Distância. Palavra que representa duas pessoas em solidão.
Saudade. Palavra que nomeia a solidão causada pela distância.
Um ciclo vicioso, perigoso, que precisa ser quebrado, desfeito e transformado em amor.
Mas em se tratando dele, do amor, não é necessário um motivo superior ou uma causa impossível.
Precisa confiança, discernimento, capacidade de entender que existe um sentimento que carrega a alma nos dias mais frios e traz de presente a brisa quando o estupor da ausência esmaga o coração.
O amor não permite que essa distância vá mais longe do que a necessidade.
O amor sempre chega na hora certa.
Mas precisa ser visto, entendido...
E amado.
*
Mergulhado na tristeza por não ter conseguido reatar com Tae, Jeon procura uma fonte segura com quem ele possa derramar sua desilusão.
Ele escolheu seus livros. E com eles está a dialogar. Na verdade ele está fazendo um monólogo.
A maioria desses livros são novinhos em folha, e ele os adquiriu no dia anterior quando saiu da casa da sua mãe, praticamente deserdado, quase desalojado de seu belo apartamento, tecnicamente futuramente pobre, o que fez com que ele desse uma renovada em quase tudo que ele gosta, especialmente seus bons companheiros, os livros, com quem ele está a se dessalgar nesta manhã quente de verão:
-Sou um incompreendido, livros. Basicamente isso. Mas quem não é? “Assim caminha a humanidade...” e assim estou. Mas tudo bem. Dizem que essas coisas fazem parte do aprendizado. O aprendizado de viver, não do curso de medicina onde vocês são meus únicos e fiéis companheiros. Esse conhecimento eu domino totalmente!
Jeon termina de tomar seus sucos, de comer suas frutas e toma um café bem quente.
-Nem gosto muito dessas conversas filosóficas porque me lembra uma certa pessoa. Sabem quem é, não é? Pois é... aquele lá, meu ex, ou quase ex, meu rival no curso. Desse, eu agora quero distância! Distância total, frontal, posterior e anterior, igual ao estudo do esqueleto humano, desses que a gente estuda em anatomia...
Jeon traga um gole bem quente de café, saboreando uma vingança no futuro:
-Ah... mas ele ainda vai me procurar... ah, se vai!! E já sabem: aí, eu é que estarei com sono, cansado, ocupado e procurando um amor diferente, igualzinho ao que ele me disse ontem à noite, quando me rejeitou!!!
O diálogo de Jeon com seus livros é interrompido, bruscamente, pelo toque da campainha que soa insistentemente:
Toca, uma, duas, três vezes, quatro vezes seguidas, desesperadamente.
-Já vai! Até parece que é meu outro eu tocando!
A pessoa volta a tocar várias vezes.
-Eu já disse que estou indo!
Jeon abre a porta.
É Tae. E ele está aflito.
-Jeon... bom dia. Preciso de você!
-Já?? O que deseja, caro Taehyung? –Jeon, com sua nova postura fria, indiferente, com todos os seus sinônimos.
-Jeon, estou com um problema grande em meu apartamento e preciso que me ajude em algo. É sério.
-O que aconteceu, caro Taehyung?
-Os canos de água do meu apartamento estouraram! Todos!
- O quê?? – Jeon toma um grande susto com o que Tae lhe diz. Seu sonho chegando na realidade??!!
-Estouraram? Está... está me dizendo que...
-Sim. Está tudo alagado. Jeon! Fechei o registro geral. Foi um verdadeiro dilúvio! Preciso de um grande favor seu! Agora!
-Seus canos estouraram?? Quer dizer, os canos do apartamento... assim como foi no meu sonho?
-Que sonho, Jeon? Do que está falando?
-Nada, nada. Entre. Por que esses canos estouraram? Já havia vazamentos?
-Não que eu saiba. Simplesmente acordei e vi que o piso estava todo molhado, com água em todos os cômodos. Pensei que estava sonhando, juro! Não sei como apareceram tantos vazamentos por todos os lados e enfim... estava tudo alagado... estou com um problema bem sério... hoje é domingo...
-Mas como isso é possível, Tae?
-Eu não sei. Não dormi bem. Isto é, quase não dormi, apenas cochilei, mas estava muito inquieto. Mas ainda bem que não estava em sono profundo porque senão... nem sei o que teria acontecido!
Enquanto Tae relata o problema do seu apartamento para Jeon, ele fica muito impressionado com a terrível coincidência com o sonho que teve.
-Venha, sente-se aqui. –Jeon diz para Tae, ainda meio formal já que eles estão oficialmente terminados. Ou quase.
Mas nesse momento a frieza de Jeon começa a desaparecer, assim como seus planos e promessas de vingança implacável.
-Estou um pouco constrangido porque ontem não tivemos uma boa noite. Eu sei que você está magoado comigo e... sinceramente, nem sei porque estou aqui.
-Tudo bem. Só estou um pouco surpreso porque ontem você me falou aquelas coisas e eu...
Tae levanta do sofá sentindo que talvez tenha tomado a decisão errada ao procurar Jeon depois da conversa difícil que eles tiveram na noite anterior e porque Tae foi bem claro ao lhe dizer que uma relação entre eles é praticamente inviável.
-Tem razão, Jeon. Desculpe ter lhe incomodado. Não tenho mesmo o direito de lhe envolver em meus problemas. ... depois estamos afastados e eu aqui... trazendo minhas preocupações ... e fui eu mesmo que coloquei um ponto final no que a gente nem começou direito. Eu vou embora.
