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História O Tear das Parcas - Ariadne é legal, se tirar o labirinto do mal. - História escrita por Taifu-no-me - Spirit Fanfics e Histórias
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História O Tear das Parcas - Ariadne é legal, se tirar o labirinto do mal.


Escrita por: Taifu-no-me e LadyMeow

Notas do Autor


Oh, mais um capítulo para vocês, meus doces leitores - fantasmas e viventes!
Neste aqui, o nosso trio de Desajustados conhece finalmente a Deusa Ariadne, senhora dos labirintos e esposa de Dionísio. E, confirmando as suspeitas de que não estavam a sós, uma companhia bem acalorada logo os encontra...

Música e glossário nas notas finais, até mais e boa leitura!

Capítulo 13 - Ariadne é legal, se tirar o labirinto do mal.


Fanfic / Fanfiction O Tear das Parcas - Ariadne é legal, se tirar o labirinto do mal.

XIII - Ariadne é legal, se tirar o labirinto do mal

Mitch ficou pensando em quantas críticas de arte gostaria de saber fazer só para jogar na cara da Deusa dos labirintos assim que a encontrassem. Ele queria berrar na cara dela, roubar seus biscoitos e jogar chá no seu chiton, só por tudo que ela os fizera passar até ali.

Oh, Deuses, ele estava com tanta fome que já estava pensando em chá e biscoitos.

Seu estômago roncou, Icarus o fitou com curiosidade, os cabelos loiros pendendo do chapéu de palha.

O garoto fitou a feição cansada de seus amigos, Icarus com seu rosto sério e jaqueta púrpura de franjas estupidamente estilosa. Hesper abraçando o tronco com seu casaco verde e grandes meias que não ficavam ocultas por suas botas bege de caminhada.

O garoto ainda vestia sua camiseta do Acampamento Meio-Sangue, que honestamente lhe servia mais para enraivece-lo do que qualquer outra coisa. Ele queria uma versão em laranja neon que dissesse: FUI A LONG ISLAND E SÓ CONSEGUI ESSA CAMISETA RIDÍCULA só para lembrar que em suas férias de verão, o garoto só conseguira se encrencar mais e mais com o possível destino de tudo pendendo da balança.

Uau, as Parcas realmente deveriam odiá-lo. 

Na próxima vez que morresse (E Mitch rezou para que fosse muito longe no futuro), ele garantiria que tudo ia ocorrer certinho. Nada de escapulidas ou espertezas para o Mundo dos Vivos, seja lá como ele conseguira ressuscitar em primeiro lugar. Ia ser um bom romano e seguir o protocolo, uma vez na vida (ou na morte, neste caso).

Que pensamento mórbido. - disse para si mesmo, internamente. Os dedos formigaram, Mitch queria escrever aquilo. - Vou contar para a dra. Mallory depois. 

O garoto cruzou mais um rol de escadas e se viu diante de uma porta de mogno. Havia uma plaqueta que dizia ADMINISTRAÇÃO. 

Mitch encarou os amigos e disse, já com a mão na maçaneta: - Devemos nos preparar para uma luta ou…?

- Até onde sei, Ariadne é uma boa deusa. - Hesper falou, as mãos na alça da mochila. - Se casou com Dionísio, virou uma imortal que fazia parte de seus bacanais e tudo o mais. Vocês sabem.

- Teve aquela versão onde ela morria em Naxos por uma flechada de Ártemis sob ordens de Dionísio, também. - Icarus falou, a expressão tensa e a voz grave.

Hesper o encarou e disse: - É apenas uma analogia, tenho certeza. Tipo, para ela ter deixado a vida dos mortais. A apoteose é uma forma de morte, também.

- Se você quer enxergar assim, beleza. - murmurou o filho de Hécate, levando um beliscão da garota. - Ai!

- Não se leva os mitos ao pé da letra, ok?! Você bem sabe disso.

- Seja como for, ela decidiu abrir uma galeria em SoHo. É, no mínimo, charmosa. - murmurou Mitch, fazendo-os rir. - Vamos nessa.

