POV HENRY
Era inútil tentar me concentrar no trabalho. Minha perna balançava freneticamente embaixo da mesa e meus pensamentos estavam longe demais dali para que eu fingisse que fazia alguma coisa no escritório.
Não comentei nada com ninguém, mas era perceptível que minha cara estava péssima.
– Armie, vamos almoçar em casa – liguei pra sala dele.
– Tá, vou só avisar a Jade.
Alguns minutos mais tarde, nós dois chegamos à minha residência e Maria estava no quarto de hóspedes, no horário de descanso dela.
Sentamo-nos na mesa e minha língua já estava tremendo para falar alguma coisa.
– Ontem chegou um tal de Tyler na casa da Florence... – enfiei o garfo em minha boca.
Vi que Armie se esforçava para não sorrir.
– E o que aconteceu?
– Eu fui ignorado! – Meus bons modos foram para o além e eu falei de boca cheia. – Eu estou sendo ignorado, você acredita que desde ontem ela não me manda UMA mensagem? – Ergui o garfo na direção dele, irritado.
– Ela tem mais o que fazer, né... – Ele deu de ombros e mexeu na comida.
– Com quem? Com ele? – Larguei os talheres no prato. – Precisava ver, ele parece um vampiro de tão estranho. E a Florence ainda ficava o abraçando “ai Tyler, você está tão lindo” – coloquei minhas mãos no peito e imitei uma voz fina. – Lindo... – repeti na minha voz normal e voltei a pegar o garfo e a faca. – O conceito de beleza mudou muito nessa nova geração...
Então eu ouvi uma risada muito alta e ergui o olhar ao loiro na minha frente. Ele realmente não leva nada a sério.
–Caramba, Henry... Você tá morrendo de ciúmes! – ele começou a limpar as lágrimas.
– Ah, vai pra merda!
Ficamos um tempo em silêncio e eu devorava o meu prato rapidamente como se aquilo fosse afastar a visão de Florence agarrada com o Tyler.
–Mas sério... – não me aguentei calado. – O que ele tem que eu não tenho? Não responda.
– Não vou responder – falou na defensiva e tomou um gole de suco.
Ele sabia que o meu próprio cérebro responderia por ele.
– Henry, existem só duas situações que te fazem falar pelos cotovelos: quando você tá com muita raiva ou quando está muito feliz. Se não está apaixonado, quero entender o porquê de todo esse auê.
– Eu não quero ser trocado, Armie – encostei meus braços na mesa e falei sério. Depois vi que tinha sido sério demais e tentei desenvolver meu argumento. – Eu vivo rodeado de macho, a Cindy ainda vai demorar a voltar e eu nem saio com a Paola.
– Ah, sei lá, por que você não sai com aquela menina lá, como é o nome dela? – Armie fazia um gesto tentando lembrar. – Beatriz? Bruna?
– Bárbara.
Eu tinha aprendido que gravar o nome das pessoas ao meu redor era sempre algo valioso, já o Armie parecia aquelas mães que tinham 10 filhos e precisavam chamar o nome de no mínimo 5 até acertar o do filho que queria.
– Essa menina já é louca por mim, se eu chamá-la para sair, ela faz xixi nas calças de tão nervosa.
– Vai pra uma boate então, criatura. Não precisa ficar dançando, senta no bar com sua H2O e em cinco minutos duas mulheres vão estar no seu colo.
Ri sem graça pelo nariz.
– Perigoso. Com a raiva que eu to, sou capaz de quebrá-las na cama – foi a vez de ele rir. – Era melhor que Cindy estivesse aqui, ela já tá mais acostumada. Tudo estaria maravilhoso se eu estivesse trepando com ela neste exato momento.
– E faria isso pra quê, pra esquecer que tá apaixonado pela Florence?
O encarei sério.
– Você vai embora! – Joguei o guardanapo na mesa. – Não está me ajudando!
– E você quer que eu faça o que?
– QUE VOCÊ FIQUE CALADO! Não te chamei pra dar opinião e nem conselho sobre nada, só pra me escutar!
Armie levantou da mesa com um sorrisinho.
– Hm.
O loiro foi ao banheiro e eu me dirigi ao sofá, ligando a TV em qualquer canal. Um tempo depois, Armie estava de volta ao meu lado colocando uma mão sobre meu ombro.
– Meu parceiro, você não está em condições de ir trabalhar.
– Não estou – concordei com os olhos na TV.
