Duas semanas, esse era o tempo em que estavam morando no palácio. Após garantir a Shikamaru que o tempo passava de maneira diferente no mundo deles, Hinata o convenceu de que seria melhor seguirem o plano de Gaara e usarem o palácio de base enquanto pensavam em algum jeito de voltar para casa. A jovem Hyuuga logo se adaptou ao serviço que tinha, pois não era muito difícil: seria a serva pessoal de Temari e Gaara, enquanto o Nara foi enviado para o escriba real com a desculpa de que precisava aprender a falar melhor antes de aparecer perante o nobre soberano.
A rotina deles era bem simples e nenhum deles teve grandes problemas para se mesclarem entre os outros servos – entre escravos e contratados – enquanto viviam ali. Bem, Shikamaru não teve problemas. Hinata era uma visão por si só, com sua pele extremamente branca e os olhos tão perolados quanto a lua cheia. Alguns dos servos passaram a dizer que ela deveria ser uma enviada de Khonsu, o deus da lua, para ficar de olho neles e em seus pecados; outros afirmaram que a jovem deveria ser uma bruxa que queria tomar o controle do Egito; poucos, em contrapartida, foram pelo caminho lógico e aceitaram que ela era apenas esquisita. Fosse o que fosse, demorou até que todos se acostumasse a sua presença.
Ela estava andando pelos corredores naquele minuto com uma missão muito simples: levar o almoço para o príncipe Gaara. O costume era que todos os herdeiros almoçassem e jantasse com o faraó quando o soberano exigia, contudo, o ruivo parecia ter passe livre para fazer o que desejasse. Daquela vez, ele inventou uma desculpa esfarrada para ficar até mais tarde no campo de treinamento das tropas, mesmo que não fosse necessário. Gaara no Sabaku já tinha seu lugar como general garantido apenas por ser quem era, não precisaria nunca se esforçar em sua vida.
Bem, era o que todos pensavam pelo menos. O príncipe via as coisas um pouco diferente.
Quando seus olhos verdes coloram na figura pequena da Hyuuga, que chamava a atenção dos outros poucos soldados que permanecerem na área, ele soube que era hora de ir embora. Dois meses escondidos e sem chamar atenção desnecessário era um tempo consideradamente alto, e ele não estava disposto a estragar com o disfarce dele. A única coisa que precisava fazer era mandar que ela deixasse a comida em algum lugar e fosse embora. Foi o que ele fez? Não.
Pela primeira em semanas, Gaara se aproximou dela. Nem mesmo Hinata acreditou naquilo e precisou piscar algumas vezes para acreditar que ele não era uma miragem que se aproximava. A jovem ficou tensa ao pensar que fizera algo de errado, mas o príncipe apenas parou em frente a ela, como uma parede que a protegeria dos olhares curiosos, e aceitou a bandeja enquanto murmurava:
— Me encontre mais tarde na biblioteca, quero falar com você e Shikamaru. — Àquela altura, Gaara não mais fingia acreditar que eles eram irmãos e sempre evitava ambos como se fossem a passagem direto para a morte pelas mãos de X. Ao invés de recusar, Hinata concordou e saiu rapidinho para evitar chamarem mais atenção.
O dia estava lindo. O céu reluzia azul e o Sol poderia queimar qualquer pele que ficasse desnecessariamente exposta caso alguém tivesse a coragem de arriscar. O Nara estava com a cara enfiada em papiros e mais papiros, aprendendo com o escriba junior do palácio a escrever na língua antiga. Ele duvidiou que isso fosse ser útil até que precisou se comunicar com o próprio faraó e suspirou aliviado ao conseguir o mínimo. A partir daquele momento saber a língua virou uma questão de sobrevivência.
Além disso, os estudos o mantinham ocupado o suficiente para não receber visitas indesejadas. Bem, na maior parte do tempo pelo menos. O escriba, que falava sem parar sobre a importância dos deuses, quase caiu de seu banquinho quando a bela princesa – e futura rainha – adentrou a sala. Seus olhos ficaram do tamanho de bolas de tênis e ele abaixou o corpo desajeitadamente.
Mais um pouco, Shikamaru pensou com escárnio, e ele vai acabar babando no chão.
Não que o Nara julgasse o homem. Temari era uma visão a parte naquela lugar árido e sem qualquer atrativo. A mulher loira mantinha seus cabelos presos, deixando-os soltos apenas ocasiolnamente – leia-se aqui: apenas quando tirava algum tempo para visitá-lo na sala de estudos. Seu corpo era esbelto e marcado nos lugares certos. Shikamaru não podia dizer que ela era magra como uma modelo, isso seria mentira, mas o corpo dela com certeza chamava a atenção. Sem contar que, com todas as mordomias que possuía, ela provavelmente nunca passara qualquer necessidade na vida.
O detalhe que mais chamava sua atenção eram os olhos verdes dela. Profundos, inteligentes e sempre com aquela mensagem implícita de “você é minha presa”. Temari não se importava de verdade se pegassem ela dando em cima dele, pois dificilmente aconteceria algo a sua pessoa. Era uma princesa mimada e egoísta, isso sim, e a única disponível para continuarem com a linhagem sagrada. Ninguém tinha o direito de tocar em um fio de cabelo dela – e a mulher sabia disso – o que a tornava uma tentação maior ainda, afinal, coisas proibidas tendiam a ser mais interessantes.
Contudo, havia uma diferente fundamental entre o Nara e os outros homens: ele já tinha caído nas garras de uma encantadores de homens como aquele. Não era nenhum idiota e não estava afim de perder a vida por um belo par de pernas – que, diga-se de passagem, ela exibia naquele momento com uma fensa colossal ao lado do vestido.