Icarus bateu a porta.

- Ariadne? Nós estamos aqui em nome do Sr. D.! - disse o feiticeiro, fitando os amigos em seguida.

Mitch segurou a maçaneta e Hesper os observou.

- Tá aberta! - disse uma voz feminina. - Podem vir!

 

Os três meio-sangues adentraram o recinto, encontrando um escritório enorme e recheado de obras de arte flutuantes. O chão era feito de pedra e as paredes púrpura se moviam como se fossem líquidas. Uma porção de retratos dançava ao redor dos meio-sangues enquanto eles caminhavam.

O teto era um círculo perfeito com uma obra de arte que daria inveja a alguma igreja no Vaticano - Lá estavam uma representação pitoresca de Dionísio e Ariadne reclinados em um sofá confortável, com sátiros e ninfas que dançavam lado a lado. Os Deuses se encaravam, apaixonados.

Mitch assobiou, fitando a amplitude daquele cômodo quase se perder de sua vista. 

Ele viu parapeitos na distância e janelas que deixavam filetes de luz solar entrarem naquele local. A julgar pelo vento e pela paisagem nova-iorquina na distância, estavam em uma espécie de cobertura.

Eles andaram mais, passando uma fonte de pedra imensa e que jorrava vinho púrpura, enchendo o ar com o cheiro de uvas. Hesper provou da bebida e assentiu com a cabeça, dizendo “É de verdade” baixinho.

No centro do local estava uma mulher que, como a maioria dos Deuses, se apresentava com bons três metros de altura. Ela usava um pomposo vestido púrpura com um cinto dourado, além de um manto bonito de pele de leopardo sobre os ombros. Seus cabelos eram da cor de chocolate e eram trançados com ametistas e rubis.

Ela se virou para os meio-sangues e sorriu, os olhos resplandecendo em verde-esmeralda junto à coroa cintilante que repousava na cabeça. A pele cor de oliva marcada por manchas sob os olhos que imitavam as de uma onça.

Mitch piscou, aquela mulher era linda. 

Os meio-sangues fitaram no que ela trabalhava. 

Era um enorme quebra-cabeças exposto sobre um tapete felpudo, quase terminado. Havia um trípode de bronze ao lado da deusa, com algumas peças que ela tomava em mãos e alocava ao desenho. Em seguida, Ariadne coçou o queixo e observava para ele, intrigada e com empolgação visível no rosto.

- Vocês podem me ajudar? Não estou achando umas pecinhas! 

Mitch tentou focar no fato de que a Deusa havia projetado um labirinto traumatizante, mas ao ver tantas coisas rodando e zunindo pela sala, sua frágil atenção havia ido para o espaço.

A gravura no quebra-cabeça representava um enorme touro branco contra um plano de fundo de nuvens coloridas, uma espécie de por-do-sol. Mitch ficou encarando o desenho por alguns segundos e disse: - São quantas peças?

- Duas mil. - a deusa falou, empolgada. - Só devem faltar umas quatro! Tive que caçar as peças por…toda a parte! Foi um presente de Hermes, sabem como ele é brincalhão, né?!

Hesper vagueou o olhar pelo salão, Icarus se encostou em uma pilastra e ficou encarando a Deusa com um olhar endurecido.  

Mitch estreitou os olhos para ela e avistou as peças - Duas delas pendiam de suas tranças que cascateavam sobre as costas. De perto, chique como estivesse, Ariadne parecia despojada e despreocupada.

- Aqui! - disse o filho de Laverna, tomando as pecinhas e colocando-as no enorme desenho. 

A deusa riu e rodou no lugar, batendo palmas alegres e sorrindo: - Bem, só faltam mais duas. Vou achá-las depois, devo ter deixado elas em algum canto enquanto dançava no labirinto. Faço uma performance às 17h, sabem?

- Oh, que tipo de dança?! - Mitch perguntou, empolgado. 