– Já que você não quer pegar ninguém, vamos para a estratégia nerd. Quer que eu fique e jogue alguma coisa com você?
Permaneci quieto, provavelmente com um bico.
– Quero – admiti com a voz baixa e mais rouca que o normal.
– Tá bom, eu vou ligar pra Paola.
Peguei uma das edições de Call of Duty e comecei a colocar no aparelho de videogame enquanto Armie esperava a secretária atender o telefone.
– Oi, Paola! Tudo bem? – Ouço o loiro dizer. – É que o nosso amigo não está se sentindo muito bem hoje, sabe? Problemas amorosos...
– ME DÁ ISSO AQUI! – Puxei o celular da mão dele. – Oi, Paola! Na verdade, eu não vou poder ir agora à tarde porquê... – passei um tempo tentando arranjar uma desculpa. – Eu sou o dono dessa merda, não preciso dar satisfações! Não quero ir e ponto! Fala pro Harvey ficar na responsabilidade aí que o Armie vai me acompanhar hoje.
Desliguei o celular e joguei bem do lado do loiro no sofá.
– E você para com a sua graça – comecei a mexer no controle do videogame.
Talvez essa merda me tranquilize até ver ela amanhã.
POV FLORENCE
Henry vai me matar, mas tive de faltar a aula.
Tyler já estava conversando com alguns amigos dele antes de voltar para Los Angeles e agora ele já tinha a banda formada, só precisava ensaiar e movimentar as redes sociais. Eu e ele já tínhamos trocado o Instagram e ele me disse que adorou as fotos. Na sexta à tarde os meninos iriam ensaiar, e unindo o útil ao agradável, perguntei se Tyler não queria que eu o acompanhasse para fotografar. Ele ficou todo preocupado perguntando se não ia me atrapalhar, mas eu disse que uma falta não ia ser problema.
E os eles são maravilhosos! Tyler é o bobão fofo e engraçado, Sky é o bagunceiro – chamado dessa forma pelo nome ser Luke e ele curiosamente ser fã de Star Wars –, James é o “paizão” e Nick é o tímido. Foi muito divertido o tempo que passei com eles, tanto no estúdio do James quanto no boliche à noite. Não conseguia me desgrudar de Tyler desde quarta-feira quando ele chegou. Foi algo muito inesperado e a ficha ainda não tinha caído totalmente.
Meu melhor amigo de volta.
Por essa razão, no sábado eu também estava no apartamento dele.
Era pequeno, mas servia para um só inquilino. Também não estava totalmente mobiliado e alguns pertences ainda estavam nas caixas, inclusive até o ajudei a arrumar. Mas tinha uma cama de casal, um guarda-roupa pequeno, um fogão, um frigobar, poucos utensílios de cozinha num armário de três portas e uma mesinha com quatro cadeiras. O apartamento não estava em perfeita organização e é claro que eu, contra a vontade dele, comecei a arrumar várias coisas.
Tyler tinha o básico, mas contanto que tivesse seu cubo e sua Stratocaster rosa, tudo estava bem. Na segunda-feira ele começaria a trabalhar na livraria de um dos principais shoppings de LA, de noite faria seus shows por aí e amadureceria a banda até achar um produtor.
Depois de alguns episódios de That 70s Show, meu amigo pausou a série no notebook, colocou Arctic Monkeys para tocar num som ambiente e começamos a conversar. Tyler gostava de tudo envolvendo guitarras: blues, rock, metal, indie, música alternativa... Mas a voz dele era puxada para o indie devido à grande influência do Alex Turner.
– Você quase não cantava antes de sair daqui... Aposto que as garotas caem em cima de você.
Ele sorriu e fez uma careta, levantando os ombros.
– Por aí...
De fato, Tyler era uma pessoa muito apaixonável. Era bonito, uma beleza mais específica daqueles garotos indies de Instagram que você olha e pensa “esse cara vai quebrar meu coração”. E o filho da mãe era muito idiota e de riso fácil, além de que era muito carinhoso com todo mundo: extremamente simpático, sempre abraçava, beijava, e chamava as meninas por apelidos fofos.
– Falando sério, você não arranjou nenhuma namorada pra lá?
– Duas. A primeira não deu muito certo. A segunda deu, mas eu pisei na bola... – Tyler me lançou um olhar culpado e comprimiu um sorriso.
Lhe dei um tapa no ombro.
– Você traiu a garota!
