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História Os dias eram assim - Peso na consciência - História escrita por ladyjack - Spirit Fanfics e Histórias
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História Os dias eram assim - Peso na consciência


Escrita por: ladyjack

Notas do Autor


Olá pessoal.
Trago para vocês mais um capítulo.
Esperou que gostem.
Boa leitura!

Capítulo 46 - Peso na consciência


•Ybbs¹, fevereiro de 1941

Gaara incitava a fogueira que tinha acabado de acender, para que as chamas aumentassem e o fogo não se apagasse. O dia estava bastante frio, com um vento cortante e neve a cair rodopiante, formando um leve manto branco sobre as folhas mortas da floresta. As árvores não possuíam folha alguma, tendo seus galhos nus a subirem para o céu como esqueletos contorcidos. As nuvens eram escuras e corriam rápidas sobre sua cabeça, deixando o dia escuro e triste.

Uma fumaça branca se formou quando suspirou, percorrendo seus olhos  e a sua volta.

Estavam em um pequeno descampado, com algumas pedras a sua volta, que podiam ser usadas como assento.

Acabou por ver Ino sentada em uma delas, embalando seu filho, que dormia tranquilamente envolto por um manto grosso de pele. Ficou a admirar a bela vista, até que a loira acabar por perceber o olhar sobre si, o olhando de volta.

 No mesmo instante ela sorriu serenamente, iluminando sua bela face, por enquanto que os flocos de neve caiam a sua volta e se prendiam em seus fios dourados, juntamente com suas bochechas que estavam rosadas, que fazia um contraste perfeito com sua pele pálida como porcelana. 

Ficou sem ar por alguns instantes, e seu peito apertado de emoção. Era uma visão perfeita.


-Está tudo bem? – Ela perguntou virando o rosto de lado em curiosidade, ainda com um sorriso estampado em sua face.


-Sim. – Respondeu gaguejando devido à perda de palavras. – Terminei de acender a fogueira. Sente mais perto para poder se aquecer. - Terminou de falar sorrindo com carinho.


Ela anuiu se aproximando e sentando em um pano que tinha acabado de estender no chão.


-Obrigado. – Agradeceu, no qual Gaara apenas balançou a cabeça em concordância, sentando ao seu lado, se sentindo confortável e aconchegado no mesmo instante com a aproximação.


Sempre se sentia muito bem ao seu lado e a cada dia que passada essa sensação só tendia a aumentar.


-Será que Edward vai demorar muito para voltar? – Ino inqueriu calmamente.


-Não sei. Mas acredito que não. Já faz algum tempo que ele saiu. – Disse se lembrando de seu outro colega de viagem que tinha saído a procura de alguma comida.


Depois disso ficaram em silêncio, cada um perdido em seu próprio pensamento, olhando a sua volta a analisar nos mínimos detalhes o que os rodeava. Desde que saíram de Viena sempre que mencionavam alguma coisa referente aos Weibliche o desconforto surgia e o silêncio se fazia presente, o deixando incomodado e desconfortável.

Mas, não demorou muito para Ino voltar a falar, incerta, parecendo ponderar se deveria ou não falar. A olhou incentivando que continuasse, no qual apenas sorriu em gratidão, pronunciando:


-Ainda me sinto muito mal com o que aconteceu. Todas às vezes que olho para Edward, me sinto péssima, com um aperto no coração. Sinto vontade de dizer algo, mas nunca o faço, porque sei que palavras não vão adiantar. E, por não conseguir fazer nada, me sinto horrível. Me sinto como se não tivesse o direito de estar aqui. Como se não tivesse o direito de ainda estar viva e bem, sabendo que eles não vão estar. – Sua voz estava embargada de emoção, ficando vacilante a cada segundo. Seus lábios tremiam, dando a impressão que começaria a chorar a qualquer momento. – E, quando penso que podia ter acontecido o mesmo conosco, fico desesperada. Mas quando me lembro que estamos bem, um alívio me preenche de imediato e me sinto em paz. Me sentir assim me torna uma pessoa ruim? – O inqueriu angustiada, o olhando dentro dos olhos.


Foram tantas informações ditas de uma única vez, que o fizeram se sentir um pouco perdido, mas logo se prontificou a falar, na tentativa de confortá-la:


-É claro que não. Não tem nada de errado em se sentir aliviada por ter conseguido escapar. E, o fato de se sentir assim, triste pelo que aconteceu, só demonstra o quão humana você é. Só demonstra o grande coração que possui. - Disse calmamente, segurando em sua mão para tranquilizá-la.


-Eu gostava deles e fiquei muito triste.


-Eu sei. Eu também gostava. Eles eram pessoas maravilhosas e não mereciam isso. Foi horrível. – Desviou o olhar para as chamas que crepitavam a sua frente, se lembrando dos acontecimentos que presenciara e no quão aterrorizado se sentiu naquele momento.


Ficaram em silêncio por mais algum tempo, mas a loira logo tratou de o preencher com sua bela voz:


-Me promete que nunca mais vai me deixar sozinha de novo? Que nunca mais vai me mandar ir embora sozinha? – Disse apertando com firmeza sua mão, o olhando em expectativa.


-Não posso fazer isso. – Disse por fim, vendo suas feições se contorcerem e um franzir de testa surgir.


-Porquê? – O inqueriu mais alto, soltando sua mão, o fuzilando com o olhar.