A deusa deu risada novamente: - Bem, agora estava pensando em samba brasileiro e eskista, uma dança tradicional da Etiópia. Mas ainda estou tentando decorar os passos com o ombro, são tão difíceis…

Ela mostrou os gestos circulares com os ombros, Mitch os imitou e deu risada.

Icarus pigarreou e Hesper sacou o pacote.

- Ah, é! - Mitch se recompôs, ajeitando a camisa e tossindo. Ele fitou a Deusa, tão sério quanto conseguiu e colocou a mão no coração.  - Ave, Ariadne Mater! Nós viemos em missão oficial do Acampamento Meio-Sangue.

- Oh…- ela piscou os olhos e disse: - Ah, onde estava com minha cabeça? Vamos, sentem-se então, queridos. Devem estar exaustos! 

Eles piscaram, subitamente sentados em pufes roxos e coloridos. Um tapete indiano marrom-e-cobre se estendia sob eles, confortável e cheio de gravuras. O pufe parecia uma pequena nuvem, apoiando as costas e os pés de cada um. Mitch quase dormiu imediatamente.

- E caso não saiba, jovem romano, os do Acampamento Júpiter costumavam me chamar de Libera na antiguidade. Me associaram com uma deusa itálica local, ela era super-divertida!

Mitch assentiu, esquecera do nome. Ele recordou-se que alguns chamavam Baco de Liber pelo mesmo motivo. Eram deuses da fertilidade e da terra, salvo engano.

Hesper se ajeitou no pufe e estendeu o pacote, Icarus sentou-se mais próximo de Mitch e viu a deusa pegar o embrulho amassado entre os dedos. Ela pegou a dedicatória e leu para si: - Um presente de aniversário de casamento? Ah, aquele bobão, não precisava!

E então ela o abriu, os meio-sangues gritaram e taparam os olhos, o que apenas rendeu uma gargalhada borbulhante vinda de Ariadne.

- Gente, calma. - ela os assegurou. - É feita de estrelas, mas não as deixo em modo supernova ao acaso.

Ela apontou para o diadema cintilante que levava nos cabelos, havia alguns diamantes coloridos em sua extensão: - Se eu fosse descuidada assim, seus olhos já estariam fritos. Lembro bem de quão frágeis são as íris mortais, ainda não esqueci.

Hesper respirou fundo e Mitch a encarou, dizendo: - O Sr. D. mandou este presente para ti, Senhora Ariadne. Ele disse que a senhora estaria aqui…Se ocultando de nosso mesmo inimigo.

- Oh, certo. - ela pegou a jóia entre os dedos: Era uma coroa de ouro reluzente e ornamentada com sete estrelas em seu formato bicórnio que lembrou Mitch de um sátiro . As estrelas emitiam um brilho gentil, cada uma. - Mas antes de conversarmos, acho melhor comer e beber, que acham?! A hospitalidade primeiro, depois, as más notícias! Vocês passaram por tanto, aposto…

Um silêncio desconfortável se fez presente na sala. Os meio-sangues se encararam brevemente, ainda frágeis por tudo que foram forçados a encarar até ali. Ariadne respirou fundo e disse: - Mas foquemos no agora, ok? Vamos poder falar sobre o que quiserem, já-já.

Mitch deu uma risada breve - tudo o que a Deusa falava tinha uma espécie de leveza sobrenatural que ele não entendeu, era como se o ar estivesse embriagando-o. 

Ela deu tapinhas leves no ar e uma mesa circular se materializou em um cintilar púrpura. Bules e xícaras desabrocharam do nada, pães e geleia surgiram um após o outro. A deusa sorriu e assentou sua mais nova coroa na cabeça.

- Comamos, meio-sangues.

Nenhum deles ousou recusar.

[...]

Os três meio-sangues tiveram o que deveria ser, na opinião de Mitch, o melhor chá da tarde que ele havia tido em toda sua vida. Em todas as duas vidas, na verdade. 