— Saia. — Shikamaru podia jurar que ela não fazia ideia do nome do escriba, mas foi obedecida mesmo assim. — Ora, ora, então é aqui que anda escondido?
O sotaque dela era forte demais, deixando as coisas piores e mais pesadas para que ele entendesse. Recordava-se de Hinata comentando sobre isso também e dando uma dica ótima: Preste sempre atenção nas vogais, elas são mais normais na fala dela.
— Eu não precisaria me esconder se uma princesa problemática não estivesse tão determinada a me fazer perder a cabeça literalmente. — Ela sorriu inocente. — O que quer aqui?
Diferente de Hinata, que ainda se dava ao trabalho de fingir respeito pela família real, Shikamaru nem mesmo escondia seu desdém. Ele queria voltar para casa, não ser eleito o novo brinquedo daquela mulher – para ela usá-lo até se cansar e jogar fora.
— Você não acha que deveria ser mais delicado com sua princesa? — Temari nem mesmo escondia a diversão. — Eu poderia mandar arrancarem sua cabeça, sabe?
— Não faria isso.
— Como pode ter tanta certeza?
Dessa vez Shikamaru ergueu os olhos do papiro. A princesa estava com uma das sobrancelhas erguidas enquanto repousava o queixo com suavidade na palma da mão. Ela definitivamente era tão bela quanto arrogante e cheia de isso, o que a tornava duplamente perigosa. Temari sabia do seu efeito nos outros e estava pronta para usar as armas que tinha.
— Ainda não conseguiu o que queria de mim. — Era bastante simples. — Ou seja, eu valho mais vivo do que morto enquanto não conseguir.
Nara Shikamaru era um gênio sem igual e muitas pessoas podiam atestar isso. Ninguém nunca fora capaz de derrotá-lo em qualquer jogo de estratégia e poucos chegaram perto. Além disso, ele conseguiria ver as intenções de um ser humano em seus olhos com clareza. Ele tinha noção do que Temari queria, apenas não sabia quanto tempo ela manteria esse interesse. A princesa poderia ser tão instável quanto qualquer pessoa de uma classe social mais alta.
— Bem, ainda é divertido tentar. — Ela deu de ombros.
Lá estava a confirmação que ele precisava. Enquanto servisse como passatempo para a mulher, estaria seguro. O problema se escondia atrás da possibilidade de perder seu poder de distrai-la, o que causaria um estrago ainda maior. O Nara torcia para que Hinata encontrasse a resposta antes que isso acontecesse, claro.
— Vamos fazer um acordo então, meu caro escriba. — O suavidade no tom de voz dela fez com que alarmes apitassem na cabeça masculina. — Se você ganhar, eu te deixo em paz. Do contrário, fará o que quero. O que acha? Parece justo para mim.
O cérebro de Shikamaru estava a mil. Fazer cálculos, por mais que não fosse sua área de estudo favorita, era como um jogo de criança, ainda mais quando se tratavam de possibilidades. O jovem egiptólogo sabia que estava na desvantagem, pois habitava o reino daquela mulher. Qualquer ordem que ela desse seria obedecida e, consequentemente, atrairia a atenção do futuro marido dela. Ele estava com a corda no pescoço de qualquer jeito e Temari parecia bondosa o bastanta para lhe dar uma chance de se defender.
A questão era que aquela víbora não era bondosa coisa nenhuma. Ela era uma naja dançando com seu corpo esguio enquanto o hipnotizava para dar o boto. O único motivo para ter oferecido aquela “oferta” a ele deveria ser porque era o método mais rápido de conseguir o que queria, pois tinha certeza que não perderia. Movido pelo orgulho, o homem suspirou.
— Ótimo, sua problemática. — Temari piscou surpresa pelo apelido. — Vamos fazer isso que falou.
***
— Como sempre, você está atrasado, Kankuro.
A voz do faraó ecoou pelas paredes de pedra com força. Gaara e Temari, os quais tinham comparecido à reunião no horário, olharam para o irmão do meio com um misto de desinteresse e repulsa – e não respectivamente. Ambos conheciam-no bem demais para saberem que choveria pedras de gelo no meio do deserto no dia que Kankuro chegasse no horário certo pra alguma coisa.
Ele, afinal, já se sentia o faraó, dono de cada pedacinha daquelas terras.
— Sinto muito, grande rei — disse sem qualquer verdade na voz —, mas estava ocupado com algumas coisas.
A única vantagem do tempo ter passado era que o príncipe tinha aprendido a ser menos obsceno quando comentava sobre suas “coisas” e atividades extraconjugais. Não que ele fosse casado ainda, mas ninguém via qualquer sentido em saber os detalhes. Se Temari, que seria a futura rainha, não se importava, quem eram eles para reclamar?
Com a postura de um faraó inútil, como Gaara gostava de descrever o futuro do irmão, ele se jogou na cadeira vazia e ergueu os pés para descansá-los sobre a mesa. O caçula estava a ponto de rosnar, mas recebeu um olhar de advertência do avô que o calou. Estando os três presentes, o faraó não viu motivo para atrasar ainda mais a reunião.
— Chamei-os aqui para que pudéssemos conversar sobre os novos problemas.
— Ainda está dando atenção a esse grupinho, vovô?
— Kankuro, quando foi que eu te ensinei a subestimar seus adversários? — O comentário mordaz fez com que o príncipe grunhisse. — Esse “grupinho”, como diz, está a ponto de dominar nossas fronteiras e ameaça cada uma de nossas cidades do lado de fora. Eles estão se aproximando e precisam ser parados.