-Porque não sei o que nos espera pela frente. Não sei quais serão os obstáculos que teremos que enfrentar. Não posso te prometer isso, sabendo que pode acontecer alguma coisa. E, nunca hesitaria em te mandar seguir em frente sozinha se soubesse que ficaria bem. – Resolveu por falar a verdade, de forma pausada, o mais calmamente que conseguia, escolhendo com cuidado cada palavra que pronunciava.


Mesmo que a mínima perspectiva de ter que se separar dela o angustiasse, tinha que ser racional quanto a questão. Mas, sabia que não seria nada fácil para si quando isso acontecesse, se acontecesse. Torcia para que não. Todas as vezes que se lembrava de sua despedida naquele dia, ao ouvir a voz de Ino desesperado o pedindo para não a abandonar, o deixava angustiado. Não queria passar por aquilo novamente. Estava disposto a fazer tudo o que fosse preciso para evitar.


-Você sabe que eu não iria conseguir ir tão longe sem você. – Sua voz ainda era amargurada, apesar de sua expressão ter se suavizado um pouco.


-O que está dizendo? É claro que você consegue. Você é a mulher mais corajosa que conheço. – Falou vivamente.


-Não sou não. – A loira falou desanimada, balançando freneticamente a cabeça em negativa, fazendo com que seus fios dourados se soltassem do coque mal feito, caindo em cascatas a sua volta.


-Olhe para mim. – Disse sério, se virando de lado e a segurando pelos ombros, a incentivando a olhá-lo. – Você é incrível. E quando eu digo isso, pode acreditar que é verdade. Quer dizer, você fugiu da Polônia tomada por nazistas na tentativa de proteger seu filho, deu à luz no meio do nada e continuou a seguir em frente. Pelo amor de Deus, você entrou naquele túnel, sem saber aonde iria te levar, mas mesmo assim entrou. Você tem coragem, tem garra, e não tem medo do desconhecido. Se isso não é ser corajosa, então não sei o que é. – Falava exasperado, hora ou outra sorrindo para ilustrar o quão orgulhoso se sentia.


-Eu estava com medo. – Ino disse simplesmente, em uma voz baixa.


-O que?


-Em todos esses momentos eu estava morta de medo. Temendo que a cada mísero minuto algo de ruim acontecesse e tudo acabasse. Eu estava tremendo de medo. Não sou corajosa, sou uma covarde.


-Ter medo é bom. Ficaria preocupado se não tivesse. Sentir medo é natural nessas situações, e isso não a diminui, pelo contrário, apenas a torna mais forte. Te torna precavida e esperta o suficiente para saber quando deve ou não agir. – Falava docemente, passeando um de seus dedos pelo contorno de seu maxilar macio, a acariciando com ternura.


-Obrigado. – Sussurrou sorrindo, o deixando constrangido de imediato.


Se afastou minimamente, percebendo que estava perto demais, e não queria parecer atrevido.

Acabou se ajeitando novamente ao seu lado, pegando uma vara para remexer na madeira carbonizada que estalava com o calor do fogo.

Ficaram novamente em silêncio, o que acabou o incomodando. Estava começando a ponderar se tinha passado dos limites e a deixado receosa com tal aproximação. Ficou a ponderar sobre o que falar para amenizar o clima constrangedor. Mas, ela foi mais rápida, como sempre, logo tratando de falar:


-E Anninka?


-O que tem ela? – Perguntou assustado, não entendendo o porquê de tal pergunta naquele momento.


-Sinto muito. Você deve estar arrasado.


-Porque pensa assim? – Perguntou desconfiado, sem estender o que estava acontecendo.


-Vocês eram bem próximos. Acredito que não deve estar sendo fácil. Como está se sentindo? –A Loira inqueriu em tom acusatório.


-Eu já te disse que não tínhamos nada. Nunca senti nada por ela. O máximo que conseguia sentir por ela era empatia. Não é que eu não me sinta mal pelo que aconteceu. Longe disso. Ela não merecia isso, assim como ninguém. Mas, eu estou bem, acredite. Me sinto apenas triste pela família, mas nunca tive nada com ela, porque amo outra mulher. – Engoliu em seco ao perceber que tinha dito a última palavra. Mas, agora não tinha mais volta, se limitando apenas a olhá-la em expectativa.


-Entendo. Eu também me sinto péssima por todos eles. Mas, não sabia que tinha outra mulher. Quem é ela?


Se viu pego de surpresa pela pergunta inesperada, sem saber o que dizer. Ponderou sobre o que falar, não sabendo se deveria ou não contar que a amava. 

Sim, era isso mesmo. Ele a amava e só agora admitia. 

Bem, era apenas em pensamentos, mas ainda assim era uma confissão. Só não sabia se deveria contar.


-É uma mulher incrível. Muito bonita, apaixonante e especial. Sendo sincero, apenas agora percebi dos meus reais sentimentos. Só agora notei que realmente a amo e não quero ficar longe dela por nem mais um segundo. Só agora percebi que ela é especial e a única que realmente faz com que meu coração falhe uma batida todas as vezes que a vejo, que faz minha respiração ficar descompassada e que, até mesmo, esqueço meu nome todas as vezes que a vejo sorrindo ou, simplesmente, quando uma brisa suave espalha seus fios de cabelos para trás de forma tão imperceptível, mas maravilhosamente belo de ser ver. Só agora percebi que a amo tanto que não consigo pensar em outra pessoa se não nela, para ficar ao meu lado pelo resto de minha vida, até que eu fique bem velho, surdo, gagá e ranzinza. É somente nela que penso sempre que penso em um futuro, por mais distante e incerto que ainda seja. – Disse cada palavra de forma rápida e precisa, sem ter coragem de olhá-la, sem ter coragem de ver suas reações com cada palavra que era pronunciada. Estava sendo sincero em cada palavra que dizia.


