Mais uma noite chegava ao fim na grande Seoul. Terra de estrelas, dançarinos fazendo cover de Kpop nas calçadas, turistas zanzando por ai, ratos infernais e eu... A baixinha mais azarada do mundo.
Acordei com uma puta dor nas costas, como se uma caminhão carregado de elefantes tivesse passado por cima de mim. Na verdade parecia que a arca de Noé tinha feito isso. Levantei juntando todas as forças de meu corpo para me locomover e fui direto para o banheiro tomar um banho quente e relaxante, torcendo para que ele fizesse sumir aquela maldita dor.
Durante o banho eu confabulava comigo mesma, pensando na forma que eu, uma pobre coitada – que é mais pobre que coitada – iria fazer para ir à Busan a procura de meu querido carrinho roubado pela aquela loira gata que eu ia adorar estrangular quando a encontrasse, o que seria um grande desperdício – e que desperdício!
Eu sabia que não seria uma tarefa nada fácil achá-la, apesar de ter conseguido o localizador da faculdade ligado ao sensor que instalei na Kristen. Não sabia seu nome e nem de onde vinha... Aquela mulher era uma completa estranha pra mim e ainda queria saber o porquê, de tantas pessoas em Seoul, ela roubaria justamente o meu carro. Sem falar que minhas economias não eram lá tanta coisa e seria mais um obstáculo em minha estrada até meu carro. Para ir à Roma tem que ter boca, mas para ir à Busan precisava de dinheiro mesmo.
Infelizmente eu teria que pensar nisso durante o caminho para a faculdade, pois hoje teria uma prova muito importante de química e, apesar de amar muito minha Kristen, não poderia me dar mal logo na matéria do professor que me amava tanto... Youngchul State, o azedo.
Peguei meu material e segui para fora do meu apartamento à procura de um taxi, e vamos dizer que não foi lá uma coisa muito fácil. Acenei uma, duas, três vezes e nada de um maldito táxi parar. Pensei em até tirar minha roupa para ver se assim um parava, porém achei melhor não fazer isso. Não queria que nenhuma criança por perto se traumatizasse com a visão de uma nerd sem graça com óculos que possuíam um grau parecido com o de um telescópio, pelada em plena avenida.
Foi então que eu tive uma grande ideia. Esperei o próximo passar, depois peguei um de meus livros da faculdade, aguardando o momento certo e em seguida arremessei com tudo em direção ao banco do motorista. O táxi brecou mais a frente, depois começou a dar a ré, vindo em minha direção.
- Por acaso esse livro é seu? - o motorista me perguntou com o cenho franzido e dava para perceber que o livro acertou sua testa, pois nela possuía um ponto avermelhado de quem foi atingido.
- Nossa... Muito obrigada, esse danado vive voando por aí... Estudo da gravidade, sabe como é. - eu disse na maior cara de pau, pegando o livro de sua mão - Está livre?
- Entra. - ele disse com cara de bravo e eu entrei no carro me segurando para não dar risada dele e da sua testa avermelhada - Para onde?
- Universidade Seoultetch, por favor...
***
Depois de 10 minutos eu chegava à faculdade e dessa vez no horário certo. Entrei na sala e, para o meu alívio, o professor ainda não tinha chegado. Segui para meu lugar ao lado de Dahyun e a mesma inquietou-se ao me ver.
- E aí, Chae, conseguiu alguma coisa? - ela me perguntou assim que me sentei ao seu lado.
- Consegui. - respondi com a animação de um animador de velório, claramente percebido por minha amiga.
- Que cara é essa?
- A cara de quem descobriu que seu carro está em Busan e não tem um tostão furado no bolso para ir até lá. - expliquei tirando meu caderno de química da bolsa e colocando em cima da mesa abruptamente.
- Que chato, Chaeyoung. Você sabe que se eu tivesse daria a você sem pensar, porém minha situação não está tão diferente da sua, principalmente com a cirurgia da minha avó se aproximando. - Dahyun comentou e eu pude ver sinceridade em seus olhos intrigantes.