— O que quer que façamos?
Diferente do irmão, Gaara era mais lógico. No entanto, Kankuro não estava pronto para ser esquecido.
— Antes disso, o que Temari faz aqui? — A pergunta atraiu todos os olhares para a mulher. — Ela é apenas uma garota, nada entende sobre guerras. Então por que está aqui? Deveria, sei lá, estar se banhando ou comendo ou fazer qualquer imbecilidade que garotas gostam.
O faraó gostaria muito de poder destituir Kankuro e mandá-lo embora, mas não tinha tempo para suas picuinhas. Por mais que concordasse com a posição dele naquela questão, sabia que precisava da neta presente, afinal, ela era sua melhor chance de ter alguém inteligente e atento no trono ao lado do idiota que recebeu aquela posição.
A atenção do velho, portanto, voltou para Gaara, deixando bem claro que não discutiria aquele assunto com Kankuro no momento. O caçula respeitava o avô por muitos motivos, mas discordava completamente da decisão de fazer o primogênito masculino o novo faraó. Kankuro destruíra o país em pouco tempo de mandato e ninguém poderia impedi-lo. Antes que a discussão sobre o assunto começasse, Temari se levantou.
— Pois bem, meu avô, irei me retirar. — O faraó quase mandou que ela se sentasse, mas isso pioraria as coisas. — Tenho mais coisas para fazer, como meu futuro marido disse, então posso me juntar a você durante o jantar.
— Vá.
Apesar de não querer que ela fosse embora, Temari obedeceu à ordem com a educação e classe de quem sabia a posição que ocupava. Se ao menos Kankuro tivesse a menor noção, o faraó se sentiria menos tensão com toda aquela situação.
O peso pela saída de Temari pairou sobre eles por vários segundos antes que Gaara, cansado de toda aquela tensão, voltasse ao assunto principal:
— O que devemos fazer, meu avô?
Sabendo o que vinha a seguir, Gaara ignorou o suspiro entediado do irmão e focou sua atenção no faraó. O grande problema de Kankuro era que ele não tinha qualquer respeito e interesse pelo cargo que ocuparia, ele só queria ter poder, mulheres que o servissem e controle sobre um reino inteiro. Ele não ligava a mínima para política, guerra e diplomacia – as três coisas que regiam um soberano. Os três homens passaram o resto do dia discutindo sobre planos para enfrentar os revoltosos enquanto Temari gastou seu tempo caçando Shikamaru. Um dos lados não teve tanta sorte.
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Hinata não quis saber o que Shikamaru estava fazendo enfiado no quarto àquela hora. O Nara normalmente ficava até tarde a biblioteca estudando – e ela teve que reconhecer o esforço dele, já que a cada segundo ele avançava mais e mais em suas habilidades de conversação e escrita em egípcio antigo. Estava muito mais rápido que ela mesma.
— Vai para onde?
— Preciso terminar de resolver umas coisas na cozinha.
Aquilo era mentira, qualquer poderia ter notado.
— Sabe, é melhor que sejamos aliados. E aliados não mentem um para o outro.
Tudo bem, ele tinha razão. Aliados não enganavam um ao outro. Contudo, daquela vez, a Hyuuga realmente queria ter um pouco de privacidade. Ela desejara por muitos anos poder voltar ao passado por um motivo muito íntimo e, pela primeira vez, tinha a oportunidade de conversar com a razão de sua semi-loucura a sós.
A jovem suspirou. Inteligente como era, optou por não seguir o caminho da mentira. Precisava que Shikamaru confiasse nela. Eles precisavam um do outro. Não havia uma escolha fácil.
— Escute, eu tenho um motivo para querer voltar ao passado. — Ele finalmente parou de analisar o papiro que lia. — Nada tem a ver com estudar o Egito ou qualquer uma dessas coisas altruístas e honestas que deveriam dominar meu pensamento.
— Voltou por que então?
Shikamaru claramente já sabia a resposta, a julgar pela forma como olhava em sua direção. Ela não encontrou o julgamento que esperava, apenas enxergou a realização que inundou os olhos do Nara: a jovem era tão humana e falha como qualquer outro. Por um momento, acreditou que ele iria querer discutir, afinal, corria o risco de morrer por culpa dela. No entanto, o rapaz era uma caixinha de surpresas também.
— Apenas não se esqueça que não podemos mudar o passado. Talvez os estragos sejam imensos se algo acontecer.
As palavras de Shikamaru a assombraram por todo o caminho até o local de encontro com Gaara. Ela não tinha certeza do porquê de concordar com aquilo, mas ainda sentia a necessidade de conversar com ele, mesmo que não fosse a pessoa que tinha conhecido.
O príncipe já estava lá, na biblioteca, assim como tinha marcado com ela. A diferença era que Shikamaru não estava junto, como pedira, e o estômago de Hinata revirou. Ela deveria voltar por todo aquele caminho e ir pegar o amigo, pois fora o combinado. A jovem não tinha certeza sobre o que deveria fazer e quase deu as costas ao ruivo, mas seus movimentos foram lentos demais e ele captou sua presença antes que pudesse sair.
— Cadê o Shikamaru?
— Ele preferiu ficar no quarto. — Mentira. — Disse que estava muito cansado e reclamou alguma coisa sobre sua irmã estar perseguindo-o. — Uma meia verdade.