Se sentiu leve e tranquilo depois de ter dito tudo o que pensava. Não se arrependendo de nada.

Suspirou na tentativa de relaxar, finalmente a olhando em expectativa. Viu seus olhos azuis o olhando com intensidade calculada, e um sorriso travesso em sua face. Corou intensamente com tal visão, sentindo um desejo insano surgir dentro de si, juntamente com seu membro que começou a dar o ar da graça ao vê-la tão sexy. Realmente a amava muito.


-Isso foi lindo. – Ino pronunciou por fim, feliz com o que ouviu.


-Você acha? – O ruivo inqueriu nervoso.


-Sim. Porque você não diz isso a ela quando a ver novamente? – Estava animada, com os olhos brilhantes de animação.


Ficou triste no mesmo instante ao constatar que ela nada tinha percebido. Que Ino pensava que se tratava de outra pessoa. É claro que ele não tinha sido direto ao falar que ela era aquela mulher incrível. Mas no fundo, torcia para que ela percebesse e também dissesse algo. Mas, se enganou.

Suspirou em desânimo.


-Você acha que eu deveria contar? – Inqueriu por fim, sem muitas esperanças.


-Claro. Tenho certeza que ela vai amar saber. Que mulher não amaria receber uma declaração tão bonita quanto essa?


-Tudo bem. Acho que você tem razão. Acho que devo fazer isso mesmo. – Falou ao perceber que aquela era a sua verdadeira chance de se declarar. Engoliu em seco para tomar coragem, se virando para ela, voltou a falar decidido. – Ino. – Falou chamando sua atenção, segurando novamente em uma de suas mãos. Ela o olhou alegremente, ansiosa pelo que viria. – Você é uma mulher maravilhosa. Você é linda e uma mãe magnífica e não consigo pensar em nem mais um outro adjetivo que não seja incrível. – Sorriu sem jeito a vendo franzir de leve as sobrancelhas, sem de fato ainda entender. – Acho que estou me perdendo aqui. – Disse inspirando, na tentativa de se acalmar. - O que estou querendo dizer é que....


-Edward? – Ino disse receosa, desviando o olhar para um canto mais afastado, o fazendo parar no mesmo instante.


Aquele era o pior momento para que o amigo aparecesse. Começou a se sentir furioso. Aquela era a chance perfeita para contar tudo o que sentia por aquela mulher incrível a sua frente, mas isso foi impedido.

Isso o frustrava.

Não conseguiu esconder tal desgosto de suas feições, que se fecharam de imediato, ficando bastante sério.

Mas, quando viu os olhos azuis intensos a sua frente se arregalarem, e um brilho de temor surgir em seus olhos, sua expressão mudou de imediato para preocupado.

 Olhou para trás, vendo o colega apoiado em uma árvore mais distante, por enquanto que segurava a barriga com a outra mão. Seu rosto estava pálido e enigmático, parecendo perdido.

Ambos se levantaram com a visão, indo em sua direção no mesmo instante.

Algo tinha dado errado, pois Edward não parecia estar nada bem.


-Edward, você está bem? – Ino inqueriu andando mais a frente para alcançá-lo.


Mas, antes que recebessem uma resposta, o viu caindo para a frente com a perda de forças. Se projetou o mais rápido que podia, conseguindo ampará-lo pelos ombros, antes que caísse sobre a loira.


-Edward! – Exclamou preocupado, o deitando no chão.


O rapaz estava bastante pálido, suas pupilas estavam dilatadas, e seu corpo estava todo sujo. Olhou para seu abdômen, vendo sangue fluir entre seus dedos. Arregalou os olhos de imediato, se abaixando ao seu lado, levantando a mão suja de vermelho, vendo um enorme ferimento que fluía sangue com intensidade.


-Meu Deus! O que aconteceu? O que fez isso? – Ino inqueriu assustada, tremendo de medo.


-Edward? Diga alguma coisa. O que está sentindo? – Inqueriu para o amigo, que o olhou perdido, tendo dificuldades para respirar.


-Fui pego de surpresa.... Não vi quando ele apareceu e me atacou. – Conseguiu falar por fim, com um pouco de dificuldade, sua voz saiu falha e cansada.


-Ele quem? – Perguntou, pressionando suas mãos por cima da dele para tentar ajudar a estancar o sangue. – Edward? – Chamou novamente ao percebe que o mesmo estava perdido.


-O urso. Era um urso.


-Um urso?


-É. Acho que era um urso. Era grande e peludo, e parecia estar faminto. Fui idiota e acabei me distraindo...


-Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Vamos cuidar do ferimento. – Disse tentando confortá-lo, sem ter muita ideia do que fazer.


Olhou para Ino a procura de ajuda, mas a mesma estava bastante assustada e perdida.


-O que vamos fazer? – Inqueriu, a olhando com intensidade.


-Não sei. – Ela disse receosa, o olhando perdida.


-Mas, você já trabalhou em um hospital.


-Sim, como ajudante. Nunca fiz curso nem nada. Mas, o que sei é que em um ferimento como esse é preciso parar a hemorragia, limpar e suturar.


-Entendi. Você pode fazer isso, certo?


-Eu? – Disse assustada o olhando com medo.


-Sim, você. – Falou a incentivando. – Sei que consegue.


-Bem, acho que sim, mas não temos nada do que é preciso. Não sei se vai dar certo.


-Temos que tentar.


