Querido diário, eu odeio escrever em você. Não se preocupe, não é pessoal. A caneta estorou em cima das folhas que roubei da tal secretária, mas agradeci mentalmente por Sunhwa não ter visto as estratégias de eliminação da raça humana que anotei com minha mente brilhante.
Confesso que dormi um pouco com aquelas crianças e idosos ranhentas, mas porque o clima estava bom e o cômodo bem friozinho.
Vez ou outra sentia o olhar de Sunhwa sobre mim, não sabia decifrá-lo por mais que tentasse. Ela era uma fêmea esquisita, nem sequer meia hora a encarando me faziam entender o que se passavam em seus pensamentos.
Bom...
UM DIA ATRÁS.
— Posso testar mais uma coisa? Agora algo que somente humanos poderiam. — com a voz falhando, senti um suor frio tomar minhas mãos enquanto meus olhos mal se fixavam na menor. Eu queria saber se faria diferença. Se as sensações dentro de mim mudariam.
— O quê? — mais uma vez ela indagou em confusão.
— Isso. — tomando fôlego, segurei o rosto alheio em minhas mãos e fechei os olhos quando encostei meus lábios nos seus. O gosto não era de atum, nem dos melhores petiscos que já provara na vida. Era algo surreal. Um gosto doce, que me fez vibrar, sentir o estômago formigar e o coração bater bilhões de vezes por segundo sem entender o que estava acontecendo comigo.
Será que Sunhwa tinha carrapatos?
— Yah! — com a palma da pata - mão, tanto faz - retesada, a morena me empurrou no peito e arregalou os olhos. — Ficou maluco?!
Eu estava completamente atônito. Imóvel. Nem minhas orbes conseguiam focar a garota à minha frente. Ela recuou um passo atrapalhado e tossiu fraco. A vi massagear as têmporas, abaixando a cabeça e desistindo de falar toda vez que sua boca se abria para dizer algo.
— O hyung e a noona se beijaram! O hyung e a noona namoram! — cantarolando com um jeitinho dengoso e a irritante voz aguda de criança, Jae ecoou apontando para nós e dando sorrisinhos sugestivos. — O hyung e a noona vão ter bebês!
—Bebês? — foi a única coisa que consegui falar, e num murmúrio.
— Que pouca vergonha. — uma velha com rugas nos olhos, cabelos amarrados no topo da cabeça e uma áurea, digamos, enjoada, resmungou puxando a mão de Jae enquanto sacudia a cabeça negativamente.
ATUALMENTE.
...eu não podia julgá-la. Era por minha causa que ela estava ali, no gabinete da coordenadora. Ou pelo menos era isso que eu tinha entendido. Não sei se foi por conta dos carrapatos ou do selinho que roubei para ter certeza de que alguma coisa mudava em mim toda vez que me via perto da outra.
Um suspiro soprou pesado ao meu lado. Cabisbaixa, a de cabelos negros cutucava as unhas, mexia os dedos inquieta, murmurava desculpas esfarrapadas como "foi um mal entendido, o ângulo de sua visão estava propício a isso". Eu mesmo quase não entendi uma palavra sequer daquelas.
Desisti de tentar prestar atenção nela e oscilei o olhar pelo lugar. Tinha não mais que duas pessoas ali, além de nós dois. E um... aquário. Aquilo por acaso é um aquário cheio de...
— Peixes. — salivei, pressionando os lábios um no outro e passando a língua no local.
— Podem ir, vou terminar o registro por conta própria, obrigada. Disponha! — em sorrisos, uma mulher bem vestida se curvou para as outras duas pessoas que estavam ali e logo o lugar ficou vazio.
— Salmão? Não... Peixe-Palhaço?
— O que tanto sussurra? — Sunhwa cochichou, me fazendo olhá-la e engolir toda a saliva que tinha se acumulado em minha boca como num instinto de sobrevivência.
— Srta. Sunhwa? Por favor. — a mesma mulher de antes surgiu em uma porta. Dessa vez foi Sunhwa que engoliu em seco e fungou baixinho, se erguendo do banco de plástico e passando as mãos sobre as roupas meramente amassadas.
— Não vou demorar, fica aqui e quietinho, entendeu? — ela estreitou os olhos e me fitou de tal maneira que jurei ter um buraco bem no meio da minha cara. Coçei o focin... nariz, coçei o nariz só para garantir que meu rosto não tinha sido fuzilado. — Entendeu?
Assenti.
Sunhwa sumiu assim que a porta foi fechada. Um silêncio meio esquisito perdurou por longos segundos. Você não pode ir até o aquário, Yoongi, aquela comida ali não é requintada e de última qualidade; isso era o que meu cérebro de felino provavelmente estava dizendo para mim, ao mesmo tempo em que o meu cérebro humano dizia: nem pense nisso, você vai se meter em mais problemas.
A junção dos dois deu em "foda-se".