-Ei! Calma, Tae! Eu só estou surpreso e bastante preocupado porque sei que para você ter vindo aqui depois da nossa conversa difícil de ontem é porque há algo terrível mesmo acontecendo. E realmente, vejo que está com um problema bem grande!
-Sim. Mas eu vou indo porque... bem... desculpe. Não se preocupe, eu vou dar um jeito.
-Tae!! Por favor, acalme-se, sim? E o que pretende fazer agora? Já tem alguma ideia? Conte-me e vamos pensar no que fazer.
Com mais calma, Tae relata a situação e o que pretende fazer:
Ele está muito preocupado. Seu apartamento está inundado. Como ele disse, por pouco não houve algo mais grave, como por exemplo se ele estivesse em sono profundo e não tivesse se dado conta da água invadindo tudo.
Para completar, seus móveis foram quase todos perdidos, o computador que ele utiliza para dar aulas também, e muitos dos seus livros foram atingidos pela água porque os canos do teto estouraram e formaram várias goteiras. A instalação elétrica do apartamento foi desligada pelo perigo, portanto não há luz também.
E como ele mora no terceiro andar, que é o último andar do edifício, ele foi muito prejudicado pelos diversos vazamentos.
Tae relata tudo para Jeon que está absolutamente horrorizado com o acontecimento e com a total semelhança com seu sonho.
-É inacreditável, Tae!
Foi tudo isso que levou Tae a pedir ajuda para Jeon:
-Como posso lhe ajudar, Tae?
-Nem sei como perguntar, Jeon. Não tenho o direto... bem... é que é meio que uma emergência porque tenho alunos e...
-Tae, por favor, do que precisa? Se eu puder fazer algo, me diga. Isto é uma emergência. Precisa de dinheiro? O que posso fazer?
Quando Jeon lhe faz esta pergunta, Tae volta a sentar-se no sofá. Suas mãos estão a segurar a própria fronte, arqueando a sobrancelha como se tentasse vislumbrar diante de si uma saída:
-Eu tentei encontrar uma forma de solucionar o problema o mais rápido possível, mas não tem como. Já liguei para o proprietário do apartamento. E sim, ele vai lá avaliar as avarias e certamente irá mandar consertar, mas... mas vai demorar. Talvez na próxima semana, não sei...
-E suas aulas? Você precisa de um lugar para ficar e para dar suas aulas... como vai ser??
-Justamente. Esse é meu problema. E é por isso que estou aqui, Jeon.
Além da situação que por si só já é bastante complicada, Tae e Jeon se despediram na noite anterior de um modo nada agradável, o que torna a situação de Tae constrangedora.
Mas no momento, ele não tem outra saída:
- Preciso que me empreste seu apartamento para que eu possa ministrar aulas aos meus alunos por um tempo. Acho que por uma semana, talvez mais. Eu não pediria isso se eu não precisasse tanto. Pensei em falar com meu pai, mas... ele não está bem, suas finanças estão muito ruins e eu nem posso contar o que aconteceu para ele porque senão ficará enlouquecido por não poder ajudar e eu não posso deixar de atender meus alunos e... e depois de sua aula para o Beto, o “Betão”, ele me enviou uma mensagem me perguntando se pode trazer mais dois colegas que estão precisando também das aulas e ...
-É só isso?
-Sim. E eu vou entender se você não quiser... ou não puder... quer saber? Vou procurar outra solução!
-Tae, acha mesmo que eu deixaria você com um problema desse tamanho sem fazer algo a respeito? Ainda mais em se tratando de seu trabalho? De sua moradia? O que preciso fazer? Aliás, do quê precisa?
-Jeon, eu sei que... você está com raiva de mim e também está triste...
-Tae!!! Ei, sou eu! Jeon! Não vou deixar você perder suas aulas. Pode marcar com seus alunos para virem para cá.
-É que as aulas deles são durante o turno noturno, Jeon, depois que eu chego em casa da faculdade. São durante a noite.
-O apartamento fica no mesmo lugar durante a noite, Tae. Não vou tirar ele daqui, eu prometo.
-É que esse é um condomínio sofisticado... e se o dono do apartamento souber que está utilizando o imóvel para aulas particulares, acho que você terá problemas.
-E quem vai saber? Serão apenas pessoas estudando. Só isso.
-Jeon, me desculpe estar lhe incomodando... depois que fui meio chato ontem.
-Você não foi chato comigo, Tae.
-Não?
-Não. Foi horrível! Você acabou comigo com o fora que me deu! O maior da minha vida! Nunca levei um fora, sabia? Se bem que nunca tive nada sério com ninguém... mas foi horrível! Saí do seu apartamento me sentindo menor do que uma caneta. Quer dizer... caneta não. Elas são muito importantes! Saí me sentindo menor do que a tampa de uma caneta. Mas... posso aguardar para resolver minha rejeição depois. Você está em uma situação muito difícil agora e precisamos resolver.
-Me sinto horrível, Jeon.
- Tae, pare com isso. Vamos pegar suas coisas e providenciar para que suas aulas sejam aqui. Do que você precisa?
-“Vamos”?
-Sim. Você não tem como ficar no seu apartamento. Não disse que está sem água, sem energia, cheio de goteiras e canos estourados?
-Que situação... sério... sim, está assim. Uma avaria geral. Parece até que passou um tufão, subiu pelas paredes e quebrou tudo.
-Ou um caracol.
-Um caracol??
Jeon está se referindo ao sonho que teve quando um caracol feito pelas folhas de papel de provas dos alunos subiu pelas paredes e pelo teto e transformou tudo em água.
-Sim. Depois lhe conto o que é isso. Bem, mãos à obra!! O que faremos primeiro? Pegar suas coisas?
