhece. Desculpa por falar desse jeito. Eu sei que eu tive a minha culpa na história.
– Culpa?
– Você começou a gostar de mim por causa daquele dia em que conversamos, não foi?
– Você já sabia? – Extremamente corado, Sai recuou um pouco.
Ino sorriu de leve perante a reação do rapaz. Pensando agora, Sai tinha perdido um pouco do nervosismo. Ela parecia calma e transmitia essa sensação para ele. Era apenas uma conversa comum. Pensar nisso fazia com que ele ficasse menos tenso.
– Foi um chute.
– Um bom chute.
– Um bom chute. – Ela concordou. – Mas sabe... Eu não dou mesmo para essas coisas, hein?
– Essas coisas.
– Ser psicóloga. Eu já devia ter saído desse curso. Eu não sirvo para isso.
– O que quer dizer?
– Ah, Sai. É complicado.
– Você disse que teve culpa. Eu ainda não entendi.
Era estranho. Nem nos seus sonhos Sai imaginou que a conversa seguiria aquele caminho. Ino sorriu perante a pergunta. Ela não tinha vontade de responder, mas não conseguia pensar em um jeito de desviá-la. Pelo jeito, Sai também iria continuar a insistir nisso. De um jeito estranho, Ino se sentiu um pouco aliviada.
– Eu fiquei incomodada com você. Foi isso.
– Incomodada? – Sai sentiu uma flecha invisível perfurar o seu corpo.
– Foi um péssimo jeito de falar.
– Eu tenho que concordar.
– Desculpa. – Ela falou, brincando com a ponta do cabelo. – Eu gosto do curso. De verdade. Mas sabe quando você aprende mais sobre uma coisa e percebe o quanto ela complica várias situações? Todos os dias, nas aulas, os professores passam horas conversando sobre os aspectos psicológicos de x ou y, analisando uns detalhes tão pequenos que nem parecem ser importantes, mas as vezes, as coisas podem se resolver de um jeito tão mais simples.
– Eu acho que entendo o que quer dizer. – Isso também acontecia no mundo das artes. Sua percepção sobre o ato de representar coisas artisticamente era muito intuitiva antigamente. E ainda é. Apesar de aprender bastante sobre a influência da história, da filosofia e de outras ciências na sua área, Sai nunca percebia a presença delas quando estava trabalhando em um projeto pessoal.
– Num mundo ideal, é claro que seria bom se todo mundo que quisesse tivesse a oportunidade de ir a um psicólogo. Mas a vida não é assim. Às vezes eu vejo coisas que me deixam meio puta. Sério. Às vezes, para o seu problema sumir, você não precisa de um profissional. Precisa de um amigo.
– Essa não deve ser uma opinião popular, não é? – Sai comentou.
Era estranho. Ele tinha acabado de se confessar para Ino e levar um fora em poucos segundos, mas ali estava ele, firme e forte, resistindo a tristeza que lhe consumiria mais tarde.
– Nem um pouco. De vez em quando eu olho para as pessoas da minha sala e elas estão tão focadas em se tornarem os profissionais que o mundo precisa e esquecem que também é importante ser uma pessoa, entende? Eles tentam entender os outros a partir do que está nos livros, e esquecem de tentar entender com empatia. Por isso eu gosto de fazer as coisas do meu jeito de vez em quando. Porque eu não aguento ver essas coisas. – Ela falava tudo de uma só vez, e a sua voz oscilava de calma para raiva em questão de segundos quando tocava em um tópico que não lhe agradava.
A fluidez com que as coisas saiam da sua boca mostrava que ela vinha pensando nisso a um tempo, mas até o momento não tinha tido oportunidade de compartilhar com alguém.
– Eu tive um amigo. Na verdade, ainda tenho, já que nos falamos de vez em quando. O nome dele é Chouji. Nós estudávamos juntos no ensino fundamental e médio. As pessoas adoravam pegar no pé dele porque ele era meio gordinho. Faziam da vida dele um verdadeiro inferno. O Chouji era um menino legal. Ele gostava de fazer piadas e de sair com os outros. Mas com os tempos ele foi murchando. É muito triste você ver uma pessoa ficando gradativamente mais infeliz porque as pessoas ficam falando merda sobre ele.
