– Gabriel... Scott chamou devagar, a boca bem perto de meu ouvido esquerdo.
– Hum? – Respondi apenas. Era tarde, mas não estava com sono.
– Seu coração. – Ele disse baixo.
– O que tem meu coração?
– Batendo muito rápido, você está bem?
– Estou e você? – Perguntei suspirando, tentando não me afogar no turbilhão que era meus pensamentos naquele momento.
– Eu estou sem sono e nem um pouco cansado – ele mordeu minha orelha de leve.
– Eu estou cansado, Scott!
– Ah, jura? Tipo, muito, ou mais ou menos – ele sorriu assoprando em meu ouvido sem querer.
– Ah, é isso? – Me virei de lado encarando seu rosto de frente e passando a mão na lateral de seu corpo, do sovaco até a coxa – não é esse tipo de cansaço, amor.
– O que quer dizer? – Perguntou sério, seus olhos castanhos fixos nos meus.
– Dei um duro danado para revitalizar aquelas árvores. Fiz amigos que acabaram morrendo e me sinto culpado por tê-los envolvido nisso.
– Sei como se sente, é difícil ser o alfa. Tudo que dá errado, é culpa minha. Carrego muitas mortes nas costas e nunca sei quando isso vai acabar.
– Eu sei que fez o seu melhor e que não poderia ter evitado as mortes, se perdoe. Aceita o que aconteceu. Estou triste pelas mortes dos betas, mas isso não vai me impedir de fazer o que tem que ser feito.
– Você me prometeu não irá atrás de Alícia e Peter sozinhos.
– Eu não irei sozinho, mas não posso ficar esperando. Sem os Nemetons, alguma coisa pode mudar, estar rondando...
– Algo que não podemos falar sobre. Acha que será muito ruim?
– Não sei, Scott, tenho a impressão de que estamos sendo enganados.
– Não vamos resolver nada agora e conversar demais pode acordar Elliot.
– Então usa essa boquinha linda para outra coisa – falei beijando seus lábios.
A noite foi incrível, apesar de tudo e quando amanheceu, tomamos café e Scott foi para o centro de controle sobrenatural junto de Chris e Melissa, para o primeiro dia de trabalho. A clínica de Alan foi transferida para a sede Argent e funcionaria normalmente lá, ajudando a manter a fachada do lugar para aqueles que não sabiam sobre a existência de coisas fora do comum. Fiquei em casa cuidando do bebê depois que ele acordou e organizando tudo, até que Emma chegou e Chloe estava com ela. Achei que minha professora de idiomas fosse demorar lá na capital, mas ela voltou bem rápido.
– Muito bem, eu quero a verdade ou minha demissão – falou Chloe pegando inclusive Emma de surpresa – e não tente me enrolar – completou se virando para minha assistente pessoal – você vem fazendo isso desde ontem.
– Que verdade você quer Chloe? – Perguntei sério, não estava em um bom dia para ser cuidadoso – a que vai manter sua vida como está ou aquela que nunca mais vai deixar você dormir tranquila?
– Gabriel... – Emma me olhou suplicante enquanto trocava um olhar também com Chloe.
– Sinto muito, Emma. Não tem como ela trabalhar para mim e viver no escuro. Tem que saber que sua vida corre perigo só por me conhecer.
– E do que estamos falando exatamente? – Chloe perguntou se sentando, bem mais calma do que eu esperava.
– Meu noivo é um lobisomem – joguei a bomba de cara para deixá-la logo em choque.
– Larguei o meu porque é um vampiro – ela disse calma limpando os óculos.
– O que? – Perguntamos eu e Emma ao mesmo tempo. Não me ative a detalhes sobre o noivo nas vezes que li suas memórias residuais.
– Quando vocês não quiseram chamar a policia depois do sequestro dos três, eu já imaginava que tinha algo de sobrenatural envolvido. Meu ex noivo vivia evitando policiais, até que eu descobri o que ele é.
– E você não o largou depois disso? – Emma perguntou à amiga com cara de nojo.
– A pergunta correta é o que você é, Gabriel e o que está fazendo em Beacon Hills, quando seria muito mais cômodo morar em Sacramento. Leva seu noivo e a família, você tem dinheiro para comprar a cidade toda e levar na bagagem se quiser.
– Eu sou um curandeiro – respondi orgulhoso de minha professora de línguas – e tenho... tinha uma missão importante aqui. Scott é tipo o líder sobrenatural da coisa toda e aqui é o território dele e tem... tinha algo importante para ser guardado.