– Foi a outra doida que me beijou, eu não consegui me controlar! – Ele bateu na cama e depois de jogou para trás, como se refletisse.
– Tyler, Tyler...
– Eu juro por Deus, Afrodite, me arrependi e tentei reatar, mas ela me superou muito rápido. Em duas semanas já tava com outro, não sei se fez por vingança – ele riu. – Foda-se também.
Ficamos curtindo o som de Snap Out Of It até ele se levantar e ficar sentado novamente.
– E qual é a daquele armário que tava na sua casa quarta-feira?
– Armário? – Franzi o cenho.
– É, aquele cara gigante que parece um armário. Ele é bodybuilder ou o quê?
Joguei a cabeça pra trás e uni minhas mãos, caindo na gargalhada.
– Não! – Tentei me controlar. – Ele só é um louco da academia. O Henry é dono do Grand Palais e do maior escritório de advocacia de LA, deve ficar muito estressado e descontar tudo naqueles equipamentos... Mas e seus pais? Têm previsão de voltar?
Tyler ergueu as sobrancelhas e fez um gesto com as mãos.
– Não sei, Afrodite. Nós nos instalamos bem demais em Seattle e nem temos família aqui, sabe? Acho que eles não veem razão de voltar...
Balancei a cabeça pensando no que ele tinha dito.
– E o Vincent? – ah, não! – Eram grudados e não vi você mencioná-lo uma vez desde que cheguei...
O ar começou a faltar. Meu peito subia e descia e eu fechava meus olhos tentando controlar o que viria a seguir.
– Florence, você tá bem? Eu fiz alguma coisa?
Já tinha um nó em minha garganta e era só questão de segundos até as lágrimas caírem.
Tapei minha boca e pressionei meus olhos, sentindo meu rosto queimar.
Tyler resmungou alguma coisa e eu não ouvi nem vi nada, só me pus a chorar copiosamente. Não era culpa dele, ele não sabia. Mas era muito difícil lembrar daquilo e ter que falar.
Senti mais um corpo sobre a cama e tirei as mãos do rosto, vendo um Tyler preocupado enquanto me estendia um copo de água.
Peguei o copo e engoli todo o líquido, tentando me controlar aos poucos. Meu amigo estava quase triste na minha frente, não sabendo o que fazer ou o que dizer para me acalmar.
Quando terminei, lhe entreguei o copo e ele só o deixou embaixo ao lado da cama. Respirei fundo e tudo o que consegui dizer com a voz embargada foi isso:
– Ele fez coisas ruins comigo.
Tremi o beiço mais uma vez e Tyler trincou o maxilar, me abraçando logo em seguida. Chorei mais um pouco e depois nós dois estávamos meio deitados. Minha cabeça estava em seu braço esquerdo e ele fazia carinho em meu cabelo. Ficamos calados por um bom tempo.
– Você vai acreditar em mim se eu disser que nunca gostei dele?
Suspirei diante da confissão.
– Será que só eu não percebi nada, Tyler? – Perguntei com a voz baixa.
– Ainda que você não tenha percebido, não é culpa sua, meu amor – ele depositou um beijo em minha cabeça.
– Não quero que mude comigo por causa disso, tá? A pior coisa é quando alguém me olha com pena, eu odeio tanto...
– Não vou fazer isso, anjo, fique tranquila.
Podia ter contato sobre como foi extremamente difícil no início, sobre como Henry entrou na história e sobre como eu estava aprendendo a superar, mas preferi ficar calada e com o tempo ir contando as coisas para o Tyler.
– Você pode contar comigo pra qualquer coisa, Florence. Sabe disso, né? – Ele se ergueu e eu também, então nós dois ficamos sentados olhando um para o outro.
O bom de tudo isso foi que eu também aprendi a diferenciar homens bons de homens possivelmente ruins, e Tyler nem de longe estaria na segunda categoria. Sempre tinha sido muito respeitoso e educado comigo. Nem quando “namorávamos” ele tirava alguma graça, e eu sabia que agora não seria diferente.
– Digo o mesmo – sorri e ele me envolveu num abraço apertado. – Estou tão feliz por você ter voltado.
– Então me ajuda com um riff – ele riu e foi pegar a guitarra.
Tyler me mostrou algumas ideias de música que estava tendo e eu disse o que achei. Depois vasculhei o guarda-roupa dele atrás de uma camisa e peguei uma do Metallica, ela era linda e com certeza ficaria melhor em mim!