- Eu sei, tofu... mas vou conseguir pensar em um jeito. - nós duas nos olhamos por um instante, como se compartilhássemos o mesmo pensamento.
- Já sei! - a branquela disse estralando os dedos acima da cabeça - Por que você não...
- Não, Dahyun. Eu não vou vender meu corpo... Eca! - eu disse a interrompendo, fazendo careta de nojo - Meu desespero ainda não chegou a esse nível.
- Eu não estou falando disso, sua bocó. - Dahyun me repreendeu, dando um tapa na minha perna - Me refiro a você vender seus gibis antigos.
- Pior ainda. Prefiro me prostituir. - discordei já me subindo o desespero só de pensar em vender mais um dos exemplares de meus gibis.
Essas histórias em quadrinhos eram uns de meus bens mais preciosos, juntamente com Kristen, os tenho desde pequena e foi presente de um tio, que ganhou de um amigo, que os comprou em um leilão na Etiópia, que chegaram através de alguns visitantes que os empenharam para pagar uma bebedeira que tiveram por lá, sendo mortos em seguida.
- Chaeyoung, vamos pensar em ordem de importância... Kristen ou os gibis empoeirados que cheiram a madeira velha? - Dahyun perguntou, me olhando com um daqueles olhares que dizem "escolha um ou se lasque" e eu devolvi o olhar com uma cara de choro digna de pena do próprio gato de botas.
- Minha Kristen é mais importante. - ela sorriu fracamente, passando sua mão sobre a minha em sinal de conforto.
- Muito bem, tigresa. - Dahyun disse endireitando-se em seu lugar, pegando caneta e lápis em sua mochila.
- Para a sua informação, eu adoro cheiro de madeira velha. - disparei e ela sorriu balançando a cabeça negativamente. O professor State entrou na sala mais rápido do que notícia ruim e então começou a distribuir as provas por nossas carteiras.
- Todos guardem seus materiais, deixando apenas caneta e lápis em cima da mesa. Se eu pegar alguém colando será expulso da minha sala e não poderá fazer a segunda chamada... - disse parando onde eu estava, me encarando - Então... Reprovarão nessa matéria e daí só poderão fazê-la novamente daqui a um ano e meio. Creio que quem possui bolsa não têm o privilégio de reprovar, senhoras e senhores. - finalizou com seu sorrisinho irritantemente sarcástico naquela cara branquela de mestiço que tanto me enjoava. Longe de mim ser preconceituosa. Sou livre de qualquer preconceito, sério. Simplesmente odeio todo mundo, igualmente.
Quando todos terminaram a prova, State as recolheu e prosseguiu com uma nova aula que envolvia experiências no laboratório. Ele escreveu as substâncias que usaríamos na atividade e em seguida deixou que nós começássemos. Dahyun era minha dupla, como sempre, então dividimos nossas partes e começamos o experimento.
- Então, toda vez que eu vou para casa da minha avó, meus tios dizem que eu engordei. - Dahyun me contava, enquanto continuávamos com nosso trabalho - Isso chega a ser humilhante.
- Já falei pra você não ligar para o que os comedores de pastel de seus tios dizem, Dahyun. - disse concentrada no que eu fazia. Com um descuido poderia derramar a substância na mesa e isso já seria um motivo para um faniquito do professor. Queria evitar ao máximo uma confusão com o entojado.
- Eu sei, Chaeyoung, mas já enchi minha cota sobre comentários ofensivos de como me alimento de maneira errada e como vou acabar como um lutador de sumo.
- Sabe de uma coisa, tofu? - perguntei dando uma pausa no que fazia para encará-la - Coma tudo que você quiser, e se alguém vier te dar sermão sobre o seu peso, coma essa pessoa também. - ela soltou uma risada que eu acompanhei no mesmo nível - Você é linda como é, sério. Não deixe te dizerem o contrário, tudo bem?
- Obrigada, Chaeyoung.
- Não por isso. - finalizei com uma piscadela e nós voltamos à experiência, quando de repente alguém tocou no meu ombro e me virei dando de cara com os olhos mais marcantes que já vi na vida - S-Sana?!
