• Berlim, maio de 1940
Tomito voltava para casa depois de mais um longo dia de trabalho. Aquele dia em específico não tinha sido muito movimentado e havia sido tranquilo. Tinha ficado apenas na ala da enfermaria, cuidando de alguns ferimentos ou doenças mais simples como a gripe, que não lhe renderam muito trabalho, fazendo com que se sentisse bem, apesar da longa jornada de trabalho de doze horas. Como de costume, sempre voltava para casa de a pé, já que nunca possuíram um carro e também preferia economizar o pouco dinheiro que ganhava, para utilizar em coisas mais importantes como a alimentação. Os últimos dias estavam sendo difíceis e não podia se dar ao luxo de gastar o dinheiro com coisas supérfluas como os meios de transporte, já que nos últimos tempos a renda familiar consistia quase exclusivamente do seu salário. Sabia que sua mãe não ficava muito feliz com aquela situação de terem que racionar o máximo que conseguiam para poder sobreviver, principalmente, quando comparava a situação financeira de alguns anos atrás, em que a família Uzumaki era uma das mais prósperas e ricas de Berlim. Mas, tudo aquilo havia ficado para trás e agora deviam se acostumar à nova realidade, onde as duas deveriam trabalhar dia e noite para poderem se manter alimentadas e aquecidas, por enquanto que os dois outros membros da família se encontravam em outro país, lutando por suas vidas. É claro que no começo foi um pouco difícil se acostumar com a nova vida, mas tudo se tratava apenas de adaptação, e elas conseguiriam dar a volta por cima. De qualquer forma, Tomito não reclamava em ter que andar 2,5 km de ida e mais 2,5 km de volta todos os dias. Para ela era como um exercício, tanto físico quanto mental, e sempre se sentia bem. É claro que seus pés ficavam doloridos, e até formavam bolhas devido ao sapato apertado, mas aquilo era o de menos e já estava se acostumando.
Estava quase chegando a sua casa, faltando apenas um quarteirão, quando um carro da polícia passou vagarosamente ao seu lado, seguindo em frente. Ela ficou o observando até que parou de frente a sua casa. Ver aquela cena, fez com que um pesadelo recente e que a atormentava constantemente voltasse à tona em sua memória, fazendo com que um calafrio percorresse por toda a extensão de sua espinha, a deixando pálida de assombro e com seu coração acelerado de horror. Será que aqueles policiais tinham ido a sua casa para prendê-las? Será que haviam descoberto o que elas tinham feito há dois meses, quando mataram aquele homem? Desde aquele fatídico dia elas viviam assombradas constantemente, fazendo com que sentissem muito medo e ficassem desconfiadas de tudo e todos a sua volta, pois, ela tinha certeza de que a qualquer momento iriam ser descobertas e pegas. E, nem se quer queria pensar o que poderia acontecer com elas caso aquilo acontecesse. Só sabia que iria ser muito doloroso antes de chegar ao fim.
Ficou parada, observando, ponderando se deveria seguir em frente ou dar a volta e ir para qualquer outro lugar, para tentar se esconder do que quer que fosse, já que naqueles dias a presença de militares em sua casa não queria significar nada de bom. Mas, ela também não podia simplesmente deixar sua mãe para trás. Elas eram companheiras, cúmplices e sempre deveriam estar juntas, independente do que estivesse em seus caminhos, deveriam enfrentar juntas.
Respirou fundo, para tentar se acalmar o máximo que podia, e voltou a andar, se aproximando cada vez mais de dois homens que haviam descido do carro e estavam parados na frente da casa, batendo à porta. Ainda faltavam alguns bons metros e ela andava vagarosamente, observando tudo a sua volta, atenta a qualquer mínimo movimento que aqueles homens faziam. E, mesmo de longe, não pôde deixar de notar que a insígnia de seus quepes não era a da tão temida caveira da SS. Isso fez com que se sentisse um pouco mais calma, já que se tivessem ido ali para prendê-las, seria a Gestapo que estaria batendo a sua porta, e com certeza, teria mais do que apenas dois soldados.
Acabou vendo sua mãe abrindo a porta e conversando, com uma expressão séria e olhar indagador, imaginando o que eles deveriam estar fazendo ali. Viu seu olhar desviando para a mão de um deles que a estendia um papel. O que será que era aquela carta? Será que era um mandado de prisão? Provavelmente não. Não iriam ser tão formais assim ao ponto de imitirem um mandado. Aquilo não era necessário, poderiam levar quem eles quisessem sem motivo algum. Então, não via o porquê deles se darem ao trabalho de fazer uma carta para que pudessem levá-las sob custódia. Ainda mais quando o desperdício de materiais tão importantes, como o papel, não era incentivado.
Redobrando a atenção, viu sua mãe lendo atentamente o conteúdo da carta em completo silêncio. Notou uma mudança brusca em sua expressão, com seus olhos se arregalando de surpresa e grossas lágrimas se formando de imediato, caindo por seu rosto. Sua face estava pálida como a de um fantasma e seus lábios trêmulos. Quando estava quase a sua frente, a viu desabar de joelhos no chão, deixando cair ao seu lado o pequeno pedaço de papel, escondendo o rosto com suas mãos, chorando compulsivamente bem na frente daqueles dois completos desconhecidos e de várias outras pessoas que passavam na rua, e que a olhavam com curiosidade.
Ver aquela cena fez com que seu coração se apertasse forte no peito e que uma grande angústia surgisse. Qual seria o conteúdo daquela carta, para fazer sua mãe, que era tão forte, determinada e, acima de tudo, orgulhosa, se desmanchasse em lágrimas na frente dos outros sem se importar? Tomito sentiu medo por aquela resposta. Começou a tremer de medo, mesmo estando embaixo de um sol escaldante do final da primavera. Mesmo a contra gosto, se impulsionou a continuar a andar, para diminuir os últimos centímetros que as separavam, parando bem na frente daquela mulher que tanto amava. Ficou a olhando por alguns instantes, sem saber muito bem o que fazer e, depois, se virou para os outros dois, questionando:
-O que está acontecendo?
-Viemos entregar uma carta oficial à senhora Uzumaki. Uma notícia. - O que estava mais perto falou.
-Notícia? Que tipo de notícia?
-Sentimos muito pela carta, mas é o que pode se esperar desses últimos tempos.
Tomito ficou o encarando, sem entender nada do que ele queria dizer. Sem mais nada falar, voltou-se novamente para a mãe, abaixou a sua frente e perguntou:
- Mãe? O que está acontecendo? A senhora não está se sentindo bem?
Kushina apenas deixou escapar um som alto de engasgo e chorou ainda mais, com fortes convulsões, como se suas palavras tivessem a ferido. Isso fez com que ela se sentisse pior e começou a se desesperar. A abraçou fortemente, segurando sua cabeça sobre seu peito, afagando seus cabelos. Queria ter forças para poder tirar todo o sofrimento que a mãe sentia naquele momento, mas ela nem se quer sabia o que estava acontecendo para poder ajudar. Cada segundo que passava fazia com que se sentisse pior. O que tudo aquilo significava? O que aquele homem quis dizer com aquelas palavras? Como assim, aquela notícia era triste, mas inevitável naqueles dias? Porque tinha sido eles que tinham levado aquela carta? Já que eles deveriam ter coisas muito mais importantes para fazer do que servirem de meninos de recado. Era para aquilo que servia os correios, certo? Só se tivesse ocorrido algo de muito ruim para que eles estivessem ali, e mesmo assim, não conseguia ver o que poderia ser. Ao menos que...
Seus olhos se arregalaram em uma fração de segundo, quando aquele pensamento passou por sua cabeça. Afastou-se um pouco de sua mãe e olhou para o chão ao seu lado, vendo aquele pedaço de papel que tinha deixado sua mãe naquela situação. Quase com falta de ar, esticou seu braço com hesitação, o pegando e lendo. As primeiras palavras passavam como um borrão por seus olhos, não conseguindo entender praticamente nada do seu significado. Eram palavras formais demais para o seu gosto, sendo recitadas como um mantra, como se fosse uma cópia idêntica à centena de outras. Isso ficava mais evidente a cada frase que lia. Estava lendo rapidamente, até chegar naquela palavra que a atingiu como uma facada em seu coração. Aquelas palavras se destacaram tão fortemente no meio das outras que fizeram com que suas pernas fraquejassem. Tinha certeza que se já não estivesse de joelhos, teria caído. Releu novamente aquela última frase, tentando ver se tinha deixado alguma palavra escapar de sua vista ou, se até mesmo, tivesse entendido errado, mas era exatamente aquilo mesmo que queria dizer. Aquela carta, com suas poucas palavras rebuscadas, traziam consigo uma notícia bem forte e impactante. E, sem se quer perceber, viu uma pequena gota de lágrima, que havia escapado de seus olhos sem se quer notar, manchando o papel em suas mãos. Aquela pequena frase pulsava fortemente em sua cabeça: "morto em combate". Ela começou a fechar fortemente sua mão envolta daquele papel, e olhando para o lado, falou:
-Quando? - Perguntou em uma voz falha, como em um sussurro, olhando para o soldado mais próximo. Tentava a muito custo não deixar escapar as lágrimas que se formavam, e que já ardiam em seus olhos, com a forte vontade de começar a chorar.
-Não possuímos informações sobre quando aconteceu ou como aconteceu, mas o corpo chegará amanhã. Ele será velado junto com todos os outros no novo galpão da igreja de São Nicolau. O governo irá arcar com todos os custos referentes ao enterro.
Apenas balançou a cabeça, dirigindo seu olhar para sua mãe, que ainda estava na mesma posição, com o rosto coberto pelas mãos, chorando sem parar. A carta em sua mão já estava toda amassada, no formato de uma bola e acabou a jogando fortemente no chão. Levantou-se rapidamente, virando para aqueles dois homens que estavam se retirando, quase adentrando o carro que tinham vindo. Aproximou-se e perguntou:
-E o meu irmão!?
Aquela carta não dizia nada sobre Naruto, ela apenas dizia que seu pai tinha morrido em combate, sem nenhum outro detalhe. Elas não tinham notícias de Naruto há várias semanas e pelo que bem entendia, ele poderia estar em qualquer lugar, vendo e sofrendo coisas horríveis ou, até mesmo, morto.