A Hyuuga não se reconhecia. Desde quando se tornara uma mentira compulsiva? Bem, essa era fácil de responder: desde que colocou seus pés no Egito, três anos antes. Hinata vinha escondendo de todo mundo a razão pela qual se esforçava tanto para descobrir sobre a Akai Suna, sobre a família Sabaku e sobre magia. Ela não era apenas uma jovem encantanda como tantos a acusavam de ser, tinha seus objetivos e motivos. Coisas egoístas que, como Shikamaru pontuou muito bem, poderiam destruir todo um futuro.
— Temari também não parece compreender sua própria posição. — O comentário soou exausto, como se aquele detalhe fosse diariamente pontuado por outros. — Venha, sente-se comigo. Ainda podemos conversar, é importante.
Gaara não a ter mandado embora no momento que colocou seus pés sozinha na sala dizia muito sobre o caráter dele. Homens daquela época duvidavam da capacidade de qualquer mulher e evitavam estar perto delas quando não desejavam nada relacionado a prazer próprio. Aquele príncipe era diferente por alguma razão. Aceitando o convite, Hinata ocupou o banco vazio perto da janela. O deserto se estendia em sua imensião bem em frente ao seus olhos e a se lembrou do dia em que se decidiu que amava aquele lugar: uma viagem em família quando tinha apenas seis anos.
Alheio aos pensamentos dela, o ruivo sentou-se na janela. A distância entre os dois era respeitosa e segura, como se Gaara não pudesse se dar ao luxo de chegar perto de uma mulher – e ele não podia mesmo. Pelo que tinha estudado, sacerdotes – homens que serviam diretamente aos deuses – não deveriam ter distrações carnais. Ela lembrava-se de ter lido no Livro dos Mortos dele que desistira da posição de general aos vinte e seis anos para seguir o caminho sagrado. Se analisasse as feições masculinas com cuidado, Gaara deveria ter quase aquela idade.
— Bem, eu tenho boas e más notícias. — Hinata riu sem humor. — Qual quer ouvir primeiro?
— A boa.
— Os rebeldes não conseguiram invadir a cidade, então estamos todos seguros. — Internamente, a Hyuuga comentou que isso não era exatamente uma boa notícia para ela. — Não precisamos nos preocupar com nada por enquanto.
— Por enquanto?
— Eles podem invadir a qualquer momento, Hinata. — A seriedade dele causou um tremor no corpo feminino. — E isso seria péssimo para todos nós.
— Qual é a má notícia?
— Preciso ir até lá resolver o problema antes que ele venha até nós.
Um silêncio sepulcral recaiu entre eles. A Hyuuga abaixou os olhos, sentindo seus músculos tensionarem o máximo que podiam. Não vinha convivendo muito com Gaara nos últimos meses, mas eles tinham quase um ritual quando se tratava das noites no deserto. Sentavam-se na escadaria dos jardins comuns, como estavam naquele momento, ficavam quietos até que o sono viesse e fosse o momento de se separarem.
Isso começou quando o ruivo a encontrou nas primeiras semanas de sua estadia. Hinata estava tendo um caso sério de insônia e não conseguia descansar, por isso decidiu ir até o jardim. Talvez o vento frio da noite desértica e o perfume delicado e agradável das flores ajudasse seus nervos. Nada fez efeito até que a presença calma de Gaara se uniu a ela. Das primeiras vezes, nada mudou também. Era como se nada fizesse diferença ou fosse o bastante para acalmá-la. Até que o príncipe, começando a ficar preocupado, deu-lhe uma capa – como a que sua irmão usava quando se sentava sobre as flores – e aproximou-se até que estivessem a apenas uma palma dela de distância. A jovem sentiu o calor do pano e do corpo masculino, o que foi o bastante para deixá-la sonolenta e grata.
Gaara a tinha salvado de desmaiar por puro cansaço.
Desde então eles silenciosamente, e sem marcar nada, se encontravam escondidos do resto do mundo sob o véu estralado da noite. Não conversavam, raramente interagiam ou se olhavam, apenas suas presenças parecia o bastante para acalmar qualquer coisa que a deixasse incomodada durante a noite. Bem, isso era como ela via as visitas. Para o ruivo ficava cada vez mais difícil compreender o que era aquilo e porque lhe fazia tão bem.
— Será perigoso. — Era a primeira vez que ela comentava sobre algo. — Quero dizer... Você vai ficar bem?
A Hyuuga gostava de se lembrar de que não era mais uma criança. Apesar de ter vivido sua vida inteira como uma tímida garota que não conseguia dizer mais de duas palavras sem gaguejar, ela se tornara uma mulher forte, decidida, que não tinha problema em dizer as coisas. Ou não deveria ter.
— Provavelmente. Seth dificilmente deixa que seus guerreiros caíam. — Os olhos verdes brilharam perigosos, mas não de um jeito que a ameaçou. Muito longe disso. — Você é uma daquelas que acredita que Seth é um entidade ruim também?
Era uma pergunta sincera, sem acusações. Hinata abriu um pequeno sorriso, mas parou de olhar para ele. Sua mente sempre vagava para longe quando o assunto era a cosmogonia egpícia. Aproveitando que ele estava com as pernas para fora, ela apoiou seus cotovelos na beirada da janela e descansou o rosto sobre as mãos. Prefira olhar para o lado de fora do que para ele.
— A mi... Suas crenças — corrigiu-se antes que as coisas ficassem feias — não são tão fáceis de serem compreendidas, mas não vejo Seth como um deus ruim. Pelo que aprendi, bem e mal são coisas muito relativas, ainda mais quando se trata do que as pessoas acreditam. De qualquer forma, ele não tem como ser ruim se passa a noite inteira ajudando Rá a enfrentar Apófis em sua volta pelo submundo.