O rapaz não entendia aonde ela queria chegar, mas escutava mesmo assim. De qualquer forma, era interessante ouvir as histórias de Ino. Ouvir a sua voz. E claro, também era bom sentir que estava se tornando alguém que talvez ela pudesse confiar.
– Aí um dia passou do limite. Eu fui na mesa dele e comecei a conversar. Eu disse que éramos amigos, mas nessa época não nos falávamos muito. Só estávamos na mesma sala. Enfim, quando estava conversando com ele, eu fingi ser um pouco mais fofa do que o normal. Foi basicamente um flerte. Eu ouvi que tinham apostado com uma garota para que ela se declarasse para ele, e quando ele dissesse que sim, iriam zoar ele ou algo assim. Aquelas coisas bestas de adolescente.
Sai se identificou um pouco com essa última parte, mas não falou nada.
– Eu queria mostrar que ele também tinha coisas boas. E que uma garota também podia se interessar por ele. Aliás, uma mais bonita do que a que aprontou com ele.
– E humilde. – Sai completou.
– Muito humilde. – Ela completou, sorrindo rapidamente antes de retornar a sua história. – Uns anos depois o Chouji falou comigo. Veio me agradecer.
– Agradecer?
– Foi. Eu também não entendi no começo, mas ele disse que se não tivesse sido por mim, ele nunca teria tido coragem de tentar ficar com a namorada atual. Ele falou que nunca tinha esquecido daquele dia, e o quão confiante ele se sentiu pelo resto da semana. Eu chorei quando ele estava me contando isso, porque me fez refletir sobre tantas coisas. – Ela parecia comovida por poder reviver essas memórias e compartilhar com alguém, mas não a ponto de chorar. – E eu fiquei pensando nisso. Quando eu vi a Hinata. Quando eu vi você. Eu sei que o que eu estudo é muito importante. As pessoas precisam de um profissional. Mas tem problemas que só são grandes porque você enfrenta sozinho. É o que eu acho. Me dá uma agonia quando eu vejo essas coisas, por isso que as vezes acabo me metendo.
Sai sorriu de canto, embaraçado. Ele tinha entendido. Ele era o novo Chouji.
– E – ela continuou. – Ele falou que gostou de mim pelo resto do ano, mas que depois superou. E foi daí que surgiu o meu palpite.
– Eu sou o novo Chouji?
– É... – Ela confessou. – Desculpa...
– Tudo bem. A culpa é minha por entender errado. O imbecil fui eu.
– Você não é imbecil. E a culpa é minha, sim. Eu sei que é. Eu achei que sozinha poderia aumentar a sua confiança e magicamente os seus problemas iriam sumir. Eu já devia saber que as coisas não funcionam assim. Mas é como eu disse. Eu gosto de me meter sem pensar muito nas coisas e acabo fazendo merda por isso.
– Não precisa falar assim. – Foi genérico, mas Sai não sabia o que dizer nesse tipo de situação.
– O que eu fiz foi totalmente antiprofissional e errado, mas acredite em mim quando digo que foi com a melhor das intenções. Eu jurei que em dois meses ia ver você se agarrando com alguma garota aí nesse cantinho.
– Isso não vai acontecer.
– Nunca se sabe. A vida é um mistério.
– Ino! – Sai reconheceu a voz de Kurenai. A mulher tinha se aproximado.
– Oi, professora.
– Chegou cedo hoje.
– Foi. Fiquei aqui conversando com o Sai.
– Tudo bem. Eu vou pegar uns documentos na minha sala e levar no departamento. Mas é coisa rápida. Se quiser já pode entrar. Vou deixar a porta aberta.
– Tudo bem. Obrigada.
– Volto em quinze minutos, no máximo.
– Certo.
Se distanciando, eles observaram Kurenai entrar na própria sala.
– Então... É isso. Eu acho.
– É? – Ele perguntou, em dúvida.
– Não é? – Dessa vez tinha sido ela.
– Eu não sei. Quer dizer, eu sei. E não, não é. Fica mais um pouco.
– Tá. – Curiosa, ela assentiu. O Sai de agora com certeza parecia estar mais decidido do que antes.
