Conversamos por mais um tempo com o druida, chefe e amigo do Scott e ele concordou que aquilo que descrevemos ter atacado Lydia, era um espectro da morte. Nunca havia encontrado com um, mas já tinha ouvido falar que eles não podem ser vistos a olho nu, atravessam objetos sólidos e matam suas vítimas sem que ninguém saiba como aconteceu. Por causa dessas criaturas, no passado, a tramazeira havia sido estudada e usada como barreira sobrenatural, bem como foram criados também diversos tipos de amuleto, como o dente de ômega, o olho de coruja e a garra negra. Resolvemos não perguntar sobre os artefatos que Alan citara porque não era pertinente no momento e já estava ficando tarde. Quando nos despedimos para retornar a noite já havia caído.
Na garupa da moto de meu silencioso e pensativo alfa genuíno, coloquei a mão sobre seu peito para sentir seus batimentos cardíacos, imaginando que estariam acelerados, mas Scott permanecia calmo como sempre. Sua cabeça, no entanto, com certeza martelava as preocupantes informações que Deaton nos havia passado. Trouxemos uma boa quantidade de cinzas da montanha para proteger a casa, uma vez que eles estavam atrás de Lydia, mas poderiam querer ferir o resto do bando também. Teríamos a difícil missão de convencer a banshee a ficar na casa, o que poderia não ser nada fácil sem a ajuda de Stiles que chegaria apenas no dia seguinte. Ainda com a mão no peito do Scott, percebi quando seus batimentos se intensificaram e ele quase perdeu o controle da moto, acelerando ainda mais o veículo, ansioso para chegar em casa. Como não era muito longe, avistamos aquela cena espantosa logo na próxima curva da rua.
A varanda do lado esquerdo da casa estava parcialmente destruída e o primeiro andar – do lado em que ficava o quarto do Scott e o de hóspedes – ameaçava cair com a debilidade da estrutura que parecia ter sido atingida por uma granada. A árvore que servia de cobertura estava caída e os arbustos arrancados como se um vendaval os tivesse atingido com toda força. Ele acelerou ainda mais enxergando o que eu só consegui ver quando nos aproximamos: Derek com Theo nos braços desfalecendo, Liam estirado no chão e Melissa aplicando alguma coisa no nariz de Lydia tentando acordá-la, sendo a banshee e a dona da casa, as únicas que não possuíam sangramentos e o alfa Hale, embora ferido, o único do bando que estava consciente.
Saltei da moto assim que ela parou e fui depressa até Liam, que parecia o mais machucado. Uma poça de sangue já se formava em volta de seu corpo, mas por sorte ele ainda respirava. Com um toque que durou alguns segundos, consegui acelerar seu processo natural de cura lupina e ele se sentou acostumando-se de novo em estar vivo. Enquanto Scott auxiliava Melissa na tentativa de acordar Lydia, como ela não demonstrava ferimentos aparentes, fui até Derek e Theo, curando rapidamente o quimera da mesma maneira que fizera com o beta. No momento em que tentei tocar o alfa Hale para ajudá-lo, ele se afastou recusando, dizendo que sua cura era o bastante para si, apesar de ter o braço direito muito cortado e parte das costas expostas e sangrando, provavelmente por conta das garras afiadas dos inimigos que causaram aquilo tudo.
Lydia despertou em seguida e me olhou com estranheza, não totalmente acostumada a me enxergar. Reclamou de fortes dores na cabeça e perguntou se todos estavam bem. Melissa contou que fora pega de surpresa pelo estrondoso grito da banshee, responsável pela destruição de parte da casa e quando foi até a janela, Derek, Liam e Theo estavam no jardim enfrentando cerca de quinze homens mal encarados, que ela sabia serem sobrenaturais, pelas garras, olhos e a maneira como se moviam, rugiam e mostravam os dentes. Os que fugiram haviam carregado os corpos dos que foram derrotados, mas ninguém do bando sabia dizer porque desistiram da luta, enquanto estavam vencendo e em maior número.
– Vampiros! – Liam falou sem acreditar. Achei que isso nem existisse.
– Havia alguns lobisomens também – disse Derek segurando o braço machucado que se regenerava bem lentamente – e eles não eram de nenhum tipo conhecido. Porque você destruiu a casa? – ele perguntou voltando-se para Lydia.
– Havia aquelas sombras, várias delas. Começaram a produzir um som horrível que estava esmagando meu cérebro. O grito foi involuntário, desculpa pela casa. – Essa última parte ela direcionou para Melissa.
– Está tudo bem querida – ela mentiu, sendo amável como sempre – nós vamos reconstruir.
– Eu posso ajudar – sugeriu Derek.
– Não é necessário – respondeu Scott orgulhoso.
Revirei os olhos imaginando porque esses machos alfas tinham sempre que querer fazer e resolver tudo sozinhos. Troquei um olhar cúmplice com a mãe do líder da alcateia e não dissemos nada na hora para não gerar discussões inúteis.