-Você vai fazer isso para mim, Jeon? Não está me odiando?
-Tae, existe um problemão para ser resolvido. É isso que temos que solucionar imediatamente.
-Obrigado, Jeon. Onde posso dar as aulas? Aqui na sala? Tem muitos móveis... não quero desfazer sua decoração.
Tae levanta do sofá e olha para toda a sala de Jeon que realmente é muito bonita, bem decorada, super iluminada, até demais porque Jeon não tem cortinas. Ele prefere ver a luz do sol dentro da sua sala.
-Nem olho para essa decoração, Tae. Então, o que acha dessa sala? Ela é muito grande.
-Sim. É bastante espaçosa, muito bonita. Sinto-me invadindo seu espaço... Tem certeza que posso usar ela mesmo, Jeon?
-Claro que sim, Tae! Estou lhe falando que pode. Quantos alunos você tem? Você pode transformar esta sala de estar em uma grande sala de aula ou utilizar um ou mais quartos.
-Quantos quartos há aqui?
-Quatro, cinco, por aí.
-Quatro?? Cinco? Você não sabe?
-Eu não. Não ando muito por esse apartamento porque estou sempre na universidade. Aqui eu vou do meu estúdio para o meu quarto e para a cozinha. Basicamente.
-Nossa... seu apartamento é um condomínio, Jeon.
-Mais ou menos isso. Quer dar uma olhada?
-Mas acho que não dá. Os quartos estão mobiliados, não dará certo.
-Tae, há dois quartos vazios, onde há um com algumas caixas e há outro onde eu tenho aparelhos de ginástica. Há uma suíte onde eu durmo e há um quarto de hóspedes que nunca foi usado. E em todos os quartos há banheiro. Acho que é isso. E há esta sala enorme, como você está vendo. O que acha melhor?
-Posso ver os cômodos?
-Claro! Vamos olhar. Você tem aulas marcadas para hoje?
-Sim. Cinco alunos hoje à noite e também durante a semana. E como vamos entrar em férias eu estava pensando em aumentar o número de aulas. Estamos perto do vestibular e é um período muito bom para aumentar o número de alunos. Não queria interromper porque eles preferem aulas particulares porque ficam mais à vontade para tirar dúvidas... enfim, é sempre bom ter um professor particular. E para mim, então, muito melhor porque faço um bom dinheiro. Mas, agora...
-Hum... você vai precisar de um espaço grande. Como consegue dar aulas a eles no seu apartamento tão pequeno?
-Um após o outro, como você viu. Mas como é pequeno sempre tenho um limite de alunos.
Jeon vai mostrar o primeiro quarto para Tae.
-Esse aqui está totalmente vazio. Como você está vendo, só há caixas com coisas dentro que eu nem sei o que são. Nunca nem abri depois que estou aqui. É muito grande. E essas caixas, veja, estão leves, é só tirar elas daqui.
-É muito grande mesmo. Ventilado...
-Não se preocupe com calor. Há uma central de ar geral.
-Ah, esqueci que este é um apartamento de rico.
-Sim.
-Mas eu não posso gastar sua energia, Jeon.
-Não pago as contas, Tae. É minha mãe e meu pai. Pode gastar à vontade. E mesmo que fosse eu... bem isso não tem importância. Então, gostou desse?
-Sim. É muito grande e bonito. E ainda tem essa estante de parede. Já tem cara de sala de aula.
-Olhando para ele agora, também estou achando. Vamos olhar o segundo.
Eles estão no quarto em que há alguns equipamentos de ginástica mas que Jeon nunca usa. Nada demais. Só alguns colchonestes, pesos, e uma barra na parede para exercícios.
-Mas nesse você se exercita. Não posso usar.
-Não há quase nada aqui. E eu nem uso nunca esses equipamentos. Geralmente faço na sala mesmo, assistindo vídeos na televisão.
-Ah...
Eles entram em outra suíte.
-Você também pode usar esse, Tae. Gostou?
-Qualquer espaço aqui é bom. Tudo é muito arejado, bem cuidado...
-Vamos olhar outro vazio. Ah, e aquele no final do corredor é o quarto de hóspedes que lhe falei. Será seu quarto.
-Meu quarto?
-Sim. Você vai ficar aqui, Tae. Onde vai dormir?
-Jeon, que situação... estou alterando toda a sua rotina. Me desculpe.
- Tae, fique tranquilo, por favor. Eu não poderia agir diferente com você. Independente de qualquer coisa há uma necessidade nesse momento e eu posso fazer algo a respeito. Não esqueça que sou uma alma boa! Vamos para o quarto seguinte.
-Sim, você sempre diz isso e tem razão.
Eles entram no quarto seguinte.
-Esse é quase a mesma coisa. Só é mais retangular. Acho.
-Você acha?
-Nunca entro neles. Esses são os vazios. Só teria que tirar as caixas que estão no outro e colocar na área de serviço... que fica... deixe-me ver...
Jeon sai procurando a área de serviço do apartamento sob o olhar surpreso de Tae.
-Você não sabe onde fica?
-É por ali, vou lhe mostrar. Nunca faço nada aqui, Tae. Minha mãe paga tudo, da comida à faxina.... eu só gasto.
Jeon lembra da reunião dolorosamente econômica com a mãe.
-Pagava... agora já nem sei. Estou em negociação com ela. E por falar nisso, espere um momento. Vou fazer uma ligação.
-Tudo bem.
Jeon sai e vai para o largo corredor que há entre os quartos. Ele liga para sua mãe:
*
-Está surpresa?
