Menos de uma hora depois de recebida a mensagem, a picape de Theo chegou trazendo Scott e o corpo do rapaz, seguidos por Stiles e Lydia em outro carro. Theo não ficou, indo até a casa de Liam e acordamos Melissa para olhar Corey e constatar que ele estava morto há quase duas horas, não havia o que fazer por ele. Estranhamente o rapaz não demonstrava sinais de luta ou ferimentos aparentes. Também não possuía traços claros de envenenamento. Sem uma autópsia completa, era impossível determinar o que havia matado Corey Bryant.
Havia no ar um silêncio triste, nem mesmo Stiles que adorava falar tinha algo a dizer. Ele se sentia culpado pela morte do rapaz, pois ficara de mandar a localização de Titus e outro fizera isso primeiro, se passando por ele, o que significava que alguém da Purgo Sagrado estava infiltrado no FBI. Stilinski saiu para fora da casa falando ao celular, determinado a descobrir quem era e se livrar do problema. Eu estava na sala com Scott e Lydia, Melissa no quarto ao lado ainda examinando o cadáver – para uma enfermeira ela se virava muito bem, já que a alcateia não contava com médicos e legistas sempre que precisava – saindo logo depois para junto de nós, com olhar nada animado. Não conseguira de novo encontrar rastros do que havia matado o rapaz. Eu tive uma idéia bizarra e perguntei se podia dar uma olhada no corpo.
Comecei a despir Corey e todos me olhavam apreensivos. Deixei o rapaz totalmente nu, mas ninguém ali me contestou, estavam imaginando que tipo de loucura eu planejava. Levantei as pálpebras do jovem e seus olhos estavam esbranquiçados, cadavéricos, numa situação muito triste. Abri seus olhos ao máximo e permaneceram assim. Me afastei alguns passos para poder olhar os olhos dele e enxergar seu corpo nu ao mesmo tempo. Percebi que Corey não estava mais ali, era apenas a casca vazia do que um dia ele fora, mas ainda havia informações residuais que eu podia aprender, especialmente sobre seus últimos momentos de vida. Ele havia recebido animado a mensagem do falso Stiles e pegou uma carona com Mason para até duas quadras do beco onde fora morto, para não levantar suspeitas iria sozinho a partir daquele ponto. Ele seguiu invisível e eu acompanhei seus passos lendo aquela informação residual em seu corpo. Ficou sem saber o que fazer quando percebeu que o local marcado era um beco vazio e sem saída. Pegou o celular para falar com Stiles, mas um golpe lançou o aparelho longe. A última visão do jovem quimera foi Titus, de olhos fumegantes e mãos envoltas em um brilho acinzentado estranho e o som de alguma coisa ácida. Havia ainda um forte cheiro de enxofre no ar. As mãos do homem seguraram-no pelos ombros e eu entendi que, apesar de invisível, isso não o protegeu.
Abandonei a lembrança e me aproximei do corpo. Todos na sala observavam em silêncio ainda. Coloquei uma mão sobre o peito de Corey e com a outra, fechei seus olhos mortos de novo, colocando a palma da mão em sua testa. Com meu dom de cura, tentei encontrar o motivo de sua morte e senti como se ele estivesse oco. Um pulso de luz amarelada saiu de Corey para fora, depois de fora para dentro de seu corpo e ele teve um espasmo, comum em corpos que morreram com trauma. Cobri ele de novo com o lençol e encarei os presentes, cada qual com sua reação para o que eu havia acabado de fazer: Melissa com a boca meio aberta sem entender nada, Scott com uma cara de interrogação e tensão e Lydia absorta olhando no celular – lembrei que ela não deve ter presenciado a cena, já que não me enxergava, tudo que deve ter visto foi Corey ficando nu e tremendo sozinho – e me aproximei mais do meu alfa para lhe contar o que descobrira.