Enquanto Derek, Scott, Theo e Liam escoravam o primeiro andar para que a casa não desabasse até de manhã, eu, Lydia e Melissa começamos a organizar a bagunça e preparar algo para beber. A banshee queria chocolate quente já que estava frio, a dona da casa preferia chá e eu precisava muito de um café preto forte e doce, então acabamos fazendo as três coisas.
– Nós três resolveremos a questão da reconstrução – disse Lydia.
– Não é necessário, o ataque não foi sua culpa – contestou Melissa.
– Em parte é minha culpa também – falei meio sem jeito.
– Beacon Hills sempre teve problemas sobrenaturais – a dona da casa completou – e esse não será o último.
– Eu moro aqui, trouxe meus problemas para vocês e faço questão de ajudar – falei com firmeza – não abro mão disso de jeito nenhum.
– Eu também sou parte dessa alcateia ou não? – Lydia se fez de brava – se me negar isso, seria como se me excluísse – ela abaixou os olhos e murchou a boca em uma falsa expressão dramática.
Caímos na risada depois dessa e Theo e Liam chegaram, entrando juntos na cozinha, atraídos pelo cheiro bom do que a gente tomava e se sentaram em duas das seis cadeiras que ainda estavam vazias à mesa da cozinha, ficando um do lado do outro, bem próximos.
– Scott foi pegar umas roupas dele para o Derek e ajudar com os curativos – Liam disse como se respondesse a uma pergunta não feita.
– Ele é mais teimoso e cabeça dura que o próprio Scott – comentou Theo – estou espantado e impressionado com seu dom Gabriel, achei que eu fosse morrer – ele completou alegre.
Fiquei todo sem graça e comecei a ruborizar, então, Melissa, que havia se levantado para colocar alguns copos na pia, me abraçou e apertou minhas bochechas imitando uma daquelas tiazonas que toda criança adora evitar.
– Ooouunnt, meu genrinho salvou a noite!
Fiquei ainda mais sem jeito, feliz por todos estarem bem, mas morrendo de vergonha por terem feito de mim o centro das atenções. Scott entrou na cozinha e se serviu de café – acho que para me agradar porque ele não parecia gostar tanto – e Derek veio logo atrás, parecendo um gogoboy, com os músculos quase explodindo a camiseta que Scott lhe emprestara e era um número menor que o dele. Não pude deixar de notar também a calça apertada revelando bem mais do que ele com certeza queria exibir, razão pela qual o Hale estava muito vermelho. Todos disfarçaram e pararam de olhar enquanto Melissa foi até o rapaz averiguar o curativo que Scott tinha feito em seu braço direito.
– Você está muito machucado – ela comentou – talvez devêssemos ir até o hospital.
– Eu me curo rápido – Derek respondeu passando os olhos por mim e desviando para evitar contato direto prolongado – amanhã estarei novo em folha. É melhor eu ir indo, ver como Laura está.
Coloquei o copo sobre a mesa, caminhei rumo ao outro cômodo e ao passar perto de Derek, fingi um tropeção e ele não conseguiu deixar que eu caísse no chão, me segurando com velocidade e me olhando com preocupação. Segurei firme na divisória de seus braços e usei meu dom de cura para restaurar suas feridas. Percebendo o truque, ele me largou e eu quase caí de cara, mas valeu a pena. Derek foi embora bufando emburrado por eu o ter enganado, mas fiquei feliz em ter impedido que seu sofrimento se prologasse desnecessariamente. Depois do silêncio constrangedor que a cena causara, todos caíram na gargalhada.
Scott aproveitou a reunião não planejada e repassou as informações que o druida nos dera. Melissa estava horrorizada com a constatação da existência de demônios, mesmo que fossem apenas três deles. Todos no bando, em diferentes graus estavam preocupados com isso, inclusive eu, que nunca gostei nem mesmo de falar esse nome, influenciado pelo que os mais velhos ensinavam no lugar onde cresci até meus doze anos de idade. Lydia me agradeceu por ter melhorado sua visão e se desculpou insistente por quase ter me matado antes, embora isso não fosse necessário. Ela disse que sentia como se uma venda tivesse sido tirada de seus olhos e que agora não era totalmente dependente de sua audição apenas. Comentou também que sentia suas cordas vocais mais vibrantes e potentes do que nunca e reparamos que sua voz estava mesmo mais alta e estridente do que o normal.
Theo sugeriu rastrear e caçar os indivíduos que atacaram a casa e Liam concordou com animação, mas Scott disse que iria cercar a casa de tramazeira essa noite e que todos, inclusive Lydia, dormiriam no mesmo cômodo, em colchões, até que amanhecesse o próximo dia.
– Isso não é um pouco exagerado? – insistiu o quimera.
– A gente consegue lidar com alguns sanguessugas e lobos do mal – completou o beta sorrindo.