-Claro! O que aconteceu? Está construindo uma casa? Se mudando?
-Por quê?
-Pelas compras que você fez ontem, Jeon! Por que comprou tantas coisas de uma só vez?
-Necessidades, mãe.
-Que necessidades, Jeon? Só salgadinhos havia quarenta pacotes! Você vai adoecer!! Como pode um estudante de medicina comer tantos salgadinhos? Não sabe que faz mal? E os livros? Você estuda todos eles de uma só vez?
-Foram só umas coisinhas e uns livros que eu estou precisando e outros que vou precisar.
-Diga logo o que quer, Jeon. Estou em uma sessão de massagem e você NUNCA telefona para mim.
-Ah... Está relaxando? Está bem?
-Diga logo o que é, Jeon! Desde quando se preocupa com o meu relax??
-Bem, é que mudei de ideia.
-Sobre o quê?
- O almoço, o jantar. A reunião lá com a família arranjada.
-O jantar de compromisso, você quer dizer.
-Esse. O do compromisso.
A essas alturas Tae está ouvindo a conversa de Jeon e achando tudo muito estranho.
“Que compromisso”? – Tae se pergunta.
-Sim, é isso que eu estou falando, mãe. Pode marcar o almoço, jantar, com a família lá.
A mãe de Jeon tem um sobressalto na sua sala de massagens.
-Verdade?? O que lhe fez mudar de ideia?
-O dinheiro, mãe. Não vou mentir.
-Eu sabia, Jeon! Mas achei que demoraria três meses para você se arrepender e olhe só para você: só se passaram algumas horas!! Como eu conheço meu filho!!
-Pois é... conhece mesmo.
-Então virá hoje à noite?
-Bem, é que amanhã tenho provas e durante a semana também. De segunda a sexta-feira estou repleto de provas.
Tae está ouvindo a conversa, muito curioso porque eles têm provas só na segunda-feira, encerrando a unidade do curso que finaliza o primeiro semestre.
-Então como tenho essas provas de segunda até sexta-feira, quero que marque no domingo. No próximo domingo. Um almoço.
-Perfeito, filho!!! Seu pai vai ficar muito feliz! Como sempre, eu tive que mentir para ele e falei que você estava cheio de provas. Mas ainda bem que é verdade!
-Até sábado, então.
-Domingo, Jeon.
-É, domingo.
-Até. É só isso? Tem certeza?
-Tem outra coisa.
-O que é?
- Nada fora do normal...
Agora Jeon aponta para seu real objetivo:
-Sei que gastei um bocado ontem, mas olhe só mãe, esqueci de comprar umas coisas muito importantes. Tem algum problema fazer mais compras hoje?
-Jeon, o que está me escondendo? Faz um século que você não me dá nenhuma satisfação de nada, muito menos de suas compras.
-Nada, não. É que pensei melhor. Andei fazendo umas análises de minhas atitudes e... acho que estou meio chato mesmo com algumas pessoas e resolvi mudar... mudar um pouco meu comportamento. – Enquanto fala isso Jeon olha para Tae, significativamente. Lógico que essa última parte é para ele.
-Está bem, Jeon. Você não me convenceu, mas pode fazer as compras. E não esqueça de mandar um oi para seu pai. Você vai precisar manter contato com ele quando as faturas chegarem e ele souber como você anda gastando.
-Ok. Bye, mãe.
Tae está de mão no queixo, boquiaberto, com as estórias que Jeon contou para a mãe sobre as provas.
-Nossas provas já terminaram, Jeon. Só temos mais uma apresentação de um trabalho amanhã para encerrar a unidade.
-Eu sei, Tae. Já pensou? Já se decidiu? Onde quer ministrar as aulas? Na sala ou no quarto?
-Enquanto você falava ao telefone eu pensei melhor e não quero desorganizar sua sala de estar bonita. Vou precisar apenas de um quarto. Vai ser suficiente.
-E de algumas mesas, cadeiras e algumas bancas também. Três ou quatro, como você tem no seu apartamento.
-Sim... mas não posso usar as minhas por enquanto porque ficaram bem estragadas pela água. Preciso colocar elas no sol, uns dias...
-Sim, claro. Vamos?
-Onde?
-Venha comigo, por favor. Vamos até uma loja e depois passar em seu apartamento para pegar suas coisas e... não sei... o seu material de dar aulas. Você vai precisar dele, não é?
-Então vai dar certo mesmo? Posso ficar aqui? Acho que vou precisar de uma semana ou mais, até consertaram a minha casa.
-Tudo bem, Tae. Já lhe disse que dá certo.
-Então vou avisar aos meus alunos do novo endereço. E Jeon... assim... você viu o horário, trabalho até tarde...
-Tae, porque não marca dois alunos para o mesmo horário? Pelo menos quando for possível. Por exemplo quando for a mesma disciplina para o mesmo curso ou concurso?
-Eu não faço assim porque sempre penso em dar uma atenção total, personalizada, ao aluno. Por isso marco um horário para cada. E como moro em um apartamento muito simples, para melhorar o atendimento resolvi fazer um horário para cada pessoa.
-Mas o fato de ser aula particular não quer dizer que não possa ser em grupo. Como uma aula normal mesmo.
-Pode ser. Mas...
-Bem, você faz do jeito que achar melhor, claro. Você é o professor. Estou dizendo que pode usar o apartamento sem problemas. Nem quero me meter. As aulas são suas. Só falei porque talvez assim fique menos cansativo.
Tae olha para Jeon e avalia que a ideia dele é muito boa e que talvez seja uma mudança melhor para ele pela economia de tempo e até mesmo de trabalho.