- Hey... É Chaeyoung, não é mesmo? - ela perguntou passando as mãos em seus cabelos incrivelmente laranjas.
- Isso... Algum problema? - disse tentando parecer firme, mas eu meio que agia feito uma lesada na frente de mulheres bonitas... Fato que eu devia me tratar, porque a última que me fez ficar assim roubou meu carro sem dó nem piedade.
- É que minha parceira de laboratório faltou hoje e eu estou de alguma forma boiando no assunto, então vim te perguntar se você pode me ajudar com a minha experiência antes que eu exploda o laboratório com todo mundo dentro. - finalizou com um sorriso de amolecer até o mais resistente aço, que me fez ficar paralisada um instante, recebendo um cutucão de Dahyun nas minhas costas doloridas pela queda maluca de ontem.
- Vai lá, Chaeyoung... Eu termino por aqui. - ela me incentivou com um olhar um tanto malicioso e eu devolvi com um desesperado.
- A-Acho melhor nã...
- Ela vai adorar te ajudar com sua experiência, não é Chae? - Dahyun me interrompeu perguntando com um olhar que se eu não aceitasse, ela me mataria ali mesmo e, temendo pela minha vida, resolvi ajudar a ruivinha apesar de minhas pernas não quererem obedecer meus comandos.
- Tudo bem... Vamos? - aceitei e Sana sorriu de orelha a orelha, seguindo para sua bancada acompanhada da maluca aqui, que rezava para não fazer nenhuma besteira e assustar a garota - Bom... Primeiramente, me diga no que você quer que eu te ajude. - eu pedi tentando ser simpática, já que essa não é uma de minhas poucas virtudes, porém buscando ajudar a moça a minha frente.
- Basicamente... Tudo. - explicou sem tirar aquele sorriso com um misto de meiguice e sensualidade capaz de derrubar um avião. Eu mordi meu lábio inferior tentando afastar pensamentos sujos, que vinham aos montes em minha cabeça, enquanto ela gesticulava me mostrando no que tinha dúvidas e mesmo com aquele jaleco e óculos horrorosos, que nos faziam usar nas aulas de química como proteção, ela ainda continuava simplesmente... Linda - Entendeu? - perguntou me tirando do transe que me prendi durante sua explicação toda.
- S-Sim. - respondi desconsertada, o que a fez sorrir mais ainda - Vamos começar pelo seguinte... - comecei a lhe explicar cada função das substâncias e o que fazia as agirem daquela forma quando em conjunto.
Essa experiência consistia na observação da ação detergente dos ácidos sulfônicos. Eu explicava tudo claramente, sempre esclarecendo qualquer dúvida que ela colocava e acabou que eu me tranquilizei mais com sua presença a poucos metros de meu corpo.
- Algumas pesquisas indicam que o ácido sulfônico tem como sua principal aplicação em produtos de higiene, por possuir efeito espumante. - eu explicava enquanto misturava algumas gotas da substância a água e ela me encarava atenta - Uma de suas funções é diminuir a tensão superficial do produto, por isso também pode ser chamado de agentes tensoativos, que acarreta na melhor penetração da substância na superfície a ser limpa.
- Você é muito bonita, sabia? - Sana perguntou do nada, me deixando sem reação por alguns instantes - Deve ouvir isso o tempo todo.
- Ah, mas é claro... Outro dia na balada uma mulher me chamou de bonita. Eu fiquei morrendo de vergonha... Vergonha de perguntar o quanto de vodka ela já tinha bebido. - brinquei sem encará-la, tentando esconder o quão desconsertada eu fiquei com o seu elogio - Mas como você está sóbria, acredito eu, vou começar a acreditar quando disserem.
- Além de inteligente e bonita, também é engraçada. - ela completou sorrindo de uma forma sexy - Pacote completo. - pronto, morri... Ou quase.
- Bom, Sana, você entendeu o que eu expliquei? - perguntei coçando a nuca, desconcertada e acredito que muito vermelha também.