POV Sunhwa
Relaxa, Sun. Não vai dar em nada, será apenas uma advertência. No máximo uma suspensão. Só pense positivo. Talvez ela esteja com bom humor.
— Sunhwa-ssi? — no timbre enruouquecido pela idade, uma mulher robusta e séria me analisou por sob os óculos na ponta do nariz. Lá se vai a alternativa do bom humor.
— Sim, senhora. — me curvei em 90° graus.
— Ouvi sobre o que aconteceu no dia anterior.
— Sinto muito pelo mal entendido, o ângulo não foi propício e...
— Onde está o rapaz?
— Uh? — pisquei os olhos confusa ao ser interrompida.
— Seu namorado.
— Ele... não é meu namorado. É um colega. — firmei os pés no chão, deixando a postura o mais ereta possível. O nervosismo estava tomando de conta de todo o meu organismo. — Foi só um ângulo errado, num momento inoportuno. Sinto muito pela confusão.
A coordenadora Kim ficou em silêncio. Olhou para uns papéis em sua mesa, ajeitou o óculos que deslizara mais, e, enfim, me fitou com um pequeno sorriso no rosto.
— Deixarei passar dessa vez.
— Ahn?
— Trabalhar com crianças é algo delicado, principalmente na idade da sua turma, Sunhwa-ssi. Mas, é um trabalho de meio período e entendo que na sua fase os hormônios falam mais alto. Por lhe ter aqui há dois anos, sei que se comporta de modo satisfatório e íntegro, então, nada mudará. Apenas espero que faça o possível para não se repetir.
— Sim, claro. — curvei somente a cabeça.
— Ah, e sobre o rapaz, não sabia da contratação dele. Crianças disseram que ele passou o dia junto, como um assistente.
— Ele é recém-chegado de Daegu e tem só 18 anos, não podia deixá-lo só. Não vai acontencer de novo. — ditei quase que imediatamente.
— Não se preocupe. Contanto que eu não tenha que pagar um funcionário a mais que nem contratei, está livre para trazê-lo. As crianças o acharam divertido. — sorrindo largo após um riso baixo, a coordenadora Kim estendeu a mão em direção da porta. — Até segunda.
Eu ainda não tinha conseguido absorver tudo que acabara de ouvir da boca alheia. Respirei fundo e sorri pequeno, tentando mover o corpo sem parecer que estava cravada ali como um poste por minutos.
Mas, sair por aquela porta sem uma carta de demissão na mão foi revigorante. Puxei um suspiro de alívio desde os pulmões, o soltando com um sorrisinho bobo nos lábios. Aquilo merecia uma noite de soju e frango frito! Indispensável.
Em meio ao sorriso, prendi o ar quando me deparei com um moreno de pele alva ajoelhado na frente do aquário com um peixe alaranjado na mão esguia.
— Yoonnie? — abafei uma exclamação. O outro virou apenas a cabeça em minha direção, as íris negras exalavam uma inocência quase irreal assim como a expressão inócua que ele fez ao me ver. Um peixe prateado se debateu em seus lábios, e, no silêncio que prosseguiu, o maior lentamente foi aproximando a boca da beira do aquário cuspindo de volta o peixinho.
— Sun.
— Coloca eles de volta. Agora. — cruzei os braços, ele bufou revirando os olhos ao jogar os peixes que segurava nas duas mãos. — Os outros também.
— Não sei do que você tá falando.
— Yoongi, eram seis. Só tô vendo três. Anda.
— Aish. — enfiando as mãos nos bolsos da calça larga, ele tirou outros peixes se debatendo e os jogou na água. — Quando finalmente acho uma utilidade pra essa roupa infame...
— Sério que é você que vai resmungar com raiva enquanto eu que deveria fazer isso? — questionei, ele parecia nervoso e se entregou no olhar oscilante. Depois de alguns longos segundos em silêncio ele juntou as mãos atrás de si.
— Atum.
— Castigo.
Refutei, dando as costas para o moreno e andando até o corredor mantendo os braços cruzados na altura do busto.
— Yah, você prometeu!
— Prove. — sorri de canto.
— Aish, porcaria de raça humana sem palavra. — trincou os dentes, bufando.
— E se alguém tivesse visto você com um peixe do aquário na boca e outros enfiados nas roupas? Precisa ter mais cuidado. Ou quer que todos saibam, inclusive Jimin e Taehyung, sobre a sua "mudança corporal"?
— Buda que me livre. — ele fez careta.
— Então, é melhor ser mais discreto. Agir como humano. Não é difícil.
— Fale por si só. — resmungando, Yoongi suspirou pesado e deixou os ombros caírem. Um beicinho surgiu nos lábios a medida que ele emburrara o rosto pálido.
Enquanto caminhávamos nas ruas, olhares eram atraídos. Yoongi parecia um imã. Eu podia ouvir os cochichos que sinalizavam os elogios os quais eu logo concordava ao pôr as orbes mirando o perfil alheio. Entretanto, foi só meus olhos fixarem os lábios rosados para que um frio me tomasse o estômago e todas as sensações de tê-los colados aos meus voltassem como um flash, tornando minhas bochechas quentes.