Aos poucos fomos atualizando Chloe sobre tudo, ela se surpreendia com algumas coisas, mas não com todas e já imaginava que Isaac não era humano, embora ainda não soubesse que era lobisomem. Li várias vezes seus olhos em busca de algo que denunciasse ser ela a pessoa infiltrada, mas minha assistente estava limpa.
Passamos a manhã estudando alemão, francês e italiano – ela tinha um método de ensinar todas as línguas ao mesmo tempo e com meu dom de leitura, pegava tudo bem rápido e Emma praticamente ficou de babá de Elliot, mas ela gostava muito do bebê para reclamar e estava começando a ficar babona como os outros. Meu pequeno tinha o poder de hipnotizar as pessoas, mesmo com seus dons sobrenaturais trancados. Quando elas saíram para almoçar, fiz a mamadeira de Elliot e comi uma fruta, já que ninguém viria almoçar em casa, mas pouco depois, Isaac chegou com Scott. Meu alfa veio passar a tarde comigo, as coisas no centro ainda estavam bem devagar e os clientes da clínica ainda não acostumados com a nova loja, deixaram as coisas pouco movimentadas e ele pegou folga para não ficar lá à toa.
Confesso que estava cada vez mais difícil manter a promessa para meu alfa de não ir atrás da bruxa. A luz do sol lá fora atiçava meu coração vingativo, mas meu amor me fazia manter o que havia prometido. Pensei em saltar até ela junto de Scott, mas seria arriscado para ele, já que se estivesse no escuro – o que provavelmente estaria já que ela é uma maga da noite – eu ficaria sem poderes temporariamente, me tornando um peso para meu lobo.
Ele resolveu andar pela rua com Elliot no carrinho e eu fiquei em casa preparando um bolo e ajeitando mais coisas – parece que sempre havia algo para fazer – eita vida de dona de casa difícil, pensei. Depois de poucos minutos que os dois saíram, recebi uma ligação de número desconhecido e resolvi atender.
– Olá, Gabriel – falou uma voz grave e aveludada, mas que não reconheci – como tem passado?
– Quem é você e o que quer?
– Não seja tão ríspido, meu rapaz. Se tem uma coisa que os séculos de isolamento me ensinaram é que é importante ser cortês, mesmo com seus inimigos.
– Eu não conheço você e sinceramente não estou com saco para desconhecidos, adeus.
– Entendo – ele respondeu e eu resisti a tentação de desligar – você perdeu suas preciosas árvores sagradas, deve estar muito irritado mesmo.
– Q-quem é você? – Gaguejei preocupado.
– Eu podia ter matado você há algum tempo, mas o alfa genuíno não iria gostar.
– Muitos já tentaram – respondi confiante – quem acha que é para fazer melhor?
– Eu sou “aquele a quem não deve se referir” – respondeu sorrindo. – Uma lenda muito útil quando se quer ficar anônimo. Por isso também não está reconhecendo a minha voz. Sei como você é ardiloso e inteligente, não poderia ligar sem um filtro.
– Ligou para zombar de mim? Fique sabendo que eu não me importo.
– Liguei para te pedir um favor – disse na maior cara de pau.
– Quer que eu poupe seus preciosos magos da noite? – Desafiei mesmo sem condições de cumprir com qualquer ameaça.
– Eles não me interessam, são uns idiotas. Acham que lhes darei poder além dos limites. O que eles não sabem, nem você ou seus amigos druidas, é que eu já havia atravessado, muitos anos antes, então seus Nemetons só me atrapalhariam se eu quisesse voltar para o exílio.
– E o que você quer? – Respondi já perdendo a paciência outra vez.
– Que me deixem em paz. Só quero viver, me nutrir, como toda criatura viva. Nunca mais ouvirão falar de mim e pouco me importa suas pendências com magos da noite.
– Eu não ligo para o que você quer ou se não pode se referir a você. Se eu tiver a chance, vou encontrar você. Todos que morreram são sua responsabilidade.
– Não venha atrás de mim, milagreiro, não quero matar você.
A ligação caiu ou ele desligou, mas fiquei paralisado imaginando como ele sabia que eu era isso. Poucas pessoas tinham essa informação, sempre me apresentava como curandeiro. Passei algum tempo pensando nisso e quase deixei o bolo cair. Scott voltou conversando com Cora, que segurava Elliot nos braços.