- Uhum... Tudinho. - sorriu em resposta, terminando de anotar algo em sua caderneta. Quando acabou, veio em minha direção, parando bem, mas bem próxima de mim, a ponto de sua respiração começar a embaçar levemente meus óculos - Obrigada mesmo... Chae-youn-gie. - disse pausadamente me fazendo congelar onde estava, pois sua proximidade não me permitia grandes movimentos.
- De nada, Sana, se precisar novamente eu vou adorar te beijar, digo, ajudar... Vou adorar te ajudar. - gaguejei mais que um gago tentando gritar gol e saí de lá tropeçando em quem estivesse pelo caminho, voltando para meu lugar ao lado de Dahyun e ainda ao longe pude ouvir um "te vejo por aí" de Sana.
- Hum, a ruivinha está gamadinha em você, Son... Pelo visto sua sensualidade nerd atraiu a japonesa ali. - Dahyun comentou com seu olhar malicioso, recém-descoberto por mim, quando me sentei ao seu lado suando abobadamente.
- Isso é coisa da sua cabeça, Kim. - rebati mais controlada, porém sempre evitando contato visual com Sana.
- Então eu devo estar pirada, porque minha cabeça fantasiou uma ruiva com olhares pecaminosos em cima de você e aproximações perigosas, com direito a comentários ao pé do ouvido. - ela dizia com um misto de ironia e petulância - Sem falar do papel imaginário que eu a vi colocando no bolso do seu jaleco que, provavelmente, é o número do celular dela. - finalizou com a sobrancelha arqueada e braços cruzados. Eu a encarei duvidosa e ela complementou - Pode olhar e me diz se estou errada. - fiquei alguns segundos lhe fitando de uma maneira desacreditada pela possibilidade de uma gostosa como aquela querer algo comigo.
Resolvi acabar com aquele suspense todo e enfiei a mão no bolso do meu jaleco, puxando dele um papel dobrado e meus olhos arregalaram quando vi alguns dígitos escritos com o nome Sana-yah e um recado que dizia: Me liga, vou adorar "debater" anatomia humana com você.
- Ela só quer falar de anatomia humana comigo. - comentei simples.
- Sei bem que anatomia humana é essa... Do tipo corpos suados, na cama... Fazendo aquilo. - ela disse baixo para que só nós duas ouvíssemos e eu sorri.
- Corpos suados... Na cama... Fazendo aquilo... Anda vendo muito pornô na internet, senhorita tofu. - ela corou violentamente ao me ouvir comentar isso e me deu um tapa no braço, me fazendo gargalhar alto.
- Idiota. - ela urrou virando-se para frente, me ignorando - Te odeio, Chaeyoung.
- Você me ama que eu sei. - nós duas sorrimos.
- Amo, mas te odeio por isso... Agora presta atenção na aula.
***
Depois da aula fomos para o trabalho e como sempre, preferia dar meu rim para um cachorro comer do que ir para lá e topar com o rascunho de gazela do meu chefe, e faltou um segundo para eu o fazer engolir um vidro de ketchup pelo lado contrário a ponto de fazê-lo engasgar com isso. Porém como tudo na vida não é um "conto de fadas", tive que trabalhar a tarde toda com a Cruela no meu ouvido, me infernizando.
Após meu expediente de trabalho escravo, segui para uma loja de penhores com Dahyun, minha amiga da onça, e vendi alguns exemplares de meus gibis preferidos, obrigatoriamente, porque ainda teria que ir à Busan na minha busca incessante pelo meu carro com a loira, que eu não sei porque não saia da minha cabeça, nem por intervenção cirúrgica. Aqueles malditos olhos brilhantes como uma galáxia grudaram na minha mente, fazendo em segundos eu esquecer do motivo de ir atrás dela.
Cheguei no meu apartamento mais pra baixo que mecânico de submarino e fui direto recarregar minhas forças em um gelado e demorado banho, ajudava na concentração. Eu deixava a água escorrer pelo meu corpo cansado, torcendo para que com a água escorresse meus problemas e preocupações, pois na manhã seguinte eu estaria embarcando em uma viagem para Busan sem saber o que aconteceria por lá. Fui direto para minha cama depois do banho, precisava de uma boa noite de sono para aguentar a viagem e o que ocorreria por aquela cidade, rezando para que desse tudo certo e conseguisse voltar com Kristen inteira.
