Depois de uma noite como aquela, apesar de Elliot ter acordado várias vezes, já não me incomodava mais o fatídico pedido de casamento inusitado e inconveniente. Quando me toquei de que havia dito não, como se fosse algo horrível me casar com Scott, uma tristeza ruim se apossou de mim e fiquei mau humorado logo pela manhã, depois que ele saiu para trabalhar. O danado do moleque dormia a manhã toda, ao invés de dar sossego de madrugada aos seus pobres pais inexperientes. Inventei um embrulho de colchas e plástico para que Melissa pudesse segurar meu filho um pouco na hora de seu almoço e a obriguei a usar luvas, já que não parava com aquela mão ansiosa que insistia em brincar com a criança. Acabei tendo que fazer a comida, já que ela não desgrudava do menino nenhum instante e eu morria de medo da mulher passar dos limites e tocar a pele dele, apesar de que também me derretia vendo a interação entre avó e seu objeto de adoração.
– Quem diria, eu já sou avó. – Ela repetia a todo momento.
– Já tinha desistido quando Scott escolheu um cara ao invés de uma garota? – Provoquei.
– Vocês iam ter que adotar, nem que eu tivesse que obrigá-los. É um sonho do qual não abro mão. Me saiu melhor que a encomenda, agora eu tenho um mini Gabriel e mini Scott, meus dois filhos em um único serzinho incrível.
– Você merece, é uma pessoa incrível – falei sinceramente.
– Você também Gabriel, apesar de tudo que aconteceu, acabamos ganhando essa coisinha linda de vovó.
De fato, olhando agora para meu pequeno herdeiro de alfa genuíno, eu não teria mudado nada do que aconteceu, nem desejado nada diferente. Tudo estava perfeitamente bem, não fosse o fantasma de Álvaro rondando meus pensamentos.
– Amanhã é véspera de natal – lembrei e ela me olhou surpresa.
– Nos últimos anos Scott passou na casa do Stiles e eu acabei dando plantão. Nós nem fizemos decoração. O pai dele não dá as caras sabe, é complicado.
– Vai ser meu primeiro natal desde meus doze anos – falei enquanto mexia uma panela quente – e tem outra coisa, nada importante, mas queria poder comemorar.
– Ah, Gabriel, me perdoa – ela disse sem graça – eu marquei plantão na véspera e no natal. Sabe como é, precisando manter o emprego com tanta coisa acontecendo.
Se ela achava que eu havia desistido por isso, estava muito enganada. Ainda tinha um trunfo na manga. Pelo pouco que li sobre Chris Argent, ele sempre comemorava o natal com sua família falecida e agora que tinha uma nova família, sabia que existia dentro dele o desejo de reviver aquilo. Só precisava achar um jeito de chegar até ele sem ser invasivo. Scott veio para o almoço e logo depois o caçador também chegou. Coloquei Elliot no carrinho deixando-o entre mim e meu alfa, sentados em cadeiras próximas na diagonal.
– O trabalho hoje na clínica foi intenso. – Scott disse com um sorriso feliz – Uma família nova na cidade foi até lá e eles tinham oito cães. Nunca tinha visto algumas daquelas raças.
Fiquei com uma pulga atrás da orelha por ver ele tão alegre por conta de trabalho. Eu sei que gosta do que faz, mas parecia estar tentando disfarçar a alegria por outra razão e não era só por causa de nosso bebê. Tentei ler seus olhos em vão já que ele ainda era imune a esse meu dom.
– Amanhã é véspera de natal – Chris comentou olhando para a esposa – o que vamos fazer sobre isso?
– Eu vou trabalhar amanhã e depois, de tarde e à noite – Melissa disse se desculpando – não tinha pensado em fazer nada.
– A gente nunca faz nada – Scott disse trocando um olhar significativo com o padrasto – no ano passado eu passei na casa do xerife e dona Melissa trabalhou, para variar.
– Trabalhar na noite de natal? – Resmungou Chris – isso não é correto.
– Eu vou comprar uma árvore já já – falei sem pedir permissão pra ninguém – e vou decorar a casa toda. Não tenho um natal desde os doze anos. Quero pelo menos ficar sozinho em um lugar bonito.
– Sozinho não – disse meu alfa me beijando e sujando minha bochecha de comida – eu vou estar com você.
– Olha, estou me sentindo a vilã da história – a mulher se pronunciou meio sem graça, mas sorrindo – não devia ter marcado tantos plantões, mas agora é tarde.