-Tudo bem. Vamos trocar de lugar. Pegue Inojin. – Ino disse por fim, parecendo mais determinada, apesar da incerteza ainda flutuar em seus olhos.


Não hesitou em seguir sua orientação, logo trocando de lugar, a vendo pressionar o ferimento com determinação.

Edward gruiu com o contato mais firme, os olhando com terror.


-Quero ir embora para casa. – Ele começou a falar incerto, começando a chorar. – Não posso continuar a fingir que nada aconteceu. Não posso abandonar minha família. – Lágrimas escorriam por sua face, parecendo estar desesperado.


Ambos se olharam perdidos, percebendo que o rapaz parecia estar a delirar.


-Tudo bem. Se é o que você deseja, estão vai ser assim, Edward. Ajudamos você a voltar para casa. – Gaara disse firme, tentando tranquilizá-lo.


-Ok. Obrigado. – Ele murmurou mais calmo, fechando os olhos por alguns instantes.


-Ino? – A chamou baixo, não querendo demonstrar a preocupação que sentia. – Você vai conseguir, certo?


A loira o lançou um olhar desolado, parecendo estar perdida, sem saber o que fazer.


-Não sei. Como disse, precisamos de materiais que não temos. Não sei como parar essa hemorragia. – Disse angustiada, balançando a cabeça em negação. – Não sou médica ou enfermeira, apenas ajudei por alguns meses em um hospital. É claro que vi coisas horríveis, ferimentos bem piores do que esse. Mas nunca precisei agir sozinha. Sempre tinha alguém para ajudar.


-Mas, você acabou de falar o que é necessário.


-Sim, mas não temos nada disso aqui.


Se olharam em silêncio, tentando encontrar uma solução.


-Se não fizermos nada, ele vai morrer. – Ela disse chorosa, apertando com mais força o ferimento, na tentativa de parar o sangramento.


-Então vamos dar um jeito. – Disse convicto, indo até à manta estirada no chão e a pegando, logo depois a levando até Ino. – Acredito que você pode usar isso para tentar estancar a hemorragia.


-Sim, posso.


-Certo. – Falou se abaixando e depositando com cuidado o bebê no chão ao seu lado, pegando o pano e começando a rasgá-lo para que pudesse ser usado como atadura. – E o fogo?


-O que tem?


-Já ouvi dizer que ele pode ser útil para fechar feridas.


-Você quer colocar fogo no ferimento dele? – A loira inqueriu assustada.


-Pode dar certo?


-Não. Quer dizer.... Não sei. Acredito que não. O ferimento é no abdômen, acho que deve ser muito arriscado.


-Tudo bem. Outra opção?


-Bem... – Ela disse receosa, retirando uma de suas mãos do ferimento, remexendo em seu vestido, até retirar do mesmo um pequeno broche, mostrando sua ponta afiada. – Acho que podemos usar isso como agulha. É só esterilizarmos ele em água fervente que acredito que não teremos muitos problemas.


-Ótimo. O que mais precisamos?


-Fio. – Falou desanimada, olhando para Edward, que tinha acabado de resfolegar, abrindo levemente os olhos. – Não vai dar certo, nunca encontraremos isso. – Disse por fim o olhando com tristeza.


-Vamos dar um jeito. – Falou sério, a olhando com intensidade.


Não iria desistir naquele momento, não iria abandonar seu amigo a morte, sendo que sabia que podia fazer o que fosse preciso para ajudá-lo. Estava determinado a seguir até o fim para conseguir salvá-lo.


[...]


•Bosco, fevereiro de 1941


Estava entediada. O dia mal tinha começado, mas se sentia muito entedia ao estar deitada naquela cama.

Estava nela desde o dia anterior, e não saia da mesma se não fosse estritamente necessário. Com isso, leia-se, precisar desesperadamente ir ao banheiro porque sua bexiga estava explodindo de tanto chá e água que estavam a fazendo ingerir. Não aguentava mais solver tanto líquido. Confessava que as vezes fingia tomar, somente para depois cuspir tudo de volta, quando ninguém estivesse a observando.

Aquilo era uma tortura.

Mas, o que mais a matava era ter que ficar deitada no mesmo lugar. Era muito enérgica para conseguir tal feito, e se estava ali até aquela hora da manhã, já era algo de se admirar.

Olhou pela janela aberta, suspirando de desânimo com a pouca claridade que emanava pela mesma. Um vento frio adentrava o cômodo, a fazendo se arrepiar. Mas, não reclamava, a sensação era bastante agradável.

Olhou pela milionésima vez a sua volta, já tendo decorado cada centímetro do quarto.

Suspirou novamente de tédio.

Aquilo já era demais.

Resolveu por levantar, colocando um xale por cima do vestido. Ele era bem simples, no tom azul-marinho rendado, com seu tecido bastante felpudo de algodão, que a esquentava. O vestido era do mesmo tom, comprido o suficiente para encostar em seus pés, cinturado, de mangas compridas e gola alta, perfeito para a estação mais fria do ano. Todas as roupas foram emprestadas e a serviam, até que consideravelmente bem, já que Cecilia era quase do seu tamanho.

 Pensar nas duas mulheres a fazia sorrir. Agradecia de coração toda a hospitalidade e carinho que recebia. Era uma pena que não conseguia entender nada do que falavam. Mas depois de alguns dias de convivência começou a aprender algumas parcas palavras. Não eram muitas, mas o suficiente para conseguir o que queria. Apesar de que na maioria das vezes dependia de gestos, ou do seu tradutor, que não era nem um pouco paciente, Luca.

