Na quarta-feira às 18:45 Florence entrava na primeira cafeteria do shopping. Após o trabalho, tinha ido em casa tomar banho e se arrumar para ir para a faculdade. O MBA começava às 19:30, mas naquele dia ela precisaria chegar mais cedo, por isso resolveu comer algo perto da faculdade para estar lá na hora.
Flora usava uma camisa social branca, uma calça jeans cintura alta, saltos finos e uma bolsa preta paralela aos quadris. Sua camisa estava com os primeiros botões abertos e as mangas arregaçadas ao antebraço, dando um ar mais despojado ao seu look. Os cabelos da moça estavam presos num rabo de cavalo e ela também usava brincos. Gostava de ter um pouco mais de liberdade de brincar com o guarda-roupa quando ia para a faculdade.
Nunca tinha entrado naquela cafeteria antes. O ambiente era meio rústico, e a julgar pelos homens de terno e mulheres que pareciam ter acabado de sair do salão, não era um lugar barato. Aliás, a quantidade de pessoas ali indicava que era um point dos financeiramente privilegiados.
Ah, é só uma vez.
Não queria gastar mais tempo subindo as escadas e procurando um lugar para comer. Para sua felicidade, um senhor que estava na sua frente logo saiu e ela foi atendida. Quando pegou seu café e seu croissant, Flora se virou e varreu os olhos pelo local. Só tinha uma mesa com uma cadeira supostamente vazia, com uma pasta em cima dela. A outra cadeira, porém, estava preenchida por Henry Cavill.
O homem estava concentrado demais em seu notebook para notar qualquer movimento dela na cafeteria. Os botões da camisa social azul marinho se esforçavam para segurar a peça no corpo de Henry e um colete e um blazer azul grafite complementavam sua vestimenta.
Respirou fundo. Odiava ter de fazer aquilo, mas precisava se sentar para lanchar ou se atrasaria.
Se aproximou da mesa de Henry, e com cautela, se inclinou um pouco.
– Com licença...
Ele ergueu o olhar a ela. O homem se segurou para não respirar fundo quando viu de quem se tratava.
Parece a porra de uma perseguição...
O moreno, entretanto, se manteve sério.
– Tem alguém sentado aqui? – Florence perguntou.
– É cega?
Florence quase se retraiu com o modo ríspido com que ele falou com ela.
– Minha mala está aí, eu claramente estou esperando alguém.
Ela já estava ficando farta daquilo. Henry não precisava ser grosso para responder uma simples pergunta.
– Eu só quero a merda de uma cadeira pra eu comer e ir embora! Não se preocupe que eu não vou passar mais de cinco minutos ao seu lado.
Um rapaz negro de aproximadamente 27 anos tocou gentilmente no ombro de Florence. Ela se virou.
– Você pode se sentar aqui, moça, eu já estou saindo.
Ela deu um sorriso e quase enrubesceu ao se tocar de que ele tinha visto aquele show. A mesa era bem ao lado da de Henry.
– Ah, muito ob...
– Quer saber? Fica com essa mesa logo! – Henry se levantou e começou a arrumar suas coisas. – Eu vou pra outro lugar.
Tenho uma doença contagiosa e não sei, Florence revirou os olhos e se sentou, mordendo violentamente o seu croissant. Ah, vai pra merda, vai pra onde você quiser!
Mais tarde, Florence voltou para casa. Já não estava com raiva. Ao analisar os três encontros que teve com ele, se sentia mal. Henry a tinha tratado com repugnância todas as vezes e a conversa realmente estava fora de cogitação.
Para tentar espairecer, Flora foi para a sala e ligou a tv. Todos da casa estavam em seus respectivos quartos, então ela tinha a liberdade de ver o que quisesse.
O sotaque de Sherlock, entretanto, não estava a ajudando a tirar Henry da cabeça.
Guilherme foi para a cozinha colocar um pacote de pipoca para estourar no micro-ondas, e enquanto esperava o aparelho apitar, deu uma volta pela sala.
– O que está assistindo? – ele pôs as mãos as mãos na cintura.
Florence o olhou para trás de relance.
– Sherlock.
Pelo tom melancólico da voz dela, Guilherme percebeu que algo estranho estava acontecendo ali. Rodeou o sofá e se sentou ao lado da moça.
– Tá tudo bem?
Ela suspirou, derrotada.
– Não sei... – Florence deu de ombros.
– Quer conversar?