-Não possuímos esse tipo de informação. Sinto muito. Nosso trabalho é apenas levar as cartas aos familiares, mas não possuímos muitos detalhes sobre os acontecimentos. Tenha um bom dia. - Falou por fim, levantando de leve o seu quepe como em cumprimento, logo depois entrando no carro e indo embora.
Aquelas palavras soaram de muito mau gosto e sem sentido algum aos seus ouvidos. Não era possível que ele teve a capacidade de dizer para que elas tivessem um bom dia, depois de ter as entregado uma carta com a notícia de que seu pai havia morrido. Começou a fervilhar de raiva, mas tinha que se acalmar, já que sabia que aquelas palavras deveriam ser padrão e que ele deveria dizer aquilo a todos. Também conseguia entender que seu papel não era o dos mais fáceis. Até porque, o que ele iria dizer àquelas famílias que tinham perdido seus entes queridos, mas que ele nem se quer fazia ideia de quem se tratavam? Ela também ficaria perdida nas palavras e com certeza iria acabar falando coisas inúteis e sem sentido algum, que acabaria irritando alguém.
Ainda tentando segurar as lágrimas que teimavam em cair, virou-se para sua mãe que, por sua vez, não tinha se movido um centímetro sequer desde o momento que chegou. Aproximou-se calmamente, a abraçando novamente e, logo em seguida, tentou a levantar delicadamente, para que pudessem entrar em casa. Kushina não demonstrou resistência alguma e deixou ser guiada como a uma marionete. Seus olhos tão cheios de vida se encontravam opacos e distantes, além da intensa vermelhidão decorrente de toda choradeira. Sua face estava toda molhada de lágrimas e já começava a inchar envolta de seus olhos. Nunca tinha a visto antes daquele jeito, nem mesmo no dia em que o jornal que trabalhava havia sido atacado pelos Camisas Pardas e logo depois fechado, a tantos anos atrás ou no dia que receberam a notícia que Naruto havia sido convocado para a guerra ou, até mesmo, quando seu pai anunciou que também iria. Nem mesmo no dia que se despediram naquela plataforma de trem, ela ficou daquele jeito tão apático, tão sem vida. Era como se ela não estivesse mais ali. Parecia que quando Kushina leu aquelas palavras impressas naquele papel, também tivesse morrido.
Entraram vagarosamente na casa, andando com lentidão, através daqueles cômodos vazios e escuros, devido à baixa luminosidade do dia. Pararam no meio da sala, onde, antes havia um enorme tapete que cobria quase toda a extensão do assoalho. Olhou para o canto direito onde, antes havia dois enormes sofás e que tinham sido vendidos já há algum tempo e que ficavam quase de frente para a enorme lareira, que já não era mais acendida. Aquele cômodo, no qual antes emanava luz, calor e aconchego, naquele momento parecia um calabouço úmido e gélido no meio da escuridão, e representava com precisão o que elas estavam sentindo por dentro.
-Você quer que eu prepare alguma coisa para beber? Algum chá? Qualquer coisa que possa te aquecer? - Tomito perguntou ao perceber as mãos frias de sua mãe.
Kushina permaneceu apenas com um olhar distante, com lágrimas ainda escorrendo de seus olhos, sem cessar. Tomito também queria extravasar toda aquela dor e angústia presa em seu peito, mas sabia que tinha que permanecer firme diante de sua mãe, pelo menos naquele instante. Mas, quando a viu levantar seu braço esquerdo, direcionando sua mão para seu rosto e beijando carinhosamente a aliança em seu dedo anelar, a morena não mais aguentou e se desmanchou em lágrimas, a abraçando fortemente. Ambas acabaram por se sentar no chão frio de madeira, ainda abraçadas e chorando.
Tinha perdido a noção de quanto tempo estavam ali, sentadas no chão e abraçadas, apenas chorando em silêncio, tentando aplacar a dor que só crescia mais e mais dentro de seu coração. Podia ter passado apenas segundos, horas ou até mesmo dias. Ela não sabia dizer e nem se quer se importava com isso. Só sabia que a noite já havia chegado e a luz prateada da lua as iluminava através da janela aberta. Nunca tinha chorado tanto como naquele momento e, também, nunca havia sentindo tanta dor e tristeza. Seus olhos ardiam com as lágrimas que escorriam sem parar e seu coração doía pela perda de seu pai, por seu irmão que estava desaparecido e que poderia estar em qualquer lugar naquele instante. Será que ele também havia recebido aquela notícia? Esperava que não. Sabia que aquilo o abalaria de uma forma jamais vista e, ela sabia que ele tinha que estar bem, caso quisesse permanecer vivo. Ela também sentia dor por sua mãe. Nem se quer conseguia imaginar como ela deveria estar se sentindo naquele momento, ao acabar de descobrir a perda da pessoa que mais amava. Sabia que não podiam ficar ali sentada, chorando pelo resto da vida. Tinham que levantar a cabeça e seguir em frente. Mas naquele momento, nenhuma delas tinha forças para se levantar. Sabia que não deveriam se deixar abalar, pois, aquela não era a vontade de seu pai. A vontade dele era a de que deveriam se manter firmes, fortes e que seguissem em frente.
Estava prestes a falar palavras de encorajamento e conforto que tinha conseguido pensar, mas, acabou escutando bem baixa e distante a voz de sua mãe. Surpreendeu-se com isso, pois, desde a hora que haviam recebido a notícia, não tinha escutado um som se quer transmitido pela outra, além de murmúrios e lamentações durante o choro. Não esperava que a ruiva fosse a primeira a quebrar o silêncio que a muito havia se instalado. Tomito a olhou serenamente, esperando pelas palavras que iriam ser proferidas pela mãe. Ela falou calmamente, a surpreendendo de tal forma que nunca havia imaginado. Palavra após palavra, Kushina relatava algo que a morena não esperava escutar, a enchendo mais ainda de dor em sua alma.
-Eu conheci seu pai quando tinha apenas sete anos. Tinha acabado de me mudar de Dortmund, aqui para Berlim. Isso foi em 1908. O vi pela primeira vez quando fui apresentada a minha nova turma na escola. É verdade que sou um ano mais nova que seu pai, e tinha apenas sete anos, mas, como tinha estudado os outros anos apenas em casa, já que sua avó era professora, meus estudos eram mais avançados e, assim, o diretor da escola optou por me colocar um ano a frente. Assim, acabei ficando na turma de seu pai. Lembro como se tivesse sido hoje, quando o vi pela primeira vez. Ele estava sentando em uma das mesas mais distantes, ao lado de uma janela e olhava para fora, como se estivesse bastante interessado na forte chuva que caia naquele dia. Mas, quando eu disse apressadamente, quase em um grito ao me apresentar, devido ao nervosismo e a vergonha que sentia, por estar na frente de tantas pessoas desconhecidas, eu o vi me olhando com uma serenidade no olhar. Apesar de todas as outras crianças terem rompido em risos, fazendo chacota da minha cara. O que, acabou me deixando mais constrangida e vermelha de vergonha. E, eu odiava isso, já que quando isso acontece meu rosto faz um belo contraste com a cor de meus cabelos. De qualquer forma, lembro que ele foi o único que não riu. Ficou apenas me olhando atentamente, como se estivesse tentando decifrar um enigma que era aquela garotinha estranha que estava parecendo um pimentão de tanta vergonha, parada bem ali na sua frente. - Ela deixou escapar um leve sorriso, logo depois continuando a falar. - Mas, como eu era uma criança idiota, tomei aquilo como uma afronta. Pensei que aquela sua atitude era de deboche e de desinteresse, querendo deixar claro que eu nem sequer valia o esforço. Hoje em dia percebo o quão idiota eu era ao pensar isso. Mas crianças são assim, e acabei me perdoando por essa minha atitude idiota. De qualquer forma, nunca conversávamos. Minato era muito quieto e na dele e só falava quando era solicitado, e mesmo assim, apenas o necessário. Ao passo que eu era uma tagarela incontrolável e escandalosa. Devido a essa minha personalidade e atitude não muito femininas eu acabava sendo vítima de todas as brincadeiras de mau gosto dos meus colegas de classe. Viviam dizendo o quanto eu era parecida com uma pimenta, devido à cor dos meus cabelos. E, conforme eles iam falando, eu acabava ficando vermelha de raiva, e isso só fazia com que eles rissem mais ainda de mim. Eles faziam as brincadeiras e os gracejos mais horríveis devido à cor avermelhada de meu cabelo e, claro, principalmente, por eu ser uma estranha naquele lugar. Só porque não éramos daqui e os pais deles não conheciam os meus, achavam que tinham motivos o suficiente para me fazer sofrer, fazendo discriminações, já naquela época. - Sua expressão fechou no mesmo instante, deixando transparecer um olhar triste e de pesar. - Mas, eu não me deixava abalar por isso. Eu sempre revidava com todas as minhas forças. Batia neles e não tinha vergonha nenhuma em fazer isso. E, eu sempre via Minato me olhando de longe, me observando. Ele nunca fazia nada, nunca falava nada. E, quando eu o olhava, ele simplesmente desviava seus olhos, fingindo que nem estava me vendo. Aquilo me deixava furiosa, pois, ele via o que os outros faziam, mas não fazia nada para me defender. Comecei a odiá-lo por isso. E, meu ódio cresceu mais ainda, quando descobri que ele também não era natural de Berlim. Fazia apenas um ano que ele havia se mudado de Munique para cá. Ele também sabia como era a sensação de ser um estranho em um lugar completamente desconhecido, de ser isolado, deixado de lado e sozinho. Pelo menos, foi o que pensei no começo. Por fim, acabei conhecendo Thomas e comecei a criar uma amizade com ele, por sermos vizinhos, além de ser o único que me dava atenção, conversando, brincando e não fazendo brincadeiras com minha aparência. Não hesitei em deixá-lo entrar cada vez mais em minha vida.
Tomito sentiu um calafrio profundo ao ouvir aquele nome sendo proferido, e as lembranças dele caído morto a sua frente, surgiram como fleches em sua memória, fazendo com que se sentisse mal de imediato. Ficou encarando sua mãe, que continuava a relatar os acontecimentos do passado, parecendo que nem se quer havia notada a mudança de comportamento da filha.