No dia seguinte nem precisou o despertador me acordar, pois praticamente não dormi a noite inteira com tantas coisas rondando em minha cabeça. Coloquei algumas mudas de roupas na minha mochila, juntamente com alguns pertences importantes, como meus documentos. Uma hora depois o ônibus em que eu estava partiu rumo à Busan e a meu querido carro, estacionando, longas horas mais tarde, em uma rodoviária na cidade.
Guiada pelo localizador em meu novo e melhorado celular, que comprei com uma parte do dinheiro dos gibis, comecei a seguir o sinal pelas ruas de Busan, porém não foi nada fácil. Ela não ficava em um lugar só, foram vários em apenas uma hora. Me sentia naquele jogo do Pac man e quanto mais eu me aproximava dela, mais ela se afastava. O taxista que me acompanhava já estava impaciente pela quantidade de lugares que íamos e eu não desembarcava em nenhum, acho que ele já estava começando a enjoar da minha cara naquele táxi.
De repente o sinal apitava para um lugar não muito longe de onde estávamos e ao chegar, percebi que se tratava de uma loja de roupas. Paguei o taxista e desci como uma bala do carro, dando de cara com o meu estacionado na frente do local. O examinei por completo, procurando algum dano que aquela doida poderia ter causado à minha menina e, para meu alívio, ela estava exatamente como antes. Em seguida entrei na loja à procura da loira mistério, mas não a encontrava em lugar nenhum. Perguntei para todos por quem topava pelo local, porém me disseram que nenhuma loira com essas características esteve por lá. Foi então que escutei o barulho alto de alguém ligando um carro e corri para fora para dar de cara com ela, mas infelizmente a danada já devia ter me visto entrar na loja e fugiu de mim como o diabo foge da cruz.
- Droga, ela estava de peruca! - eu resmunguei, tentando acompanhar o carro na corrida.
Ela dobrou a rua mais a frente e eu desviei meu caminho para um beco, que eu torcia para que desse na mesma rua que ela estava. Minha escolha foi certa, quando sai do beco ela estava mais um pouco a frente e continuei na perseguição, porém meu fôlego asmático me traiu, fazendo parar aos poucos. Me xinguei mais que tudo por ter um pulmão mais furado que uma peneira, então percebi que mais a frente um rapaz acabara de estacionar sua lambreta. Assim que ele desceu da moto, eu rapidamente montei dando partida.
- Ei, minha moto! - ele reclamou vindo à minha direção.
- Assunto do estado. Sou uma agente e estou requisitando seu veículo. - eu sei lá de onde tirei essa besteira, mas era isso ou nada. Mostrei um cartão aleatório como se fosse meu distintivo e ele franziu o cenho desconfiado.
- Mas isso é um cartão de biblioteca.
- Sou uma agente bibliotecária e aquela garota no Ford Maverick há um mês não devolveu o livro para biblioteca. - menti descaradamente com a coisa mais idiota do mundo e tenho certeza que uma criança de cinco anos poderia mentir melhor que eu nesse instante.
- Mas...
- Mas nada... Prometo devolver seu veículo em bom estado. - ou nem tanto, quando se tratava de mim nada saia em seu estado natural - O presidente agradece sua contribuição, meu rapaz. - dei partida na moto e segui meu carro, que já estava quase fora do meu alcance.
Acelerei tudo que aquela bicicleta com motor tinha para oferecer e, nesse momento, me arrependi amargamente de ter colocado um motor mais potente em Kristen, pois a mesma estava a toda mais a frente e acabou sumindo da minha vista segundos depois.
- Mas que droga! - urrei parando a moto para checar o localizador. Meu carro já estava quase um quilômetro a minha frente, no entanto não me dei por vencida. Liguei a lambreta e segui o sinal novamente, a loira teria que parar algum momento e quando isso acontecesse, eu a encurralaria.