O comentário tão preciso o pegou desprevenido. Claro, todos os egípcios conheciam a história da volta de Rá e como, todas as manhãs, ele se erguia vitorioso trazendo o Sol e a segurança para seu povo. No entanto, poucas pessoas sabia sobre a presença de Seth. Um quantidade ainda menor teria a coragem de admitir que ele ajudava o deus dos deuses a triunfar contra a serpente maligna. E ninguém além da Akai Suna compreendia o real conceito de bem e mal.
O ruivo, em um movimento impulsivo, desceu da janela. Hinata quase gritou ao pensar que ele tinha se jogado daquela altura, mas havia um apoio do lado de fora, o que a deixou com as bochechas vermelhas de vergonha por ter pulado para agarrar a blusa dele. Gaara sorriu – um gesto tão pequeno e discreto, no canto de sua boca, que ela pensou ser apenas uma ilusão. As mãos masculinas pegaram as dela, as quais ainda estavam presas em sua camisa, e seguraram com firmeza até que relaxassem entre seus dedos e a jovem voltasse a se sentar no banquinho.
Estavam próximos demais, e Hinata recuou. Se fosse o Gaara que conhecia, talvez tivesse continuado onde estava; talvez tivesse a coragem para fazer o que tinha passado por sua cabeça. Todavia, aquele não era o seu Gaara, era apenas um estranho. E a queimaria em uma fogueira caso contasse a maluquice sobre viajar no tempo. Enquanto ela vivia esse conflito interno, o príncipe estava ocupada em observá-la.
Os olhos perolados – uma marca que poderia claramente ser de Khonsu – brilhavam hesitantes, como se estarem tão próximos fosse errado. O cabelo escuro caia por seus ombros, moldando o corpo que ajudava as roupas a esconderem. A Hyuuga, assim como Temari, nada tinha de egípcia. Sua linhagem era claramente de um lugar muito distante, onde o Sol não deveria passar tanto tempo castigando as peles das pessoas e a sede não era um problema. Além disso, as mãos femininas, que ainda jaziam entre as suas, exibiam calos – provavelmente causados por anos de trabalho duro. Ela não era da realeza e isso o encantou.
Seus dedos naturalmente se entrelaçaram aos dela. O gesto a surpreendeu e Hinata teve usar toda sua força de vontade para não recuar. Aquilo era estranho e inesperado, mas o príncipe segurava-a com firmeza, mantendo-a no lugar. Seus olhos estavam colados um no outro até que Gaara murmurou:
— Vamos fazer um acordo. — A Hyuuga permaneceu quieta. — Irei viajar daqui três dias e ficaria por uma semana fora. Me espere nesse tempo no jardim privado. Se conseguir fazer isso, irei realizar qualquer desejo seu.
Aquilo parecia uma promessa sem sentido em troca de algo tão simples quanto apenas esperá-lo voltar. Contudo, ela sabia que estava com um pensamento errado, já que sua visão estava manchada pelas marcas do futuro. Comprometer-se com alguém que sairia para enfrentar uma rebelião era algo muito sério e que poderia acabar com muitos mortos.
A jovem inspirou profundamente antes de soltar o ar devagar. Não se sentia obrigada a aceitar, mas algo a compelia. Realmente desejava que não fossem apenas sentimentos por alguém que não existiria mais.
— Pode fazer isso por mim?
Existia um brilho diferente nos olhos verdes, que a jovem não soube ler.
— Claro, posso fazer isso.
~~//~~
O Sol invadiu o pequeno quarto de serviços e deveria servir como relógio para aqueles que tiveram algum resquício de uma noite de sono. No entanto, nem Hinata, nem Shikamaru dormiram daquela vez. A Hyuuga não pudera ir se despedir do príncipe ruivo na noite anterior, quando ele partiu para enfrentar os rebeldes, afinal, ainda tinha tarefas a cumprir como serva da princesa e Temari fez questão de mantê-la ocupada até depois dos últimos raios solares sumirem. O Nara, diferente dela, perdeu o sono cheio de expectativa. Ele esperava que a futura rainha “atacasse” primeiro, desafiando naquele joguinho maldito em que tinha entrado.
Até o momento, ela nada tinha feito.
Os dois rolaram para fora de suas camas, as expressões amassadas e cansadas. Cada um deles sentia falta de algo diferente de seu tempo. A Hyuuga daria tudo para estar de volta a sua casa, perto de seus livros e do silêncio de ter um apartamento próprio. O Nara queria seus cigarros, um bom saquê e passar horas e mais horas deitado sob as nuvens, deixando que a preguiça o dominasse até que estivesse pronto para fazer algo. Nenhum deles tinha coragem de reclamar, pois poderiam estar em uma situação muito pior.
— Ei, sobreviva a hoje.
Aquele era um desejo que faziam diariamente um ao outro depois de acordarem. Era um pedido que poderia parecer simples, mas significava muito para dois estrangeiros que ainda estavam lutando para se adaptarem ao novo estilo de vida. Hinata sorriu para ele antes de vê-lo deixando o quarto. O Nara sempre era o primeiro a levantar, assim como era o primeiro a se deitar. Ele parecia ter dias mais agitados que os dela, mesmo que passasse a maior parte do tempo trancado com o escriba.
A jovem suspirou e olhou para o horizonte até o ponto em que o céu azul se fundia à areia clarinha formando apenas uma final linha preta. Ela não enxergava qualquer sinal de guerra ou destruição – o que poderia ser bom ou não, dependia de como resolvesse pensar. Após um longo suspiro, ela percebeu que não teria muito tempo antes de Temari começar a fazer suas exigências, então se trocou e também deixou os aposentos. Era melhor ocupar a cabeça ao invés de pensar besteiras.
