– Heloiza Cornélia Woldorf! – Liam parecia chocado. – Não podia esperar eu acordar?
Ruborizei terrivelmente. Podia até sentir minha face arder.
– O que? Você não... está... – Enxuguei o suor da testa, saindo de cima dele. – Nunca! Nunca! – Estremeci, querendo encontrar alguma coerência em minha declaração. – Era só um favor. – Disse-lhe por fim. Depois, expirei, calando-me.
Evitei encará-lo. Mesmo assim, notei os lábios dele cerrarem, como se prendesse o riso enquanto sentava-se.
– Um favor? – Seu tom era zombeteiro e isso me fez roer as unhas ali mesmo, obrigando-me a ficar de boca fechada. Anta do jeito que eu sou, não seria uma grande surpresa se falasse algo que intensificaria o momento constrangedor. – Um favor... – Repetiu refletindo, enquanto coçava o queixo. Para o meu terror, o panaca olhou a palma de sua mão e leu meu recado em voz alta: – Só te desculpo se me desculpar. Sou uma imbecil, você já sabe disso! Não sou boa com palavras, por isso, espero que entenda minha atitude de... meia-irmã.
Arregalei os olhos, nervosa. Após ser pega tirando-lhe a roupa, minhas palavras ganharam sentidos maliciosos e totalmente diferentes dos que eu havia planejado. Aflita, tentei lhe explicar, mas, infelizmente, só meus lábios se mexeram. Minha voz foi pro espaço. Sacudi as mãos, frenética, enquanto Liam me olhava com uma expressão indecifrável.
Como se o universo estivesse disposto a me ajudar, o celular do Payne tocou em cima do criado mudo. Logo que fitou o aparelho e estendeu a mão para pegá-lo, expulsei toda a aflição que me apertava o peito.
– Oi, está tudo bem? Queria mesmo falar com você. – Ele se levantou e caminhou até o banheiro. Antes de passar pela porta, sussurrou para mim. – Fica aí, já volto. – Em seguida, trancou-se.
Pisquei os olhos, confusa. Que merda era aquela? Liam de segredinho no telefone? Muito suspeito.
O que eu fiz? Bem, o que qualquer pessoa faria, eu acho... Fui colar meu ouvido na porta, na esperança de ouvir algo. Não deu nem tempo de chegar ao banheiro, pois logo ouvi vozes vindas da sala.
– Não pode, ele está dormindo! – Reconheci a voz do Styles.
– Relaxa, Hazza, não vou demorar. É rapidinho.
EPA! Voz de mulher!
– Desculpa, Lucy, é que... não é um bom momento. – Disse Niall. Ele parecia nervoso.
O que a biscalinha estava fazendo ali?
– Deixem de bobagem, meninos. Até parece que é a primeira vez que venho acordá-lo. – Retrucou a cretina.
Senti pontadas de ciúmes só de imaginar Liam e Lucy naquele quarto. Não pude deixar de fazer careta. De repente, a maçaneta girou.
– NÃO! – gritaram os dois. A porta tremeu um pouco, como se alguém se jogasse à frente dela. E eu não duvidava nada que tivesse sido os dois, só para proteger o safado do amigo.
– Parem com isso, poxa! Estou ficando chateada. O que tenho pra falar com ele é importante!
Cerrei o punho, irada.
Ah, eu sim, vou dar um bom motivo pra você ficar chateada! Murmurei arquitetando.
Ri enquanto tirava rapidamente minhas roupas, jogando-as no chão. Motivada pelo ciúme e instinto nato de competição, fiquei só de lingerie. Olhei para os lados e logo avistei uma camisa de Liam em cima de uma cadeira. Ainda podia ouvir a ridícula Lucy tagarelando, no momento em que eu me socava dentro da camisa. Baguncei os cabelos, deixando-os totalmente desgrenhados. Fui até a porta e, ao pegar a maçaneta, ri mais uma vez de mim mesma... O que eu estava fazendo era um tanto patético, mas, quem liga? Para sacanear uma biscalinha cara de pau, vale tudo!