-Ele era um ótimo amigo, atencioso e bom ouvinte. Eu sempre reclamava para ele sobre todas minhas tristezas e angústias. E, assim os anos foram passando. Depois de um tempo, acabei descobrindo que seu pai não havia sofrido discriminação como eu. Ele até podia ter vindo de outra cidade, mas mesmo assim, sua família era muita rica e influente o suficiente para ser conhecida em muitos lugares do país, incluindo Berlim. Por isso, os Uzumakis sempre foram bem vistos e bem aceitos pela sociedade. Descobrir isso só fez com que minha raiva aumentasse ainda mais. Por que eu tinha esperanças, bem no fundo do meu coração, de que pelo menos ele era como eu, e sabia como me sentia. Mas, eu estava enganada. E, isso só me fez pensar que ele me ignorava daquela maneira porque me achava inferior e que nem se quer era digna de sua piedade. Os anos foram passando e sempre estudávamos juntos, mas nunca falamos nada um para o outro. Até que em 1915, um ano depois do início da Grande Guerra, eu e Thomas já éramos muito amigos. Eu já era uma garota de 14 anos e ele já tinha os seus 17 anos. As coisas começaram a ficar um pouco diferente entre nós. Bem, pelo menos para mim não passava de uma amizade, mas ele achava que nossa amizade significava algo a mais. Comecei a perceber suas intenções, mas até aquele momento, ele era sempre bastante evasivo e até mesmo tímido, tentando não deixar transparecer suas reais intenções. Mas, ele já tinha 17 anos e estava começando a ficar impaciente, e assim, acabou fazendo algo que me assustou como nunca antes. Era uma tarde de final de outubro e o inverno se aproximava rapidamente. Os dias eram mais curtos e frios e as árvores quase já não tinham folha alguma. Estava voltando para a casa depois de mais um longo dia na escola e ele apareceu para me acompanhar até em casa. Não achei estranho, pois, ele sempre fazia isso. Então, nem se quer me preocupei. Conversávamos a respeito da guerra e, nem me lembro como, mas um assunto acabou puxando a outro, e quando dei por mim, o vi se declarando, falando sobre todos os seus sentimentos para comigo. Lembro que fiquei sem reação alguma, paralisada com tudo, apenas o olhando, sem saber o que fazer. Já tinha desconfiado, mas nunca achei que ele iria ter coragem de falar. Meu peito doeu naquele momento, mas apenas de pena, porque eu não o amava, não do jeito que ele queria, pelo menos. E, como não queria que ele se sentisse iludido, escolhi cuidadosamente as palavras que iria dizer e deixei bem claro, para que não tivesse dúvidas, que eu não o amava. Pensei que depois que esclarecesse que eu não sentia o mesmo, ele iria compreender e seguiríamos em frente. De que nada iria mudar. Mais que tola que eu fui. Que tola e ingênua fui em pensar isso! Quando disse que não sentia o mesmo por ele, seu semblante mudou e ficou vermelho de raiva. Ele ficou furioso por eu ter dito aquilo e falou que eu iria me arrepender por ter o humilhado. Comecei a ficar com medo, pois, ele era bem mais alto e forte. Sabia que se ele quisesse poderia me machucar. Tentei dar as costas e ir embora para casa o mais rápido possível, mas antes que eu sequer conseguisse me virar, ele me segurou pelo braço, me puxando para perto e despejando inúmeras palavras ofensivas, com um olhar de puro ódio. A única coisa que eu fazia era pedir para que me soltasse. Quando vi que ele não o faria, tentei revidar. Ingênua e idiota como era, pensei que iria conseguir fazer o mesmo que fazia com os meus colegas, quando éramos mais novos. Mas, Thomas era diferente. Ele realmente queria me machucar. Percebi isso quando ele deu um forte puxão em meu cabelo, arrancando alguns fios, fazendo com que meus olhos lacrimejassem devido à ardência em minha cabeça. Naquele instante gritei por ajuda. Mas, não havia ninguém na hora, éramos somente nós dois. E, quando ele percebeu isso, deixou transparecer um sorriso maligno que congelou minha alma. Ainda estando presa pelos cabelos, ele começou a me puxar com força, me arrastando para uma viela que ficava entre dois prédios comerciais. Tentei me soltar a qualquer custo, mas não conseguia. Naquele momento, senti uma forte vontade de chorar, mas não me permiti a isso. Disse a mim mesmo que nunca iria permitir que ele visse uma lágrima sequer ser derramada por sua causa. Permaneci forte apesar da dor, do medo e da angústia que sentia. Quando ele me jogou e me imprensou na parede de um canto mais afastado e escuro, aonde ninguém iria nos ouvir ou ver, percebi que aquela pessoa que tinha considerava como o meu melhor amigo durante tantos anos, que tinha crescido ao meu lado e brincado comigo, com quem eu havia confidenciado todos os meus sentimentos e sonhos, estava prestes a fazer uma coisa horrível comigo. Entrei em desespero, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Fechei os olhos com muita força, apenas desejando que tudo acabasse o mais rápido possível. Quando, acabei escutando um barulho. E, ao abrir meus olhos, vi que alguém estava brigando com ele. E, assim percebi que a última pessoa que eu cogitei que pudesse me ajudar, estava ali em uma luta intensa, trocando socos e chutes violentos com Thomas. Era Minato. Ele estava ali para me ajudar. Eles ficaram brigando por alguns instantes e eu não conseguia acreditar quando aquele garoto mirrado, que eu achava um frangote, tinha conseguido bater no outro, que era bem mais alto e forte, e o feito ir embora correndo. Fiquei sem acreditar no que via e só voltei à razão quando ele se virou para mim e perguntou se eu estava bem. Sua voz soou a meus ouvidos como melodia, de tão calma e serena que ela era. Reparei que ele tinha um pequeno corte no canto inferior direito de seu lábio e que um pequeno hematoma começava a aparecer em sua bochecha. Algumas gotas de sangue manchavam a blusa branca de seu uniforme impecável. Seu cabelo dourado estava todo bagunçado e seus olhos, tão azuis quanto o céu, me encaravam. Ele se aproximou mais, demonstrando preocupação ao não ter uma resposta, perguntando novamente se eu estava bem. Ainda saindo do transe, balancei vagarosamente a cabeça em afirmação , e com isso, ele deixou transparecer um leve sorriso, ficando tranquilo.
Tomito achou estranho aqueles acontecimentos narrados por sua mãe, pois, quando a questionou sobre como ela conhecia Thomas, ela tinha lhe dito que os dois eram comprometidos, mas que ela acabou conhecendo seu pai e se apaixonado por ele, e que o outro não tinha aceitado e era obcecado por ela. Mas, agora ela tinha acabado de falar que ele tentou abusar dela e que já conhecia seu pai antes mesmo disso acontecer. Não entendeu muito bem porque sua mãe tinha contado isso, mas talvez tenha sido porque ela estava traumatizada com os acontecimentos do dia e que tentou protegê-la dos acontecimentos trágicos de seu passado, mas naquele momento a ruiva falava tudo, sem ao menos perceber. Então, para esclarecer de vez aquela dúvida, ela perguntou:
-Você me disse que Thomas e você eram comprometidos, mas que acabou se apaixonando pelo meu pai. Porque mentiu?
-Por que não queria que você soubesse a verdade, pelo menos não naquele momento, com tudo o que tinha acontecido. Por isso, acabei distorcendo a verdade.