– Eu sei que você só queria me ajudar. Eu entendi as coisas errado. Mas eu não quero que pense que eu gosto de você só porque é a garota bonita que me deu dois segundos de atenção. Eu gosto das nossas conversas e de como você ri. Confesso que fiquei meio chocado – Ele não tinha certeza se a palavra era essa, mas continuou mesmo assim – com o seu motivo, mas quando eu paro para pensar que você é uma pessoa que se preocupa tanto com os outros... Isso só me faz gostar de você ainda mais.
– Eu acho isso muito fofo. De verdade. Mas eu não estou procurando um namorado.
– Eu não estou pedindo para ser o seu namorado. Não agora, pelo menos. Mas eu quero conversar mais com você, porque eu gosto de fazer isso.
Ino suspirou. Kurenai passou por eles novamente, e observou os dois jovens em silêncio com um ar de curiosidade.
– Então eu quero ser seu amigo.
– Só um amigo?
– É... – Uma afirmação sem credibilidade. Sai não queria afirmar que ainda tinha esperanças, mas ele nem precisava, pois estava estampado no seu rosto.
– Podemos ser amigos... – Ino falou, no meio de um conflito mental.
Sai tinha um sorriso contente no rosto.
– Amigos. – Ino deu ênfase. – Eu não estou procurando um namorado agora.
– Eu sei. Podemos começar por aí.
Sai arriscou um pouco e arrancou um sorriso da loira.
– Você não vai desistir, não é? – Ino o encarou, sorrindo. – Ah, eu nem cheguei a comentar. Mas você se arrumou todo.
Ele corou com o comentário. Em seguida ela começou a apontar até detalhes mínimos da sua roupa. Pelo que tinha percebido, ela era muito observadora.
Ele tentou mudar o rumo da conversa.
– Podemos conversar agora? Como amigos.
– Como amigos, não é? – Ela revirou os olhos. – Conversar sobre o quê?
– Eu não sei.
– Você gosta de filmes?
– Gosto.
– Quais?
***
Aquilo não durou muito. Ino logo teve que ir para o trabalho, deixando o garoto sozinho, a observar o número dela registrado na tela do seu aparelho celular.
Sai continuou sentado no canto, sem saber o que fazer.
Aos poucos, todas as coisas que tinha dito para se confessar, começavam a se repetir na sua memória, deixando-o mortificado de vergonha.
– Puta merda. Como eu fui falar aquilo? – Ele murmurava para si mesmo.
Apesar de tudo, ele estava contente. Surpreso consigo mesmo. Ansioso. Várias coisas ao mesmo tempo e também uma de cada vez. Estava triste pela resposta, mas otimista em relação ao futuro. Seu coração batia forte e experimentava o que poderia ser uma epifania.
Não foi para a sala de Kurenai naquele dia. Não aguentaria passar mais tempo no mesmo ambiente que Ino. Tinha atingido o seu limite.
Ele também precisava digerir tudo o que tinha acontecido. E mais importante, ele precisava se lembrar de todos os detalhes, até para poder a contar aos outros depois e pedir ajuda para interpretar algumas partes da conversa.
Zanzou pela faculdade durante alguns minutos e comprou um salgado e um refrigerante para se recompensar.
No cume da sua empolgação, chegou a enviar mensagens para Naruto e Hinata, avisando que tinha conseguido falar com ela.
As respostas vieram rápido e graças ao rumo em que as coisas tomaram, Naruto acabou criando um grupo incluindo os três.
[Sai, 16:46]: Eu ainda não acredito que falei com ela!
Sai enviou quando já tinha chegado em casa.
[Naruto, 16:48]: Nem eu.
[Naruto, 16:48]: Mas você nem contou os detalhes sórdidos ainda.
[Naruto, 16:48]: EI!
[Naruto, 16:49]: Não se esqueça de me pagar uma Coca-cola não, viu? Seu malandro. Eu que lhe ajudei.
[Hinata, 16:49]: Eu aceito um copinho.
[Sai, 16:50]: Se for uma latinha para vocês dividirem, tudo bem. Eu pago.
[Naruto, 16:51]: Mulher não gosta de homem pirangueiro. Só digo isso.
[Naruto, 16:51]: Eu estou te oferecendo a chance de treinar e pagar as coisas para mim e você fica aí de frescura.
[Naruto, 16:51]: Esse cara é muito ingrato, Hinata. Sei não, viu.
[Hinata, 16:53]: Ele e esses escândalos.
[Naruto, 16:54]: Escândalo nada. Realidade.
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