***
A noite já havia chegado e nada dela parar em um lugar algum. Ela rodou por horas, porém por volta das oito da noite parou em um lugar específico e para lá me encaminhei. Cheguei a um restaurante de comida tailandesa e lá o sinal apitava cada vez mais forte. Entrei com cautela pelos fundos, a procura da sádica ladra de carros, foi então que ouvi uma conversa, que mais parecia uma discussão:
- Você não devia vir até aqui, Mina... E se eles te seguiram? Vão destruir meu restaurante se souberem que você está aqui. - disse uma voz feminina, aparentemente bem jovem para ser dona de um restaurante grande como esse, e eu me escondi um pouco mais perto para poder ouvir melhor. Então o nome dela era Mina?
- Escute, Minnie, eu preciso de sua ajuda. E eles não vão me encontrar aqui, os despistei em Seoul há uns dois dias. - outra voz disse e tinha certeza que era da loira que eu segui o dia quase todo.
- Você sabe que eu não posso te ajudar. Peço que se retire do meu restaurante nesse momento, por favor.
- Tudo bem... Mas obrigada por tudo que você já fez por mim. - ela disse e eu ouvi passos em direção à porta.
- É agora. - sussurrei, observando ela sair e descer as escadas. Corri atrás, seguindo por um caminho diferente para sair na sua frente e foi o que aconteceu... E mais uma vez, nossos corpos se chocaram - Achei você.
- Chaeyoung?! - ela constatou assustada, me encarando como se tivesse dado de cara com uma assombração.
- Uhm, que bom que você se lembra de mim, porque eu nunca me esqueci de você e de como roubou meu carro. - eu disse séria, ora querendo estrangular aquela garota maluca que roubou meu carro, ora me sentindo estranha por estar tão perto dela e segurando seus braços firmemente para que ela não escorregasse de mim novamente.
- Olha, me desculpa por isso, mas eu precisav...
- Não me venha com desculpas. - eu a interrompi antes que viesse com uma chuva de mentiras novamente - Escuta aqui... Eu não vou chamar a polícia, nem vou fazer uma queixa ou algo parecido contra você. Só me dê à chave do meu carro para eu poder voltar para Seoul e nunca mais ter que olhar na sua cara novamente. - esbravejei e ela ficou quieta por um instante como se procurasse algo para dizer.
- Por favor, você tem que me ajudar. Eu roubei seu carro porque... - a loira pedia parecendo desesperada, mas para mim era só mais uma encenação – bem feita, por sinal.
- Porque é uma mentirosa e ladra! - completei tomando a chave de Kristen de sua mão e comecei meu caminho em direção à saída.
- Ei, espera... Eu não estou mentindo, precisei mesmo pegar seu carro. - ela argumentava me parando, segurando meu braço.
- Me solta... Eu preciso voltar para casa, já perdi um dia de faculdade e de trabalho por sua causa. - disse tentando me desvencilhar de seus braços, foi então que ela me empurrou com tudo em direção à parede para que eu não saísse. Ouvimos vozes alteradas vindas de dentro do estabelecimento e a loira tapou minha boca me silenciando.
- Cadê ela? - uma voz masculina perguntou, bem irritada por sinal, depois barulhos de panelas caindo no chão entoaram pelo corredor onde estávamos.
- Por favor... Eu preciso muito da sua ajuda. - ela me pediu baixo e por um minuto achei ter visto sinceridade em seus olhos – e que olhos! – porém ainda estava muito zangada e meu orgulho me impediu de separar o real do mentiroso.
- Já pedi para você me soltar. Não quero apelar para a violência, então sugiro que faça o que estou falando. - alertei tentando parecer verdadeira, porque apesar de estar zangada com ela por ter roubado meu carro, não teria coragem de lhe machucar. Não gosto de violência.
- Tudo bem... Não vou te obrigar a me ajudar, mas saiba que eu não minto quando digo que se você não me ajudar aqueles caras ali dentro vão me matar. - ela argumentou e apesar daquilo estranhamente mexer comigo, optei por ignorar e me retirar.
- O problema é seu e seja lá o que tenha feito, deve ser bem merecido. - disse friamente e sai de lá sem ao menos olhar para trás.