Laura e Cora estavam em Beacon Hills, ficando em um hotel e preparando o loft para voltar a viver nele. Sem Derek como alfa, as duas eram ômegas e não tinham porque ficar longe como o rapaz havia planejado antes de morrer. A família Hale caminha para um destino semelhante aos Argent, a extinção. Se Chris não desenrolasse e casasse logo com Melissa, seu sobrenome desapareceria com sua morte. Laura não parecia interessada em ter filhos, não combinava com sua vida executiva e Cora era a última possibilidade de continuação do nome, já que eu ia matar Peter e Malia não tinha o nome Hale, embora fosse filha do dito cujo. Resolvi esperar a moça ir embora antes de contar sobre a ligação para meu alfa e acabei esquecendo, já que Cora demorou bastante, muito apegada a nosso filho, mais uma vítima do charme irresistível que ele herdou do pai lobo.
Fomos a pé para o centro no início da noite, levando Elliot no carrinho e paramos em uma lanchonete, já que eu estava doido para comer um hamburguer com muita batata e refrigerante e meu alfa comentou que também sentia falta. Alguns rapazes olharam feio para nós dois com o bebê e de mãos dadas e apesar de não terem dito nada, fiquei com vontade de levá-los até o alto e soltar, para cuidarem da própria vida, caso sobrevivessem, mas Scott apertou minhas mãos e me encarou e eu tive a nítida impressão de que sabia o que eu estava pensando.
– Muito bem – falei olhando sério e apertando de volta seus dedos – pode me explicar o que tá acontecendo agora. Você está se aproveitando do fato de eu não conseguir ler seus olhos lindos.
– Desde o dia que você foi raptado... quando me chamou, eu consigo saber o que você está pensando só de te olhar. Não com palavras, mas eu entendo o desejo, a forma e a necessidade. Acha isso muito invasivo?
– Isso é incrível – respondi sorrindo – eu fico muito caladão as vezes, agora você vai poder saber o que estou pensando.
– Me assusta um pouco – ele confessou – mas estou adorando isso. É como se eu te conhecesse cada dia mais e isso só faz crescer o meu amor.
Saímos da lanchonete depressa, estava ficando frio e tarde para estar com o bebê exposto no carrinho e entramos logo depois no lugar. Estava bem diferente, com uma aparência de escritório, mas cuidadosamente decorado nos mínimos detalhes – era impossível, por exemplo, saber onde estavam as várias câmeras de segurança que eu sabia que Manon e Mateus haviam incluído no projeto.
Um grande número de pessoas estava ali, a grande maioria eram caçadores jovens e mais velhos, incluindo diversos novos “contratados”. Descemos pelo elevador até o segundo subsolo onde funcionava o hospital e encontramos Melissa tratando de pessoas feridas, todos sendo seres sobrenaturais.
– Pois é, eu agora sou enfermeira de monstrinhos – ela brincou – não que já não fosse antes, mas aqui é bem mais intenso. Você sabe o que é um wendigo? – Perguntou para o filho.
– Sim, foi o que me fez morder o Liam, para começar – tem um wendigo aqui? Eles são perigosos.
– Nem todos, de acordo com Alan – ela sorriu – ah doutor Geyer – ela chamou o pai de Liam que passava e ele olhou feio para Scott – não gostava da amizade do filho com o alfa.
Por um momento, fitei aqueles olhos negros. Me aproximei me metendo na conversa e Scott revirou os olhos, pegando em meus pensamentos a informação que tirei dele de que não gostava de meu noivo.
– Com licença, acho que não fomos apresentados – me meti descaradamente entre os dóis esticando o braço para que ele agarrasse minha mão.
O homem olhou confuso para Melissa, para Scott e então para mim. Ele ajeitou a gravata e forçou um sorriso, pegando minha mão e fitando meus olhos preocupado. Careca, magro, bigode preto bem cortado e barba bem curtinha limitada ao queixo, não era exatamente pai de Liam e sim padrasto. Liberei meu dom de cura furiosamente sobre seu corpo, trancando o que havia dentro dele como fizera com Elliot. O médico colocou a mão no peito como se sentisse aquilo e apertou os olhos me encarando com raiva.
– Gabriel, você já pode largar – Melissa interveio sem graça – o doutor Geyer tem um paciente mordido por vampiro agora.
Assim que o médico se afastou, encarei minha sogra pensativo e perguntei:
– Você já o viu em algum plantão de dia?
– Ele tem uma empresa de revenda de peças, sempre trabalhou só no turno da noite – ela respondeu sorrindo – isso era uma mão na roda quando queria folgar, era só pedir para ele.
– O que você está maquinando? – Scott me olhou nos olhos e eu pensei no que queria que ele soubesse, fazendo-o arregalar os olhos surpreso.
– Tem certeza? O Pai do Liam? – Meu alfa perguntou aturdido.
– Estou perdendo alguma coisa? – Melissa nos olhou preocupada e sem entender nada.
O doutor David Geyer, padrasto de Liam, era um dos magos da noite e comparsa de Alicia.
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