Tomei um banho, me vesti e peguei um salgadinho que tinha no armário. Quando voltei para a cama, Tyler começou a tocar Lonely Boy do The Black Keys. Logo reconheci o riff porque o Spotify me mostrou um milhão de coisas depois que eu tinha começado a escutar os álbuns que o Henry tinha.
Tyler tocava, cantava e eu o ajudava na hora do refrão. Nós dois fazíamos uma dancinha engraçada parecida com a do clipe e em alguns momentos ele parava de cantar pra rir. A risada dele conseguia ser a coisa mais fofa e estranha do mundo, parecia um porquinho.
Na metade da música meu celular de repente começa a tremer com uma videochamada do Henry.
Vendo que eu tinha atendido, Tyler desligou a caixa de som e ficou tocando seu instrumento sem muito barulho.
– Oi! – Respondi animada acenando para a câmera.
– Oi – ele deu um pequeno sorriso. – Tá sumida, né?
Henry vestia uma camisa preta e já estava em sua cama. Não estranhei, pois se passava das 21h.
Minha mãe deve estar perto de me pegar.
– Sumida? – Gargalhei. – Faltei um dia, Henry. Fez tanta diferença assim? – Imitei sua fala de quando eu tinha ido até o escritório.
Ele riu da minha resposta.
– Fez, engraçadinha. Menos um ponto.
– Juro que não costumo faltar, Henry, mas é que a banda do Tyler ia ensaiar e eu me ofereci pra fotografá-los pra rede social deles.
Henry deu uma suspirada bem longa.
Com certeza não gostou da minha justificativa.
– Ah, foi só uma vez! Você sabe que sou dedicada e consigo aprender rápido...
– Sei, sei... – ele virou a cabeça pro lado, pensativo. Quando voltou a encarar a tela do celular, reparou na minha camisa. – Metallica... Justin Bieber deve estar chorando uma hora dessas.
Até o Tyler teve de dar risada.
– Cala a boca, Henry Cavill! Gostou da minha camisa e quer encher o saco.
– Não é sua! – Tyler gritou.
– É minha agora, você perdeu – terminei de argumentar com Ty e voltei minha atenção ao Henry. – Olha quem tá aqui comigo...
Mudei a câmera para a traseira.
Vendo que estava sendo filmado, Tyler só deu um sorriso sem mostrar os dentes. Na verdade não parecia bem um sorriso, parecia mais que ele estava em pânico.
– Vira essa câmera pra lá – ele sussurrou empurrando de leve o celular.
– Tá bom, já foi – respondi baixinho e coloquei na câmera frontal novamente.
Henry agora está sério.
Que mudança de humor mais repentina, meu Deus!
– Florence, onde você tá? – Ele perguntou com as sobrancelhas quase unidas.
– Estou no apartamento do Tyler, nós estávamos...
Tu tu tu
A ligação... caiu?
Franzi o cenho.
– Tyler, o wifi daqui tá pegando direito?
– Acho que tá, deixa eu ver.
Ele checou algo no notebook.
– Tá sim.
– Ué, que estranho... Deve ter sido a internet do Henry então, sei lá... Ele nunca desligou na minha cara – fiz uma expressão confusa e logo mandei uma mensagem pra ele.
“Sua internet caiu? Se sim, me chama outra hora.”
Está desesperada, Florence? Quer ficar conversando com ele a noite inteira, é isso?
Mordi o lábio inferior e digitei outra mensagem.
“Ou a gente pode se ver na segunda mesmo...”
Então deixei o celular de lado e encarei Tyler fazendo uns dedilhados na guitarra.
– Por que você não quis aparecer, Ty? Não gosta do Henry?
Ele riu e deu de ombros, ainda fitando o instrumento em suas mãos.
– Eu não tenho nada contra ele, só acho que ele não vai muito com a minha cara... Não sei se você percebeu lá na sua casa, mas ele me olhava como se quisesse me fuzilar.
Foi a minha vez de rir.
– Claro que não! Ele é legal... – fiquei um tempo pensando em Henry. – Vocês vão ser amigos, vão ver.
– Isso se ele não me matar antes, né? Acho que ele gosta de você.
Me calei e fitei o lençol da cama.
– Nah... – uma melancolia crescia dentro de mim enquanto minhas mãos traçavam as linhas do tecido.
Todo mundo diz isso, mas se o Henry gostasse de mim, já teria feito alguma coisa...