– A força vital dele foi retirada, sugada por uma criatura sobrenatural, o Titus.
– Então ele não é humano? – Scott perguntou só para confirmar.
– Acho que não – respondi sem ter cem por cento de certeza – quero te mostrar o que eu vi.
– Como? – ele perguntou enquanto Lydia ia para longe na sala, pois ver Scott falando sozinho a incomodava.
– Aquilo que Derek faz – eu havia lido isso quando me encontrei com ele no loft – com as garras, de ver as memórias.
– Não – respondeu McCall angustiado – o risco de morte é muito grande.
– Talvez para os outros – respondi convencido – mas não para mim.
Relutante, ele concordou e fomos para a sala. Lydia revirou os olhos e foi para o quarto. Melissa se sentou no sofá menor e eu no maior com Scott. Ainda meio ressabiado, ele ativou seus lindos olhos vermelhos de alfa e introduziu sua garra do indicador direito em minha nuca, seguido por outros dois dedos. Quase que instantaneamente, senti sua presença sedutora de alfa de uma maneira diferente, como se ele estivesse dentro da minha cabeça – onde normalmente ele sempre estava, mas o sentimento era diferente, invasivo, mas muito bom – e me vi flutuando com ele em imagens que passavam aceleradas querendo ser vistas. Tratei de afastar e trancar em uma sala virtual simbólica tudo que se referia a Derek, para preservar a intimidade dele e porque havia acontecido coisas entre nós que Scott não precisava ver. Me concentrei na informação mais recente que eu li sobre Corey e meu alfa presenciou a cena, vivendo a angústia de sua morte como acontecera comigo. Acabei mostrando também a leitura que fiz do que o havia matado e ele viu os brilhos luminosos sem significado que causaram aquele espasmo pós-morte no corpo do rapaz.
Senti as garras do meu lobão saindo de dentro de mim e a ferida fechando rapidamente – mais rapidamente do que já acontecia quando a ferida era feita por outra pessoa – e ele me encarou surpreso. Sorriu em seguida e eu me senti leve como o ar encarando aquele sorriso.
– Que incrível Gabriel – ele comentou – seus poderes são muito bacanas.
Contamos os detalhes à Melissa para que não se sentisse excluída e ficamos ponderando sobre o que Titus seria. Stiles entrou na sala vindo da cozinha, onde estava falando com sua namorada.
– Então o namoradinho de lobo descobriu alguma coisa?
Scott olhou feio para o amigo e Melissa sorriu. Eu não gostei muito, não pelo apelido em si, mas pela maneira que ele falava, como se estivesse me diminuindo. Não respondi e não consegui sorrir, foi meu alfa quem respondeu:
– Dá para parar com esse apelido?
– Eu e Lydia vamos viajar amanhã bem cedo – ele respondeu ignorando a indignação do amigo – quero resolver logo esse negócio de infiltrado na minha equipe. Acho que em três ou cinco dias a gente volta, vou trazer algum equipamento do FBI para ajudar nas vigilâncias ao Nemeton também.
– Corey foi sugado por um vampiro – Melissa contou para Stiles, do jeito dela de compreender o sobrenatural e todos riram.
– Parecia mais um demônio – Scott disse – sentiu aquele cheiro de enxofre?
Confirmei com a cabeça sem dizer nada. A presença do Stiles ainda inibia minha vontade de falar abertamente. Decidi que isso não ficaria assim e me levantei.
– Preciso falar a sós com Stiles, pode vir comigo até a varanda? – perguntei já me dirigindo a porta, deixando meu alfa sem entender bem o que acontecia.
– Eu tenho que preparar a viagem de amanhã cedo – ele retrucou, sem querer me dar a chance de conversar francamente – não temos o que falar que meu melhor amigo não possa ouvir.
– Vem comigo um instante, qual é – me fiz de ofendido – você não pode ficar longe de um lobão peludo, é isso?