-Bem, no começo eu pensei em fazer assim, mas depois achei melhor ser individual. Os alunos gostam de ter essa atenção.
-É a mesma coisa, Tae. Vi que seus alunos lhe admiram bastante. E depois o que importa é eles aprenderem. Olhe para a gente. Não importa quando há muitos ou poucos alunos na sala. O que precisamos é de um bom professor.
-Isso é verdade. Bom, uma coisa eu tenho certeza: para as aulas de inglês e francês esse método é melhor mesmo.
Enquanto eles conversam sobre as aulas, estão se dirigindo para o automóvel de Jeon na garagem do edifício. Em seguida eles vão em direção às compras.
-Você dá aulas de idiomas também, não é?
-Sim. Inglês e francês.
-Nossa, Tae, tenho que admitir que meu rival intelectual é bem preparado. Eu não sei falar francês, mas meu inglês é perfeito. E também fiz metade de uma formação em alemão, mas quando entrei na faculdade fiquei sem tempo.
-Não sabia que você gostava de idiomas.
-Claro! Não deu tempo você saber nada de mim, Tae. Me deu um fora logo no início do namoro! Antes de completar dois dias eu fui dispensado... assim, do nada!
-Jeon, está muito magoado, não é?
-Muito.
-Mas, então...
-Mas então temos um problema urgente agora para resolver. Depois conversaremos sobre a minha rejeição. Não se preocupe.
-E aonde estamos indo?
-Você precisa de umas mesas escolares decentes e cadeiras para seus alunos. Como vai dar aula?
-Não!! Não, Jeon!!
-Por que não?
-Jeon, não posso comprar nada agora! Depois eu só vou precisar de seu apartamento durante uma semana! Não!
-Tenha calma, Tae. Serão só umas duas mesas de estudo com duas cadeiras. Nada demais. É que não tenho em casa. Onde seus alunos irão sentar? Hãn?? Depois você não vai precisar pagar nada! Vai tudo para a conta da minha mãe. Acabei de ficar com muito crédito com ela!! Crédito emocional e financeiro.
-Jeon... isso não vai dar certo!
-Vai sim! Hoje à noite você usará meu estúdio. Você já esteve lá. Tem uma mesa enorme e duas cadeiras confortáveis na mesa. Hoje compraremos as bancas, amanhã eles entregam e pronto! Amanhã mesmo você organizará um dos quartos e terá seus alunos em uma pequena sala de aula.
-Jeon, realmente eu não posso aceitar que compre nada. De verdade.
-Se você tiver outra solução, a gente não compra nada.
Tae não tem outra solução.
-Pois é. Você não tem outra solução.
-Jeon, não sei nem o que dizer. Não sabe o tamanho do favor que está fazendo por mim. Eu não posso perder esses alunos e logo agora que falta menos de um mês para o vestibular! Se eu não puder cumprir esses compromissos com eles, poderão procurar outro professor. Sinto muito por toda essa perturbação e essas compras...
-São só duas mesas de estudo e cadeiras, Tae. Depois eu ficarei com elas para pôr meus livros novos em cima. Estou sem lugar para eles. Só tenho uma estante no meu estúdio.
-Eu vi aquela livraria de medicina em seu apartamento. Por que comprou tantos livros de uma só vez, Jeon? Estão todos embalados ainda. Enquanto você falava com sua mãe vi que tem o suficiente para uma biblioteca.
-Fiquei com medo de ficar pobre. Assim comprei tudo que pude de uma vez, ontem.
-Mas por quê?
-Minha mãe me ameaçou.
-Jeon! Ameaçou? Isso é muito grave!
-Ela ameaçou me tirar da vida boa de dinheiro, Tae. Então comprei logo os livros dos próximos semestres.
-Por isso aquela montanha de anatomia, citologia, embriologia e outros mais em seu apartamento?
-Sim.
-E ela não ficou brava por você ter feito tantas compras?
-Eu já resolvi este problema. Com o telefonema que fiz para ela. Depois ela não ficaria aborrecida porque comprei meus novos amigos.
-Você comprou novos amigos? Como assim?
-Sim. Meus livros! São meus novos amigos. Fiéis e verdadeiros amigos!
-Ah... são seus novos amigos?
-Sim! Desde que fui deixado.
-Jeon... está tão magoado assim?
-Magoado e arrasado, Tae. Não parece. Mas estou. E você quer coisa melhor para a tristeza do que comprar?
-Para falar a verdade, eu não posso fazer uso dessa terapia financeira porque não posso, Jeon.
-Mas eu posso! E essa terapia funciona divinamente.
-É? Gastar muito?
-Também. Mas me refiro aos meus amigos livros. Hoje de manhã, por exemplo, tomamos café juntos e conversamos bastante.
Este é um dos momentos na vida em que alguém que está perdidamente apaixonado por um ser assim do tipo especial como Jeon, chega à conclusão definitiva que o amor é realmente um sentimento lindo e que atravessa as fronteiras mais longínquas e inacreditáveis do coração e da compreensão!
E a esta conclusão Tae chega agora com absoluta certeza, ao ouvir seu amor, Jeon.
-Jeon, definitivamente, eu estou apaixonando por você. Mas isso você já sabe, não é?
-Sim, eu sei. Só uma pessoa apaixonada beija como você me beijou ontem, Tae. Embora tenha me mandado pastar. Você é apaixonado e mau. - Jeon olha para Tae com amor e um sorriso feliz desenha seus lábios. - Eu também, Tae. E isso você também sabe. Mas ainda não é suficiente, não é? Pelo menos para você, não é.