— Ora ora, se não é a minha garota com o seu usado amante de quinta categoria. — uma risada soprada e um tom de voz familiar me fizeram cessar os passos bruscamente. Meus olhos viram o sorriso ladino no canto da boca do outro e minha audição captou o breve rosnar ao meu lado.
— Era só o que me faltava. — minha voz saiu soprada, um riso sarcástico tomou meus lábios. Virei o rosto impaciente e arregalei os olhos quando vi Yoongi levantar as mangas da camisa assumindo uma posição de luta com o rosto emburrado.
— Que bom que te encontrei. Vamos conversar sobre aquilo.
— Não temos o que conversar, Joon. Acabou, esqueceu? Vai embora.
— Eu que digo quando vai acabar.
— Não é possível, você com certeza tem problemas de audição. É de família? — cruzei os braços.
— Deixa de ser covarde, Sun. Você sabe que tudo foi culpa sua, ainda me bateu. Eu deveria ter te denunciado pra polícia por agressão, mas como sou sempre um cavaleiro, não podia deixar minha namorada ser presa, não é?
— Ela não é sua, muito menos namorada. Esse território agora é meu. — Yoongi ditou com o timbre rouco em tom ríspido, encaixando minha mão na dele e ficando a minha frente. — Devia poupar o tempo dos outros e ir se tratar em algum veterinário, os carrapatos devem ter sugado o seu cérebro pequeno sem querer. Vamos, Sun.
— O que disse?! Yah! Volta aqui!
A voz de Joon ficou ao fundo, cada vez mais longe enquanto, em passos largos e apressados, Yoongi me puxava por entre as pessoas na calçada. Eu fiquei tão avulsa que mal conseguia controlar meu próprio corpo, então o deixei ser guiado pelo outro até que finalmente voltei a lucidez.
— Você me chamou de território? — indaguei, o outro encolheu os ombros, dando a mínima. Uni as sobrancelhas e respirei fundo, sacudindo a cabeça de toda aquela confusão de palavras. — Você tá indo para o lado errado.
— Mas esse não é caminho da sua casa? Eu decorei.
— A gente vai passar em um lugar antes. Vou comprar soju, frango frito e... atum. Você merece. — sorri involuntariamente, o outro soluçou baixinho e tornou o rosto para o lado quando suas bochechas ficaram vermelhas.
¤¤¤
— Não bebe mais isso, não é uma boa ideia. — tirei a garrafa de soju de sua destra. Yoongi resmungou. Minha voz estava meio abafada, talvez as doses de álcool tenham sido demais.
Sem menos esperar, eu estava conversando com um gato que tinha virado gente bem debaixo da minha cama. É, não faz sentido nenhum, eu sei. Mas ele era fofo o bastante e charmoso o suficiente para que eu desse de ombros ouvindo ele contar que uma vez Jimin tinha deixado uma garrafa de rum em cima da mesa e ele a derrubou fazendo o líquido molhar a latinha de atum. Era a primeira vez que eu tomava um porre e falava com gatos. Principalmente o gato do vizinho bonitinho.
— Então você é de estimação, uh? — balbuciei, rindo a toa.
— Estimação é o caralho, sou gato selvagem, macho alfa! Ninguém me domina e... isso é bom. — ele fechou os olhos e delineou um sorrisinho bobo nos lábios quando fiz carinho em seus cabelos, logo depois em sua orelha. O moreno estremeceu.
Rindo, cambaleei para trás e cai atrapalhadamente de cima do sofá.
— Ei, tá tudo bem aí? — o outro se agachou ao meu lado e cutucou minha bochecha.
— Quero esquecer ele. — sem notar, meus pensamentos se voltaram para Joon. Meu sorriso esmoreceu e suspirei pesado. — O que eu faço, Yoongi-ah? Ninguém vai gostar de mim como ele.
O silêncio perdurou.
Mas, meio segundo depois, senti o calor alheio aquecer meu corpo, sua mão pesada deslizando sem delicadeza por minha tez debaixo da blusa, fazendo cada milímetro de minha pele se arrepiar com o toque repentino. Sua respiração soprou contra meu pescoço quando o moreno deixou ali um selar molhado seguido de uma mordida fraca.
Suspirei, um quase gemido querendo rasgar minha garganta.
— Yoonnie.
— Shhh. — num sussurro, ele roçou nossos lábios. As íris negras encontrando as minhas e as prendendo ali, extasiadas. — Não devia falar isso pra mim. Por algum motivo, me faz querer te ajudar e esquecer completamente de mim. Aish. Talvez seja tarde demais.
— Ahn?
— Eu... Sabe quando eu disse que você era um território? — assenti, e ele mordeu o canto de sua boca, olhando descaradamente para a minha. — Preciso fazer com que todos saibam que você agora é o meu território, Sun.
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