Tomito balançou a cabeça e ficou em silêncio, esperando para que sua mãe continuasse. Após alguns instantes de reflexão, a ruiva voltou a falar:
-Eu ainda estava atordoada e não entendi nada do que estava acontecendo e acabei perguntando a primeira coisa que veio a minha cabeça. Queria saber o porquê de ele ter me ajudado se antes ele nunca sequer havia levantado um dedo para me ajudar. Ele falou que antes não tinha me ajudado porque sabia que eu era forte e que sabia me defender muito bem, e que ele precisava deixar que eu lutasse as minhas próprias batalhas. Mas, aquilo ali era diferente, não era apenas uma discussão entre colegas, era algo sério e ele não podia simplesmente ignorar. Então, perguntei como ele havia nos encontrado, e ele me falou que vinha um pouco mais atrás, distraído, olhando uma revista e acabou percebendo que nós dois discutíamos, mas, da distância que estava não dava pra ter certeza, por isso, se aproximou para ver e acabou percebendo que tínhamos desaparecido, mas tinha alguns dos meus fios de cabelo caídos no chão e que achou estranho e acabou seguindo o caminho até nos encontrar. Achei estranho ele ter percebido algo apenas por causa de alguns fios de cabelo e o questionei sobre isso, já que não fazia sentido algum e que poderia ser de qualquer outra pessoa. Ele me falou que meus cabelos eram únicos e muito bonitos, por isso, era quase impossível ele não perceber que eram meus. - Ela deixou escapar um sorriso largo, deixando no mesmo instante uma grossa lágrima escorrer por toda a extensão de seu rosto e respirando fundo, continuou a falar. - Confesso que naquele momento meu coração falhou uma batida. Nunca antes ninguém havia dito que meus cabelos eram bonitos e ele tinha se arriscado apenas para me salvar. Naquele instante, percebi que toda a raiva e amargura que eu tinha nutrido por ele durante tanto tempo, eram sentimentos supérfluos e que não faziam sentido algum. Naquele momento, percebi que ele era o maior dos homens, que ele era incrível. E, percebi que queria que ele estivesse ao meu lado pelo resto de minha vida. Logo depois disso, acabamos ficando amigos e acabei descobrindo que ele sempre ficava me vigiando, tomando conta de mim a distância. Que, ele nunca havia me ignorado e que desde sempre só queria o meu bem. Com o passar do tempo, ele acabou falando que desde o primeiro dia que tinha me visto, há tantos anos, quando éramos apenas crianças, que ele sabia que eu era uma garota incrível e que qualquer homem teria muita sorte de me ter ao seu lado. Não demorou muito e ele acabou me pedindo em namoro, no qual aceitei de imediato. Eu me sentia tão feliz. Minato era amoroso, compreensível, bastante paciente, sabendo lidar com todas as minhas alterações de humor. Ele era perfeito para mim e eu o amava cada dia mais. Depois disso se seguiram dias e anos felizes, mas a guerra estava a todo vapor e nós estávamos perdendo. Sabia que dias difíceis estavam por vir e tentávamos viver o máximo que podíamos. Mas, em 1918 Minato iria fazer 18 anos e tínhamos total consciência de que quando ele o fizesse, teria que ir para guerra. Foram meses difíceis que se sucederam após isso, mas, sem se quer que eu esperasse, ele acabou me pedindo em casamento. Ele me disse que tinha consciência que dali quatro meses não sabia o que iria acontecer com sua vida, que não sabia qual iria ser o seu destino, mas ele tinha certeza de uma única coisa, de que ele queria que eu ficasse ao seu lado. Mesmo que fosse por poucos meses, ele queria saber qual era a sensação de viver ao meu lado, queria saber como era se sentir completo ao estar comigo e ser o homem mais feliz do mundo, mesmo que fosse por pouco tempo. É claro que aceitei. Acabamos nos casando em setembro, faltando apenas três meses para que ele completasse 18 anos. Decidimos que durante esses três meses viveríamos tudo o que tínhamos para viver. Mas, a vida parecia querer nos sorrir e, apenas faltando um mês para seu aniversário, foi declarado oficialmente o final da guerra. Com isso, tínhamos ganhando uma segunda chance de vivermos juntos e felizes e estávamos dispostos a não perder aquela oportunidade. Assim, começamos a viver como um casal feliz, desfrutando de todas as novidades que aquela nova experiência nos proporcionava. Foi uma época de muita felicidade e pensei que nada mais poderia superar aquilo. Até que um mês depois do final da guerra, acabei descobrindo que estava grávida e você veio a nascer dali sete meses. Minha querida, você era a princesinha do papai. Ele era um pai maravilhoso, atencioso, amoroso e carinhoso. Ele te mimava de todas as formas possíveis. - Ambas deixaram escapar mais um leve sorriso diante daquelas palavras. - Dali dois anos, tivemos Naruto. “O menino dos meus olhos” era como ele costumava falar. Ele sentia orgulho do filho e seus olhos brilhavam toda vez que via sua cópia ali, parada a sua frente. Eu sentia tanto orgulho da minha família e sabia que era a pessoa mais feliz do mundo e que nada poderia vir a estragar isso, a me tirar isso. Assim, os anos foram passando e seguíamos com nossa vida. É claro que nem tudo era um mar de rosas, sempre tinha alguns problemas, mas nada que não podia ser resolvido. As dificuldades sempre iriam existir, mas sabia que com ele ao meu lado, e com o nosso amor nos unindo e nos fortalecendo, nada seria impossível de superar. Mas, acabou começando o governo nazista e as dificuldades começaram a aumentar consideravelmente. Mesmo assim, conseguimos nos manter fortes porque estávamos juntos e, eu sempre soube que por enquanto que estivéssemos unidos nós sobreviveríamos. Mas, agora eu perdi o meu amor e não sei mais o que fazer. Me sinto tão perdida. - Ela fechou fortemente seus olhos, deixando lágrimas escorrerem, e sua voz saiu entrecortada. Levando alguns minutos para se recuperar, ao parecer que se sentia melhor, voltou a falar. - Então, essa guerra começou e ela levou duas pessoas muito importantes e preciosas para mim. O que a vida nos deu de chance daquela vez, agora está tomando de volta e em dobro. Eu não sei mais o que fazer, estou me sentindo tão perdida.
Aquelas últimas palavras soaram em seus ouvidos como facadas, pois, parecia que sua mãe também havia desistido de seu irmão. Parecia como se ela tivesse desistido de Naruto. Não podia aceitar isso. Sentia no fundo de seu coração que seu irmão ainda estava vivo e elas não podiam simplesmente o deixar de lado.
-Naruto ainda está vivo e bem. E, eu sei que ele vai voltar para casa. - Disse mais alto do que o normal, olhando bem dentro dos olhos da ruiva.
-Não devemos criar esperanças sobre isso, por que a qualquer momento podemos receber a notícia de que ele também está morto. Isso é um fato e não podemos negá-lo.
Tomito se sentiu mal ao ouvi isso, pois, não conseguia admitir em perder seu irmão, e começou a falar quase em desespero:
-Eu não vou perdê-lo, não vou perder meu irmãozinho. Nunca irei aceitar perder meu irmãozinho. - Estando em completo desespero abraçou novamente sua mãe, logo em seguida a deitando em seu colo e fazendo carinho em seus cabelos, continuando a falar. - Nós não iremos perder o Naruto, nós não iremos perdê-lo, não iremos perdê-lo, não iremos...
Continuou a recitar essas pequenas palavras, várias e várias vezes, como se ao ser repetida tantas vezes quanto fosse possível, elas se tornariam realidade. Era difícil de aceitar que se pai tinha morrido. Mas, aceitar a ideia de que seu irmão também podia morrer, era demais e, sabia que nunca iria aceitar.
[...]
Aquela manhã estava particularmente bonita, com o sol brilhando forte no céu todo azul e sem nuvem alguma, prometendo um dia quente, fazendo um prelúdio do verão quente que iria ser naquele ano. Mas, apesar de aquele dia prometer ser tão bonito, seu coração estava enevoado pela tristeza. Sentia como se estivesse dentro de uma tempestade em alto mar e que o barco que se encontrava estava prestes a afundar. Mas, tinha que se manter forte por sua mãe, que parecia não estar nada bem.
Tomito usava um simples vestido preto que chegava até os joelhos e de mangas compridas. Além disso, usava um cinto da mesma cor para acinturar o vestido, além da meia-calça e sapatos pretos. Para completar, usava um chapéu de abas largas preto, que escondia quase por completo seus cabelos, que estavam presos em um coque. Nunca antes tinha usado roupas dessa cor, pois, nunca tinha sido preciso. Vestir roupas desse tom indicavam luto e, agora sabia mais do que ninguém, que pretendia nunca mais usar esse tipo de roupa novamente. Não usava maquiagem alguma, já que aquela situação não era propícia. Ao olhar para um pequeno espelho de mão, constatou que sua pele estava bem pálida, mas não se importava, não sentia ânimo algum, nem mesmo para se arrumar. A única coisa que se destacava em toda aquela apatia, eram os seus olhos. Ao encará-los através do seu reflexo no espelho, fez com que se lembrasse imediatamente de seu pai, fazendo com que lágrimas começassem a brotar no canto de seus olhos. Secou imediatamente, impedindo que rolassem por seu rosto. Não podia demonstrar fraqueza naquele momento, muito menos diante de sua mãe.
Respirou profundamente, tentando manter o autocontrole e saiu rápido de seu quarto, indo para o andar inferior.
Ao chegar à sala, viu que sua mãe já a esperava. Kushina usava um conjunto de terninho com saia preta, além de um chapéu e sapatos da mesma cor. A seu ver, a ruiva parecia ter envelhecido uns dez anos em apenas uma noite. Seu rosto estava pálido e fortes olheiras haviam se formado envolta de seus olhos, deixando claro que ela não tinha conseguido dormir por um segundo sequer. Até mesmo os seus cabelos, que eram de um tom vibrante de vermelho, agora pareciam opacos e sem vida. Mas, estranhamente, parecia estar mais bonita do que nunca. Sua mãe sempre foi seu modelo feminino de inspiração. Sempre quis sem tão bonita quanto ela, mas, a seu ver, nunca tinha conseguido chegar se quer aos seus pés. Mesmo naquele instante de vulnerabilidade, ainda estava muito bonita.
Sabia que sua mãe nunca mais voltaria a ter a mesma felicidade de antes e que nunca iria superar a morte de seu marido. Isso era um fato. Mas, suas esperanças de que ela pudesse ficar bem começaram a surgir ao vê-la ali na sua frente, de olhos secos e com uma expressão determinada em seu rosto, a fez ter certeza de que Kushina daria um jeito. De que, pelo menos, ela iria tentar continuar a viver.
-Vamos? - Tomito perguntou, estendendo um de seus braços para que sua mãe o segurasse.
A outra apenas maneou a cabeça em concordância e ambas saíram da casa.
O velório seria realizado naquela manhã, em um novo galpão ao lado da igreja de São Nicolau¹, a 3 km de distância de sua casa. Devido à distância, resolveram ir de bonde, apesar de o dia estar bem propício para uma caminhada.
Após alguns minutos dentro do veículo, acabaram chegando a seu destino, na parte oriental do centro da cidade, no distrito de Mitte², no bairro de Nikolaiviertel³, na região mais antiga de toda Berlim. Um enorme balcão se estendia logo a sua frente, com suas paredes brancas de tijolos refletindo a luz do sol. Do seu lado direito estava a mais antiga igreja da cidade. A igreja de São Nicolau possuía um estilo arquitetônico gótico de tijolos(4), com sua torre gêmea terminando em um telhado em forma de cone, com sua nave central mais alta e duas laterais mais baixas, sendo circundada por vários prédios de estilo medieval.
Havia vários transeuntes saindo e entrando naquele galpão, sendo visíveis suas expressões de tristeza e dor.
Elas entraram devagar por aquele recinto, andando por um pequeno corredor que dava acesso a um amplo espaço, que naquele momento, estava repleto de caixões idênticos, dispostos em fileiras, um ao lado do outro. Todos eles estavam fechados, com a bandeira nazista cobrindo suas tampas. Sentiu o braço de sua mãe, que segurava, fraquejar ao ver aquela cena. Agora conseguia entender porque tinha tantas pessoas ali.
Ficaram paradas sem saber para onde ir, até que um homem devidamente fardado se aproximou e as cumprimentou, perguntando:
-Quem as senhoritas gostariam de ver?
-Uzumaki. Minato Uzumaki. - Tomito falou ao perceber que sua mãe não iria conseguir pronunciar palavra alguma.