Ele tomou chá de erva-doce e mordeu sanduíches salpicados de baunilha com geleia de uva. Apanhou um par de canapés de frango e destruiu toda uma coleção de scones que a Deusa tinha à disposição. Icarus e Hesper não ficaram muito para trás, com xícaras de café e sanduíches à disposição, eles encheram a pança coletivamente sem muito pudor.

- Deuses… - murmurou ela, bebericando de uma xícara de cristal roxo. - Vocês ficaram lá por uns quatro dias, não foi? Não me surpreende que estejam famintos.

Eles se encararam confusos e de boca-cheia. E então ela mostrou a data num calendário: Pouco mais de uma semana faltava para o Solstício de Verão.

- Ah, puta que pariu… - Mitch falou de boca cheia. Icarus murmurou algo em japonês e Hesper massageou suas têmporas.

As sobrancelhas de Ariadne se abaixaram, ela conteve uma risada sôfrega.

- Perdoem-me por fazê-los zanzar sem rumo por tanto tempo. O Labirinto foi a medida protetiva mais potente em que consegui pensar. - A deusa encarou os meio-sangues com desculpas nos olhos. Uma das obras de arte flutuantes foi para perto dela, era um pithos de cerâmica. - Eu costumava dançar no original, o que meu pai mandou construir como prisão para…

- O Minotauro. - Hesper completou, hesitante.

A deusa meneou com a cabeça, o pithos em suas mãos ilustrava o combate entre Teseu e o monstro: - Prefiro chamá-lo de Astério. Acho que me lembra o que ele poderia ter sido, se Pasífae e Rei Minos não fossem os piores pais de todos. Talvez ele tivesse chance de ser algo maior do que um monstro sedento por sangue um dia, jamais saberei.

Mitch assentiu com a cabeça: - Eu entendo de reis ruins, madame. Eles são uma droga.

- Obrigada, Faircreek. Eles realmente são. - Ariadne respirou fundo e deixou o jarro voar para longe dos dedos, vendo-o dançar no ar como as paredes líquidas que os rodeavam. - Me permitam perguntar, o labirinto funciona, certo?

- Bem até demais. - Hesper disse, juntando as mãos e respirando fundo. - Tem tanto medo assim do Rei-Bruxo?

- Não é medo, minha criança. - Ariadne negou com a cabeça. - Mas cautela, tiranos como ele podem ser covardes no fundo. Coisas terríveis habitam no interior de cada um de nós. E o Labirinto, para mim, sempre foi uma fonte de exploração terrível e perigosa, uma palpável representação do que tentamos esconder. É onde aprisionamos nossos monstros. - Ela parou por alguns segundos, o ar entre os semideuses e a Deusa parecia cheio de energia tensa. -  E muitas vezes, heróis como vocês precisam explorar a treva que os assombra.

- É…Só que foi horrível. - Mitch admitiu, juntando as mãos e os pés em um só suspiro. - Se eu não estivesse com vocês…Eu não sei…

- Você não precisa estar sozinho se tem a quem recorrer. Esse é o ponto, Teseu não teria cruzado sem ajuda. - murmurou Icarus, mais para si mesmo do que para o filho de Laverna. A Deusa concordou com um aceno de cabeça. - Rezemos para que nossos inimigos também não consigam, também.

O ruivo o fitou e ganhou um assentir frágil do filho de Hécate. As sombras sob os pés de Icarus se moveram, tocando o ombro de Mitch. Ele se assustou com o instante, Icarus corou e reclamou com seus daimones em grego antigo.

- Foi engenhoso e poderoso. - disse Hesper, respeitosamente. Ela a encarou por uns segundos, semicerrando os olhos. - Mas quanto a Crisaor…

- Oh, Crisaor? - ela fez um gesto desdenhoso com a mão. - Aquele ali vai precisar de uma enfermaria da pesada. O otário está me caçando há alguns tempos, atrás disso aqui.

Ela tirou algo de seu cinto - Um minúsculo novelo de bronze, a lã reluzia como ouro desfiado entre os dedos da Deusa.

- Ele quer para seu mestre, como conseguiu no passado o meu exemplar mais antigo.