Lembrar dele a fez bufar, porque, ultimamente o mesmo parecia estar muito disposto a constrangê-la de todas as formas possíveis. É claro que na maioria das vezes ele nem se quer fazia ideia disso, já que o problema se encontrava em sua pequena cabeça fértil. Mas, isso não tirava a sua culpa. Quem mandava ter tido a brilhante ideia de os intitular como marido e mulher e os colocado no mesmo quarto, para dormirem na mesma cama? Não foi ela que deu a ideia, e agora se via todos os dias a olhar para aquelas costas definidas por enquanto que sua bexiga não lhe dava sossego. Isso era um pesadelo!

E o odiava por isso.

Bufou em indignação andando pelo corredor que a levava para a cozinha. Lugar de onde emanava um delicioso cheiro de pão feito na hora. Seu estômago roncou de imediato e a boca salivou em expectativa.

Adentrou o cômodo, vendo uma cozinha abarrotada de utensílios domésticos como panelas, pratos e copos. A mesa estava repleta de quitutes das mais variadas qualidades, que ao seu ver eram maravilhosos. Viu que a senhora Luzia estava a coar café na pia, bem de frente para a janela da cozinha. Sua filha estava parada a seu lado. Reparou que ambas estavam muito entretidas a olhar algo do lado de fora, não tendo se quer notado sua presença.

-Bom dia. – Disse em um italiano sofrido, não tendo muita ideia se tinha dito certo.

Aquela era uma das poucas palavras que tinha aprendido, e já se sentia muito inteligente por ter o feito.

Conseguiu chamar atenção de ambas, que pularam de susto, a olhando em surpresa e.… vergonha? Achou muito estranho o rubor que surgiu de imediato na face da mais nova e do constrangimento da mais velha.

Mãe e filha não demoraram a respondê-la, mas suas atitudes eram muito entranhas e suspeitas, a deixando desconfiada. Mas, não achava que podia ser nada de mais. Deveria ser algo de sua cabeça já que ultimamente, sua mente estava bastante fértil, por não ter muitas coisas no qual se ocupar.

Deu de ombros distribuindo um largo sorriso, se aproximando, curiosa para saber o que tanto olhavam.

-Menina, desculpe... – A mais velha começou a falar, parando no mesmo lugar.

-Nós não queríamos, foi sem querer. – Cecilia tratou de falar, na tentativa de terminar o que a mãe começou.

Olhou para ambas, desentendida, não sabendo se tinha compreendido muito bem o que tinham lhe dito. Mas, o constrangimento estampado em suas faces só a deixou ainda mais curiosa para saber o que acontecia.

Acabou por olhar pela janela para saciar sua curiosidade e, no mesmo instante, não conseguiu evitar o resfolegar de surpresa e da vermelhidão lhe invadir a face com a visão que tinha.

Viu bem mais à frente, no pasto, Luca entretido a cortar troncos de lenha com um machado. Mas, isso não era o grande quê da questão, e sim o fato de que ele estava sem roupa. Quer dizer, não totalmente sem roupa, só sem a camisa. Mas, isso já era o suficiente para fazer com que perdesse o ar, por conseguir ter uma visão perfeita de seus músculos a trabalharem com maestria. Sabia que ele tinha um corpo definido, já tinha o visto sem camisa antes. Mas naquela ocasião ele estava sentado e ferido, e ela não teve tanto tempo para averiguar com maior precisão. Mas ali, naquele momento, conseguia ver com perfeição cada um de seus músculos se contraindo com os movimentos realizados.

Se obrigou a desviar o olhar mesmo sem muita vontade, tendo perdido as palavras. Olhou para suas companheiras que pareciam ainda mais envergonhadas. Percebeu de imediato que isso se devia ao fato de que elas estavam a olhar um homem supostamente casado e a sua suposta mulher tinha as pegado no flagra.

Mas, não podia culpá-las, era algo que não podia ser simplesmente ignorado, já que estava sendo displicentemente exposto para quem quisesse ver.

Sorriu sem graça, pedindo licença. Tinha que acabar logo com aquilo ou se veriam em apuros.

Será que ele não tinha consciência que causava tal comoção? Duvidava que não. Na verdade, achava que ele sabia muito bem, mas não se importava.

Saiu para fora da casa, pela porta da cozinha, se abraçando com o frio cortante que a atingiu de imediato. Se aproximou lentamente, tentando não olhar com atenção para a paisagem que ficava cada vez mais próxima, conforme se aproximava. Tentava focar na grama molhada que era esmagada a cada passo que dava. 

Mas, não conseguiu resistir por muito tempo, logo o olhando de volta como se fosse um ímã e seus olhos não conseguissem se desgrudar do mesmo.

 Se de longe já era algo que provia uma bela imaginação, de perto isso só se intensificava. Como aquele desgraçado podia ser tão sensualmente bonito? Reparou pela primeira vez que seus longos fios estavam presos em um coque desleixado, sua pela era pálida e dava a impressão de ser bem macia ao toque, e seus músculos eram bem visíveis e definidos. Sua barriga formava gominhos que ela nunca imaginou que fosse possível de alguém possuir.

-Aconteceu alguma coisa?

Escutou uma voz grave soar, a tirando do transe. Vendo olhos perolados a encararem de volta. Percebeu que tinha parado de andar e que estava o olhando fixamente como se estivesse prestes a atacá-lo. Sentiu o canto da boca molhado. Sério que estava babando? Isso era muito humilhante.

Balançou a cabeça na tentativa de desanuviá-la, se abraçando forte para se manter em alerta e centrada em seu objetivo.