Abri a porta, bocejando e me espreguiçando. Fitei os barulhentos e tive que reprimir a gargalhada, pois me encaravam surpresos. Tive o prazer de ver os olhos de Lucy quase saltarem para fora.
– Que rápido! – Murmurou Harry, pensativo. – Liam é um coelho?
– Dá pra falarem mais baixo? Estamos tentando dormir. – Pedi, bocejando outra vez. Pela primeira vez na vida, senti que poderia ganhar um Oscar.
– Preciso falar com Liam. – Disse a sujeitinha por entre os dentes.
EITA! ELA ESTAVA FURIOSA!
Ponto pra mim!
– Outra hora, biscalinha.
– Biscalinha? – Niall perguntou, parecendo deslocado.
– É uma mistura de biscate com galinha. – Sussurrei para ele e lógico que Lucy ouviu.
– Entregue isso a ele! – A retardada jogou uma folha de papel na minha cara e eu a deixei cair. Depois, Lucy saiu do apartamento, batendo a porta.
Niall e Harry abriram a boca ao mesmo tempo para falar e eu os impedi.
– Shhh! Esperem! – Bati também a porta na cara deles.
Ri alto, tanto da reação da biscalinha como dos otários na sala. Era tão bom colocar Lucy no lugar dela, ou seja, fora das nossas vidas! Sentia-me muito intimidada por aquela perua, pois ela teve uma relação descomplicada com Liam e eu a invejava um pouco por isso. Porém, naquele momento, me sentia à frente no jogo. Não pude deixar de dar uma dançadinha em comemoração.
O Payne pigarreando atrás de mim, fez-me estagnar. Fechei os olhos e respirei fundo.
PRONTO! AGORA SIM, EU MEREÇO UM PRÊMIO! CONSEGUI TRANSFORMAR UMA SITUAÇÃO RUIM EM UMA SITUAÇÃO TERRÍVEL!
Virei-me lentamente, com as mãos começando a suar. Liam me olhou dos pés à cabeça e pude ver a mais pura confusão em seu rosto. Também havia algo mais, só que eu não conseguia decifrar.
– Eu tenho uma boa explicação para isso. – Minha voz saiu levemente trêmula. Não ajudou em nada ele ter olhado para minhas roupas no chão.
LEGAL, AGORA ELE TEM CERTEZA QUE SOU UMA TARADA!
– Está com vontade, hein?! – Falou com os olhos semi-cerrados e um sorrisinho desconcertante.
– Lógico que não! – Me defendi da melhor forma possível. – Você deveria estar me agradecendo agora e não fazendo piadinha!
– Deveria?
– Sim!
– Humm! – Tentou fingir que estava entendendo.
– Vim te agradecer pelo quarto e te encontrei dormindo, no entanto, você estava todo se coçando. Era horrível!
– Como? – Indagou aturdido.
– É verdade, se coçava assim. – Cocei os braços e pernas como louca. – Você deve ser alérgico à tinta que usou. Só que estava muito cansado para sentir. Se debatia feito um peixe fora d’água.
– Me debatia? – Enrugou a testa. Revirei os olhos.
– Dããã! Sim! Por que eu mentiria? – Chacoalhei seus ombros. – Foi horrível, não aguentava ver, estava ficando todo vermelho, não imagina o estado em que se encontrava – Fui tão teatral que beirava o drama. – Por isso, eu totalmente solidária e sem nenhuma intenção maliciosa, tirei suas roupas sujas de tinta para que não piorasse. Você é muito mal agradecido. Há essa altura, podia estar cheio de bolhas.
Bem, aquilo soava mais convincente e menos constrangedor que a verdade.
– Alergia... – Liam balançou a cabeça, assimilando minha história. Eu cruzei os dedos escondidos atrás de mim, torcendo para que ele acreditasse. – Eu estava me coçando, certo? – Mordeu o lábio inferior, depois perguntou. – E por que tirou suas roupas?
Engoli o nó preso na garganta e tratei de começar a me coçar.
