Minho não respondia mais a nenhuma fala do Han. Para evitar uma nova discussão, Jisung apenas deixou o colega de apartamento ali e seguiu até o banheiro compartilhado para um merecido banho.
A água morna relaxou os músculos do mais novo e o fez suspirar de olhos fechados, ocasionalmente Jisung recordava das poucas vezes que ouviu Minho cantar no banho. Eram momentos breves que encantavam o menor, afinal de contas, o Lee nunca teve coragem de mostrar sua voz melódica, pois a achava ruim e desafinada. Jisung discordava.
O ranger suave da porta abrindo tirou o Han do transe e o fez olhar abrir a porta do box de vidro embaçado pelo calor e observar o Lee.
— Pode continuar aí. — Minho se dirigiu a pia enquanto olhava o amigo e procurou seu creme de barbear.
— Devia deixar a barba crescer, combina com você. — Jisung comentou, voltando para baixo do chuveiro.
— Eu vou fingir que não ouvi isso. — Brincou entre risinhos baixos.
— Tudo bem. — Sorriu. — Minho.
— Uhm?
— A ligação de mais cedo… Sua mãe piorou?
— Eu não sei. — O mais velho respondeu baixo. — Não sei mais no que acreditar. Todo mês meu pai liga com uma desculpa diferente, dessa vez ele disse que precisa de dinheiro porque os remédios dela ficaram mais caros.
— Entendi. Você não quis dar uma pesquisada pra saber se ele estava falando a verdade?
— E do que adianta, Sung? É melhor mandar uma quantia grande e ter certeza de que vai gastar só o que sobrar dos medicamentos, do que mandar a quantia dos remédios e imaginar que ele deixou minha mãe morrendo enquanto gastava o dinheiro em qualquer merda.
— Já disse que pode trazer sua mãe pra cá, eu pago o tratamento dela, melhor que deixá-la sofrendo com o babaca do seu pai.
— Você paga? O dinheiro não é seu, Jisung, é dos seus pais! Não quero que fiquem gastando tanto por minha causa.
— Não quer, mas aumenta meu aluguel todo mês. — Resmungou. — Sério, Minho. Meus pais não ligam, eles até vão ficar felizes em ajudar.
— Não. Deixa isso, tá? Você mesmo disse que não queria brigar.
— Tudo bem. — Revirou os olhos para a teimosia do Lee e desligou o chuveiro. — Me dê a toalha, por favor. — Pediu voltando a abrir um pouco da porta e estendeu o braço.
— Aqui. — Entregou o tecido ao Han e o observou sair do box com a toalha na cintura. — Seus braços estão maiores.
— Eh? Ah, eu andei focando neles, o que acha? — Sorriu de lado e Minho fez careta.
— Se continuar assim vai ficar igual o Changbin.
— E qual o problema? Não gosta de braços fortes? — Olhou o amigo, que deu de ombros. — Tá bem. Mas e você? Tem que voltar a se exercitar também.
— Não tenho dinheiro pra academia.
— Para de gastar em porcaria à noite que você arranja dinheiro.
— Não começa.
— Quer saber? Eu vou mudar meu turno pra noite e vou te arrastar pra se exercitar comigo.
— Uhum. — O Lee ironizou e deu um risinho, voltando a olhar para o espelho e fazer a barba.
— Você é mal, sabia? — Jisung murmurou e buscou um pente antes de dividir o espelho com Minho. — E por que resolveu se barbear do nada?
— Yuna me chamou pra sair.
— Você não disse há dez minutos que não tava com cabeça pra sair?!
— Sair com ela me acalma.
— Claro que acalma, bebendo de tudo até vomitar o próprio estômago. — Resmungou.
— Jisung, para. Já deu por hoje.
— Uhm. Não gosto dessa tua namoradinha.
— Eu sei.
— E não vai falar nada sobre?
— Não, nada que eu fale vai fazer você mudar de idéia.
