Temos mesmo o direito de viver?
Mais um grande tremor, parece que o próprio chão pode se abrir a qualquer momento e me engolir completamente.
Assim como das outras vezes minha mãe entra correndo no quarto, me abraçando e se jogando, fazendo com que nós cairmos no chão. Ela aperta ainda mais o abraço e estava claramente tremendo enquanto falava diversas vezes que tudo ficaria tudo bem, embora não consiga dizer se estava falando aquilo para mim ou para ela mesma.
Outro combate estava acontecendo, provavelmente a dezenas de milhares de quilômetros do local onde estávamos, mesmo assim ainda podemos sentir os fortes ataques que se chocavam no campo de batalha.
Fazem dois anos que o Império se aliou ao Reino para tentar repelir a invasão do continente demoníaco, mesma época em que meu pai se alistou no exército e decidiu ir a batalha. Normalmente soldados voltariam ou pelo menos mandariam uma carta a sua família durante uma guerra comum, porém essa é completamente diferente.
Deuses, essa é a única definição que uma pessoa "simples" como eu posso classificar os membros desse combate. Demônios que podem devastar grandes cidades com apenas um ataque, humanos que combatem e conseguem repelir essas bestas, até mesmo o herói não escapa da palavra "monstro", mas não com o sentido das bestas que atacam nossas cidades e vilas, eles são outro tipo de monstro, aquele que não precisa ser feio para aterrorizar, apenas suas presenças poderiam nos matar, sem remorso ou pesar algum em suas mentes.
— Não aguento mais.
Olhando pela janela tenha a percepção de que o céu tremeu por um breve instante. Obviamente isso foi causado por mais um tremor no chão, mas tenho certeza que consegui ver uma pequena sombra surgindo e desaparecendo no ar por um pequeno instante.
— Precisamos sair daqui! — grito com todas minhas forças. — Agora! Vamos, temos que sair daqui agora mesmo.
Ela estava tremendo demais e continuava falando que tudo ficaria bem. Não está me ouvindo, talvez essa seja nossa única chance. Tento me soltar de seus braços, mas ainda sou muito jovem, ela ainda me supera por uma grande margem.
O céu, daquela pequena mancha que havia visto há poucos instantes, começa a escurecer completamente e em um simples piscar de olhos tudo havia escurecido, como se estivesse anoitecido de um momento para o outro, mas ainda pior, pois parecia que a própria lua havia desaparecido.
Os tremores de minha mãe havia parado. Tento olhar para seu rosto, ela estava com os olhos fechados, assim como antes quando tremia e falava a mesma frase repetidamente, porém estava completamente parada, como se houvesse sido paralisada por alguma coisa.
Parece que seus braços se afrouxaram por um instante antes de ficar nesse estado, por isso consigo me mover e sair de seu abraço.
— Ei, mãe... — Balanço seu corpo. — Mãe! Consegue me ouvir? Ei, está me ouvindo?
Mas ela não se move, mesmo que tente empurrar seu corpo ele não se move um único centímetro. Assim como não posso sentir seu pulso ou sua respiração.
— O que está acontecendo? — Me levanto e olho em direção a janela.
Um cachorro corria pela rua, assim como minha mãe ele estava completamente petrificado, porém o estranho não era isso e sim a forma e quando foi paralisado. Parecia que corria, olhando agora que vejo que está tendo ir na direção contrária onde vi aquilo no céu, seu corpo estava parado no ar, para ser mais preciso, estava saltando um pequeno buraco e foi o local onde ficou parado, sem cair.
Saio pela própria janela para ver o que estava acontecendo. Todas as pessoas na rua estavam paradas da mesma forma, mesmo que tentasse empurrá-los eles não se moviam nada.
— Parece que um deles consegue se mover, mesmo após ser pego dentro da minha habilidade, me pergunto o que esse humano tem de especial.
— Talvez seja porque sua habilidade está ficando fraca depois de tanto tempo sem usar, acredito que toda habilidade ficou no meu corpo, enquanto a idiotice no seu...
— Tá querendo começar uma briga? Sua otária, vou arrancar seu braços na porrada.
Duas vozes pareciam vir do céu, eram duas garotas brigando. Pelo que estavam falando pareciam ser a causa daquilo que estava acontecendo.
— O que vocês fizeram? — grito.
Mesmo sabendo que estava cometendo um erro gigante ainda demonstro minha hostilidade para aqueles seres que não conseguia ver. Provavelmente são demônios ou vampiros, mas não importava muito a verdadeira identidade do alvo de minhas palavras, qualquer um que fosse minha vida estava em risco.
Elas nem ao menos parecem se importar com minhas palavras e continuam falando entre si. Nem ao menos possuo poder o suficiente para chamar atenção deles, tão insignificante que pareço apenas um mero inseto que passa pelas pessoas sem chamar muita atenção, esse é o verdadeiro valor de uma pessoa normal nesse mundo, sem poder não podemos fazer nada. Acabo explodindo em raiva.