– Esse exército é apenas parte do problema – Scott explicou preocupado – estamos enfrentando algo novo, que assusta até um druida experiente como Deaton, não podemos nos dar ao luxo de correr riscos desnecessários.
– Quando eu gritei – Lydia comentou parecendo feliz – todas as sombras se dissolveram como se não fossem nada, então acho que posso lidar com elas.
– É por isso que você é o alvo – explicou o alfa genuíno – seu poder como precursora da morte afeta o exército com muita eficiência, mas também pode matar os demônios ou expulsá-los dos corpos que eles possuem. Não vão parar de perseguir você até que consigam...
Ele não terminou a frase, mas vi um nó se formar na garganta da jovem ruiva e ser engolido em seguida. Acho que ela não contestaria o plano do nosso líder, pelo menos não por essa noite.
– E quanto a você, meu amor – tomei um susto quando ele se virou para mim e me chamou assim pela primeira vez, me deixando ainda mais vermelho – praticamente impediu a destruição da alcateia, então será visto como alvo prioritário também.
Experimentei o sabor do mesmo nó que Lydia havia engolido, mas me sentia seguro olhando para Scott de pé, dando as diretrizes e planejando tudo com tanto cuidado. Acabei sorrindo e me acalmando mais, ficando menos vermelho e menos envergonhado também.
– Eu já liguei para Corey e Mason, eles vão se proteger com tramazeira essa noite – Scott continuou – e tenho certeza que Derek também fará isso para garantir a segurança de sua irmã. Pela manhã elaboraremos algo mais cuidadoso e definitivo, assim que eu reconstruir a parte da casa que está quase caindo, logo depois de voltar da clínica.
Troquei um olhar cúmplice discreto dessa vez com Lydia, já que eu, ela e a mãe do Scott já tínhamos decidido resolver isso por nossa conta e como ele teria que trabalhar de manhã, quando viesse almoçar a reforma já estaria bem adiantada. Tenho certeza que não ia gostar de atravessarmos na frente de seu plano, mas ele precisava entender que nem tudo tinha que ser resolvido por ele, já que podíamos ajudar com mais facilidade, dados os nossos recursos e tempo disponível. Fechamos o círculo em volta da casa usando as cinzas da montanha, colocamos todos os colchões no quarto de Melissa que era o maior da casa e fomos todos descansar um pouco naquele fim de noite. Apesar de não podermos ficar íntimos no meio de tanta gente, era bom demais dormir agarradinho em meu jovem alfa genuíno e o sono veio gostoso e tranquilo apesar de tantos problemas.
De manhã bem cedo, logo que Scott saiu para trabalhar na clínica, o material e a mão de obra da reconstrução chegou bem rápido, graças ao talento de Lydia em ser exigente e eloquente. Theo e Liam resolveram ajudar para acelerar o trabalho e Melissa foi para o hospital depois de garantir sua parte na obra – eu e Lydia não deixamos que ela gastasse muito, apesar de ela querer exatamente o contrário – e os trabalhos iam de vento em popa, com expectativa de terminar ainda hoje. Derek chegou acompanhado de Laura e eu a cumprimentei com um sorriso, beijando os dois lados de seu rosto bonito. O alfa Hale foi dar palpite e ajudar na reconstrução evitando ficar perto de mim por mais tempo, enquanto Lydia ligou para Stiles averiguando quanto ele levaria para voltar – pelo visto aquele gelo não ia acontecer tão cedo – pensei observando a banshee ao celular.
– Você – disse a jovem Hale me olhando com astúcia – achei que seríamos família em breve, o que aconteceu?
– Derek está sofrendo muito? – perguntei me sentindo extremamente culpado, uma pontada machucando meu coração.
– Ele vai superar – ela disse sem sorrir – quando te contar toda a verdade, eu acho.
Me peguei morrendo de vontade de perguntar o que era, mas sabia que Laura não revelaria nada do irmão, principalmente sobre esse assunto, que ele deveria resolver sozinho. Conversando com um e outro, fazendo uma coisa aqui e ali, a manhã passava bem rápido. Em determinado momento ao mexer no jardim dos fundos, me vi sozinho com o jovem Derek que buscava água para a construção. Ele começou a se afastar rápido, mas eu falei, fazendo-o parar.
– Até quando vai fugir de mim? Temos que conversar!
Derek se virou com olhar agressivo, respirou fundo e respondeu tentando parecer calmo:
– Já falamos tudo que tínhamos para dizer um ao outro.
Não era bem verdade. Havia muito que eu queria conversar e pelo que Laura deixou escapar, não tinha me permitido ler toda a verdade, nem me contado tudo. Mais importante que isso, eu achava que podia ajudar com meu dom sobrenatural na questão de ele estar preso por um ritual místico estranho no corpo de sua versão adolescente.
– Vamos resolver isso de uma vez pedi. – Ele não respondeu, mas parou colocando os baldes cheios no chão.
Era mais uma vez, hora da verdade entre nós dois.
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