Eu segui para onde Kristen estava estacionada e assim que pus a mão em sua maçaneta, flashes piscaram em minha cabeça da primeira vez que trombei com a loira e de uma coisa em questão... Seus olhos. Aqueles do tipo que não diziam nada e tudo ao mesmo tempo. Senti uma bigorna aterrissar em meu peito e não sei o que deu em mim porque sai correndo entrando a toda pelo restaurante seguindo gritos que, provavelmente, pertenciam à garota loira. Quando a encontrei, um dos caras a segurava contra a parede de uma forma violenta e o outro assim que me viu veio com tudo na minha direção tentando me segurar.
- Aquela é a solista IU? - perguntei apontando para um canto qualquer e o idiota olhou, então o acertei naquele lugar, o fazendo cair com a mão entre as pernas e sinceramente, doeu até em mim. Espero que ele já tenha filhos, porque depois daquela... Só adotando - Bota um gelinho que passa... Otário. - ironizei socando seu rosto, o fazendo cair no chão grunhindo mais. Chacoalhei minha mão pegando uma frigideira tamanho gigante em cima da mesa indo na direção do que segurava a loira.
- Não tente se soltar, sua vadia... Você vem comigo dessa vez. - ele disse enquanto ela se debatia tentando se soltar.
- Ei! - chamei tocando em seu ombro, ele me olhou com o cenho franzido e eu sorri - Tenha bons sonhos. - dei uma frigideirada bem no meio da cara dele, que caiu feito um saco podre de batatas - Vem comigo. - eu pedi estendendo a mão para ela, que aceitou me seguindo rumo a Kristen.
Entramos no carro e eu arranquei daquele lugar, me sentido completa novamente por estar de frente ao volante de minha Kristen, era como se aquele carro fosse uma extensão do meu corpo. Rodamos uns bons trinta minutos pela cidade e o caminho todo foi feito em silêncio, ela parecia aliviada por estar comigo ali, mas muitas coisas deviam ser esclarecidas.
- Obrigada. - ela disse quebrando o silêncio - Você salvou minha vida.
- Não precisa agradecer. - respondi com uma frieza que eu não sabia que existia em mim.
- Mas é claro que precisa... Você se arriscou por mim. - a loira completou calmamente e estar respirando o mesmo ar que ela naquele momento provocava tanta coisa dentro de mim que eu não sabia decifrar se era bom ou ruim. Acompanhei um ônibus que estava mais a frente e estacionei próximo.
- Olha garota, não sei o que você fez e nem quero saber, porque pelo o que pude perceber naquele restaurante, não foi nada legal e não pretendo me meter em confusão por ninguém, principalmente pessoas que roubam meu carro, que dediquei mais de um ano para restaurar e manter, então peço que você saia agora dele e desapareça. - pedi firme, ela apenas me encarou com olhar penoso e saiu do carro.
- Você precisa acreditar em mim, Chaeyoung. - ela reforçou e eu suspirei tentando desembaraçar meus pensamentos naquele momento. Peguei o pacote com uma parte do dinheiro dos gibis e entreguei a ela - O que é isso?
- Dinheiro... Aqui é a rodoviária, pegue um ônibus para um lugar longe daqui e estará segura. - expliquei e ela me encarou incrédula.
- Vai mesmo me deixar em uma rodoviária?
- Eu dei meu dinheiro pra você, mulher... Já estou fazendo demais por quem roubou meu carro, me fez vir até Busan e ainda por sinal me fez brigar com dois gorilas que podiam ter me partido ao meio. - argumentei ligando o carro novamente.
- E o que eu faço? - ela perguntou como se eu pudesse responder... Nem a conhecia, primeiramente.
- Sei lá... Está por sua conta agora. - terminei saindo dalí na direção de Seoul.
Não sei o que aquela mulher tinha aprontado, nem o que ela pretendia roubando meu carro, muito menos por que escolheu a mim para fazer isso, só sabia de uma coisa... Quando eu a deixei naquela rodoviária, algo em mim não queria que eu fizesse isso. Uma parte de mim, de alguma forma... Ficou naquele lugar.
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