Sai para a varanda ao dizer isso, deixando Stiles muito branco e sem ação. Segundos depois ele veio conversar comigo.
– O que foi aquilo? – ele sussurrou, sabendo que Scott estaria ouvindo com sua super audição.
– Você não queria falar comigo a sós, desculpe, tive que apelar.
– Achei que você fosse só um babaca – ele disse com raiva, ainda falando bem baixo – mas é um babaca chantagista!
– Eu não ameacei você de nada. Só queria pedir para parar de me chamar de namoradinho de lobo. Não é um nome tão feio, mas a maneira como você diz deixa claro que não gosta de mim.
– E se eu não gostar? Vai espalhar coisas a meu respeito para o bando todo?
– Não – respondi sinceramente – mas vou ficar triste, porque vou saber que você não quer ser meu amigo, enquanto tudo que eu quero é sua amizade. De verdade.
– Amigos não invadem a privacidade dos outros como você fez! – ele parecia incomodado.
– Nem tentam diminuir os outros com apelidos depreciativos. – retruquei.
– Que tal a gente começar de novo? – ele suspirou, parecia sincero.
– Que tal um novo apelido e um novo tom? – Sugeri com um sorriso.
– Eu vou pensar em algo – ele respondeu sem fazer questão de falar baixo agora.
– Eu queria me desculpar com você – falei.
– Pelo que? Eu que tenho sido um idiota contigo.
– Por fazer você sabe quem sofrer – evitei dizer o nome, caso Scott estivesse escutando.
– Ah, tá tudo bem – Stiles disse sem graça – acho que isso também é culpa minha. Se eu não tivesse viajado com a Lydia, tudo seria diferente.
– Eu não sou ninguém para te julgar – tentei confortá-lo já que parecia bem triste – mas acho que você devia fazer o que te deixa mais feliz.
– Esse é o problema – ele disse se aproximando e tão baixo que eu quase não ouvi – eu amo os dois.
– Complicado – falei com um sorriso amigável – muito complicado. Se quiser conversar sobre isso a qualquer hora, é só dizer.
Stiles me deu um abraço apertado. Ficamos assim por quase um minuto e eu percebi como isso o estava matando por dentro, deixando-o mais azedo do que de costume. Stilinski não era assim. Apesar de ter se tornado agente do FBi, nunca perdera seu jeito jovial e alegre. Acabei de conhecê-lo de verdade e mudei o nome do contato dele no meu celular.
– Já terminaram? – Scott perguntou invadindo a varanda.
– Você estava bisbilhotando cachorrão? – Stiles devolveu com um sorriso.
– Claro que não, mas estava ficando com ciúmes já. Dos dois – ele riu – me deixando de fora assim das intrigas.
Ele abraçou Stiles e a mim ao mesmo tempo e fomos para dentro da casa, onde Melissa fazia um chá e falava pelo celular com alguém que todos já sabíamos quem era.
– Vocês querem chá? – ela perguntou tentando disfarçar que ficara vermelha com a nossa chegada.
Eu preferia café, mas um chá também estava bom naquele frio. Precisava tirar da cabeça a morte de Corey e ficava repetindo para mim que ele não sofrera muito, coitado. Mason chegou nesse momento e vê-lo com aquela cara chorosa me causou um aperto horrível no peito e fiz um esforço enorme para não chorar também enquanto ele abraçava Scott, depois Melissa, indo com ela ver o corpo de seu namorado. A cena foi meio angustiante, difícil de descrever. O jovem negro estava agarrado ao corpo, se culpando, chorando baixo e tremendo muito. Notei uma fumaça preta em forma de névoa se soltando aos poucos de suas costas e olhei para os demais, mas ninguém havia notado pelo visto, então não falei nada. A mãe do alfa genuíno tentava consolar o rapaz e ela era muito boa nisso, pois ele largou o cadáver e ficou abraçado a ela chorando. Eu e Scott fomos para a sala, Lydia e Stiles foram se preparar para a viagem e ficamos acordados até que finalmente Mason adormeceu no sofá da sala. Conversamos sobre o dia seguinte, quando renderíamos Liam e Derek na vigília ao Nemeton as seis da tarde e fomos dormir quase amanhecendo e não havia clima para outra coisa essa noite.