✩★✩
A volta no shopping estava divertida o bastante para não notarem o tempo passar. Dessa forma, Hyunjin e Chan retornaram do local já à noite. O Bang fez questão de levar o mais alto em segurança até em casa por não saber se havia algum perigo no caminho para um rapaz sozinho.
— Não quer entrar? Você pode jantar aqui. — Hyunjin sugeriu logo que chegaram à porta de sua residência.
— Eu não quero incomodar, Hyun.
— Não incomoda. Vem. — O moreno destrancou a porta com suas chaves e entrou na frente, avisando aos pais que estava ali com uma visita.
— Tudo bem. — Chan o seguiu.
— Quer conhecer meu ateliê? É meu lugar especial aqui em casa. — Sorriu, dobrando sua bengala e andando na frente.
— Eu aceito. Já ouvi alguém falando que você pintava mas nunca vi seus quadros. — Comentou enquanto observava o mais novo caminhar a sua frente sem esbarrar ou precisar de apoio.
— Agora vai conhecer, só espero que não se decepcione. — Brincou e adentrou o pequeno quarto onde guardava suas telas. — Fecha a porta quando entrar, tá? Eu já tive uns acidentes com portas entreabertas.
— Oh, tudo bem. — Concordou sem questionar, fechando a porta e finalmente olhando o quarto onde entrou. — Wow… você pintou todas elas?
— Uhum. Todas. Algumas são bem antigas, foram as últimas que consegui ver. As outras eu não conheço visualmente. — Explicou calmo.
— Dá pra notar a diferença. E todas são incríveis. — Sorriu. — Como… sabe o que está pintando?
— Eu uso tintas especiais. — Se aproximou das gavetas do armário ali e tirou um dos pequenos recipientes. — Cada cor tem uma textura que eu decorei com o tempo. E os potinhos vem com os nomes em braille, é bem útil. Assim eu consigo sentir a imagem.
— Isso é legal. Eu posso te ver pintar?
— Pode sim. Agora?
— É. Se não estiver confortável, tudo bem. É você que escolhe. Pode ser outro dia ou… não sei.
— Tudo bem, pode ser agora. — O Hwang riu do jeito de Chan e deixou de lado a bengala e o amado Bangarooo, buscando o avental e vestindo com cuidado. — Eu só queria ter certeza.
— Ah, tá, certo.
Hyunjin buscou uma tela vazia e a colocou sobre o cavalete, sentando-se no banco de madeira circular e parando ao encaixar a tela melhor.
— Quer escolher algo para que eu pinte? Minha memória visual se limita até minha adolescência, então não peça nada raro de se ver.
— Uhm… Consegue fazer algo da Austrália? — Sugeriu.
— Eu posso tentar. Ahm… Sidney Opera House?
— Sim! Acha que consegue?
— Talvez. Não acho que fique igual só pelo que eu lembro.
— Ah, sim… — Chan murmurou e pensou em silêncio por alguns segundos enquanto Hyunjin selecionava as tintas que usaria. — E se eu te trouxer uma miniatura? Você pode fazer com mais certeza.
— Oh, isso ajudaria muito. Você tem?
— Tenho sim, meus pais me enviaram, me faz lembrar de casa. Se você quiser… a gente marca um dia e eu trago a miniatura pra você.
— Vai ser ótimo, eu aceito. — Sorriu.
— Perfeito. Então… não vai mais pintar, não é?
— Acho que não. — Deu um risinho.
— Então… podemos conversar?
— Claro. Pega um banquinho e senta aqui, tem um perto da porta. — Murmurou. — Só coloca de volta no lugar de novo, por favor. Aqui em casa não pode mudar nada de lugar sem me avisar ou eu saio batendo em tudo.
— Ah, sim. Você nunca usa a bengala aqui dentro? — Chan perguntou buscando o banquinho e sentou perto do Hwang.