- O Rei-Bruxo. - murmurou Mitch, um calafrio viajou por sua espinha. - M-minha senhora, com todo respeito, se conheço ele, não vai ficar parado por muito tempo.

- Sei que não, e aliás, ele já está a caminho. Meu labirinto pode ser eficiente, mas a mágica dele é insistente e poderosa. - informou Ariadne, o que fez algo como um buraco se abrir no fundo da barriga de Mitch. Ele tremeu no lugar e olhou para baixo. - Recebi o aviso graças a vocês, na verdade.

Ela apontou para o queixo de uma janela próxima.

Hesper e Icarus encararam o mesmo ponto - Uma coruja repousava ali.

- Olhuda?

Ela soltou um piado estridente e voou para longe, rumando para o entardecer recheado de prédios de Nova York. A caçadora engoliu em seco, corujas bufos-reais eram símbolos de Ares, se ela bem lembrava as aulas que tivera com as Caçadoras sobre a interpretação dos pássaros - Aquilo estava longe de ser um bom portento, havia encrenca a caminho. 

- Quanto tempo temos? - perguntou o filho de Laverna.

- Só o suficiente para uma última coisa, queridos. - anunciou Ariadne, se debruçando na direção deles. Havia um colar reluzente de ametistas em seu pescoço que reluzia como seus olhos. - Me escutem atentamente: O Rei-Bruxo pretende rumar para o Mundo Inferior no auge de sua força, durante o Solstício de Verão. Meu fio garantiria caminhos livres de obstáculos pelos túneis labirínticos construídos pelos kimmerioi, mas tentemos prevenir que ele coloque as mãos nisso, ok? Ok!

Ela estalou os dedos e continuou a falar, tão rapidamente que Mitch suspeitou da quantidade de café em sua xícara. Hesper e Icarus se levantaram, já exasperados com o que ouviam.

- Mas meu novelo é só um dos itens que ele precisa. O mais importante deles, entretanto, é o Copo de Hélio! - Ela invocou um outro jarro, nele, mostrava um homem dentro de um copo do tamanho de um fusca. Mitch e os demais estudaram a imagem atentamente. - Um grande recipiente onde o Deus-Sol descansava depois de viajar pelos céus, Héracles o pegou emprestado no passado. 

Os três meio-sangues assentiram, Mitch puxou seu caderno e foi anotando o dito tão rápido quanto pôde. Ele escreveu: IMPORTANTE - Copo de Hélio (Hércules usou no passado), Aëetes o quer. Nós também.

- Através dele, rio algum do Mundo Inferior seria fonte de preocupação para o feiticeiro. Com toda a preparação que Aëetes tem, ele já pode ir para o Submundo, mas ainda seria muito perigoso. Por isso ele precisa tanto destes itens, para garantir que chegue com força total para enfrentar o Destino. - Ariadne apontou para eles e disse: - Busquem a Deusa Leto, ela foi a última titã que soube onde o copo estava, na verdade. Acho que, hoje em dia, a deusa mora em Bar Harbor, no Maine.

Mitch anotou: Deusa Leto (Latona? Sei lá), Bar Harbor - Maine. Copo = Sem preocupações com rios. Aëetes quer enfrentar o Destino, força total.

- Deusa, mas…O quê devemos fazer com os itens? - Icarus perguntou, hesitante.

Ariadne meneou com a cabeça e materializou um objeto em mãos: Uma haste de madeira longa com uma pinha cintilante na ponta, reluzindo como Bronze Celestial. Mitch reconheceu o objeto: Era uma arma dos seguidores de Baco, um tirso. 

- Não é óbvio? Vocês terão que ir para o Mundo Inferior, queridos.

Uma onda de mal-estar viajou por Mitch, versos da profecia pareceram ecoar em seus ouvidos. Hesper e Icarus não pareceram exatamente felizes, também.

“Seu é o caminho na escuridão/Vem o destino, teu para roubar”

Hesper se armou com seu arco, a aljava surgindo nas costas e a feição dela cada vez mais séria. Mitch arrancou sua corrente, vendo que Icarus já tinha a mão repousando sobre a bainha da adaga.