— Estou cansado disso! — grito. — Vocês acham que podem simplesmente fazerem o que querem? Por que estão escondidos se são tão poderosas assim? Apareçam suas covardes!
As duas param de falar ao ouvirem minhas palavras, por alguns segundos o único som que poderia ouvir era o de minha própria respiração.
Começo a esfriar minha cabeça com esse tempo de calmaria e nesse momento percebo o que havia acabado de fazer. Realmente consegui chamar a atenção delas, mas isso não era a última coisa que um humano desejaria? Dois monstros incapacitam toda uma cidade, de acordo com elas apenas com uma simples habilidade, deveria estar feliz apenas por ter conseguido me mover por algum milagre, tentar implorar por minha vida era a ação correta.
— Parece que ele quer nos ver?
— O que devemos fazer?
Suas vozes agora haviam mudado de tom, parecia um pouco mais sérias de antes, mesmo que ainda fossem seguidas de algumas risadas brincalhonas.
— Vamos mostrar a ele.
— A diferença abismal que existe entre nós.
No ar surgem duas figuras, garotas que pareciam estar no começo de sua maioridade. A da direita tinha cabelos completamente negros e olhos acinzentados que pareciam zombar de minha existência enquanto me olhava, ao seu lado tinha outra garota completamente igual, se não fosse pelas cores invertidas de seus cabelos e olhos, enquanto seus cabelos eram acinzentados, seus olhos eram negros, diferente do olhar da primeira, esse parecia trazer um calafrio diferente, não parecia estar zombando de mim, mas trazia um certo temor diferente.
Pareciam humanas normais, se não fosse por asas e chifres negros, que demonstravam sua verdadeira identidade.
— Demônios? — Dou um passo para trás.
A de cabelo negro desaparece do céu, aparecendo no chão quase que no mesmo instante, como se tivesse se teletransportado.
— Não nos compare a essa raça imunda, mesmo que sejamos próximos ainda é ofensivo chamar um diabo assim. — Nossos olhares se cruzam. — Tem sorte de ter falado isso na nossa frente, pois somos muito tolerantes... Isso, como punição acredito que um simples braço deve ser o suficiente.
Algo aparece em sua mão, olhando atentamente era um braço humano.
Sinto uma dor em meu braço direito, como se algo muito pesado houvesse caído em cima dele. Olho em sua direção, mas não tem mais nada no lugar.
— Como... — A dor fica insuportável, mesmo não tendo o braço no lugar, a dor fazia parecer que ainda estivesse.
Caio no chão, segurando o local onde antes estava meu braço, tento estancar a grande quantidade de sangue que sai sem parar. Não consigo segurar minha voz por causa da dor, sem nem ao menos perceber estava gritando de dor enquanto me arrastava no chão, era quase insuportável, sentia que podia perder a consciência a qualquer momento.
— Você vai acabar matando ele se continuar fazendo isso, sabe muito bem que as pessoas dessa vila são importantes ingredientes — A de cabelo cinza aparece ao lado da outra e pega o braço de sua mão. — Se deixasse você vir sozinha provavelmente faria a mesma coisa que fez com aquele soldado, ainda bem que decidi vir junto.
Ela aparece ao meu lado.
— Não tenho nada que possa curá-lo aqui, precisaria de alguém com magia de luz... Bem, terá que ser assim mesmo. — Ela coloca sua mão sobre a minha que estava estancando o sangue.
Algo negro sai de sua mão, passando pela minha e cobrindo completamente a ferida. No mesmo instante a dor para, mesmo que ainda continuasse com um grande desconforto no local onde deveria estar meu braço, essa deve ser a dor fantasma que os aventureiros que se aposentaram por machucados costumam falar.
— Como assim... Ingredientes... — Tento me levantar com a mão restante.
— Interessado? — A cinza diz. — Acho que não problema algum em contar para você, afinal, vai acabar se tornando parte do experimento de qualquer forma...
Quando ia começar a falar é interrompida por um grande tremor, porém era ainda mais poderoso do que todos os anteriores. O som de algo quebrando enche o local.
— Merda, enrolamos demais, ele nos acho... — Mais uma vez a cinza fala olhando em direção ao céu.
O céu, que estava completamente negro, mesmo estando de diz, parece agora se partir. Rachaduras brancas e azuis aparecem no céu, como se estivessem tentando voltar a sua cor original.
— Finalmente encontrei vocês duas. — Um homem desce do céu, de uma dessas rachaduras.
— Bom poder encontrá-lo mais uma vez, Belzebu — diz a de cabelos negros.
— Essa será a última vez. — O homem fala olhando ao redor e focando em mim por alguns poucos segundos. — Garantirei que suas vidas acabem agora.
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