– Você passou a coceira pra mim quando toquei em suas roupas...ai... – Passei as unhas fortemente por todos os lugares do meu corpo, fingindo-me de aflita. – ...por isso, tive que tirar as roupas, mas não está adiantando muito.
Minha nossa! Que história mais furada!
Lembrete mental: me matar!
Liam gemeu, pensativo, por uns cinco segundos. Então, disse:
– Sabe... estou mesmo sentindo essa coceira. – Coçou o braço direito.
FALA SÉRIO!
Estreitei os olhos, desconfiada. Era impossível ele estar sentindo algo. Mesmo assim, o cara continuou se coçando.
– É melhor tirarmos toda a roupa, ela deve estar contaminada. – O Payne não tirou o olho da camisa que eu usava e desabotoou novamente a calça.
Cruzei os braços, sendo pega pela minha própria mentira. De duas uma: ou eu sou uma excelente mentirosa a ponto de mexer com o cérebro dele, ou o safado estava se aproveitando da situação.
Em qual das hipóteses apostaria suas fichas?
– O que é isso? – Perguntou, olhando pro papel no chão.
Antes que eu pudesse pensar em uma resposta, Liam abaixou-se e pegou a folha dobrada ao meio.
– Sua biscalinha deixou isso aí. – Informei carrancuda.
Abriu o papel e, lógico, me colei a ele para ler também.
[ Liam, é melhor devolver nossos veículos em 48h ou você e sua gangue sofrerão as conseqüências.
Vincent C. ]
– Desde quando somos uma gangue? – Ironizei.
– Desde que o Vincent meteu na cabeça que fomos nós que os roubamos. – Respondeu, amassando o papel.
– Então é melhor ir falar com Caleb.
Ele me encarou aturdido e logo depois, entendeu...
– Ah, droga! – Passou as mãos pelos cabelos. – Por favor, me diga que ele não fez isso!
Apenas dei de ombros, sorrindo. Não culpava Caleb, o playboy merecia aquilo. Liam pegou o celular e eu sabia que iria ligar para o amigo. Aproveitei sua distração, peguei minhas roupas e escapei, antes que tivesse de dar mais explicações.
Ao entrar no apartamento da Barbie, avistei a Amendoin dormindo no sofá. Aproximei-me, sem hesitar. Ela estava dormindo profundamente, tão tranqüila que não pude deixar de me perguntar como conseguia. Mesmo sendo uma mini-delinquente, como dizia o Payne, era apenas uma criança. Ela sabia que Liam a levaria à assistência social quando o dia amanhecesse e, mesmo assim, conseguia se manter serena. Talvez, ela não pensasse no futuro, apenas vivia um dia de cada vez. De todos ali naquele apartamento, provavelmente a Amendoin era a única que sabia o verdadeiro sentido de sofrimento e abandono.
De repente, minha consciência se voltou contra mim e fui obrigada a confessar que passei tempo demais me julgando sofredora e agora, estava ali, diante de mim, uma pequena criatura que já sofrera mais que eu. Senti-me tola. Sabia que não era diferente de todo mundo. Geralmente, temos a tendência à ver nosso sofrimento como se fosse o maior, mas quando nos deparamos com pessoas realmente sofredoras, levamos um grande tapa na cara, ao constatar que sempre existe alguém que sofre mais.
Talvez ela não pense no futuro.