Ariadne se colocou no meio deles, as paredes se expandiram e alargaram, os objetos sumiram e deram lugar a uma crescente arena que girava em espiral. A porta, a única entrada do local agora, lá repousava, ominosa e silenciosa.

- Ele está vindo, se preparem, queridos. - a voz dela emanou com a mesma leveza sobrenatural de antes, mas uma firmeza felina repousava sobre seus olhos.

Mitch invocou sua sica de Ferro Estígio e se colocou logo atrás da Deusa dos labirintos, Icarus murmurou algumas voces magicae e teve as íris cobertas por treva. Suas sombras se agitaram, vivas.

Hesper encaixou uma flecha no arco e respirou fundo, os olhos atentos na entrada enquanto a arena ganhava vida diante deles. O chão de ladrilhos se desdobrando em uma onda, as obras de arte flutuando para longe e cedendo espaço para o que vinha em sua direção.

Eles respiraram fundo, a filha de Apolo disse: - Algo que devamos saber sobre Aëetes, Mitch?

- Nada que não tenham já visto. Só que pior. - disse o garoto, meneando com a cabeça e com um sorriso amarelo.

- Ele está aqui. - pressentiu o filho de Hécate, ao passo que a porta da frente se estilhaçou com labaredas.

Silhuetas se encaminharam sob a luz das tochas que orbitavam a arena de combate já formada. Mitch sentia-se no coração do Circus Maximus, o Coliseu de Nova Roma. Exceto que dessa vez não havia uma multidão, nem seus amigos na plateia clamando seu nome enquanto um Javali Atroz treinado para combate o aguardava. Não havia seu centurião o estudando com olhos atentos ou mesmo animação em suas veias.

Havia algo pior - Um homem adulto, de longos cabelos castanhos, olhos resplandecentes e vestindo um terno dourado de seda em imaculadas condições. Um broche de caveira repousava em sua lapela, a bengala de madeira avermelhada repousava entre os dedos das mão, cada um adernado por uma joia diferente.

Seu sorriso cínico foi se formando na sua face conforme se aproximava. Logo atrás, havia um homem de dois metros de altura, coberto numa armadura desengonçada, amassada, chamuscada e com uma máscara de górgona no rosto - o enorme Crisaor, ferido por seu encontro com o Touro de Creta, pelo visto.

- Deusa Ariadne… - a voz aveludada de Aëetes os atingiu, como uma onda de ar quente repentina. Um dia de verão sufocante, bonito e abrasivo em igual medida. - Finalmente nos encontramos, depois de tanto tempo. Fiquei preocupado quando tu não retornou minhas ligações.

- Achei sua proposta pouco tentadora, titio. - os olhos da deusa resplandeceram, finos como os de um leopardo. Os três meio-sangues piscaram, simultaneamente lembrando da relação familiar entre a Deusa e o feiticeiro. O mundo mitológico era complicado. - Não vou cooperar com planos megalomaníacos, não é minha vibe. 

Uma risada ameaçou surgir em Mitch, mas ele não conseguiu. 

Estava imóvel e suando frio, parcialmente oculto pela saia da Deusa.

E então, Aëetes o encarou, um fitar quente como um holofote.

- Septimus. - Ele mastigou seu nome, uma azedura quente tomou o ar. - Você cresceu bastante.

Havia alguma resposta entalada na garganta de Mitch. 

Ele queria dizer Não graças a você! ou Sim, cresci e vou chutar seu traseiro dourado! , mas só conseguiu tremer no lugar e brincar nervosamente com sua sica escura.

Crisaor estalou os dedos, se espreguiçando.

Arruaceiros. - falou o filho de Medusa, endireitando a postura e fitando o rei. - Deseja que eu os afaste, chefe?

Hesper tinha os dedos firmes em volta do penacho da flecha. Icarus respirou fundo.