Era o sétimo dia de vida de Elliot. Ele havia nascido na noite do dia 16 de dezembro e já estava grande como se fosse bem mais velho, embora eu ainda me lembrasse do jeito quase morto que o encontrei no hospital. Meu principezinho sorria feliz em seu carrinho e seu pai não sabia se almoçava ou se brincava com ele. Nunca tinha visto uma criança deixar os adultos tão babões quanto meu filho. Até o caçador se derretia por ele, mesmo tentando se manter como o machão centrado na maior parte do tempo.
Meu telefone tocou insistente durante o jantar e eu saí da mesa para atender, o que não é muito educado, mas como era Lydia e ainda não tínhamos falado com ela sobre o bebê, acabei abrindo uma exceção, pedindo desculpas e indo conversar com a banshee na varanda.
– Gabriel – ela disse urgente, a voz gritada e chorosa – me perdoa.
– Claro – falei revirando os olhos – assim que eu souber por qual motivo.
– Eu fui rude com você no nosso último encontro, não tá lembrado?
– Vagamente – respondi sincero, ainda feliz que ela tinha ligado – sei que estava com problemas com seu namorado então nem levei muito a sério.
– Vou te levar um presente depois do natal, como pedido de desculpas.
– Traz pro Elliot, ele vai gostar de conhecer você?
– Quem é Elliot? Não me diga que Scott está aumentando a alcateia só porque fizemos uma viagenzinha.
Liguei para ela de novo em vídeo chamada e levei o celular até a cozinha para mostrar meu filho. Scott brincava com ele de pé, Chris tirava a mesa e Melissa sorria com a cena, tomada pela vontade de poder fazer o mesmo. A banshee deu um gritinho de alegria vendo aquilo e não conseguimos explicar nada para ela no momento. Ela interrompeu a ligação bruscamente, dizendo que ligava de novo ainda hoje, mas teria que ser para meu alfa ou sua mãe, já que minha bateria estava no fim. Coloquei o aparelho para carregar no quarto e depois que Elliot se alimentou – o que ainda me causava certo desconforto de ver – o coloquei para dormir e ficamos na sala conversando. Estava frio e Chris convenceu a dona da casa a ir no quarto pegar um casaco que ele havia lhe dado de presente, sob o pretexto de mostrar para nós, mas assim que ela se deu por vencida e foi buscar a peça de roupa, ele falou rápido que nós tínhamos que combinar o natal e que não iria passar aquela noite importante sem a mulher que amava. Daria um jeito de trazê-la para casa e nós ficaríamos responsáveis por preparar o resto.
O telefone de Scott tocou e eu achei que seria Lydia ligando de volta, mas era Deaton que acabara de chegar e eles tinham combinado de se encontrar. Tentei ir junto, mas ele disse que voltava logo e preferia ir sozinho dessa vez. Sabia que estava aprontando alguma com a ajuda do druida e decidi que o visitaria pela manhã. Não conseguia ler meu namorado, mas o veterinário não tinha essa regalia. Ia descobrir tudo no dia seguinte. Melissa voltou logo enquanto Scott saía elogiando o casaco e não tivemos muito tempo de planejar as coisas, mas eu estava feliz com a cumplicidade do caçador nisso, pois tornaria tudo muito mais fácil.
A luz acabou, deixando a casa no escuro de repente e o homem sacou a arma – ele parecia estar sempre armado – dizendo para ficarmos na sala e saiu vagando pela casa como se tivesse ouvido alguma coisa. Olhei pela janela e percebi que a escuridão total era apenas em nossa casa, o que significava que Scott não havia percebido aquilo. Um aperto no coração me fez correr desesperado para o quarto e quando cheguei lá, tateei apavorado até o berço vazio de meu filho. Soltei um grito angustiado ainda perdido naquela estranha escuridão. Ouvi passos apressados na escada e o casal chefe da casa entrou chamando meu nome. Ainda sem enxergar nada, disse as palavras que temia desde que descobri que tinha um bebê.
– Levaram meu filho!
Fiquei em estado de choque. Mesmo a névoa negra se dissipando, tudo ainda parecia escuro, meu cérebro se recusava a pensar e acreditar naquilo. Queria segurar meu menino nos braços, abraçar meu alfa, chorar, gritar, matar alguém. Me amaldiçoei por ter curado o câncer de Álvaro pois sabia que a culpa disso certamente seria dele. Argent fazia ligações e organizava buscas com os caçadores e eu continuava estático, incapaz de sair diante de seu berço, mesmo com os apelos desesperados de minha sogra. Nada parecia fazer sentido. Não sei como algo podia doer tanto, não imaginei que amasse aquela criaturinha de tal forma. Algo se agitava dentro de mim, calor, raiva e luz.