Suspirei pensando em Lili. Não importava o que eu fizesse, meu ódio pela mosca morta ia estar sempre entre nós. Uma barreira quase palpável. Eu sabia que ela não era a bruxa malvada da Branca de Neve, pois já tinha me ajudado algumas vezes. Mesmo assim, não conseguia eliminar o sentimento de raiva dentro de mim. Após a conversa com meu pai ontem, vi que podia conviver com o casamento dele, porém, não podia forçar uma convivência totalmente pacífica com Lili. A palavra madrasta repelia as tentativas de mudar minha opinião, não importava quem estivesse assumindo aquela posição, agiria da mesma forma, odiaria com a mesma intensidade. Era uma sensação da qual eu não tinha total controle. Não entendia porque agia assim, mas às vezes tinha a estranha sensação de estar lutando em vão contra paredes que se fechavam à minha volta. Tentava manter minha mãe viva nas minhas lembranças e nas do meu pai. Temia não lembrar dela hoje com a mesma intensidade que lembrava ontem, tinha medo de perder detalhes que antes eram nítidos quando eu fechava os olhos. Medo de seu nome já não ser mais pronunciado em meio à nossa família. Estive tão impotente diante da doença e morte dela, que era horrível me imaginar impotente, agora, tentando mantê-la presente no dia-dia dos Woldorf. A chegada de Lili ao nosso cotidiano modificou tudo e essa mudança me causava mais medo que qualquer outra coisa, pois, mais uma vez, me fazia ficar impotente diante de tudo.
Fechei os olhos e tentei não pirar. Nesse momento, me veio em mente a imagem de Liam, Raul e Lili. Haviam dois homens em minha vida que amavam aquela mulher mais do que eu podia entender. Talvez, só talvez, eu fosse forte suficiente para lutar contra mim mesma e conseguir gostar ao menos um pouco da mosca morta. Isso, provavelmente, seria meio caminho andado para conquistar definitivamente o Payne. Não tinha certeza se conseguiria, mas sabia que poderia tentar. Estava mais que na hora de guerrear contra meus fantasmas interiores. Se eu vou vencer essa batalha? Bem, acho que vou descobrir em breve.
Sentia-me muito confiante, desde que li o bilhete de Liam. Procurei me agarrar àquela confiança, pois precisaria dela.
Amendoin mexeu-se no sofá e isso trouxe meu foco de volta à ela. Ali estava algo que eu podia controlar, acho, podia evitar que a menina voltasse para sua vitrine. Como minha Mãe dizia: para todo problema existe uma solução.
Mas o que faria a seguir? Ela precisava de pais e eu não sabia onde arranjar isso. Era melhor eu me concentrar em um problema de cada vez ou acabaria não conseguindo resolver nada.
Tudo bem, Helo, faça a lista: evitar que a Amendoin volte para o orfanato; convencer o cabeça dura do Liam a apoiar isso; tentar ser gentil com a... argh... mosca morta; arranjar um emprego...
Quando pensei na palavra emprego, me lembrei imediatamente do folheto que li no bar durante a calourada. Música Country era algo de outro mundo para mim, não tinha certeza se podia tocar aquilo. De qualquer forma, na Quarta-feira, iria ao bar, dar uma olhadinha e ver como funcionava esse lance.
Era melhor ir dormir, pois a Terça-feira estava chegando e eu tinha o pressentimento que ia ser dureza.
Logo que o dia amanheceu, saltei da cama e procurei por Amendoin, que ainda dormia.
– Ei, moleca, acorda! – A sacudi levemente.
– O que é? – Perguntou, abrindo os olhos, sonolenta.
– Daqui a pouco, o Liam vai aparecer aqui para te levar à assistência social e... .
A garota não me deixou terminar de falar. Levantou-se rápido e tentou fugir. Precisei agarrá-la com força.
– Me solta! – Reclamou, chacoalhando-se.
– Droga! Fica quieta!
– Não! – Mordeu meu braço que a envolvia.
– Aiiii... – A soltei, irritada. Se você pensa que ela se importou, engana-se. – Se tocar em mim de novo, eu vou te bater, sua esquisitona! – Exibiu o pequeno punho cerrado.
– Esquisitona? Olha só quem fala! – Cruzei os braços e Amendoin fez o mesmo. – Está querendo levar um chute, tampinha?
– Tente! – Desafiou, correndo em direção à porta. Sorri ao vê-la lutar com a maçaneta. Óbvio que eu tinha trancado.
– Procurando por isso? – Balancei as chaves.
Ela me encarou nervosinha, porém, indefesa.
– Eu tenho um plano... – Me joguei no sofá. – Mas você terá que ser boazinha comigo, projeto de gente! – Pisquei para ela.
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