Após mais algumas atualizações sobre a vida um do outro, minha mãe me pega e eu não custo a dormir. No dia seguinte Tyler me convida pra ir mais uma vez ao ensaio deles à tarde e eu não me arrependo nem um pouco. Eles têm uma energia maravilhosa e me fizeram rir muito.
Quando o repertório deles acabou, ficaram só tocando músicas aleatórias e zoando. Tyler pediu I Bet That You Look Good On The Dancefloor do AM pra mim e foi impossível não dançar e mexer minha cabeça ao som daquela música. Outra parte legal também foi quando Nick começou a puxar Stressed Out do Twenty One Pilots na bateria e o Tyler se pôs a cantar, me impedindo com um “rap” toda vez que eu queria falar algo pra ele. Frustrada, eu só fechava os olhos e sorria com a derrota.
Na segunda fui para a aula de manhã e o Tyler comeu lá em casa no almoço. Quando deu a hora de voltar para a faculdade, ele se voluntariou para me levar de bicicleta e é claro que eu aceitei, tendo certeza de que ele ia falar muitas besteiras no caminho.
Na frente da faculdade ele me disse que tinha escrito algo pra mim e tocaria outra hora. Era um amor mesmo.
Ansiosa, entrei no campus para finalmente ver Henry e ficar conversando com ele.
Mas foi em vão.
Henry mal me olhava durante a aula e estava sério e impenetrável. No pequeno intervalo ele saiu da sala sem que eu pudesse dizer um “oi”, e quando voltou, ficou ainda pior. Estava sendo curto e grosso com todo mundo e parecia não ver a hora de aquela aula acabar.
Quando o desejo dele foi atendido, Henry saiu tão rapidamente que eu só vi a porta batendo.
Que merda tá acontecendo?
POV NARRADOR
Ao passar pelos corredores da universidade, Henry não pôde evitar ouvir uma conversa curiosa vindo do banheiro feminino.
– Não basta estar pegando o bonitão do Cavill, aquela vaca ainda tá com outro.
– Como assim “com outro”?
Henry franziu o cenho e se aproximou um pouco da porta, cauteloso.
– Um pé-rapado aí, com certeza. Veio deixar ela de bicicleta e ouvi quando ele disse que tinha feito uma composição pra ela.
– Caramba! Assim também é difícil de não se apaixonar, né?
– Pois é. Apesar de tudo, ele é bonitinho. Mas ela deveria se decidir e deixar o professor bonitão pra gente. Deve estar com ele por dinheiro.
O moreno arqueou suas costas e lentamente se afastou dali, meio desnorteado com o que acabara de ouvir. Estava sério e sua cabeça estava longe, muito longe. Não queria acreditar naquelas palavras. Seu estômago embrulhou e seu corpo foi bombardeado por uma série de sentimentos estranhos e ele não sabia o que estava acontecendo consigo.
Henry voltou para a sala com uma feição totalmente desagradável e fez de tudo para sair dali o quanto antes.
Como uma bala, o homem marchava em direção à porta de saída da universidade. Provavelmente estava com um semblante aterrorizador, já que recebia olhares atravessados de alguns alunos. Mas ele não ligava. Só queria entrar em seu carro e ir embora.
Saiu com o veículo arrastando sobre o asfalto da universidade como se sua vida dependesse disso. Parado nos sinais, Henry batucava sobre o volante não como uma forma de apreciar a música, como geralmente fazia, mas como uma forma de externar sua ansiedade. Em um dos sinais o advogado quase atropela uma mulher que estava passando na faixa de pedestre.
– PORRA! – Ele bateu no volante com uma das mãos.
Mais alguns minutos e o moreno logo estava em sua casa. Na frente do espelho, Henry percebeu que realmente estava com uma cara ruim. Não se via assim há tempos.
Julgando que um bom banho o deixaria melhor, o moreno se despiu, mas o ato acabou sendo feito sem a menor delicadeza e parecia que tudo estava dando errando. A porcaria dos botões da camisa não queriam obedecer a seus comandos motores e o zíper da calça também falhou na hora de abrir.
Durante o banho, a tentativa de evitar pensar em Florence acabou falhando miseravelmente. Quanto mais se esforçava para tirá-la do pensamento, mais ela estava lá, atormentando-o com a hipótese de estar namorando. Ele tentava focar em outra coisa, mas não durava muito tempo.
E se ela estiver beijando esse moleque agora?