O homem apenas assentiu de leve, pedindo para que ambas o seguissem. Andaram por alguns minutos, andando em zigue-zague, por entre as fileiras de caixões. Tomito apenas olhava para frente, não ousando olhar um segundo se quer para o lado, para não ver famílias em prantos ou fotos dos que tinham morrido. Não queria saber de nada daquilo, só queria chegar logo ao seu destino. Cada passo que dava seu coração ficava cada vez mais acelerado, com a respiração curta, começando a ficar com falta de ar. Não tinha ideia de como iria agir ao ver o caixão de seu pai. Na verdade, aquela ideia não tinha passado por sua cabeça até aquele momento, e, agora começava a se sentir desesperada e com medo, pois, sabia que quando o visse em um caixão, aquele pesadelo que tinha começado desde a tarde anterior iria de fato se concretizar. Não sabia como iria agir diante disso. E, principalmente, não sabia como sua mãe iria agir.
Seu guia parou de andar, apontando com uma de suas mãos para um caixão ao lado, e sem falar mais nada, deu as costas e saiu. Apenas sentiu sua mãe soltando de seu braço e se afastando, indo na direção indicada. Mas Tomito ainda não se sentia preparada para encarar a realidade, e assim, virando-se para o outro lado, foi atrás daquele oficial. Dando passos mais largos que o normal, conseguiu diminuir a distância que os separava e ao postar ao seu lado, começou a falar:
-Com licença. Posso fazer uma pergunta? - Perguntou, no qual o outro a olhou, sem demonstrar expressão alguma. Por fim, acabou concordando com um leve manear de cabeça. - Quando me falaram que o velório ia ser hoje aqui, ao lado da igreja, pensei que iria ser algo mais particular. Mas, posso ver que me enganei.
-Sinto muito, mas dada as circunstâncias atuais, o governo não se pode dar ao luxo de fazer velórios individuais.
-São muitos. - Disse olhando para os lados, até onde sua visão permitia ver.
-Hoje são duzentos e quinze.
Ela se espantou com aquela informação, pois, nem se quer esperava por tamanha quantia. Podia ver que eram muitos, mas nunca poderia adivinhar que eram tantos.
-Apenas hoje?
-Sim. Amanhã chegarão mais, e assim por diante. Estamos em guerra e, infelizmente, ainda iremos perder vários soldados até a nossa completa vitória.
-Entendo. - Falou vagamente, ainda perdida em pensamentos, diante daquela informação.
-Mais alguma dúvida?
-Sim. Eu tenho mais uma. Por que todos os caixões estão fechados? - Falou ao reparar nesse pequeno detalhe.
-Para não causar uma comoção geral.
Ela ficou sem entender essas últimas palavras, e ao perceber isso, ele continuou a falar:
-Infelizmente, nem todos os corpos estão em um estado apresentável. Alguns apenas foram encontrados após dias de sua morte, outros sofreram ferimentos graves e nada agradáveis aos olhos, e por aí vai.
Suas pernas começaram a tremer diante daquela resposta. Como podia ter sido tão idiota e ingênua ao não perceber isso? É claro que deveria ser por aqueles motivos, não teria outro. Estavam em guerra, e apesar de nunca ter presenciado uma, deveria ter em mente que não acontecia coisas muito agradáveis. Mas, pensar em seu pai que estava ali, a apenas alguns metros, deitado em um caixão, podendo não estar com uma aparência normal, a abalava. Então, um pensamento surgiu. Seu pai era um piloto de avião e ele tinha morrido devido a sua queda, durante uma batalha aérea. E, ela tinha quase certeza, que quedas de aviões não deveriam ser muito bonitas de se ver, o que significava que seu pai não deveria ter ficado em uma situação muito boa. Pensar nisso fez com que seu estômago revirasse, a deixando enjoada, tendo lágrimas formando novamente em seus olhos. Apenas agradeceu pelas informações, dando as costas, indo na direção de sua mãe.
Kushina estava parada sem se quer se mover, ao lado do caixão. Seus braços estavam esticados ao lado do corpo, não expressando emoção alguma. Apenas olhava para um retrato com um olhar distante, como se relembrasse de algo. Ao se aproximar, pôde ver que se tratava de uma pequena foto em preto e branco de meio corpo de seu pai, que usava o uniforme militar. Ver aquela foto a fez se lembrar do quão jovem, alegre e bonito ele era e o quanto de vida ele ainda tinha pela frente, mas que tinha sido roubada por causa de uma guerra.
-Mãe. - Ela falou em uma voz falha, tentando chamar a atenção da mesma, ao mesmo tempo em que estendia os braços para abraçá-la.
A ruiva se afastou por alguns centímetros, balançando a cabeça em negação. Tomito soube na mesma hora que ela queria ficar em silêncio, no qual ela acatou de imediato. Ambas ficaram por longos minutos em completo silêncio, apenas paradas a observar aquela pobre madeira amarronzada, que formava a cama de descanso eterno de seu pai. Não conseguiu pensar em nada durante todo aquele tempo, sua cabeça estava totalmente em branco, era como se seu cérebro estivesse tentando protegê-la, ao bloquear qualquer tipo de pensamento negativo, permitindo que ficasse ali, apenas permanecendo viva ao permitir que seus parâmetros vitais funcionassem. Estava totalmente distraída, quando escutou, por fim, a voz de sua mãe à distância, apesar de estar parada bem ao seu lado. Com um pouco de custo voltou à realidade, olhando para a mais velha em indagação.
-Desculpe, eu não escutei. - Falou por fim, admitindo com um pouco de vergonha.
-Por que está fechado?
Ela sabia a resposta para aquilo e, apesar de parecer insensível naquele momento, respondeu sem rodeios. Conforme falava viu os olhos de sua mãe mudar por completo. Sabia o que estava por vir e apenas esperou, até que a viu se aproximando ainda mais do caixão, deixando lágrimas fluir por seus olhos. Ela deitou seu tronco sobre ele, encostando o rosto na tampa de madeira e o abraçando, começando a chorar convulsivamente.
Começou a passar mal ao ver essa cena, sua cabeça doía e seu estômago revirou ainda mais, uma forte dor surgiu em seu peito, fechando sua garganta, fazendo com que seu peito doesse mais. Se não saísse dali imediatamente, sabia que iria desmaiar a qualquer momento. Sem aguentar mais, deu as costas e saiu andando o mais rapidamente possível, sem rumo algum. Sentia falta de ar e apenas queria ir para o lado de fora, para conseguir um pouco de ar. Sentia-se tão desesperada que andava sem rumo, não enxergando nada a sua volta, apenas tentava recuperar o fôlego e se acalmar. Conseguiu sair para o ar livre e ficou por bastante tempo sob a luz do sol, tentando recuperar a calma e o controle.
Depois de conseguir se recuperar o máximo que conseguia, resolveu voltar para dentro, para ficar ao lado da mãe.
Andava mais tranquilamente, observando pela primeira vez as fotos sobre os caixões a sua volta. Ela observava seus rostos, lia os nomes escritos logo abaixo, com suas datas de nascimento. Não pôde deixar de notar que, na sua maioria, era de jovens que deveriam ter mais ou menos a sua idade. Estava distraída, quando acabou se deparando com uma garotinha, parada bem a sua frente. Por pouco não tinha tropeçado na menina e sabia que podia ter a machucado se não tivesse reparado na sua presença a tempo.
-O que você está fazendo aqui sozinha? - Perguntou, olhando com intensidade para a menina.
Ela vestia um vestido rodado de cor escura, com vários babados. Seus olhos eram de um verde intenso e seus cabelos caiam em cachos dourados que emolduravam seu pequeno e belo rosto angelical.
-Estou aqui por causa do meu pai. - Ela falou com uma voz meiga, mostrando ainda algumas dificuldades para falar.
-Quantos anos você tem? - Perguntou curiosa.
A menina apenas levantou uma de suas mãos, mostrando três dedos levantados, o que indicava que essa era a sua idade. Após isso, ela se aproximou pegando na mão da mais velha e a puxando. Tomito se surpreendeu com aquele gesto, mas acabou a seguindo. Ambas andaram de mãos dadas por alguns instantes, através dos corredores de caixões, até que a garotinha parou abruptamente e a olhou novamente com um largo sorriso, falando:
-Meu papai está aqui.
A morena olhou para um caixão mais ao lado e viu a foto que estava sobre ele, vendo um rapaz bonito, com um sorriso radiante, semelhante ao da menina. Logo abaixo da foto viu a data de nascimento, concluindo que tinha apenas 25 anos. Começou a se sentir péssima ao perceber que aquela menininha tão nova e bonita, com um sorriso tão alegre, tinha acabado de perder seu pai. Eles nunca mais iriam compartilhar momentos de felicidade, ela nunca mais iria vê-lo, nunca mais conversariam ou se quer se abraçariam. Como aquele mundo era injusto ao fazer uma menina de apenas três anos ser obrigada a velar seu pai, sem nem mesmo saber o que de fato estava acontecendo. Quando estava prestes a dizer alguma coisa para tentar consolá-la, acabou escutando uma voz feminina logo atrás de si.
-Mary! Onde você estava? Venha já aqui.
Ao olhar para trás, percebeu que se tratava de uma moça com cabelos tão dourados quanto o da criança.
-Mamãe. - A mais nova falou animada, correndo na direção da outra.
-O que eu já te disse sobre ficar atrapalhando as outras pessoas, minha filha? - Sua voz soou grave, mas tinha um olhar de ternura ao abaixar à frente de sua filha, logo em seguida dando um leve beijo em seu rosto, completou. - Vá até a sua avó. Ela está sozinha e está precisando de companhia. Anda, vai lá. Estou indo logo atrás de você.
A pequena apenas balançou a cabeça, logo em seguida saindo correndo toda feliz.
-Desculpa. - A loira disse, se levantando e se virando para Tomito, que estava desconcertada por ter presenciado aquele momento familiar.
-Tudo bem. - Se apressou a falar, desconfortada com toda a situação. - É o seu marido? - Ela perguntou por fim, a se ver vencida pela curiosidade.
-Sim. - Disse calmamente, e ao se aproximar, depositou carinhosamente uma de suas mãos sobre o caixão ao lado.
-Sinto muito. - Foram as únicas palavras que a morena conseguiu falar.
-E você? Por quem você veio aqui?
-Meu pai.
-Sinto muito por isso.
