ALEC
Magnus não está indo bem.
Fazem três dias que ele saiu do hospital. Consigo ver que está ficando mais forte fisicamente falando. Não dorme mais tanto durante o dia. Ele fez o café esta manhã sem ter que se apoiar de exaustão. Saiu do apartamento para dar umas voltinhas. Mas quando o arrastei para nossa lanchonete favorita — aquela que encontramos na manhã seguinte à vinda dele — foi um desastre total.
Assim que fizemos nosso pedido, alguns universitários vieram pedir nossos autógrafos — no plural. Outras pessoas tiraram fotos. Magnus ficou puto e começou a tossir. Fomos embora sem comer. Quando sugeri que fôssemos a um restaurante chinês de que gostamos, ele disse: “Vamos pedir pra entregar”.
O corpo dele está se curando, disso tenho certeza. Mas não tenho ideia de onde está sua cabeça ou do que está sentindo.
Ele está se afastando de mim. Se alterna entre ser grosso comigo e depois se desculpar por isso. Não consigo me lembrar da última vez em que nos beijamos. Beijo de verdade, digo, e não só os selinhos que temos trocado essa semana. Acho que deve ter sido durante a primeira passagem no hospital, no chuveiro. Foi um banho bom pra caramba.
O banho que estou tomando agora nem se compara. Estou numa cabine com portas vaivém, com um companheiro de time de cada lado. Me encarando. Não de um jeito pornográfico, dando uma conferida no meu pau, embora, para ser honesto, seria melhor do que esses olhares de preocupação profunda.
- Você não fala mais com a gente - A água caindo à nossa volta não é capaz de abafar o tom de acusação na voz de Eriksson.
- Claro que falo - respondo, ensaboando o peito. Do meu outro lado, Hewitt é rápido em me contradizer.
- Não. Você está sendo um antissocial - Eles querem que eu seja sociável? Quando meu namorado está em casa deprimido ou me dando patadas sempre que pode? É sorte que eu esteja aparecendo nos jogos. Minha mente anda tão focada em Magnus que é um milagre eu ainda me lembrar de como se joga hóquei.
- Blake disse que seu namorado está melhor - Eriksson comenta. Eu enxáguo o sabão do corpo e pego o xampu.
- É. Está, sim.
- Então por que essa cara? - Minha relutância em me abrir com eles faz com que eu me demore mais do que o necessário para lavar o cabelo. Espero que seja o bastante para que esqueçam a pergunta de Eriksson, mas eles ainda estão me observando quando meus olhos finalmente se abrem.
- Anda, Lightwood, desembucha. O que está acontecendo na sua casa? - Eriksson dá uma risada autodepreciativa - Não pode ser pior que a minha situação atual - E a lembrança dos problemas conjugais dele afasta minha hesitação. Porra. Os caras do time fizeram todo o possível para me apoiar desde que a “notícia” da minha orientação sexual vazou. Sempre me perguntam como Magnus está. Tiveram que lidar com minha cara azeda em todos os jogos fora de casa. Foram superlegais comigo, e eu me sinto um cretino por continuar mantendo distância.
- Magnus está deprimido - confesso. As palavras parecem ficar suspensas com o vapor no ar. Eu ainda não havia dito isso em voz alta. Droga, nem tinha pensado muito a respeito, mas agora me dou conta de como são verdadeiras.
Magnus não está só pra baixo. Não está só desanimado. Está deprimido. Outras palavras me escapam antes que eu possa impedir.
- Ele ainda não pode voltar ao trabalho, e ontem à noite o time ganhou outro jogo sem ele. Não recuperou toda a força. Não pode malhar, porque o médico proibiu. Não pode sair do prédio sem ser atacado pelos repórteres - Minha garganta se fecha - Acho que me culpa pelo que aconteceu.
Porra, é a primeira vez que digo isso também. O fato de que pode ser verdade acaba comigo: que Magnus me culpe pelo interesse da mídia que parece nunca ter fim.
Frank ainda me liga várias vezes ao dia. O time divulgou uma série de declarações para compensar minha recusa a falar com a imprensa. Meu rosto e o de Magnus estão em todos os blogs esportivos.
Durante o último jogo, houve um protesto do lado de fora da arena, com cartazes citando passagens da Bíblia e slogans desprezíveis. A vida está uma merda. Está uma merda da porra neste momento.