A loira ficou pensativa e decidiu pausar a série. Precisava desabafar. Já era o terceiro encontro e até então ela nunca tinha contado nada para a família e nem para os amigos. Queria fingir para si mesma que não tinha sentido nada, mas ela sentia. Henry era aquele crush que, mesmo depois de anos longe, ou mesmo depois de anos vivendo lado a lado, ainda existiria. E era uma merda porque ela não mandava naquilo. Teria de aprender a conviver com o sentimento como se fosse um velho amigo.
– É ele. – Flora o encarou.
– Ele...? – o moreno ergueu as sobrancelhas, esperando uma resposta mais concreta da parte dela.
– O Henry.
Mais uma vez o silêncio se instalou entre os dois. Guilherme sabia que se ela quisesse, desenvolveria a história. Era melhor deixá-la confortável.
Então Florence falou sobre os encontros repentinos com Henry e sobre a maneira com que ele tinha tratado ela. Guilherme prestava atenção, não se importando com o fato de a pipoca estar pronta.
A loira encarou o colo e ficou mexendo nos dedos.
– Eu pensei nele algumas vezes quando estive lá em Nova Iorque, Gui... Ele é o tipo de pessoa inesquecível. Não sei se felizmente ou infelizmente – ela riu fraco e Guilherme a acompanhou. – Mas eu vivi a minha vida e sabia que não podia ter esperanças quando voltasse, porque ele tava solteiro assim como eu. Só que eu não contava em ver ele tão cedo...
O rosto de Henry, marcado por aquele maxilar travado e as sobrancelhas quase unidas apareceu em sua mente.
– Se eu dissesse que não fiquei mexida, eu seria uma bela de uma mentirosa. Mas essa não é a parte ruim, sabe? – perguntou retoricamente. – Eu não queria que as coisas ficassem assim. Mesmo que nós não nos envolvêssemos, eu só queria resolver tudo como dois adultos maduros... Ele não fala comigo como se falasse com um estranho, Gui. Com estranhos ele é simpático, educado, cortês... Ele fala comigo como se tivesse raiva – a voz dela ficou um pouco embargada, mas não se permitiu deixar ser dominada por aquele sentimento. – E eu não queria, mas eu me sinto mal.
Guilherme continuou a observá-la, mas logo percebeu que ela tinha terminado de desabafar.
– Flora, não acredito que ele esteja com raiva de você... É compreensível que pela sua partida ele tenha ficado muito magoado e depois tenha te “bloqueado” na mente dele pra que não sofresse outra vez.
Ela assentiu, pensativa. Fazia sentido, mas ela ainda não tinha uma solução pra aquilo.
– E o que eu faço?
– Querida, você já fez. – Guilherme lançou-lhe um olhar terno e pousou uma mão em seu ombro. – Não se sinta culpada por ter feito o que achou melhor pro seu desenvolvimento pessoal e pra sua saúde mental. Ele entendeu errado, sim. Mas você tentou conversar com ele e ele não quis te ouvir. Não é você que o perdeu ter ido embora, Flora. É ele que tá te perdendo pelo orgulho.
Florence continuou calada por um tempo.
– Por que ele tem que ser assim, hein? – ela o encarou de forma séria.
Ele fez um leve carinho no rosto dela.
– Não quero ver esse rostinho triste, Flora – deixou a mão cair no colo. – Sei que não é fácil lidar com essa situação, mas se for pra vocês se entenderem, vocês vão – Guilherme deu um pequeno sorriso.
Flora ainda não estava muito convencida.
– Não sei, Gui... se for pra ele continuar me tratando desse jeito, prefiro nem cruzar o caminho dele, sabe? – ela repensou a própria frase. – Como se eu escolhesse encontrá-lo, né!
A loira revirou os olhos e reprimiu um sorriso.
– Fica tranquila, Florinha, não esquenta sua cabeça com isso. Pensa no que eu te falei. Por enquanto é bom você focar no que te faz bem... Como as pipocas que eu to indo pegar – ele apontou para a cozinha e os dois riram.
Florence agora envolvia Guilherme com os dois braços, fazendo com que ele retribuísse da mesma forma e encostasse a cabeça na dela com carinho. Guilherme não era seu pai, mas desde antes de ele conhecer sua mãe, sempre tinha lhe tratado bem. Agora, mais ainda. Queria que ela se sentisse bem, acolhida, amada. Eles estavam se tornando uma família e precisavam ter uma boa relação. E Florence era grata por ter um homem como ele perto dela e da mãe.
– Obrigada, Gui!
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