Um pequeno silêncio se instalou, até que a loira continuou a falar:
-De qualquer forma, haverá muitos outros mortos para serem velados aqui nesse mesmo lugar, nos próximos dias. A lista de óbito será divulgada no jornal apenas na quinta-feira e, para muitas pessoas, isso está começando a se tornar uma grande angústia devido à falta de notícias de seus familiares. - Deu de ombros com essas palavras e continuou a falar. - Bem, eu não tenho mais parentes de sangue que estão em combate, mas tenho três cunhados, irmãos de meu marido, que ainda estão em combate, e estou muito preocupada com eles. Você tem mais alguém lá fora?
-Sim. Ainda tenho meu irmão.
-Espero que ele esteja bem e que nada de ruim tenha acontecido.
-Obrigada. Desejo o mesmo a você. Agora tenho que ir.
-Sim, é claro. Perdoe-me novamente pela atitude de minha filha.
-Está tudo bem, não tem problema algum. Na verdade, ela me fez sentir melhor.
-É mesmo? Por quê?
-Bem, por que apesar de toda essa tristeza a nossa volta, com toda a sua sinceridade e ingenuidade ela foi capaz de me transmitir paz e felicidade. E, isso é lindo.
A outra apenas balançou a cabeça, concordando com a morena. Depois disso, ambas se despediram e ela voltou para junto de sua mãe.
Ao se aproximar, viu a ruiva ainda parada, no mesmo lugar, encarando o nada a sua frente. Tomito parou a seu lado e falou:
-Os enterros começarão daqui à uma hora.
-Não quero participar disso. Já tive tempo o suficiente para me despedir de Minato e não vejo razão alguma para passar por mais essa aprovação. Não quero passar pelo sofrimento de o ver sendo enterrado bem na minha frente e de não poder fazer nada para impedir isso. Eu apenas quero ir embora. Não estou me sentindo bem no meio de tantas pessoas mortas.
-Sim, são muitos mesmo. São duzentos e quinze somente hoje.
-Eu realmente quero ir embora. - Disse com a voz embargada de emoção, chocada com aquela notícia.
-Acabei de descobrir que a lista de óbitos será divulgada nessa quinta-feira.
-Isso não me interessa.
-É claro que devemos nos importar com isso, pois, ainda precisamos saber sobre Naruto.
-Não quero saber de ver o nome de meu filho nessa lista maldita. - Falou com ódio na voz. Seus olhos brilhavam de raiva e amargura, e se virando, pegou a foto de seu marido e a olhou com carinho por alguns instantes, logo depois a voltando bruscamente para o lugar com a foto virada para baixo. Sem nada a falar, saiu decidida.
Tomito ficou quieta e a observou saindo do galpão, depois se voltou para trás, se aproximando do caixão. Ela levantou o porta-retratos, o deixando em pé novamente e ficou observando a foto daquele que sempre seria o seu herói. Silenciosamente começou a se despedir em pensamentos:
"Pai, eu sei melhor do que ninguém que você deve estar, nesse momento, olhando por nós e desesperado para nos ver bem e felizes. Também sei que você sempre estará nos olhando, nos protegendo e desejando que tudo fique bem. Mas, quero que saiba que vou fazer o possível e o impossível para manter essa família unida e firme, para mantê-la erguida. Prometo que irei fazer de tudo para cuidar de mamãe. Mas, me perdoe se por acaso, eu acabe fazendo algo que você não aprove nos próximos dias. Mas, você sabe que é o que meu coração está falando para que eu o faça, e eu sei que tenho que segui-lo, eu sei que é o que tenho que fazer. Ainda não sei como e muito menos quando irei conseguir fazer, mas, de uma coisa tenho certeza, a de que vou trazer o meu irmão para casa, são e salvo. Eu vou trazê-lo de volta para a nossa mãe. Não posso permitir que ela sofra mais. Sinto, aqui dentro de meu coração, que se algo ruim acontecer a Naruto, talvez mamãe também se perca. E, se isso acontecer com ela, eu também irei me perder. Por favor. A única coisa que peço é que me dê uma luz, um caminho a seguir, para que eu saiba o que devo fazer para alcançar esse objetivo. Tenho certeza absoluta de que ele está bem, de que ele ainda está lá fora, em algum lugar, e está bem, apesar de não termos notícias alguma dele. Tenho certeza disso e me agarro a ela. Essa é a última coisa que te peço. Eu prometo! Depois disso, te deixarei descansando em paz até que chegue o momento que iremos nos ver novamente. Eu sei que você deseja que isso demore algum tempo para acontecer. Não vou mentir, é o que eu espero também. Só sei que um dia iremos nos ver novamente e voltaremos a ser uma família completa e feliz. Só peço para que me espere mais um pouco, a mim, a mamãe e a Naruto também. Porque, não iremos te ver por agora. Também quero que o senhor saiba que eu o amo e que sentirei muitas saudades e que essa dor irá demorar para cicatrizar, se é que um dia irá. Mas, prometo que irei transformar toda essa dor e tristeza em força, em determinação para conseguir seguir em frente da melhor maneira possível. Agora, tenho que ir, então, apenas te digo: Adeus por enquanto". Ela acabou de rezar, se inclinando sobre o caixão, depositando um leve beijo sobre a tampa, logo em seguida, deu as costas e começou a andar em direção a saída, sem olhar para trás.
Ao sair do galpão uma ideia surgiu em sua mente e decidiu que iria colocá-la em prática naquele mesmo dia, antes de ir para o trabalho, que começaria dali uma hora. Viu sua mãe parada de frente para a igreja, olhando para sua fachada e esperando pelo próximo bonde que logo iria passar. Ao se aproximar, chamou a sua atenção ao falar:
-Acabei de lembrar que tenho que passar em um lugar antes de ir pro hospital. A senhora se importa de ir embora para casa sozinha? Ou quer que eu a acompanhe?
-Não é necessário. - Falou com uma voz grave. - Posso ir sozinha para casa. Não precisa se preocupar, prometo que ficarei bem.
-A senhora me promete que ao chegar em casa irá comer alguma coisa e depois tentar dormir? - Estava preocupada com sua mãe. Sabia que se não estivesse por perto a ruiva poderia esquecer-se de fazer coisas básicas e sua saúde ficar frágil e acabar ficando doente. E, isso não seria nada bom.
-Prometo. Não se preocupe.
-Se quiser, posso ir embora com a senhora e depois aviso ao diretor que não pude ir trabalhar.
-Eu já disse que você não precisa se preocupar comigo, Tomito. Acho que consigo sobreviver por algumas horas longe de você. Você precisa ir trabalhar. Eu vou ficar bem.
-Tem certeza?
A ruiva balançou a cabeça, demonstrando estar começando a ficar nervosa com a insistência da filha. Ao ver esse leve resquício da velha Kushina surgir em seus olhos, ela acabou se convencendo, dando um leve beijo em seu rosto, saindo logo em seguida.
Não demorou muito para se aproximar de um antigo prédio de dois andares. Era um lugar que sediava um pequeno jornal local e onde um antigo colega de escola trabalhava. E, tendo a certeza que ele iria ajudá-la com seu objetivo, ela adentrou aquele lugar.
Reparou que se tratava de um lugar bastante simples, com suas paredes nuas e tendo apenas uma mesa simples, logo a sua frente, que deveria passar pela recepção daquele estabelecimento. Não demorou muito para que um rapaz alto e bem magro, de cabelos e olhos castanhos, surgisse de uma porta atrás da recepção. Ela o reconheceu de imediato, e falou chamando sua atenção:
-Antony!
Ele ficou a encarando por alguns instantes, até que seus olhos se iluminaram ao reconhecê-la.
-Tomito? Você por aqui? - Indagou, deixando transparecer um largo sorriso, se aproximando e a abraçando logo em seguida. – Caramba! Faz tanto tempo que não a vejo. Olha só para você. Com todo o respeito, mas você está linda, com essas roupas... Pretas. - Ele falou as últimas palavras pausadamente, ficando em silêncio e a encarando, ao perceber do que se tratava. - Não me diga que Naruto... - Falou receoso, parecendo estar com medo da resposta.
Tomito se limitou a manear a cabeça em negação, e baixando o olhar, falou:
-Meu irmão está bem. Quer dizer... Eu acho que ele está bem. Não sei te dizer. Faz tempo que não tenho notícias dele e é por esse motivo que estou aqui.
O rapaz ficou a olhando, sem entender muito bem o que ela queria dizer, e ao perceber isso, completou:
-Eu sei que vocês irão divulgar uma lista na quinta-feira e queria saber se você poderia me mostrar hoje.
-Ah! - Limitou-se a falar ao compreender e com algum receio, continuou a falar. - Eu não sei se isso vai ser uma boa ideia. Não temos permissão para mostrá-la a ninguém antes do dia estipulado. E, além do mais, ela está incompleta. Todos os dias mais nomes chegam, por isso, o governo estipulou que apenas será divulgado os nomes no jornal nas quintas-feiras.
-Mas, não vejo problema algum em você me mostrar agora.
-De fato não há problemas, mas se eu te mostrar agora e outra pessoa acabar descobrindo, ela também vai querer saber antes, e isso pode acabar se espalhando para as outras pessoas e iremos ter problemas. Não iriamos ter mais sossêgo com todo mundo vindo aqui querendo ter notícias antecipadas.
-Prometo que não contarei a ninguém. Por favor, Antony! Eu preciso saber. Eu não faço a menor ideia de como ele esteja. Não temos notícia dele há semanas. Pelo menos deixe que eu a veja, para que essa angústia, que está dentro de mim, diminua um pouco. - Ela o encarou com tristeza, deixando transparecer em sua voz.
Assim, soltando um leve suspiro ele acabou concordando.
-Tudo bem. Acompanhe-me que eu irei mostrá-la. Mas, vai ser só dessa vez. Ok? Pelos tempos de escola.
-Tudo bem. Obrigado. - Disse mais tranquila, deixando um leve sorriso surgir em seus lábios.
Ela o seguiu através da mesma porta que ele havia surgido há instantes atrás. Era uma pequena sala, que diferente da anterior, estava abarrotada do chão ao teto de coisas como estantes, livros e papeladas espalhadas por todos os lados. Havia outro rapaz, que estava sentado de frente para uma mesa, datilografando em uma máquina de escrever. Ele era ruivo de olhos verdes, não sendo tão alto quanto Antony, mas, mesmo assim, era tão magro quanto. Ele parou de escrever a olhando por cima do aro de seus óculos redondos, e se virou rapidamente na direção de seu colega, o olhando com indagação. Sem se quer dar ao trabalho de explicar coisa alguma, Antony continuou a andar, entrando em outro cômodo. Tomito achou melhor ficar ali o esperando voltar, o que não demorou muito. Ele trazia consigo uma pasta que continha umas dez folhas, com nomes escritos.