- E eu realmente não sei como melhorar a situação - murmuro. Desligo o chuveiro, pego uma toalha e a enrolo na cintura - E não é como se eu tivesse reforços, pessoas que pudesse chamar para ajudar a animar Magnus. Não conhecemos ninguém na cidade. Além de vocês, claro - acrescento depressa, quando vejo que se magoam - Mas a maior parte dos amigos dele mora na Costa Oeste dos Estados Unidos, onde estudou. A família dele é da Califórnia, e não pode largar tudo e vir ficar com ele aqui. A mãe e a irmã até fizeram isso quando ele estava no hospital - Saímos do box e Eriksson e Hewitt me seguem até os armários, parecendo compreensivos.
- Que dureza, cara - Hewitt diz.
- É - Viro para o armário para que não consigam ver meu desespero.
Dureza é pouco. Dureza eu poderia encarar. Mas isso? Ver Magnus triste e ser incapaz de ajudar. Não é dureza.
É tortura.
*
Quando chego do treino, Magnus está no quarto, com o nariz enfiado em um livro. Sobre uma espécie de animal que corre risco de extinção, se estou lendo o título direito.
Fico tenso no mesmo instante, porque ultimamente não sei o que vou encontrar no rosto de Magnus. Aquela expressão fechada? A carranca de “não fala comigo”? A sombra da culpa? Tristeza?
Mas hoje, nenhuma dessas opções. Eu o cumprimento com um sorriso tenso antes de tirar o moletom. Tenho um sobressalto ao ver um lampejo de desejo em seus olhos castanhos. Meu pau fica duro instantaneamente. Mal lembra a última vez que transamos. Não rolou desde a primeira internação, pelo menos.
- Como foi o treino? - ele pergunta, deixando o livro no criado-mudo.
- Foi bom. E o livro, está gostando?
- É interessante. Você sabia que alguns pandas machos de cativeiro nem sabem o que fazer quando a fêmea está no cio? - Ele sorri, e meu coração pula pra garganta. É tão raro vê-lo sorrir ultimamente.
- Sério? Que coisa.
- Pois é. Mas eles precisam se reproduzir no cativeiro. Você acredita que um zoólogo filmou pandas transando e mostrou aos machos que não sabiam o que fazer na hora? Quem imaginaria que existia pornô panda? - Rindo, tiro o jeans e o jogo na poltrona. Magnus olha para minha cueca preta, então para meu peito nu, e diz:
- Agora que estou pensando no assunto, você está especialmente gostoso esta noite - Fico tão feliz que quase choro. Não sou idiota, sei que sexo não vai resolver as coisas. Sei que não vai animá-lo miraculosamente e apagar o desconforto das últimas semanas. Mas é um começo.
Corro o mais rápido que posso para a cama, e ele ri da minha ansiedade. Meu pau reage imediatamente ao som. Senti tanta falta dessa risada. E do meu Magnus tranquilão, sempre disposto e com um sorriso lindo no rosto. Sua risada familiar faz com que eu devore sua boca com a minha. Meu beijo é desespero, fogo e desejo.
- ahhh, Lindo, meu Deus, como senti sua falta - em um único pacote quente de tirar o fôlego. Sua língua entra na minha boca e rouba minha sanidade. Suas mãos acariciam meu peito, seus dedões passeando pelos peitorais e mamilos antes de descer pelo abdome na direção da cintura.
- Tira - ele murmura, puxando minha cueca. Solto sua boca por tempo suficiente para tirar a cueca e jogá-la do outro lado do quarto. A calça de flanela e a camiseta de Magnus a seguem.
Estou um pouquinho preocupado que pegue friagem e fique doente de novo, mas ele pressiona o corpo quente e nu contra o meu antes que eu possa nos cobrir.
Seus lábios encontram meu pescoço, beijando e sugando minha pele como se estivesse coberta de açúcar. Os rosnados profundos que solta no meu ouvido fazem meu testículo formigar.
- Eu senti falta disso - ele sussurra.
- Eu também - As palavras saem estranguladas, cheias de emoção. Ele não tem ideia de como senti.
Magnus me deita de costas na cama e vai descendo aos beijos pelo meu corpo quente e trêmulo. Quando sua boca toma a ponta do meu pau, projeto o quadril, querendo mais. Querendo Magnus.
Devagar, ele me engole cada centímetro, até que tem toda a minha extensão em sua boca. As únicas sensações que consigo registrar são úmido, quente e gostoso pra caralho. Mas então me lembro do modo como ele tossia violentamente na semana passada e passo a mão em seu cabelo sedoso, acalmando-o.
- Tem certeza de que consegue? - Ele aperta a mandíbula forte. Tá, foi a coisa errada a dizer, merda. Por algum motivo, Magnus é muito sensível quanto a parecer “fraco”. Mesmo que eu não ache que seja o caso. Nunca o achei fraco. Só está doente, e ponto final. Mas, não importa quantas vezes lhe diga isso, ainda é uma ferida aberta.