Só consegui me mover quando Scott me chacoalhou, retornando da visita ao druida. Ele estava furioso e agoniado como eu e começou a reunir a alcateia para uma busca urgente. Tomado como nunca pela força da vida que fluía em meu corpo e o calor novo que aquilo me trazia, não pretendia esperar tanto. Olhei para Chris Argent que nos observava preocupado, consolando Melissa apoiada em seu peito, enquanto meu alfa ligava para um e outro com urgência e desejei que ficassem bem.
Focalizei minha mente em Phillip, o vampiro inglês responsável pela névoa e a luz amarela tomou o quarto me levando a um beco no sudeste de Beacon Hills, onde o rapaz conversava com as duas vampiras que ainda lhe seguiam. Surpresos inicialmente, logo se precipitaram sobre mim. Cada uma delas segurou um de meus braços enquanto o rapaz se aproximava com um sorriso maldoso e eu encarava seu olhar sinistro.
– Você é surpreendente, como Mcallister me disse – falou sorrindo vitorioso – mas chegou tarde, como eu previa.
– Você não pode voar – falei concluindo a análise que fiz em seus olhos.
– O que isso tem a ver com a sua situação complicada? – Phillip disse em meu ouvido, já com as presas a mostra, pronto para me drenar.
Com um pulso fraco de luz amarela, me libertei da pegada das duas vampiras, mas me mantive no mesmo lugar e segurei o vampiro pelos ombros. Me teleportei para cerca de oitocentos metros verticalmente no ar e depois, mais quinhentos metros na mesma direção. Abracei seu corpo por trás e deixei que caíssemos. Quase tocando no chão, me teleportei sozinho para perto do beco, deixando que se espatifasse no asfalto. As duas vampiras se afastaram assustadas, fugindo em seguida, mas eu não tinha interesse nelas. Minha raiva era contra esse sequestrador barato e embora ele não estivesse com Elliot, sabia que ele o tinha pegado.
Phillip se levantou com dificuldade, todo quebrado e recolocando os membros no lugar. Me aproximei calmo sabendo que ele não tinha como escapar de minha fúria justa.
– É o melhor que pode fazer? – Ele zombou se curando e olhando em meus olhos, quando quase encostei meu rosto no seu.
Coloquei a mão esquerda em sua face e deixei um pulso de cura percorrer o corpo do vampiro, para que sentisse minha energia da vida.
– Da próxima vez que você cair, será como humano. Me diga para onde levou meu filho, a menos que consiga sobreviver à queda sem seus poderes de vampiro.
Ele liberou sua densa névoa negra e se pôs a correr muito veloz. Esperei meio minuto e surgi diante dele, levando-o vinte metros acima do prédio mais alto ali perto, deixando-o cair sobre o telhado.
– Eu sei que você é jovem Phillip – falei caminhando em sua direção enquanto ele se colocava de pé outra vez. – Mcallister te recrutou faz pouco tempo e se perder seu lado vampiro, será apenas um humano de trinta anos. Não me force a matá-lo. Me diga para quem entregou Elliot e onde ele está agora.
O maldito teimoso expôs as garras e saltou sobre mim. No momento em que me tocou, levei o para cima de novo, dessa vez quase atingindo a estratosfera da terra e o larguei de novo. O impacto no asfalto foi tão feio, que eu precisei curá-lo para que ficasse vivo e de pé outra vez.
– Eu sei que isso dói – falei rindo cruel de seu sofrimento – mas posso fazer isso a noite toda.
– Tudo bem, tudo bem – ele disse com as mãos em rendição, sentado em seu próprio sangue escuro – eu falo o que você quiser, mas pára com isso.
– Meu filho – falei entredentes – onde está.
– Eu entreguei para dois homens mascarados. Juro que não vi os rostos deles. Entraram em um carro preto, mas não me lembro a marca. Sou péssimo com veículos americanos.
Sabia que o maldito estava dizendo a verdade ao ler seus olhos e sabia ainda que aqueles homens trabalhavam para meu tio. Não tinha como me teleportar até eles sem saber quem eram, então tentei ir até Elliot, mas por alguma razão aquilo não funcionou. Curei o lado vampiro do rapaz e disse para ele fugir, se não queria ser estraçalhado quando meu alfa o encontrasse e ele não pensou duas vezes antes de sumir na noite. Um vampiro a menos, um grande problema a mais.
Álvaro Or Doré havia conseguido tudo o que ele queria de mim.
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