-Não está com frio? – Disparou outra pergunta não estando nem um pouco animada para respondê-lo.

Ele apenas sorriu de lado, desviando o olhar para a madeira a sua frente, desferindo um golpe de machado certeiro, a rachando no meio.

-Não. Gosto do frio.

-Pode ficar doente. – Disse sem saber muito o porquê, apenas sabia que tinha que se manter falando.

-Não se preocupe, estou acostumado.

-E quem disse que estou preocupada? –Inqueriu petulante.

-Se não está, então, porque veio aqui?

-Coloque uma blusa. – Disse por fim, sentindo um forte ardor surgir na face e seu baixo ventre se contorcer ao ver sua pele úmida de suor, no qual escorria por seu peito. Estava começando a sentir calor e isso a incomodava.

-Porquê?

-Não faça perguntas, apenas obedeça.

-E desde quando eu te obedeço? – Ele inqueriu divertido, voltando a olhá-la.

-Por favor, apenas coloque. – Quase implorou, mas conseguiu se conter no último instante.

-Porquê? – A questionou novamente, sorrindo de canto.

-Porque está dando para o ver da cozinha, e você está incomodando nossas anfitriãs.

Ele nada disse, apenas arqueando a sobrancelha em indagação. Mas, não demorou muito para começar a sorrir largamente, como ela quase nunca via, a deixando desconcertada.

-Não gosta do que vê? – A inquiriu de supetão, a olhando com intensidade, com um sorriso malicioso estampado na face. Seus olhos a penetravam fundo na alma.

Ficou sem chão com tal questionamento, com seu coração se acelerando em um rompante, quase perdendo o ar. Era impressão dela ou ele estava tentando provocá-la descaradamente? Porque estava fazendo tal pergunta? Ficou envergonhada, quase perdendo a compostura. Aquilo não era algo que se perguntava do nada para uma dama. Que abusado!

-Não... quer dizer.... Não é que eu não goste.... – Dizia atrapalhada, se perdendo nas palavras, sem saber o que de fato dizer.

-Ah, então quer dizer que você gosta. – A acusou de imediato, não a deixando terminar de falar, sorrindo ainda mais, por enquanto que pegava uma garrava e solvia seu líquido, deixando algumas gotas a cair sobre seu tronco apenas para a importunar.

-O que? Não. – Conseguiu encontrar a voz, depois de recobrar a consciência.

Ele era um maldito desgraçado que estava tentando manipulá-la. Mas, TenTen não era nenhuma idiota e não iria se deixar cair naquele truque barato. A única coisa que não conseguia entender era aonde ele queria chegar com tudo aquilo. Talvez só estivesse brincando com ela para a ver irritada. Isso era o mais provável.

-Não seja idiota. Só estou falando para colocar a blusa porque não é nada educado e cortês ficar se mostrando por aí. Lembre-se que estamos aqui de favor. Nem quero saber o que poderia acontecer se ao invés de eu ter visto as duas o olhando, tivesse sido o senhor Jácomo. Tenho toda a certeza de que ele não iria aprovar, e ficar muito irritado. – Disse zangada, empinando o nariz certa de si.

O viu fechar o sorriso de imediato, largando o machado no chão ao seu lado, pegando a camiseta logo em seguida.

-Tudo bem. – Disse seco a colocando sem pestanejar. – Não acredito que você está me dando lição de moral. – Ele murmurou irritado.

-Pois é, quem diria que eu sou a mais sensata por aqui. – Disse apenas para provocar, se sentindo bem melhor ao o ver mais bem-vestido.

-Não foi de propósito. Gosto do clima e só queria sentir o vento contra a pele. Só foi isso.

-Tudo bem. Eu acredito.

-Não me interessa se você acredita ou não. Só quero que saiba que eu entendo muito bem quais são todas as consequências de meus atos. Não preciso que ninguém venha me falar sobre isso. E, também entendo que precisamos ficar por aqui até que fique melhor. E, para isso, preciso trabalhar para pagar pela estadia. – Falou seco, sem de fato olhá-la.

-Não precisa ficar se não quiser. Posso me virar sozinha. Além do mais, estou me sentindo muito bem. – Disse ríspida, o olhando com dura intensidade.

-Você quer que eu vá embora? – A questionou sério, olhando dentro de seus olhos, parecendo estar à procura de algo. O que acabou a desarmando no mesmo instante.

-Só acho que não deve se obrigar a ficar aqui por minha causa. Está tudo bem se for embora. – Falou por fim, receosa, no fundo não querendo que aquilo acontecesse de verdade. Já estava muito apegada a sua presença.

-Eu vou se eu quiser, mas por hora pretendo ficar, mesmo que isso não a agrade. – Disse sério, desviando o olhar com raiva, parecendo não ter gostado muito da resposta que recebeu, logo sendo disfarçado por uma expressão neutra e sem sentimentos.

Se sentiu perdida, sem entender o que aquilo significava. Tinha sido tão rápido que se não fosse tão detalhista não teria percebido. Mas tinha acontecido, estava lá. A tristeza.

Suspirou em desalento, querendo perguntar o que significava. Mas logo desistiu da ideia, pois, sabia que Luca nunca confessaria, e isso só a deixaria mais frustrada.

-Você não deveria estar aqui. – Ele disse neutro, a olhando com frieza.

-Porque não?

-Porque, pelo que me lembro, o médico disse que você tem que ficar de repouso. E isso não inclui ficar andando por aí. Deveria estar na cama.