-Jeon...
Eles se olham com ternura e com a certeza de que não estão distanciados de verdade.
É apenas uma pequena pausa para costurar o tempo dessa vida que eles estão vivendo.
*
Momentos depois eles chegam para fazer as compras.
-Vou estacionar.
Jeon procura deixar Tae à vontade. Ele sabe que nesse momento da vida de Tae há algo para ser resolvido em poucas horas e deixa suas necessidades particulares para depois.
*
Após mesas, cadeiras, uma estante e a compra de alguns acessórios para as aulas, eles passam no apartamento de Tae para pegar alguns objetos pessoais dele e seu material de aulas.
De volta ao apartamento de Jeon:
-Jeon, eu estou impressionado com você!! Sério!
-É?
-Nossa, você deu a famosa carteirada nas lojas!
-Não havia outro jeito. Eles só queriam entregar o que compramos em alguns dias e você precisa de tudo para hoje.
-Não... sério... aquelas cenas não têm preço.
-Fala dos “telefonemas do poder”?
-Como você foi capaz?
As cenas a que Tae se refere é porque ao finalizar as compras o prazo para entregar era de alguns dias para mesas, cadeiras e uma estante de livros. Foi ai que entrou o que Jeon está chamando de “telefonemas do poder”.
Na loja:
-Não vai entregar hoje? –Jeon pergunta, indignado, ao vendedor.
-Nosso prazo de entrega é de setenta e duas horas até uma semana.
-Mas nós precisamos para hoje!! É uma emergência!
Como os vendedores eram irredutíveis, Jeon telefonava para seu pai cada vez que ouvia um não e lhe pedia ajuda.
-Fale aqui com meu pai, por favor.
Jeon passava o celular para o vendedor falar com seu pai e resolvia o problema das entregas.
Assim eles receberão tudo que compraram em pouco mais de uma hora.
-Seu pai é assim tão poderoso, Jeon?
-Ele é o dono das lojas, Tae.
-Ahhh.... agora eu entendi. E ele não ficou chateado por você ter usado o fato de ser filho dele para obter vantagens nas lojas?
-Nunca peço nada para ele. Mas quando peço, ele faz. Só disse que preciso estudar com uns colegas ainda hoje. Só isso. E em se tratando de tirar vantagens, meu pai entende muito bem disso, caro Taehyung! Por isso ele não acha essas coisas estranhas nem exageradas. Você está com fome?
-Estou. Que mundo maravilhoso esse, o de muito dinheiro.
-É sim. Por isso fiz logo as pazes com minha mãe.
-Jeon, nunca brigue com seus pais até você ser médico.
-Isso está mais difícil.
-É? Por quê?
-Vamos comer. Depois lhe conto.
-Vou comer muito rápido mesmo para arrumar as salas de aula.
Pelo menos por enquanto, a paz também volta a reinar entre Tae e Jeon. Tae resolveu o problema dele. Pelo menos por enquanto e Jeon está feliz porque ajudou Tae e vai ter ele juntinho por alguns dias.
Então, muito mais do que fazer compras para afastar a tristeza, nada melhor do que estar perto do seu amor para o mundo voltar a sorrir.
Jeon que o diga.
-Não quer mesmo usar a sala de estar?
-Não, Jeon. Eu iria desconfigurar muito seu apartamento. Vou ficar com o quarto maior. E seguindo sua ideia, vou agrupar os alunos de acordo com as disciplinas.
-Hum... que bom. Vai dar tudo certo.
-Obrigado, Jeon. Eu vou lhe pagar tudo que comprou. Não se preocupe.
-Não pense nisso agora. Foi tão pouca coisa, Tae.
-Pode ser. Mas para mim elas foram infinitas: cinco mesas escolares, várias cadeiras, os quadros escolares, um projetor de slides... meus alunos irão fical mal acostumados com esse ambiente tão diferente da minha casa. Aqui é muito luxuoso. Por isso já avisei para eles que o meu apartamento está em reforma e que as aulas serão aqui apenas por uma semana.
-Tudo bem.
-Obrigado, Jeon. Mais uma vez. E quanto ao computador, eu vou usar só uns dias e lhe devolvo.
-Não.
-Sim!
-E você ainda diz que eu sou teimoso! Você não pode ficar sem computador, Tae.
-Mas não precisava comprar. Posso dar aulas sem ele.
-Mas é muito ruim. Todos nós precisamos de um. Somos a geração que não vive sem um computador. E não se fala mais nisso, ok? Já basta a confusão na loja onde você queria me obrigar a devolver.
-Eu achei que estava comprando para você. Mas quando vi que era para mim... eu não posso aceitar, Jeon!
-Pode. Depois que você ganhar muito dinheiro você paga o computador e todas as mesas e cadeiras do mundo!
-Estou muito sem jeito mesmo.
-Pare de me agradecer e coma. Estou feliz.
-Está?
-Hunrunn... pelo menos vou ficar vendo você a todo momento!
A sinceridade de Jeon é algo comovente.
*
Tae marcou as aulas para as vinte horas. Assim houve tempo suficiente para deixar tudo organizado e preparado para receber seus alunos e não atrasar seu trabalho.
Antes dos alunos chegarem:
-Sinto-me preparando um cursinho de verdade, Jeon.
-Gostou das mesas?
-Claro! Você é louco. Não olha preço de nada e vai logo comprando.
-E as cadeiras? Gostou delas também?
-Como não gostar? Difícil vai ser meus alunos voltarem para as cadeiras de meu apartamento depois de usar essas aqui. E nem me venha com a conversa de levar para mim porque eu não aceitarei de modo algum, Jeon.