— Algumas poucas vezes, eu sei tudo decorado então não preciso. Só fico um pouco desnorteado quando uso fones de ouvido, mas nada grave. — Abano a mão.
— Eu… Quero que saiba que estou gostando de descobrir esses detalhes do seu mundo. Nunca tive um dia tão produtivo em aprendizado como hoje.
— Fico feliz por isso. — Sorriu. — E relaxe, aprender sobre essas coisas é tão rápido quanto aprender braille.
— Aprender braille foi rápido pra você?
— Mais do que eu imaginava. Quer dizer, pra ler nem tanto porque precisei acostumar o tato, mas para escrever eu peguei o jeito rapidinho. Lino também.
— O Minho também sabe?!
— Claro que sabe, eu disse que ele me ajudava na escola. Também era assim que a gente colava nas provas. — Sussurrou. — O professor não entendia nada, era bem útil.
— Wow! Devia ser divertido. — Riu.
— Era sim. Estudar em um colégio inclusivo tinha suas vantagens. Normalmente pessoas cegas vão para aqueles colégios próprios para pessoas com deficiência visual que existem aqui em Seul, mas minha mãe não quis me colocar em um porque queria que eu me adaptasse.
— Existem colégios assim?!
— Uhum. Mas não pense que é algo tão legal, a intenção pode até ser boa, mas estão excluindo os alunos com deficiência dos demais.
— Entendi, tem razão, não pensei nesse lado.
— Hyunjin? — Uma mulher apareceu abrindo a porta e sorriu ao ver os jovens. — Venham comer.
— Oh, vamos. — Hyunjin sorriu e levantou, sendo acompanhado pelo outro.
— Tá, tô indo devolver o banquinho. — Disse rápido enquanto levava o pequeno móvel para o lugar. — Obrigado por avisar, sra.Hwang.
✩★✩
Como na maioria dos finais de semana, Changbin deixou a casa dos pais para ficar no apartamento da irmã mais velha, Heeyeon, que ficava na cidade vizinha. Fazia isso pois sabia que ela gostava bastante de estar em família, mas não tinha tanto tempo para visitá-los por conta do trabalho.
— Você tá esquisitinho hoje. — Hee comentou enquanto digitava algo no notebook. — Aconteceu alguma coisa que eu não saiba?
— Aconteceu. Pensei que não tivesse notado, passou o dia presa nesse notebook.
— Eu conheço meu irmãozinho caçula, não preciso te olhar muito tempo pra ver que tem algo diferente. — Sorriu olhando rapidamente o Seo, que estava jogado em sua cama. — Anda, fala o que foi.
— Só se você me ouvir de verdade e desligar isso aí.
— Uhm, estou acabando. — Murmurou enquanto finalizava o documento e desligava o notebook. — Pronto, o que houve? — A mulher levantou da cadeira e sentou devagar na cama, ao lado de Changbin.
— É que… Eu vi o Felix na faculdade, ele voltou pra Coreia. — Explicou enquanto encarava o teto.
— Felix? Oh, aquele seu namoradinho da Austrália? — O olhou surpresa e recebeu um aceno como confirmação. — E por que essa tristeza toda? Não era pra ser algo bom?
— Era. Mas acho que ele tá fugindo de mim. Digo, quando nos encontramos ele parecia com medo e incomodado com alguma coisa. Estava tão feliz de ver ele que nem notei. Depois eu voltei na biblioteca várias vezes, mas não o encontrei mais.
— Uhm… Ele tem algum motivo pra fugir de você?
— Claro que tem.
— Qual?
Changbin direcionou o olhar a irmã e esperou uns segundos, o contato visual foi o bastante para que Heeyeon lembrasse dos fatos.
— Certo, acho que entendi.
— Já fazem oito anos desde que ele foi embora, nunca pensei que fosse ver ele de novo. E quando o encontro, todas aquelas memórias vem à tona.