-Aqui. Seja rápida. Temos que aproveitar que meu chefe saiu para almoçar.
Pegou apressadamente as papeladas em suas mãos e começou a folheá-las rapidamente, não se importando em deixar transparecer toda a ansiedade e desespero ao fazê-lo. Procurava com desespero e medo o nome de seu irmão. A cada página que passava sua angústia crescia mais e mais, mas, quando, por fim, chegou ao último nome da lista e não encontrou o nome dele, uma sensação de alívio a atingiu de imediato, fazendo com que soltasse o ar que estava preso em seus pulmões.
-Não está aqui. - Falou visivelmente mais feliz.
-Que bom! Mas, como eu disse, ela ainda está incompleta.
-E, algum dia estará completa? - Ela lançou essa pergunta, sem nem mesmo pensar direito. Ambos ficaram a encarando, visivelmente chateados com isso, mas nada podiam dizer, já que não tinham uma resposta. Ela continuou a falar. - Mesmo assim, não consigo entender porque não tenho notícias dele.
-Bem. Talvez ele esteja desaparecido.
Ela escutou o rapaz que estava sentado falar, e ao o olhar, falou:
-Desaparecido?
-Sim. Isso quer dizer que ele não foi visto nem vivo ou morto. Por isso sua morte não pode ser declarada.
-O que pode ter acontecido para ele estar desaparecido?
- Ele pode ter sido gravemente ferido ou ter sido feito prisioneiro, ou, até mesmo, se perdido. Há vários motivos para que isso aconteça. Mas, caso ele tenha sido feito refém, por ser apenas um soldado, seu nome não será anunciado para um possível resgate e, provavelmente, ele será usado em trabalhos braçais até que morra de exaustão.
Essa última perspectiva não a agradou em nada. Saber que seu irmão podia estar sendo feito de refém e sendo obrigado a trabalhar até a morte a deixou bastante preocupada, mas aquilo também queria dizer quer ele ainda podia estar vivo.
-Tem como saber se isso aconteceu?
-Existe a lista de desaparecidos. - O ruivo falou novamente, fazendo com que Antony o olhasse com reprovação. - O que você quer que eu fale? Ela perguntou e eu só falei.
-Linguarudo. - O moreno disse com reprovação.
-Foi você que a trouxe aqui.
Ambos começaram a discutir, mas ela tratou de controlá-los ao perguntar:
-Posso ver essa lista?
-Não sei se é uma boa ideia. É uma lista sigilosa e não pode ser divulgada. Nós temos acesso a ela porque somos nós que recebemos as notícias diretamente da base de operações do exército e transmitimos para o governo.
-Por favor. Eu só preciso saber se o nome está nela.
Antony ficou a encarando por alguns instantes e suspirando novamente, acabou cedendo, entrando novamente no outro cômodo, voltando logo depois, com mais uma pilha de papéis em seus braços, a entregando.
Ela as pegou apressadamente, começando a folheá-las, lendo os nomes desesperadamente a procura de seu irmão. E, não demorando muito, acabou o encontrando.
-Naruto Uzumaki. - sussurrou o nome que estava escrito na terceira folha da pilha.
Logo ao lado tinha uma data que indicava que fazia quatro semanas que ele tinha sido visto pela última vez e ninguém sabia de seu paradeiro. Não constava se ele tinha sido feito prisioneiro, apenas falava do seu desparecimento. Um alívio súbito a preencheu, pois, isso era melhor do que saber que ele estava morto. Mesmo assim, a incerteza era algo cruel. Apesar de aquela lista constar seu nome, isso não queria dizer que ele estava bem e a salvo, mas aquilo era melhor que nada, pois, agora tinha no que se basear.
-E, então?
-Está aqui.
-Bem, pelo menos é um começo.
-Sim. Muito obrigado por ter me deixado ver esses arquivos. Você não sabe quão aliviada estou me sentindo agora.
-Não foi nada. É o que a gente faz por uma velha amiga. Só peço que não diga nada a ninguém.
-Pode deixar. Obrigado novamente. Agora tenho que ir embora, estou atrasada para o trabalho.
-Soube que você virou enfermeira, é verdade?
-Sim.
-Combina com você.
Antony era o tipo de pessoa que fazia com que Tomito ainda acreditasse nas pessoas de seu país. Era uma pessoa boa, justa e sempre fazia o que acreditava ser o mais certo e, por essas qualidades, ela podia o creditar como um amigo.
Ela o agradeceu novamente, logo, depois se despedindo e indo embora. Realmente tinha que trabalhar e faltava pouco tempo para que seu turno começasse e não podia chegar atrasada. Assim, saiu apressadamente para conseguir pegar algum táxi a tempo.
[...]
Depois de chegar ao hospital e colocar seu uniforme, ela se direcionou para ala da enfermaria. Estava fazendo sua ronda diária, administrando os medicamentes necessários e avaliando os parâmetros vitais como temperatura e pressão, além dos preenchimentos adequados dos prontuários, assim, enchendo sua cabeça com os deveres, não permitindo que ficasse pensando muito na perda de seu pai, quanto no desaparecimento de seu irmão. E, estava grata por isso, mas, ao mesmo tempo, estava preocupada com sua mãe, já que sabia que ela não teria um dia muito agradável e só iria poder vê-la no final do dia. Mesmo assim, tentava se manter a mais tranquila e profissional possível, para não fazer nada de errado que pudesse comprometer a vida de seus pacientes. Nunca se perdoaria se acontecesse algo por distração sua, por isso, nem se quer dava ao luxo de ficar pensando em acontecimentos que não eram referentes ao trabalho.
Estava fazendo a segunda ronda do dia, dessa vez na ala geriátrica, que tinha apenas um único paciente naquele momento. Era uma senhora chamada Katherine, que deveria ter por volta dos seus 65 anos, seus cabelos eram de uma tonalidade cinza. Sua pele estava corada devido às febres constantes, causadas por uma infecção de urina, que naquele momento estava quase controlada. Quando entrou no quarto, a senhora a olhou com um largo sorriso, demonstrando estar feliz por vê-la e, antes que Tomito pudesse dizer qualquer coisa, a senhora falou:
-Achei que não iria mais vir me ver hoje. Cansou-se de mim, menina? - Disse brincalhona.
Katherine era uma mulher alegre e brincalhona, sempre tratando todos com muita simpatia, mesmo já fazendo uma semana que estava ali internada. Tempo o suficiente para que ela se acostumasse com a entrada constante das enfermeiras e médicos, incluindo o da própria Tomito. E, Katherine, como gostava muito de falar, não demorou muito para que elas começassem a construir uma singela e bela amizade.
-É claro que não me esqueci. - Tomito falou lhe direcionando um meio sorriso, quebrando a distância que faltava, indo olhar as gotas que caiam do soro.
-Está tudo bem?
-Sim. - A mais nova limitou-se a dizer, sem emoção alguma. - E a senhora? Está se sentindo melhor?
-Claro. - Falou estreitando os olhos e continuando a falar. - Tem certeza que está bem? Pois, não me parece. O que aconteceu?
Tomito abriu a boca para responder, mas, antes que pronunciasse qualquer som, a mais velha continuou a falar:
- E, não venha me dizer que não aconteceu nada, porque eu posso até estar velha e não enxergar tão bem, mas, ainda assim consigo perceber que você não está bem.
A morena abaixou os olhos e se rendendo a persuasão daquela mulher, resolveu falar:
-Não vim mais cedo porque estava no enterro de meu pai.
A expressão da mais velha mudou de imediato, ficando visivelmente mais triste e aborrecida.
-Ah, meu bem! Sinto muito. Venha aqui. Deixa eu lhe dar um abraço. - Ela falou, se sentando e esticando os braços, no qual Tomito logo o retribuiu, se aconchegando nos braços amorosos daquela mulher.
O abraço foi rápido, mas cheio de amor, carinho e compreensão. Quando finalmente se separaram, a mais velha continuou a falar:
-Como está sua mãe?
-Nada bem. Ela está tentando se manter forte por minha causa, mas vejo que... - Balançou a cabeça em descrença, não conseguindo terminar de falar.
-E seu irmão?
-Não faço ideia de onde ele possa estar.
-Sabe, perder um ente querido, principalmente em uma guerra, não é nada fácil de lidar. Você sabia que eu tenho seis filhos? Todos eles são homens e tiveram que servir no exército durante a Grande Guerra e, infelizmente, todos eles acabaram morrendo. Eu perdi todos eles, sendo que dois deles não tive se quer a chance de enterrar. Só Deus sabe onde seus corpos devem estar , e isso não é algo muito fácil de aceitar. E, é por esse motivo que eu compreendo muito bem pelo que vocês duas estão passando nesse momento.
Tomito ficou espantada com essa revelação, que a deixou mais triste ainda e, ao mesmo tempo, fazendo com que uma admiração surgisse, pelo fato daquela mulher ser tão alegre e feliz, passando tanta paz para as pessoas a sua volta, mesmo tendo sofrido uma tragédia tão grande quanto aquela. Katherine segurou fortemente em suas mãos e com amor no olhar, falou:
-Querida, desejo do fundo do meu coração que mais ninguém que você ame morra, pois, você não merece isso. Mas, infelizmente, até o fim de tudo isso, muitas vidas ainda irão ser perdidas. Essa é uma verdade que nada e nem ninguém pode mudar.
A morena apenas balançou a cabeça, sentindo seus olhos começarem a arder devido às lágrimas que começaram a surgir por causa da tristeza e angústia que a consumia por dentro. Tentou se manter forte, para não derramar nenhuma lágrima na frente daquela mulher, que proferiu palavras tão fortes e verdadeiras.
-Mudando de assunto, a senhora precisa descansar agora, para que possa recuperar as forças e ficar bem.
-Mais do que já descansei essa semana? É impossível. - Falou alegre, fazendo com que ambas soltassem um leve sorriso.