-Está bem. Está guardando os livros novos?
Sim. Vou aproveitar a estante e colocar também alguns dos seus livros novos para impressionar. É uma verdadeira biblioteca!
-Vou levar as caixas das embalagens para a área de serviço.
-Já sabe onde fica esse cômodo aqui?
-Sim. Agora eu sei!
Rapidamente eles organizam os ambientes da sala de aula transformando dois dos quartos maiores do apartamento em duas salas de aula. E ainda há o estúdio de Jeon que comportará, se houver necessidade, dois ou três alunos. Além de espaço ele já tem toda a estrutura necessária.
***
-Apesar do corre-corre- e do estresse do dia pelas aflições em virtude do transtorno causado no apartamento de Tae, as aulas transcorreram muito bem.
No final da noite, quase meia-noite, ambos estão exaustos. E Jeon que tanto reclamou das suas atividades no apartamento de Tae, porque segundo ele, foi porteiro, lavador de pratos e professor... adivinhem!
Repetiu a dose!
Assim aconteceu:
-Tae, não sou professor! Você está tentando me inserir no mundo errado! Gosto de estudar e não de trabalhar! Nesse ofício quem é bom é você!
-Jeon, por favor! Eles já chegaram! O Beto veio muito antes do horário marcado mas veio com mais três colegas! Três!! Já tive mês em que só tinha três alunos e agora de uma única vez estou com esses novos alunos! Não posso mandar eles voltarem!
-Por que esse Betão começou a fazer aulas com você? É um complô para me fazer trabalhar?
-Vamos! Vá para seu estúdio e levamos mais uma mesa para lá e duas cadeiras. Eu fico no quarto que agora é a sala de aula para as aulas de inglês. Vamos, Jeon! Estou atrasado no horário!
-Vou lhe avisando que é a última vez, Tae! Não pretendo trabalhar antes de ser médico porque sou muito ocupado com o curso.
-Tudo bem. É só hoje.
E lá se foi Jeon, mais vez exercer também o ofício de professor.
E deu muito certo porque Jeon é Jeon. Suas aulas de química e biologia foram muito boas. Ele tem o domínio total do conhecimento e, surpreendentemente, a sensibilidade para entender as necessidades dos alunos.
No seu mundo acadêmico não há lugar para a frieza, indiferença, apatia, desconsideração, nem nenhum sinônimo daqueles que ele pretendia usar em sua nova fase de vida.
Ah... e sim:
Foi porteiro, porque foi um abre e fecha de porta danado e Tae, que é o professor titular, ficou na sala de aula improvisada enquanto ele recebia os alunos nos momentos em que ele não estava ministrando aula e Tae estava ocupado.
*
No final, comecinho da madrugada:
-Jeon, vai revender salgadinhos? – Tae, olhando os armários de Jeon que estão plenos de pacotes.
-Foi ontem. Alguém me deixou acabado, triste, melancólico e deprimido depois de um fora estratosférico que eu levei, e aí comprei essas porcarias para manifestar meu repúdio à solidão!
-Jeon, se você não quiser ser médico nem professor, pode ser orador, sabia?
-Hum... mas pretendo ser só médico mesmo. Por isso resolvi não brigar mais com minha mãe nem com meu pai. Até o fim do curso vou usar essa minha oratória para conviver bem.
-Jeon, obrigada. Obrigada, mesmo. Você me salvou.
-Pare de me agradecer, Tae. Vou até lavar os pratos porque você está muito cansado. Deu muito mais aulas do que eu.
-Vai lavar?
-Sim. Não sou como certas pessoas que só porque eu usei uma única xícara, olhou para mim bem mau e falou: “lave!”
-Para no dia seguinte chegar aqui lhe pedindo esse favor gigantesco...
-Foi até divertido, Tae!
-Você achou?
Jeon volta a sentar à mesa com Tae que ainda está tomando café.
-Acha que foi divertido, Jeon? Sério?
-Bem, não sei se a palavra certa é essa. Mas foi bom olhar para os rostinhos deles quando finalmente a dúvida acabava e eles compreendiam o conteúdo, entende?
-Sei...
-Tive uma espécie de alívio em saber que os ajudei, é isso.
-Que bom, Jeon. Pelo menos não foi uma ação tão sacrificada para você.
-É. Não foi. No final das contas foi uma sensação boa mesmo.
-Jeon, não leve a mal, mas preciso dormir agora. O dia foi tenso demais. Eu vou limpar tudo lá na salinha de aula.
-Vai arrumar agora?
-Sim. É assim que faço na minha casa e aqui não vai ser diferente.
-Está bem. Mas não precisa.
-Faço questão.
-Está bem. Estou cansado também.
-Obrigado, professor Jeon! Eu adorei ver você ensinando, sabia?
-Você me espionou?
-Sim. Fui na cozinha pegar água em um momento e dei uma olhadinha escondido.
-Ah, foi? E...?
-Você parecia um professor mesmo, Jeon! Eu diria que aí dentro de você está um professor.
-Não, não. Isso está fora de meus planos. Não tenho muita paciência.
-Bem, isso tem que ter mesmo. E é preciso gostar muito porque o trabalho é duro.
-Tudo bem. Está lembrado onde fica o quarto de hóspedes onde você ficará? Ele é todo mobiliado, todo completo. Você ficará confortável nele.
-Sim, sim. Estou lembrado. Boa noite.
-Boa noite, Tae.
***
Bem, o estresse não acabou aí. As atividades de trabalho, sim. Os problemas foram resolvidos.
