- Você está triste com isso? - perguntei apreensiva. Ávida retocava o batom despreocupada.
-Sou bonita demais pra chorar por alguma coisa, principalmente por um cara qualquer - respondeu a minha melhor amiga como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, e talvez fosse e talvez eu devesse dizer isso também. - Está tudo bem entro você e o Shane?
- Está. Tudo... bem, claro. Err. Por que não estaria? - me senti desconfortável com a minha própria pergunta. É claro que estava, não é?
- Não sei - semicerrou os olhos - Você me parece tão distraída ultimamente. Não está escondendo algo ou...
A cortei antes que pudesse completar sua frase. Ávida era inteligente o bastante para desconfiar de qualquer coisa.
- Não! - Saio um pouco mais alto do que eu esperava ou do que estava acostumada a fala. - Digo, claro que não, está tudo bem, eu só... só ando cansada. - Meu rosto me denunciou. Ruborizei mais a cada palavra.
Ávida me lançou seu melhor olhar de desconfiança, mas logo abriu um meio sorriso, pôs as mãos em meus ombros e me olhou nos olhos, da forma que só ela sabia fazer.
- Queenie, sabe que sempre pode contar comigo para qualquer coisa, certo? - Assenti. Ela se levantou em um pulo. - Agora vou resolver a minha situação.
Sorriu para mim e me lançou uma piscadela.
- Fique viva, garotinha. - Protestei mentalmente, ela sempre falava isso, mesmo que eu fosse mais velha. Mas essa era exatamente como eu me sentia quando estava perto dela.
Após pegar sua bolsa e sair em direção ao prédio de pintura recente. Sozinha, me perdi em meus devaneios.
Não me lembro quando ela começou a avançar tanto e eu fiquei pra trás em relação a ela. Talvez tenha sido culpa do Shane, não que ele fosse um mau namorado. Isso não. Ele me dava segurança. Ele sabia como seria a nossa vida juntos, já tinha planejado tudo. Não eram maus planos, que dizer, ele sempre sabe o que fazer e nada disse envolve coisas que Ávida acredita ser importante.
- Estou atrapalhando algo, princesa? - Uma voz invadiu os meus pensamentos, Ian. Ele beijou minha mão esquerda.
- Por que sempre a esquerda? - Tentei disfarçar a minha vergonha.
Ele deu de ombros e se jogou ao meu lado.
- Sei lá. Eu acho que é como se tivesse beijando o seu coração...? - Seu tom era de sugestão duvidosa.
Umedeci os lábios.
- Não tenho certeza. - Ele deu de ombros com a minha fala. Eu já não sabia se era intencional ou um cacoete.
- Está esperando o seu namoradinho? - Sempre que se referia ao Shane seu tom era de zombaria, parecia não levá-lo a sério.
- Sim, estou esperando o meu namorado. - Tomei a melhor postura séria que pude. - E você?
- Estou esperando com você.
- Está esperando o meu namorado?
- Claro que não, - ele me olhou pelo canto do olho, um pouco ofendido - quando ele aparecer eu vou embora. Só me pareceu errado você ter que esperar sozinha.
Ele sorriu de lado e voltou a me olhar.
- Ávida estava aqui minutos antes de você aparecer.
- Mas não está mais e nem estava quando cheguei. - Parecia provocativo. Seu olhar mudou rapidamente para além de mim.
Segui seu olhar até a figura que vinha em nossa direção. O cabelo perfeitamente penteado, e o suéter sem nenhum sinal de amasso. Shane com certeza era impecável.
- E essa é a minha hora de partir. Até logo, princesa - Ian se afastou com o seu skate antes que Shane chegasse até mim.
Me distrai o olhando partir, um toque em meu braço me surpreendeu.
- Tudo bem? - Shane era o dono dos dedos que se apoiavam em meu antebraço. Tinha um misto de desconfiança e preocupação em seu rosto. - Ele te fez algo? O que ele queria?
- Não... nada... só... só perguntou o trabalho de literatura. Nada demais. - Eu sorri timidamente e ele pareceu mais tranquilo, ou quase.
- Sei. Tudo bem em você ir lá em casa hoje? - Sua mudança de assunto me surpreendeu.
- Sua mãe vai estar em casa, né? - Lembrei das condições impostas pelos meus pais.
- Só Rob na verdade.
- Tem certeza que é uma boa ideia?
Assumi uma postura insegura, mais que o normal.
- Só vamos assistir um filme, ok? - Falou.
- Só um filme... - repeti assimilando as informações.
- Então te vejo mais tarde? - Sem jeito ele falou, tamborilou a nuca.
Nós despedimos com um selinho sem jeito e seguimos nossos respectivos caminhos para nossas respectivas casas, e eu fui andando.
- Que despedida broxante... - a mesma voz de antes falou repentinamente, mesmo sabendo quem era, me assuntei. - Ei, calma!
- Ian, por quê faz isso? - Minha tom era mais alto do que o de costume, a irritação em minha voz era notável.
Ele riu, pegou o seu skate e começou a caminhar ao meu lado.
- Sou o tipo de homem que gosta de fazer surpresas. - Seu tom nunca mudava, matinha a mesma postura desleixada. - Mas sério. Só um selinho? Nem uma mãozinha ali ou uma...
- Ele me respeita!
As palavras dele me trouxeram suas reações irreprimíveis. Senti o calor alcançar o meu rosto, ruborizá-lo, senti raiva, pela invasão de privacidade. Nada daquilo era da conta dele.
- Se você realmente acredita nisso.
Passei o resto do caminho o ignorando. Não queria ouvir nenhum de seus comentários maldosos e suas brincadeiras sem graça.
Quando finalmente cheguei em minha casa.