As tardes no deserto podiam ser tediosas quando não se tinha nada para fazer, o que definitivamente não era o caso de Shikamaru. Ele estava ocupado reorganizando uma seção inteira de papiros quando a porta se abriu com brusquidão. O jovem arrumou um pouco melhor a roupa ao redor de seu corpo antes de olhar por cima do ombro. A figura que tinha invadido a sala e assustado o escriba tentava passar uma postura impressionante. Bem, apenas tentava.
O homem correu para cumprimentar o futuro faraó, Kankuro, e o Nara abaixou um pouco o corpo, para continuar escondido atrás das pilhas e mais pilhas de cerâmica e argila em formato de vasos grandes que lhe davam proteção. Ele não tinha nenhuma vontade de conhecer aquela gritarua e pretendia ficar em silêncio até ouvir a pergunta:
— Vocês viram minha esposa?
Aquilo lhe chamou a atenção. Discreto, Shikamaru escorregou para o lado, buscando ter uma visão melhor de Kankuro. Ele não era nada impressionante. Perto dos irmãos, o primogênito homem não era nada incrível. Seus cabelos tinham a cor do barro molhado, assim como seus olhos; suas bochechas carregavam dois desenhos estranhos pintados com kohl roxo; e o físico não era nada do que se esperaria de um grande futuro líder. Entre os três ficava muito claro quem passava horas se exercitando com os outros soldados.
— Perdão, vossa grandeza, mas de qual estamos falando?
Outro detalhe que capturou o interesse do pesquisador. Conhecendo como conhecia o Egito Antigo, Shikamaru sabia que era um costume muito incomum que um faraó tivesse mais de uma esposa. Os líderes apenas recorriam a isso quando pensavam que suas esposas eram inférteis – e a história estava aí para contar que, na maioria das vezes, o problema nunca eram as mulheres.
— Que pergunta estúpida. — A voz dele subiu vários decibéis. — Minha irmã, é claro. A futura rainha. Por acaso você a viu? Sei que ela tenha vindo para cá frequentemente.
As palavras mais frequentemente do que o adequado ficaram implícitas em sua reclamação. Ele agia como um herdeiro mimado e estava óbvio que seria um péssimo governante se não aprendesse um pouco antes de assumir. Isso definitivamente não era da sua conta, então o Nara voltou a olhar para os papiros.
— Desculpe, majestade, mas a senhora Temari não vem até aqui há alguns dias. — Isso, Shikamaru poderia comprovar, era verdade. — Ela deve estar ocupada com suas tarefas de princesa.
Kankuro grunhiu, assim como Shikamaru, mas eles tinham motivos diferentes. Nas cabeças masculinas da época, Temari deveria estar passando seu tempo distraindo-se com joias e roupas novas. Enquanto, para Shikamaru, ela deveria estar aterrorizando sua nova vítima. O príncipe apenas deixou a sala como se o homem nem mesmo valesse a despedida. Shikamaru olhou mais uma vez por cima do ombro e decidiu que, contanto que estivesse em paz, nada daquilo seria problema seu.
Para um gênio que tendia a ver as situações da vida em preto e branco, ele se esquecia da zona cinza que muitas vezes surgia entre o certo e o errado. Temari poderia estar prometida ao próximo faraó, mas ainda era uma princesa acostumada a ter todos seus desejos atendidos. Então, enquanto os dias se passavam com moleza, ela tirava sempre um tempo para ir atrás do Nara, que a evitava como podia. Até o dia que não pôde mais.
Foi no oitavo dia após a partida de Gaara. O retorno do príncipe guerreiro já estava atrasado, deixando grande parte do castelo aflita, mas os próximos regentes não pareciam se importar verdadeiramente com o que acontecia ao país e ao irmão mais novo. Hinata batia o pé com rapidez no chão, olhando algumas vezes para fora da janela do cômodo em que estava para contar as horas. Ela tinha aprendido com facilidade a se guiar pelo Sol e estrelas para se localizar no tempo e precisava sair correndo para o jardim, afinal, fizera uma promessa.
Todavia, como se soubesse das intenções da jovem, Temari a mantinha ocupada até o momento. Normalmente a Hyuuga não ficava responsável pelos banhos da princesa, mas daquela vez fora diferente. A serva que acompanhava a pricensa todos os dias havia adoecido e alguém precisou tomar seu lugar. Hinata, claro, era a opção mais óbvia e como devia a vida à princesa tanto quanto devia ao príncipe ruivo, acabou cedendo.
Era estranho ajudar alguém a se banhar. Esse costume se perdera há muito em sua realidade e mesmo a nobreza podia se cuidar sozinha nos países em que ainda existia. Por isso foi completamente esquisito ajudar Temari a se despir, revelando a pele bronzeada até ficar com um tom quase de ouro, para entrar na água completamente transparente. A jovem também não ficou exatamente confortável ao ter que esfregar as costas da princesa, nem de ajudá-la a lavar as curtas mechas loiras, mas o fez sem reclamar. Se acabasse logo, poderia ir até o jardim.