Só que esses dois estão separados fisicamente, dormindo a pouco metros de distância, mas estão loucos um pelo outro. Mas agora é que ficou mais complicado. Na cabeça de cada um as coisas não podem se misturar.
E é verdade.
Primeiro porque Jeon jamais faria algo nesse sentido para evitar que Tae não ficasse totalmente à vontade em sua casa. Afinal foi ele que resolveu colocar um ponto final na relação deles que estava só começando. E Tae, está em uma situação bastante delicada, Depois que mandou Jeon passear, pastar, dar o fora nele e outros sinônimos, precisou ir na casa dele no dia seguinte pedir socorro.
Então só resta nesta noite...
Sofrer!
Mas ainda bem que o cansaço é amigo do sofrimento, o que os ajudou a atravessar a solidão noturna. Solidão escolhida pelos dois porque seus cérebros tão inteligentes, às vezes não funcionam bem e eles só conseguem se resolver afetivamente quando sentem o perigo iminente.
Especialmente o perigo de perder o outro.
Querem apostar?
Eles foram juntos para a universidade no dia seguinte. Claro, Tae está na casa de Jeon por enquanto. Porém, no sorteio das equipes para apresentar o último trabalho que encerra o semestre, Jeon ficou na parte da manhã e Tae na equipe que apresentará o trabalho de tarde.
Na hora do almoço, quando Tae foi para o restaurante almoçar, ele encontrou com Jeon.
E para surpresa de Tae...
Jeon não está na mesa do canto, a favorita deles. Também não está à sua espera em uma mesa perto da mesinha do canto.
Jeon parece que resolveu levar a sério o “socializar” sugerido por Tae e está com dois colegas em outra mesa!
É... assim, Jeon está com a consciência bem tranquila porque ajudou Tae. Está feliz porque o fato de Tae estar na casa dele o deixa tranquilo e funciona como uma espécie de segurança emocional para ele. Se ambos estivessem sem se ver, pelo menos para Jeon, estaria bem mais complicado e difícil de lidar com a rejeição, como ele denomina seu atual status afetivo.
Só que Tae sempre viu Jeon sozinho. Até porque ele não é exatamente uma figura popular. Mas hoje Jeon está de boa com a vida.
Tae passou pela mesa de almoço de Jeon que nem o viu e foi para seu canto de parede. E adivinhem quem perdeu a compostura de homem terminado voluntariamente, já que foi ele que tomou a iniciativa do término, e sempre inspira segurança, mas ficou balançado com essa mudança de atitude de Jeon?
Tae!
Ele não está digerindo bem essa de Jeon estar de muito bom humor com os novos colegas.
E não é só isso.
Vem bomba aí.
Final do dia, indo para casa, com Jeon:
-Sua apresentação de trabalho foi boa, Tae?
-Sim. Foi.
-Está tudo bem?
-Está. Pensei que você fosse assistir.
-Sua apresentação?
-Sim. Não vi você de tarde no campus da universidade..
-Eu não estava lá.
-Ah, não?
-Não.
-Novos amigos?
-Ahnran... um minuto., por favor, Tae.
Jeon atende uma ligação ao celular.
-Alô! .... Sim .... Claro que vou! ....Tudo certo. Até lá.
Claro que Tae está louco para saber aonde Jeon vai!!
E é claro que Jeon não vai falar!!
Então Tae fica mudo. O mau humor invade a alma desse jovem apaixonado mas que terminou o namoro mais ou menos antes de começar direito.
Tem mais:
-Olhe, mandei fazer uma chave do apartamento para você.
-Uma chave para mim?
-É. Mesmo sendo por pouco tempo pode ser que em algum momento nossos horários não combinem.
-Está certo.
-Tudo bem?
-Tudo. Mas... Jeon, por que nossos horários não iriam combinar? Estamos de férias agora. E mesmo que estivéssemos em aula, passamos o dia todo na universidade e depois, vamos para casa.
-Pois é. Estamos de férias e nossos horários podem não coincidir sempre.
Ah, não creio que isso vá acontecer.
-Hoje não vai coincidir.
-Não? Por quê?
-Vou sair.
-Jeon, você vai sair hoje??
-Estou de férias! Vou comemorar o fim do meu primeiro semestre, Tae.
-Vai sair com quem?
-Vou com dois amigos do curso.
-Da nossa sala? Nunca vi você conversando com nenhum deles...
-Eles são do quarto semestre. Quer dizer, eles irão fazer o quarto agora. E querem me dar umas dicas.
-Você vai sair com eles??
-Hunrumm...
Pois é, Tae...
Não quer, tem quem queira.
*
Apartamento, 20h:
-Estou indo. Não vai sair?
-Não. Vou trabalhar. Tenho dois alunos de inglês e um de francês. Eles chegarão em meia hora. E depois vou estudar. Você deveria fazer o mesmo, ao invés de sair.
-Fazer o mesmo?
-Sim, Jeon. Estudar. Se preparar para o próximo semestre.
-Tae, as aulas terminaram hoje. Sou o melhor aluno do curso de medicina! Sou lindo, estou solitário, solteirice a pleno vapor! E olha só que noite quente e maravilhosa está fazendo hoje! É só olhar pela janela!
-Então vai sair mesmo?
-Indo! Não me espere. Não sei a que horas vou voltar!
E foi!!
Jeon saiu lindo, arrebentando de sensualidade e em busca de deixar a solidão solteira!
Tae?
Vai ter que lidar com esse Jeon mais socializado e mais lindo do que nunca! Ao vivo!
Longe dos olhos, perto do coração...
Será??
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