- Foi bom te acompanhar nessa jornada até sua casa. - Ele falou, virou a esquina sumindo da minha vista.
Abri a porta devagar, Hay estava com seus costumeiros fones de ouvido, ouvindo algum pop e ignorando qualquer coisa fora disso.
- Mamãe? - A chamei - Posso ir à casa do Shane hoje?
- Se tiver algum responsável em casa... não vejo problema. - Ela respondeu.
- Sério? Obrigada, mamãe. - Agradeci e dei-lhe um abraço.
- Só não volte tarde - pediu.
Concordei.
Comi alguma coisa e sai.
- Saindo de casa a essa hora, senhora certinha. - A mesma voz me provocou, algumas casas após a minha.
Ian estava sentado em seu gramado, em uma cadeira de praia, em pleno outono.
- Você não tem nada melhor pra fazer? - Perguntei.
- Na verdade eu tenho - Ian pegou um copo ao lado de sua cadeira e o levou a boca - a senhorita atrapalhou a minha bebedeira.
Prestei atenção no sem quintal, garrafas vazias, bitucas de cigarro. Nada que Shane aprovaria.
Inconscientemente fiz uma careta em reprovação.
- Já sei - seu corpo se projetou para frente, uniu suas mãos com os cotovelos apoiados nos joelhos - seu namorado não aprova esse comportamento. Mas e você, Queenie? O que você pensa?
Minhas cordas vocais entraram em coma. O ar parecia rarefeito.
- Eu... eu não sei! - Meu tom foi mais alto do que o de costume. - Me desculpe... eu...
- Sem desculpas! Só quero saber o que você pensa de verdade.
Ele inclinou o copo em minha direção.
- Não, obrigada - ele deu de ombros.
Segui meu caminho até a casa de Shane.
Algumas quadras depois vi uma silueta ereta apoiada sobre o batente de uma porta metálica, Shane sorriu ao me ver.
- Demorou. Aconteceu alguma coisa?
- Não. Nada aconteceu - respondi diretamente.
- Queenie, me olha nos olhos - me virei para ele. - Só ando preocupado com você. Parece que tem algo te incomodando.
Sua voz calma era acompanhada por um semblante franzido.
- Entre. Aqui fora está frio - Shane falou repentinamente.
O segui para dentro da casa. A casa dele era espaçosa e pouco iluminada, as janelas possuíam cortinas grossas que viviam fechadas, dessa vez não foi diferente. Seu irmão mais velho, Rob, estava sentado no sofá da sala, os olhos vidrados em algum jogo barulhento no vídeo game.
A mãe de Shane certamente era mais rigorosa com ele do que com o Rob. Me disseram que era porquê eles não queriam errar duas vezes.
- Escolhi o filme de hoje. Tem algum problema? - Ele avisou enquanto mexia no controle da TV.
- Assim como mês passado - murmurei.
- O que? - Ele perguntou. Não sabia identificar se estava incrédulo ou realmente não escutou.
- Nada - respondi o mais rápido que pude.
Durante a noite todo não tocamos mais no assunto, ou melhor, não tocamos em assunto nenhum, apenas olhamos atentamente a tela, na verdade ele olhou atentamente e eu só esperei que acabasse aquela comédia romântica sem graça.
Entediada, pensei na pouca evolução do nosso relacionamento, apesar de perfeito era tudo tão superficial, mal nos comunicávamos ou até nos beijávamos.
"O que você pensa?" O que eu penso...
- Está tudo bem? - Shane me encarou.
Seu toque em meu ombro era leve, quase hesitante, nosso nível máximo de intimidade.
- Si-Sim - Ainda estava imersa em meus pensamentos.
Depois disso o filme não demorou muito pra acabar e eu ir embora.
- Até amanhã? - Shane se despediu de mim assim que chegamos na porta.
- Sim. - Respondi, comecei a me afastar.
- Não ganho um beijo de despedida?
Lhe dei um selinho rápido, como o de costume e voltei a minha atenção para rua.
Assim que perdi a casa de Shane de vista, senti olhares sobre mim, estava próxima a casa de Ian. O procurei no escuro do quintal mal cuidado e o avistei sentado na mesma cadeira, comendo algo.
- Voltando a essa hora pra casa? Talvez seu namoradinho não seja tão certinho assim - falou assim que passei por ele, contive um estranho sorriso.
- Ainda aqui do lado de fora? - Ele abriu um meio sorriso.
- Não acha que mamãe não está preocupada com a filhinha? - Provocou.
- Ela confia no Shane. - Rebati, me sentei ao seu lado em uma cadeira que parecia segura.
- Ela confia nele... e em você? - Indagou, me arrependi de ter passado por lá.
- É claro que ela confia. Quer dizer... ela nunca me disse diretamente, mas... mas eu acho que - fui grosseiramente interrompida.
- Você acha demais - mordiscou o seu lanche - além disso. Eu não confiaria nessa carinha de inocente e roupas de escola dominical.
- Não uso roupas de escola dominical! - Protestei.
- Saia no joelho e meia 3/4. - Me observou. - Tem caras que acham isso bastante atraente, talvez seu namorado seja um desses que querem ver o que tem de baixo da saia...
- Isso é pervertido! - Me senti enjoada ao levantar tão rápido.
Ian deu de ombros.
- Chame do que quiser. - Talvez seu namorado não seja tão legal quanto você pensa.
- Ainda não sei porquê eu insisto em conversar com você - reclamei, e voltei para o meu caminho.
- Comigo você se sente você! - Ele exclamou em um tom mais alto para que eu e toda vizinhança pudéssemos ouvir. - Até amanhã, Queenie. E não se esqueça de ir com aquela saia preta que você usou na sexta.
Contive um sorriso.
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