Acordei bem cedo com um alvoroço na casa e o relógio marcava quinze para seis da manhã. Não dormi quase nada e queria ficar na cama, mas meu alfa não estava mais lá, então me levantei e fui até a cozinha de onde parecia vir o barulho. Fui surpreendido por Mason que me abraçou forte chorando e eu percebi o motivo para tanta emoção ao olhar em volta: Melissa examinava Corey sentado à mesa da cozinha, de onde ele me recebeu com um enorme sorriso, enquanto Scott conversava ao celular na varanda, parecendo bem exaltado e alegre.
– O que aconteceu aqui? – perguntei sem entender bem. – Bem vindo de volta Corey – completei deixando claro que minha surpresa era boa.
– Ele simplesmente acordou – falou Melissa finalizando os exames no garoto – desisto de entender o sobrenatural, vocês não respeitam nada da medicina! – Ela estava exasperada, mas dava para perceber que também ficou feliz com a volta de nosso quimera invisível.
– Depois que eu encontrei com aquela coisa – Corey começou a contar – uma onda de vertigem tomou conta de mim e tudo ficou escuro. Ainda me lembro da sensação de ser absorvido, é uma coisa horrível. Depois disso me lembro de flutuar em um lago de luz amarela e sentir uma mão sobre meu peito e outra em minha testa – ele me olhou analisando minha reação – que me trouxeram força. Me senti compelido a viver, e tentei me sentar. Demorou um pouco para conseguir me levantar, a cada tentativa, mais daquela luz amarela preenchia meu corpo e me dava forças.
– Tenho certeza que foi você – disse Mason todo trêmulo, entre um misto de choro e riso.
– Você tá bravo porque eu deixei ele pelado? – Perguntei zuando e Mason negou com a cabeça, incapaz de falar e conter a felicidade que o preenchia naquele momento. Ele começou a beijar Corey e eu dei uma desculpa para deixá-los a sós. Fui até a varanda onde Scott acabava de desligar o celular e me olhou incrédulo.
– Foi você! – ele também disse a mesma coisa – Você pode ressuscitar os mortos?
– Eu não sei se fui eu – respondi dando de ombros – mas que bom que ele tá vivo não é?
– Eu queria pegar você agora e levar para o quarto – falou meu alfa tirando meu fôlego com um beijo – mas temos muito o que fazer! Quero que tudo saia perfeito na nossa vigilância hoje.
– Você sabe que é uma noite de trabalho não é? – provoquei – e ele me deu outro beijo de cortar a respiração.
– Tudo vai ser bem tranquilo lá – Scott respondeu feliz – tem sido assim todas as noites, acho que Titus não sabe onde fica o Nemeton ainda.
– E quanto aos acampamentos dos caçadores do seu padrasto?
– Ei, não fala assim, é estranho! O que tem os acampamentos?
– Você disse que eles cercaram o Nemeton, isso não vai meio que mostrar onde fica a árvore para alguém esperto o bastante?
– Pensei nisso também – disse meu alfa sorridente – e Argent me garantiu que os acampamentos ficam bem longe do Nemeton o que dá uma área enorme para ter que procurar. A árvore também só aparece para quem é ligado de alguma forma ao sobrenatural, ela consegue se ocultar no meio das outras.
– Uma árvore inteligente – falei brincando – quem diria.
– E com essa distância toda entre o Nemeton e os acampamentos – Scott falou com um sorriso safado – vamos ter toda a privacidade do mundo.
Eu mal podia esperar para que a noite chegasse e hoje seria noite de lua cheia.
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