— Para ele deve ser difícil esquecer, Changbin. Não estou diminuindo o que você passou depois daquilo, mas ele tem grandes traumas pelas memórias ligadas a você.
O menor crispou os lábios e sentou devagar sobre a cama.
— Eu sei. Mas há coisas que nem mesmo ele sabe. Antes do reformatório e antes dele ir embora… antes do vídeo se espalhar feito vírus. — Murmurou. — Não fui só eu.
— Não foi só você?
— A história é bem mais longa do que o que você lembra. — Riu fraco. — Acho que nunca me atentei em contar a alguém sobre isso.
— Changbin… Andou escondendo coisas sobre isso?
— Quando namorava Felix, eu tinha um amigo daqueles que não largava por nada. Você deve lembrar dele.
— Lembro sim.
— Eu não sabia naquela época, mas ele tinha uma paixão platônica pelo Felix, por isso ficava tentando se meter em todo encontro que a gente tinha. Foi bizarro porque eu só fui perceber as várias vezes que ele deu em cima do Lix depois que separei dele e… bem, saber que eu podia ter evitado tudo me afastando dele sempre pesou na minha cabeça.
— Então foi ele que…
— Não foi ele que gravou, fui eu. Eu assumo o que fiz e não vou dizer que ele me influenciou porque eu queria… queria gravar pra mim. Mas foi ele que me encorajou a realmente fazer. Eu… eu ia apagar, juro que ia apagar o vídeo porque minha consciência bateu quando vi o quanto era especial pro Lix o que havíamos feito. — Seus olhos marejaram. — Esse "amigo" veio a minha casa no dia seguinte a nossa noite e… Em pouco tempo que deixei meu celular longe de mim ele fez o que fez. Eu não sei em que momento isso aconteceu, só notei quando vi que o vídeo tinha sido enviado por minhas contas e ele não parecia surpreso ou disposto a me ajudar a reverter aquilo.
— Eu não fazia ideia… porque não contou, Changbin? Você foi para um reformatório, e Felix… Ele realmente não sabe disso?
— Ninguém sabe. Eu estava mal com tudo, eu vi o Felix chorar e se trancar na coordenação da escola todos os dias por minha culpa. Eu sei que ele fazia isso porque eu também estava lá todos os dias, todos os dias eu acabava machucando alguém por fazer mal a ele e acabava na detenção. Se não tivesse sido expulso naquela semana nem eu sei do que teria sido capaz.
— E seu amigo…?
— Eu não o bati por um motivo aleatório, só o puni com minhas próprias mãos, estava com raiva dele, muita raiva. Quando ele foi para o hospital eu notei que… Quanto mais tentava corrigir as coisas do meu jeito, mais me arrependia do que fazia. Então só assumi tudo.
— Ah, Bin. — A mais velha suspirou e tocou o braço do outro, fazendo um carinho suave. — Você realmente nos assustou com aquele surto violento… e eu não acho que tenha feito certo, mas me sinto melhor em saber que você percebeu sozinho seus erros.
— Eu amadureci. Agora sei que todas as minhas decisões foram ruins, sem exceção. — Sorriu fraco enquanto as lágrimas deslizavam por seu rosto. — Sinceramente, eu queria poder voltar atrás e recomeçar.
— Você não precisa recomeçar. Mostre que mudou.
— Não sei se adianta, as pessoas costumam te condenar pela vida inteira por algo que aconteceu no passado, você tendo mudado ou não. E eu não vou culpar ele se nunca quiser me perdoar, mas se eu pudesse ter uma chance de pedir esse perdão a ele seria muito significativo… porque não tive chance de fazê-lo naquela época.
— Entendi. Bem, tente vê-lo novamente. Mas dessa vez conte a verdade. Felix, mais do que ninguém, precisa saber o que houve. Peça desculpas. E se certifique de que ele não se magoe mais do que já foi magoado.
— Eu vou ver o que faço.
— Não esconda coisas assim novamente.
— Não vou.
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