Ajudou a mais velha a se deitar novamente, arrumando suas cobertas e se despedindo brevemente, saiu o mais rápido possível.
Aquela conversa foi rápida, mas bastante esclarecedora. Aquilo fez com que se decidisse. Ela se decidiu que nunca mais iria ver sua mãe perder alguém que amava. Ainda não sabia o que iria fazer, mas tinha certeza de que iria fazê-lo.
Ao voltar para a sala das enfermeiras, viu Edith, uma de suas colegas, sentada escrevendo em alguns papéis. Quando ela a viu, falou que o diretor tinha a procurado e que Tomito deveria ir vê-lo imediatamente. Achou estranha aquela convocação repentina, mas aquiesceu diante do recado da colega e rumou para a sala de seu superior, que se localizava no segundo andar.
Após alguns minutos, chegou a seu destino, batendo a porta para anunciar sua presença, no qual foi recebida de imediato. Ao adentrar a sala viu seu diretor, o senhor Rúfulos, um senhor de meia-idade que usava óculos e vestia um terno cinza. Ele indicou para que ela se sentasse na cadeira a frente de sua mesa, no qual ela o obedeceu, se sentando e logo em seguida falou:
- O senhor queria me ver?
-Sim.
-Fiz algo de errado?
-Não. Na verdade, eu só a chamei para fazer um pronunciamento.
-Pronunciamento? - Ela achou estranho, o olhando em indagação.
-Você é uma garota jovem e faz apenas alguns meses que está trabalhando aqui conosco, mas com o pouco tempo de experiência, já demonstrou o quão capaz e habilidosa que é.
Ela apenas ouvia aquelas palavras, sem de fato escutar. Estava tão cansada e abalada, tanto fisicamente quanto emocionalmente, com os acontecimentos do dia, que nem se quer dava o trabalho de tentar entender o que aquele homem queria falar. E, ele continuava a falar, sem parar.
-Você está aqui conosco desde o início do curso e não é novidade para ninguém que você sempre se destacou, mostrando toda a habilidade, cuidado e carinho com nossos pacientes. O que, é bastante importante. E, por causa de tudo isso, fico um pouco triste de ter a perspectiva de que posso perdê-la.
Ao escutar as últimas palavras Tomito despertou de seu transe o olhando avidamente, ansiosa pelas próximas palavras. Como assim, perdê-la? Ela estava perdendo o emprego? Eles estavam a demitindo? Não podia ser verdade. Como ele mesmo tinha dito, ela não fez nada de errado. Não podiam tirar seu emprego. Se isso acontecesse não sabia o que iria acontecer, pois, sua mãe e ela dependiam daquele dinheiro para sobreviver. Ficou o olhando atentamente, com nervosismo e ansiedade crescendo dentro de si, e falou em um sussurro:
-Perder?
-Calma. Não vamos nos precipitar. Ainda não sabemos de fato se você irá sair do hospital.
-Mas por quê? Você mesmo me disse que venho trabalhando bem e que não fiz nada de errado. Não entendo...
-Não é isso que você está pensando. - O outro interveio, levantando uma mão para impedir que ela continuasse a falar. - Não estou dizendo que você fez algo de errado. Na verdade, estou falando isso porque recebi uma informação de que você e algumas outras enfermeiras, estão sendo cogitadas para serem enviadas para trabalharem no mais novo campo de concentração, que irá ser aberto daqui a uma semana. Vocês irão trabalhar na enfermaria de lá.
Ouvir que ela não iria perder o emprego a deixou aliviada por alguns instantes, mas quando compreendeu que estava prestes a ser enviada para um campo de concentração, que nem se quer sabia onde ficava, que poderia estar localizado em qualquer parte da Alemanha ou até mesmo fora do país, na Polônia, Holanda ou Bélgica. E, pensar em ficar longe de sua mãe a fez se desesperar, principalmente, ao saber para onde iria. Não sabia muito bem para que servia ou o que acontecia naqueles campos, mas tinha uma boa ideia, já que sabia que eram para esses lugares que eram enviados os presos políticos, de guerra e aqueles que eram perseguidos. O que, claramente, indicava que se tratava de prisões nada agradáveis de estar. E, tinha toda a certeza de que não queria sequer passar perto de um lugar desses, nem que fosse apenas para cuidar dos presos. Pensar nisso fez com que ficasse mais aterrorizada do que perder o emprego. Não queria nem se quer saber de estar em um lugar daqueles. Não podiam fazer aquilo com ela. Não podiam enviá-la para aquele lugar sem o seu consentimento.
Deixando transparecer toda a sua frustração, disse:
-Por que eu? Por que eles querem me enviar para esse lugar? - Sua voz estava aflita e desesperada.
Ultimamente as coisas estavam andando de mal a pior e parecia que só estava tendendo a piorar. Não podia acreditar naquilo.
-Você precisa se acalmar. - o senhor falou tranquilamente. - Eu falei que seu nome foi apenas cogitado, não quer dizer que vai acontecer. Mas, o conselho geral já nos mandou um aviso prévio, pedindo para que vocês fossem avisadas sobre uma possível transferência. Mas, isso ainda não foi confirmado.
-Mas, se meu nome está na lista, as chances disso acontecer são grandes, não são?
-Isso é verdade.
-Não tem como evitar?
-Por quê? Você não gostaria de ajudar o seu país? - Ele a olhou curioso, fazendo com que Tomito pensasse com mais cautela e escolhesse sabiamente as palavras.
Por alguns breves minutos, tinha se esquecido de onde estava, e quase cometera uma grande besteira. Não podia se descuidar e falar coisas que não devia, pois, poderia ser denunciada como rebelde e as coisas ficariam piores do que apenas ir trabalhar como enfermeira em um campo de concentração.
-Bem, é porque não quero deixar minha mãe sozinha. Ela só tem a mim. Não seria justo com ela, principalmente agora, com o que acabou de acontecer com meu pai. - Engasgou ao proferir as últimas palavras. Ainda doía muito falar que ele tinha morrido, não conseguido proferir tais palavras.
-Entendo. Sinto muito por sua perda. Mas, não há nada que possamos fazer por enquanto.
Tinha que pensar em algo bem rápido ou seu futuro estaria fadado e seria obrigada a sair de perto de sua mãe e ir para um lugar desconhecido, além de ser obrigada a cuidar de pessoas que estariam sofrendo os piores males possíveis e fingir que estava tudo bem, que nada de ruim estava acontecendo. Sabia que não podia suportar aquilo, sabia que se visse coisas que não aprovasse não iria conseguir ficar quieta e poderia se colocar em uma situação ruim, caso isso acontecesse. Precisava pensar em algo urgente para se livrar daquela situação. Mas, por mais que tentasse nada vinha a sua cabeça e isso a frustrava, principalmente naquele momento, que ela tinha decidido que iria tentar encontrar seu irmão e trazê-lo de volta para casa. Mas, como fazer aquilo? Não tinha poder nenhum para isso.
Ficou remoendo esses pensamentos até que algo inusitado surgiu, fazendo com que arregalasse seus olhos diante daquela ideia repentina, e a falou rapidamente, em um fôlego só:
-E, se eu quiser me voluntariar para ficar nos hospitais de campanha no apoio a saúde dos soldados no front de batalha?
-Não sabia que você tinha interesse nisso. - O homem indagou visivelmente surpreso.
-Bem, já vinha pensando nisso há algum tempo. - Mentiu descaradamente.
Nunca antes havia pensado naquela possibilidade até aquele exato momento, mas não podia deixar a oportunidade passar.
-Isso pode mudar alguma coisa. É bem verdade que andam precisando de toda ajuda possível. Com certeza sua presença seria muito bem-vinda.
-Então, é isso que quero. Quero ser enviada para o front, para ajudar nossos soldados a recuperarem de seus ferimentos ou os ajudando a terem uma passagem mais digna para o outro lado. - Falou calmamente essas últimas palavras, as escolhendo com cautela.
-Fico feliz com seu entusiasmo para nos ajudar na nossa causa. Mas não é bem assim que funciona.
-Como não?
-Se você tivesse vindo me pedir antes de seu nome ser cogitado a ser transferido para outro lugar, não tenho dúvida alguma de que não teria problema algum em conseguir isso. Mas, agora que seu nome está na lista, não posso garantir nada.
-O que quer dizer?
- Quero dizer que talvez eu não consiga fazer com que você seja transferida para a retaguarda da batalha.
-Mas não é impossível, certo?
-Não. Prometo que irei falar sobre a sua vontade de ajudar, mas não posso garantir nada. No final das contas, quem irá de fato decidir se você irá ser transferida para esse novo campo de concentração ou se seu pedido será aceito, ou até mesmo que você permaneça aqui nesse hospital, são apenas eles.
-E quando ficarei sabendo?
-Provavelmente daqui a uma semana, não mais do que isso.
-Então, tenho que me contentar em esperar até lá.
-Sim.
-Tudo bem, posso fazer isso. Muito obrigado.
-Eu que agradeço e fico feliz em saber que uma jovem como você está disposta a nos ajudar.
-Eu é que estou feliz em poder oferecer toda a ajuda possível. - Disse, dando um pequeno sorriso se levantando e saindo.
Aquilo não era muito bem a verdade. Não estava nada feliz em ter que fazer alguma daquelas coisas. Não tinha planejado por um segundo se quer em trabalhar como enfermeira nos acampamentos do exército, mas cogitava que isso seria bem melhor do que ser enviada para trabalhar em um campo de concentração. Sabia que se fosse enviada para o exército, ficaria bem mais longe de sua mãe, mas, por outro lado, isso poderia lhe proporcionar uma chance de poder encontrar com seu irmão e ajudá-lo no que fosse necessário. Foi para isso que ela tinha dado aquela ideia, pois, sabia muito bem que se ela entrasse para o exército, as chances de encontrar com seu irmão não era tão grande, mas já era alguma coisa. Sabia que Kushina não iria gostar nada daquela ideia, pois, estaria correndo perigo. Tinha plena consciência disso, mas não se importava. O que importava era que ela tinha que fazer alguma coisa para ver sua mãe e irmão bem e felizes. E, se aquela era a sua única opção, iria agarrá-la com todas as suas forças. Iria fazer o que fosse necessário para manter sua família bem e unida.
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