Aëetes suprimiu um sorriso acalorado e negou para seu mercenário de estimação.

- Essa é uma reunião de família bastante peculiar. - observou o feiticeiro, inclinando a cabeça para o lado. Os cabelos sedosos e castanhos se moveram junto com o permanente halo cálido que repousava sobre sua cabeça. - E devo admitir, quando descobri que você havia sobrevivido, fiquei muito surpreso!

Os garotos se encararam, logo ambos olhando para Hesper, surpresos.

Ele não sabia que o filho de Laverna havia morrido. 

- V-você m-me…- Mitch balbuciou, recebendo um olhar grave da deusa. O garoto respirou fundo e o encarou nos olhos. Eles eram da mesma altura, agora. - V-você tentou me matar!

- Ah, Septimus, você não me deu outra escolha.

- Esse não é meu nome! - vociferou, a raiva deslizou para fora de si com um grunhido. - E você tinha todas as escolhas do mundo, seu riquinho filho de uma górgona! 

O ar ficou mais quente de súbito, Aëetes apoiou ambas mãos na bengala.

- Não nos exaltemos, querido. - seu sorriso fez presença de novo, como se assistisse um cachorrinho irritado fazendo birra. - Dê-me seu nome, se tanto deseja ser bem-tratado. Nos atentemos às formalidades.

Mitch quase gritou, mas Icarus levantou a mão e negou com a cabeça.

- Você vai ter que descobrir sozinho, Rei-Bruxo. - murmurou o filho de Hécate, recebendo um olhar dourado de reconhecimento em seguida. Aëetes finalmente fitou Hesper e ele, como se só agora os notasse. - Nomes têm poder, lembra?

Mitch assentiu, nervoso.

- Poder não será um problema, criança de Hécate. - falou o filho de Hélio, o halo dourado sobre sua cabeça resplandeceu levemente. Crisaor deu um grunhido baixo, a mão repousando na empunhadura da espada. - Eu tenho mais poder que o suficiente para todo mundo aqui.

- E ainda assim, deseja mais. - Hesper falou, a voz afiada como a ponta de sua flecha. - Um glutão incorrigível.

Mitch sentiu a tensão aumentar no ar. Ele respirou fundo e assentiu, grato pela presença dos amigos que ladeavam a Deusa, cujo olhar felino nunca se distanciava do Rei-Bruxo. 

O filho de Laverna piscou de súbito e reparou em algo: Aëetes tinha uma gota de suor no rosto, seu olhar ficou sério por alguns instantes. 

Ele estava nervoso, presumiu Mitch.

Não somente por ter ficado algum tempo no temível Labirinto, mas pelo menor número em que se encontrava e diante de uma divindade, ainda por cima. Ele tentava manter a pompa, mas Mitch reconhecia uma mentira bem de longe, sendo filho da Deusa dos charlatões.

Um sorriso breve de confiança riscou o rosto de Mitch, Ariadne pôs a mão no seu ombro. Sua feição esperta havia captado o mesmo. 

- Fale o que te traz aqui, filho do sol. - a voz de Ariadne fez as paredes fluidas se agitarem. Seus contornos exibiam uma tênue luz lavanda, o rei se empertigava diante de sua feição altiva. - Minha paciência é finita e minha hospitalidade não se estende a quem ameaça meus hóspedes.

- Nenhuma ameaça foi feita, minha senhora.

- Uma serpente visitando um ninho de pardais. - A deusa vociferou, batendo com tirso no chão e vendo os inimigos dando um passo para trás. - Ainda em busca de meu novelo, Rei das Cinzas?

Aëetes pareceu odiar a alcunha. 

Ele se apoiou na bengala e estudou-os com seus olhos dourados. A coroa acima de sua cabeça flamejou em um círculo perfeito de chamas brancas.

Você sabe que eu seria misericordioso se me desse de bom grado. Sabe que serei um rei justo. - a voz do feiticeiro, sozinha, fez o ar tremular de calor. Seus olhos viraram duas labaredas douradas imediatamente. Mitch engoliu em seco ao ver o sorriso presunçoso em seu rosto. -  Eu estou sendo razoável, sobrinha. Ceda o novelo e ninguém se machuca.