Estava tão concentrada em fazer o que precisava o mais rápido possível que perdeu o momento em que os olhos verdes da princesa colaram em sua figura. Assim como Gaara, ela tinha que reconhecer a beleza estrangeira da Hyuuga. A pele cor de leite em nada combinava com o Sol escandante do deserto, e dos dedos calejados que passavam por suas costas ao esfregar a esponja provavam sua classe social. Contra qualquer outra, Temari não teria problemas, mas sentia que precisava provar um ponto. Ela abriu um sorriso preguiçoso ao se recostar na parede da piscina privativa enquanto observava a Hyuuga, com as roupas brancas molhadas pela água, aumentar a distância entre as duas.
— Sabe — o tom conversacional chamou a atenção da mais nova —, não gosto de ser tão direta, mas sinto que devo isso a você. — Hinata apenas ergueu as sobrancelhas. — Eu quero seu amigo, Hinata. E vou tê-lo, você sabe. Achei que seria agradável da minha parte avisar, pois não quero que se choque com a podridão do mundo.
Lá estava algo com o qual a Hyuuga sabia lidar. As pessoas a subestimavam desde que era apenas uma garotinha com um sonho grande demais para ser real. Ela queria desbravar as areias do Egito, ser reconhecida mundialmente por uma descoberta incrível, queria marcar seu nome na história. E, apesar de ter conseguido isso, todos ainda a olhavam como uma jovem ingência e sem noção sobre como o mundo era feio.
Seu primeiro pensamento foi que ela estava falando de Gaara, mas isso não tinha sentido. Temari nunca demonstrou interesse em qualquer um de seus irmãos – por mais que estivesse prometida ao faraó. Foi quando uma realização surgiu: Shikamaru. O companheiro dissera algo sobre um ser problemático estar perseguindo-o todos os dias, como uma assombração, e esse era o motivo de acordar e ir para a cama tão cedo. Era sua forma de fugir.
Shikamaru deveria ter capturado o interese da princesa e, pelo visto, estava com sérios problemas. A Hyuuga engoliu em seco. O que deveria dizer? Deveria contar a verdade? Deveria insistir que eram apenas irmãos? Não, essa era uma péssima opção, já que ninguém acreditara naquela mentira. Ela estava em dúvida quando os últimos raios de sol começaram a desaparecer. Chegava a hora, mais uma vez, de ir ao jardim esperar por Gaara. Sua mente se dividiu em dois caminhos e ela ficou em dúvida por alguns segundos até decidir.
Se o Nara nada dissera sobre seu problema, ela iria deixar que lidasse com ele sozinho, afinal, eles tinham prometido não esconder nada um do outro. Ela até mesmo contou sobre a pequena promessa que fizera ao príncipe caçula e ele nada.
— Posso ir, princesa?
Hinata abaixou a cabeça, como se escondesse as bochechas coradas atrás da franja. Duas podiam jogar aquele joguinho e a Hyuuga era ótima em assumir o papel de jovem tímida e reclusa. Temari abriu um sorriso em sua direção e se ergue das águas expondo o corpo perfeito. Aquela era uma afronta direta, como se a mulher exibisse suas curvas para provar quem era mais bonita, mais atrativas e mais confiante.
Por tudo que Hinata sabia, ela poderia continuar se exibindo o quanto quisesse.
A jovem colocou um pano com delicadeza sobre os ombros femininos, sem demonstrar qualquer sentimento negativo ou ressentimento que pudesse ter. Temari achou isso estranho, pois nenhuma mulher que conhecia gostava de ter seu domínio sobre a mente de um homem ameaçado. Contudo, acabou dispensando a garota que saiu correndo na direção contrária à do quarto que ocupava com o suposto irmão.
Algo ao qual a Hyuuga não havia se atentando era que as pessoas não duvidavam que fossem irmãos, como Gaara, elas apenas ignoravam esse detalhe, por ser comum a unicão de parentes próximos em seu tempo – pelo menos entre a nobreza. Enquanto Hinata disparava para ir até o jardim, Temari arrumou suas vestes e foi na direção oposta a ela. Como havia imaginado, Shikamaru estava sozinho quando abriu a porta.
Ele estava debruçado sobre uma mesa, praticando a escrita sagrada, quando a luz do lado de fora invadiu o quarto. Percebeu que ainda deveria ser cedo, pois os guardas tinham acendido as tochas que ficavam espalhadas pelo corredor do palácio. Grunhindo infeliz, o rapaz continuou com os olhos colados no papel.
— Será que dá para fechar a porta, Hinata, estou tentando me concentrar aqui.
— Então realmente fica esperando por ela.
Talvez se fosse um pouco mais esperto, o Nara pudesse ter previsto aquela situação. Ele pulou assustado e derrubou tinta por todo o papiro. Seus olhos castanhos não sabiam se deveriam ficar colados na mulher de sorriso susgestivo há alguns passos de si ou na tinta que escorria lentamente pela mesa em direção ao chão, ameaçando sujar tudo.
— Bem, acho que preciso tirar sua mente daquela criança.
— Desculpe, mas do que está...
Antes que pudesse perguntar, Shikamaru mordeu a língua ao ver a aproximação segura de Temari. Ela parecia como uma caçadora, rondando sua presa indefesa. O Nara confiava em seu autocontrole e não tinha problema nenhum em estar perto de mulheres bonitas, afinal, fora casado com uma ex-modelo e estava divindo o quarto com uma beldade que o arrastou para os confins do passado. No entanto, havia algo de estranho na princesa.
A segurança dela no que era capaz assustava. Ele segurou a respiração quando as mãos femininas pousaram em seus ombros, descendo lentamente em seguida pelos braços descobertos, as unhas bem-feitas passando por sua pele e deixando um arrastro de arrepios inconvenientes. Shikamaru se lembrava bem do acordo: Se você ganhar, eu te deixo em paz. Do contrário, fará o que quero. O tom feminino, naquele dia, soara tão malicioso quanto cada toque das mãos experientes naquele momento.