-Não seja ridículo. Estou muito bem e não preciso ficar em repouso. – Disparou feliz pela mudança de assunto.

-Claro, e o fato de você ter tido mais uma crise essa noite não quer dizer nada. – Disse ironicamente por enquanto que reunia os pedaços de madeira que tinha cortado em um monte mais ao lado.

-Aquilo não foi nada. Estou ótima. – Tentou desconversar sem muito sucesso, já que ainda podia se lembrar da dor que sentiu ao longo da noite.

-Sei. Volta para a casa e vá se deitar. – Disse sério, voltando a olhá-la.

-Não mesmo. Estou ótima. O ar da manhã está me fazendo muito bem. Me sinto revigorada. – Tentou argumentar, mesmo sabendo que ele iria insistir.

Esperou por mais uma leva de argumentos. Mas, ao invés disso, o que aconteceu a pegou de surpresa. Não estava preparada, e quando deu por si, já tinha ocorrido. Ele simplesmente a pegou no colo, a jogando por cima de seus ombros.

 Gritou com o movimento brusco e, ainda mais, quando se viu de pernas para o ar a espernear, por enquanto que ele a carregava de volta para casa.

-Me solta agora! – Gritou se debatendo na tentativa de ser solta, mas não adiantou de nada. – Me coloca no chão agora!

-Pode gritar e fazer o papel de louca o quanto quiser, mas não vai adiantar de nada. – Ele disse tranquilamente por enquanto que adentrava a casa.

Viu de relança Luzia e Cecilia os olhando assustadas, sem saber o que estava acontecendo. Luca disse algumas palavras em italiano do qual nada entendeu, mas isso pareceu as tranquilizar um pouco, apesar de ainda não parecerem ter muita certeza. Não demorou a voltar a andar pelo corredor, ainda a segurando sobre o ombro.

-O que você disse para elas? – Inqueriu raivosa, se sentindo uma idiota impotente, por não conseguir fazer nada.

Ele nada disse, empurrando a porta do quarto e a jogando com um pouco de violência sobre a cama. Se sentiu como se fosse um saco de batatas a ser arremessado, batendo com força no colchão macio, caindo deitada.

Se levantou apressadamente na tentativa de se recuperar, ajeitando a saia do vestido que tinha erguido com a queda, e seus cabelos que estavam todos desgrenhados.

O olhou com puro ódio, bufando de indignação.

-Qual é o seu problema? Não sou um saco de batatas que pode ser carregada para qualquer lado e jogada desse jeito. – Rosnou raivosa, o fuzilando.

-Você não é um saco de batatas. É mais leve. – Disse simplesmente a olhando com calculada calma.

-O que? – Vociferou cruzando os braços a frente do corpo.

-Queria que eu tivesse dito o contrário? Que é mais pesada. – Inqueriu curioso, arqueando a sobrancelha com nítido interesse na resposta.

-Seu idiota! – Esbravejou se levantando, visivelmente afetada.

-Não se levante. Fica onde está. Precisa descansar. – Luca disse sério, impassível.

-Como se eu pudesse descansar com toda essa palhaçada. – Contra-argumentou nervosa, voltando a se sentar.

-Bem, tenho certeza que terá o dia inteiro para se acalmar. Preciso voltar ao trabalho.

-E você acha que vou ficar aqui só porque você pediu? – Inqueriu determinada a contrariá-lo.

-Não. Por isso mesmo vou trancar a porta. – Disse pegando a chave que estava na fechadura, a retirando e a mostrando para ilustrar o que pretendia fazer.

Abriu a boca em choque, não acreditando que ele teria essa ousadia. Começou a balançar a cabeça em negação, frustrada e incrédula.

-Não pode fazer isso. Não pode me prender aqui! – Esbravejou em alto e bom som. Que todos a ouvissem, não se importava.

-Duvida? Então, vamos ver.

-Não me importo. Pode me prender. – Disse em falsa tranquilidade, o olhando de esguelha, chamando sua atenção. – Tenho quase certeza que posso sair pela janela. – Cuspiu por fim, sorrindo ironicamente.

-Jura? – A inqueriu pensativo, voltando para a janela. – Então, também irei trancá-la.

-O que? Não pode fazer isso! – Esbravejou novamente, voltando a ficar furiosa. Não se contendo, começou a andar em círculos, na tentativa de aplacar os ânimos. – Qual o seu problema? Porque você é assim? Ao mesmo tempo que está agindo como uma pessoa normal, um ser humano do bem, até mesmo de forma fofo, você acaba mudando do nada, virando esse ser escroto e odiável. Como, por exemplo, quando você me comprou aquele doce só porque eu estava com vontade, sem que eu precisasse. Mas, aí, logo em seguida você resolveu voltar a ser um idiota, dizendo que não me suportava e que queria me ver morta. Porque você faz isso? Você é muito confuso e acaba me confundindo também! Não gosto de pessoas assim. Porque isso não me deixar entender qual é o tipo de pessoa que de fato você é! Então, me diga agora, quem é você? O seu verdadeiro eu? – Disse em um rompante tudo o que vinha guardando durante todo aquele tempo que estavam juntos, tendo finalmente criado coragem para questioná-lo.

Ele apenas a olhou impassível, com suas orbes analíticas a observá-la como um todo. Por um breve momento pensou que iria conseguir finalmente descobrir quem de fato Luca era, mas esse lampejo passou rápido e, ao invés disso, o ouvi apenas dizer:

-Não posso ficar aqui conversando, preciso voltar ao trabalho. Esse é o único jeito de nos mantermos aqui.