- Sua húbris não conhece limites. Você teve um reino próspero e destratou todos que encontravam sua ilha. Você foi punido com a traição da própria filha e do irmão usurpador, seu povo se perdeu e sua terra se acinzentou. - Ariadne proclamou, reluzindo de poder e arqueando as costas. Crisaor começou a sacar sua espada vagarosamente. - É somente uma criança que ganhou presentes demais e se convenceu de que merecia tudo!

Oh… - o Rei-Bruxo murchou seu sorriso em uma carranca, só para dar um sorriso mais cruel de repente. Seus pés deixaram o chão, ele flutuou até estar na altura da face da deusa. - Mas eu mereço!

Ariadne bateu o tirso no chão e torceu o nariz, já cansada do ar pomposo do rei. 

- A única coisa que você merece é um chute na bunda. - sua voz soou humana e despreocupada, mas retornou com um vibrato sobrenatural em seguida: - E é a única coisa que receberá!

Mitch, Hesper e Icarus fitaram um ao outro. 

E no segundo seguinte, Aëetes comandou: - Mate-os! Eu cuido dela!

Crisaor avançou contra o trio de heróis com passos pesados, o Rei-Bruxo avançou contra a Deusa com seu cajado em mãos.

Ariadne esturrou alto como um tigre, uma onça e uma pantera ao mesmo tempo. Um coral aterrador feito dos predadores que alguém menos gostaria de encontrar em uma mata fechada ou mesmo em um labirinto. O terror se espalhou pelo ar e o local se agitou com o poder da Deusa, fazendo todo o ambiente rodar, a luz se partir em fractais e tudo começar a se mover sozinho como quem arranjava pecinhas de um quebra-cabeça.

As paredes se liquefizeram e moveram, Aëetes se amparou no ar como pôde e se viu separado do seu guarda-costas, que estava vários metros acima e de ponta-cabeça, separado por fractais espelhados que se refletiam por toda parte, sem revelar quais dos reflexos eram os verdadeiros.

Um labirinto?! - perguntou o filho de Hélio, flutuando sobre a arena. Os reflexos mostravam Mitch e os demais enfrentando Crisaor, infinitas vezes. - Que engenhoso.

Ariadne, portando seu tirso e exibindo presas afiadas para o Rei-Bruxo, apenas disse: - Vamos dançar, querido!

O feiticeiro sacou sua caveira do broche e viu seus dedos se envolvendo em chamas douradas. Ele acenou com a cabeça e partiu para cima dela com tudo.

MITCH.


Notas Finais


*Música*
- Tema de Ariadne (The Cramps, What's Inside a Girl?) - https://open.spotify.com/track/1ASVp0nPr499UK44fpdBBd?si=3deea582030f452d
- O Rei e sua mão direita - https://open.spotify.com/track/1fSxP7kK1ThDgSu38mQTek?si=aee7cd0fd3a34203

*Glossário*
- Ariadne - A esposa imortal de Dionísio, originalmente uma princesa de Creta salva pelo Deus do vinho. Sincretizada com Libera, deusa itálica da fertilidade da terra, pelos romanos.
- Libera - deusa itálica/romana cultuada ao lado de Ceres e Liber (Baco), as vezes identificada como Ariadne, outras vezes como Perséfone. Seu domínio era o vinho, a fertilidade e liberdade.
- Leto - A mãe de Apolo e Ártemis, deusa titã da maternidade e do recato.
- Copo de Hélio - Um cálice e copo gigante que servia para o deus descansar depois de um dia sobre sua carruagem solar. Ele mergulhava nas águas do oceano e rumava para o outro lado do mundo. Aqui, na história, ele pode rumar para o Submundo seguindo o fluxo dos rios subterrâneos.

Bem, é isto: Ariadne vs Aëetes/O Trio de Desajustados vs Crisaor, quem vencerá?


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