— Acho — Temari murmurou bem perto do ouvido dele, provocando ondas de uma sensação que não era bem-vinda — que seria melhor para nós dois se apenas cedesse.
Ah, ele também tinha certeza que seria ótimo ceder. Não era nenhum idiota, podia ver nos olhos dela as promessas silenciosas que fazia; das imagens que invocava na mente dele apenas com um simples olhar profundo e toques suaves. Contudo, ele não estava com vontade de ser usado mais uma vez até que não servisse mais. Ser um pedaço de carne era legal até que você aprendia um pouco mais sobre a vida.
Talvez no tempo em que estava vivendo no momento ser cortejado por uma princesa fosse o ápice do prazer masculino e recusar uma noite de prazeres com a dita cuja seria um sacrilégio monumental. Bem, para o azar de Temari, Shikamaru fora casado com a maior egocêntrica do universo – e ela nem mesmo era da nobreza.
Para a surpresa da princesa, ele a afastou quando ela pensou que a puxaria para perto e cederia. O Nara não disse nada, apenas olhou para ela com um profundo ar de decepção, virou-a e a empurrou em direção à porta. A madeira bateu na fechadura antes mesmo de ela compreender que tinha acabado de levar o primeiro fora de sua vida.
***
Hinata estava ansiosa. Um dia de atraso, o que isso queria dizer? Será que Gaara tinha sido alvejado gravemente? Será que ele se perdera no deserto? Não, não parecia provável. Ele era um filho do deserto, conhecia aquela imensidão como ninguém. Ela estava sentada entre as flores do jardim privativo. Ninguém teria como encontrá-la lá, pois os servos não tinham autorização para entrar ali, então estaria segura.
A jovem pretendia ficar sentada até que que o sol raiasse ou que o príncipe aparecesse. Qualquer uma das opções traria uma notícia – fosse boa ou ruim – e ela queria esperar para recebê-las pessoalmente. A noite estava quente daquela vez, algo que não passou despercebido aos instintos da garota, que ficou ainda mais tensa. Sua mente estava exausta, pois os oito dias de espera – e os três anteriores à partida, em que nem mesmo trocaram um par de palavras – estavam sendo uma tortura. Queria se convencer de que só estava preocupada com seu salvador; que seu coração batia com tanta força como bateria por qualquer outro.
Hinata Hyuuga nunca fora uma boa mentirosa.
Ela reconheceria de longe aqueles “sintomas” e estava odiando cada um deles. Da primeira vez que o sentiu – três anos antes – estava segura de que eram as melhores coisas do mundo, afinal, Gaara era dez anos mais velho, muito mais responsável e cuidadoso. Apaixonar-se pela mesma pessoa – apesar de ser alguém diferente – com menos idade e mais propensão a se tornar um general e viver indo de batalha a batalha era como pedir para morrer de ansiedade e nervosismo.
Estava agindo como uma daquelas mulheres de soldados em seu tempo, que esperavam os maridos em casa enquanto eles iam para guerras ou missões de paz que poderiam acabar com suas vidas. Saber que o mundo não mudara em quase nada a não ser o avanço tecnológico quase a fez rir com amargura. Como uma boa historiadora, a jovem sabia que o planeta Terra continuaria tendo os mesmos problemas enquanto a humanidade continuasse presa às mesmas mesquinharias.
Um suspiro cansado preencheu o espaço do jardim. As flores absorveram o barulho, claro, e amenizaram um pouco da confusão que a garota sentada entre elas sentia. Havia um motivo para oásis trazer tanta paz para as pessoas e não era apenas a possibilidade de água fresca no meio do deserto. Eles afetavam diretamente o psicológico daqueles que se sentiam perdidos e desamparados. Parecia engraçado que a família real egípcia sentisse a necessidade de ter um pedaço de esperança dentro de seu palácio quando eles poderiam ter qualquer coisa – sua posição perante o povo e os deuses garantia tudo que quisessem.
Hinata estava distraída pensando naquele quando passos chamaram sua atenção. Ela se levantou, pronta para ir até Gaara, que deveria estar de volta, quando se virou e deparou com a única pessoa que fora aconselhada a evitar em todo o palácio: Kankuro. O príncipe piscou um pouco confuso, pego desprevenido pela presença de uma serva no jardim privado, quando seus olhos desceram pelo corpo feminino tão lentão que ela soube no mesmo instante que estava com problemas.
— Você não deveria estar aqui. — Não foi uma pergunta. — É uma ofensa enorme que tenha entrado em um espaço sagrado.
Ele deu um passo para frente. Hinata recuou um em direção ao centro. Kankuro sorriu ao perceber o movimento, seus olhos brilharam perigosos.
— Você terá que ser castigada, garota.
Estou perdida foi a única coisa que ela teve tempo de pensar antes de tentar correr para longe. Sua fuga foi um fracasso. Para alguém que não praticava muitos exercícios, o príncipe herdeiro era um verdadeiro atleta. Ele pulou na direção dela e segurou o braço feminino com força, puxando-a em direção ao seu próprio corpo e prendendo-a com firmeza. Hinata sentiu nojo ao sentir o peito masculino tocar em suas costas e tentou se soltar, mas seu ombro ainda estava sensível pela falta de fisioterapia e os exercícios constantes. Ignorando as tentativas de se soltar, Kankuro murmurou no ouvido dela, causando arrepios de puro pavor, que foram confundidos com outra coisa.
— Seja boazinha, não gosto de ser violento com mulheres.
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