-Porque você ainda não foi embora? – Falou se aproximando, ficando apenas a alguns centímetros de distância, o olhando com intensidade dentro dos olhos. – Eu sei que não quer ficar aqui. Sei que seu maior desejo é ir embora, continuar em frente para poder encontrar sua prima. Então, porque ainda está aqui? - Suas palavras, pela primeira vez desde que entraram naquele quarto, saíram calmas e pausadas. A única coisa que desejava naquele momento era receber uma resposta.

-Isso não importa. Preciso ir. – Ele desconversou, desviando o olhar pela janela.

Se sentiu decepcionada, como sempre, com a resposta. Mas, o que estava esperando? Que do nada ele começasse a esbravejar e revela-se que não tinha a abandonado porque a amava? Aquilo era uma idiotice. Um sonho infantil de uma menininha sonhadora. Mas, TenTen tinha que acordar, e perceber que aquilo não era a realidade. Luca não a amava e nunca a amaria e ponto final. Tinha que colocar aquilo na cabeça e parar de sonhar com o impossível.

Engoliu em seco, tentando conter as lágrimas que começaram a surgir em seus olhos, ao constatar o quão idiota era por sentir algo tão forte e verdadeiro, sendo que ele nada sentia. Tinha que se acostumar com a realidade, para não se machucar ainda mais.

Mordeu o lábio inferior na tentativa de se acalmar, fazendo uma cara de emburrada apenas na tentativa de disfarçar.

-Não quero que feche a janela. Já entendi que preciso ficar de repouso. O problema é que estou entediada. - Disse por fim com a voz embargada, se segurando para não desabar em lágrimas.

-Bem, você gosta de escrever? – O moreno a inqueriu curioso, chamando sua atenção.

-Sim, porquê? – Questionou ainda mais curiosa, arqueando a sobrancelha por enquanto que o via se aproximar de uma cômoda.

O viu abrindo uma das gavetas da mesma, retirando de dentro um caderno, a estendendo.

-Encontrei esse caderno e pensei em entregá-la para poder distraí-la um pouco. Era um caderno velho da garota, e ela o deu de bom grado. – Disse seco, a olhando com frieza.

Sorriu no mesmo instante, pegando o caderno com agilidade, sentindo a textura do couro por entre seus dedos. A capa era dura de couro fervido na cor verde musgo, as páginas eram amarelas como papiro e, ao folheá-lo, reparou que suas páginas estavam em branco. Toda a tristeza se esvaio de imediato e um sorriso radiante surgiu em sua face. Tinha quase certeza que seus olhos deveriam estar brilhantes de alegria.

-Obrigado. – Sussurrou emocionada, o direcionando um dos seus mais largos sorrisos.

Jurava que até mesmo um homem frio como ele ficaria um pouco desconcertado com aquele sorriu. E estava certa. Foi bem rápido, mas seu leve desviar de olhar o denunciou. Sentiu um leve arrepio surgir em seu interior, a preenchendo de felicidade.

-Espero que isso te mantenha ocupada e longe de problemas.

-É claro.

-Também tem uma caneta. Então, divirta-se. – Terminou de falar, saindo logo em seguida, fechando a porta atrás de si, sem lhe dar a chance de dizer algo a mais.

Esperou pelo clique da fechadura, mas nada veio. O que significa que ele tinha lhe dado mais uma chance, escolhendo confiar em sua palavra.

-Obrigado. – Sussurrou para o nada, se sentando e voltando a folhear as folhas velhas e amareladas pelo tempo.

Após algumas passadas de páginas, acabou por reparar em algo escrito na última folha. Eram poucas palavras escritas em inglês, em uma letra perfeita, elegante e rebuscada, que deveria pertencer a alguém bastante caprichoso. Ficou ansiosa para saber do que se tratava, logo começando a ler:

“Queria ter coragem
Para falar desse segredo
Queria poder declarar ao mundo
           ...
Não me falta vontade
Não me falta desejo
          ...
Queria falar dos sonhos
Dizer meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver
Esse inconfesso desejo”²
                                        H.N.

Ficou surpresa com tais palavras e, até mesmo, emocionada.

Aquilo era lindo! Apesar de a fazer sentir uma leve tristeza por tal amargura e desespero.

Achava que ninguém nunca deveria passar por tal angustia de não poder revelar seus sentimentos, de não poder ser quem realmente queria ser. Mas, ela não tinha o direito de julgar, já que ela mesma não tinha coragem de se declarar. Aquilo só fez com que ela se identificasse ainda mais com aquele escritor desconhecido.

 Mas, quem tinha escrito aquilo? Cecilia? Achava que não. Então, deveria ter sido alguém que a amava e tinha a dado de presente aquele caderno. De quem deveria ser aquelas iniciais no final do poema? Não sabia, apesar de estar se sentindo bastante curiosa.

-H. N. –Falou alto. – Quem será H.N? – Se questionou bastante intrigada com o assunto.

Será que deveria perguntar a Cecilia? Ponderou sobre o assunto, logo desistindo. Melhor não. Era um assunto delicado, e se tinha a entregado era porque nada mais interessava. Era uma pena. Quem quer que fosse que tivesse escrito aquele poema tinha uma alma apaixonada. Gostaria de ter o conhecido.


Notas Finais


Espero que tenham gostado 😁
Até a próxima!

Notas:

1) Ybbs é um município da Áustria, localizado no distrito de Melk, no estado da Baixa Áustria. Com população de 5.683 habitantes.

2) Trechos retirado do poema de Carlos Drummond de Andrade.


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