O resultado foi que o banho não melhorou em nada seu humor. Saiu dali talvez até pior do que tinha entrado, então resolveu fazer alguma coisa para comer. Isso sempre melhorava o humor de alguém, certo?
Henry desceu e, ao passar pela sala, decidiu ligar o toca-discos para distrair um pouco a mente. Escolheu o disco Get A Trip do Aerosmith e colocou a música Gotta Love It para tocar, já que era um pouco mais animada do que outras daquele álbum. Então o homem foi para a cozinha e começou a fritar um ovo para comer com pão e um resto de suco que havia na geladeira.
Terminando o serviço, Henry sentou-se à mesa e começou a comer, encarando desconfiadamente o celular que estava a alguns centímetros de seu prato, como se ponderasse sobre pegá-lo ou não.
Ele pegou.
Não tinha redes sociais a não serem as do Grand Palais e da Cavill & Hammer Law Firm, mas mesmo essas não era ele quem administrava, portanto não sabia a senha. Se ele quisesse ver alguma coisa, teria de fazer uma conta. E foi o que fez.
Com um nome de usuário qualquer e sem nenhuma informação, Henry procurou no Instagram o nome de Florence e logo apareceu a conta dela. Antes de clicar, mais uma vez pensou se realmente queria ver aquilo. Clicou.
Entre as várias fotos lindas que Florence tinha no feed, Henry foi capaz de reparar apenas na última que havia sido postada. Clicou mais uma vez. Era Florence toda sorridente tendo sua cintura envolvida por um rapaz magro e cabeludo que beijava seu rosto, quase fazendo a garota cair se não a tivesse segurando. Agora a música que soava pela casa era Crazy.
florencehill: Ele quase me mata de saudade.
thetylerbryant: Namorado dela aqui, seu merda
thetylerbryant: TE AMO, GAROTA, PFVR ENTENDA
meridasadgirl: ... vocês avisam o sam ou eu aviso?
erik.blue.98: hmmm kkkkkkkkkkk
preciouscrystal: [emoji de dois olhos]
florencehill: gente, para kkkk
A respiração de Henry estava entrecortada e as sobrancelhas dele estavam unidas. Se fosse num desenho, com certeza sairia fumaça de sua cabeça. Deixou o celular na mesa e se levantou com raiva, passando a mão nos cabelos. Olhou para todos os cantos, sem saber exatamente o que fazer com o que estava sentindo, e encarou de volta o celular com a foto deles dois.
Um grito furioso ecoou pela casa e o objeto foi arremessado no chão, estraçalhando a tela e quebrando algumas partes do aparelho.
– FODA-SE, FLORENCE, OLHA O QUE VOCÊ FAZ COMIGO!
Esse tipo de amor
Faz um homem virar um escravo
Esse tipo de amor
Manda um homem direto pro túmulo
Fico louco, louco, querida, fico louco
Você provoca
E depois vai embora
Sim, você me deixa
Louco, louco, louco por você, querida
Henry não estava com raiva de Florence. Estava com raiva de si mesmo por ter sido tão idiota em ter se apaixonado por ela.
Sim, ele estava apaixonado por ela.
Cansado de negar a si mesmo, precisava encarar o fato e aprender a lidar com isso da melhor maneira possível: dando um jeito de jogar essa paixão no lixo. Não podia ficar com ela.
A convivência dos dois já tinha mostrado várias questões que a diferença de idade trazia, além do grande problema de ele ser casado. Seu coração doía como se estivesse sendo dilacerado. Não sentia com Cindy o que sentia com Florence, não sorria com Cindy como sorria com Florence. Aquela garota tinha virado seu mundo de cabeça para baixo e já parecia tarde demais para voltar atrás, mas ou ele se afastava dela ou ela tiraria a sanidade mental dele.
Após puxar seus cabelos e sentir algumas lágrimas caírem, Henry pegou a chave do carro e deixou sua casa.
Nem ele estava acreditando que ia fazer isso. Tinha feito uma promessa há anos, mas agora ele não estava em condições de pensar em promessas. Só queria acabar com a dor, mesmo que fosse momentaneamente.
Enquanto seu carro corria em direção ao mercado, Henry discava o número de Cindy. Logo um “alô?” soou pelo veículo através do bluetooth.
– Não vai pra casa da sua mãe, Cindy. Volta amanhã – ele tentou soar duro, mas parecia vulnerável demais. – Volta pra Los Angeles... por favor.
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