- Você sabe... Por causa da tosse - esclareço na hora - Se sua garganta ainda dói, você tem outros jeitos de me fazer gozar… - Ele relaxa, botando a língua pra fora pra circular a cabeça do pau, enquanto olha bem nos meus olhos. Meus lábios se contorcem em safadeza - E na verdade, quanto mais eu penso a respeito, mais gosto da alternativa - Permito que dê mais uma lambida antes de pegar seus ombros e empurrá-lo para que deite de costas na cama.
- Ah é? E qual é a alternativa? - ele diz, intenso. Já estou abrindo a gaveta do criado-mudo para pegar o lubrificante.
- Meter esse pau enorme na minha bunda até me fazer perder todo o controle - Um gemido cheio de luxúria escapa da garganta dele.
- Hum… É. Isso parece uma ótima ideia.
Não espero o tempo necessário para eu estar preparado, por que estou completamente impaciente. Faz muito tempo. Tempo demais. Eu o quero tanto que minha boca está seca e minhas palmas estão úmidas.
Meus dedos tremem quando enfio dois deles em mim mesmo, esfregando e girando enquanto sento apressado sobre as pernas de Magnus.
O peito dele está vermelho de excitação, seus olhos queimam ao focar no movimento do meu braço e depois no meu pau duro saltando da virilha. O dele está igual, e gemo quando ele o envolve com uma mão e o massageia devagar. A cabeça inchada escapa do punho dele, gotejando. Minha boca fica ainda mais seca, então eu a umedeço abaixando para chupar o líquido que sai da pontinha do seu pau. Depois levanto a cabeça e lambo os lábios. O corpo de Magnus se contrai todo.
- Droga, Alec, preciso tanto de você - Meu coração dá um pequeno salto. Ele precisa de mim. Sei que está falando de sexo agora, mas uma parte de mim espera que signifique mais. Ele se recusou a aceitar minha ajuda esta semana. A ajuda de quem quer que fosse, na verdade. Se recusou a admitir que precisava de qualquer assistência que fosse. Talvez seja sua maneira de admitir isso agora.
De qualquer jeito, dou o que ele quer: eu. Levanto meu corpo e então desço minha bunda sobre seu pau duro. Centímetro por centímetro. A pontada de dor confirma que ainda não estava pronto, mas nem ligo. Aceito a queimação. Aceito cada centímetro do homem que eu amo, me inclinando para beijá-lo enquanto me dá uma estocada que me faz perder o ar.
- Cavalga - ele ordena - Cavalga com força, Lindo - Mas desta vez, não obedeço. Vou devagar. Dolorosa e deliciosamente devagar, arrastando cada subida e descida do quadril até que seu rosto esteja contraído de impaciência e necessidade, até que esteja gemendo, se contorcendo e implorando por mais.
Magnus agarra desesperado meus quadris. Também tenta levantar os dele, mas continuo provocando, plantando beijos em seu pescoço e em sua clavícula, chupando o lóbulo da orelha, mordiscando seu lábio. Quero saborear cada segundo disso. Quero me perder na sensação de ser alargado e preenchido por ele.
Mas então Magnus toca meu pau. O brilho maligno em seus olhos me faz xingar. No momento em que começa a me masturbar, meu corpo ganha vida própria. De repente, estou montando nele com fervor, incapaz de manter o ritmo lento.
- Quero que você goze em cima de mim - ele murmura. Suas mãos aceleram, seu dedão apertando a cabeça do meu pau. Nossos movimentos ficaram mais enérgicos, mais selvagens. Ele continuava acariciando meu pau no mesmo ritmo que arremetia pra dentro de mim. Meu Deus. Eu estou no meu limite.
Com sua mão e seu pau em mim, é impossível impedir a onda que percorre meu corpo como um jato na pista. Gozo com um grito áspero, e ele levanta os quadris enquanto sua mão firme continua bombeando e tirando cada gota do meu prazer.
Magnus fecha os olhos e tremula com seu próprio orgasmo, soltando meu pau e envolvendo meu corpo com os dois braços. Meu peito está colado ao dele graças ao nosso suor e à minha porra. O coração dele martela descontrolado contra meu peitoral. Parece tão… rápido. Deveria estar nessa velocidade?
Sento depressa, preocupado que ele possa ter se extenuado, que minha necessidade egoísta de estar com ele possa provocar uma recaída. Magnus deve ter lido minha mente, porque o prazer se esvai de seu rosto e seus lábios se contorcem de leve.
- Não, Alec - ele avisa. Engulo em seco.
- O quê?
- Não diz o que quer que iria dizer - Ele volta a me puxar para baixo, envolvendo meu corpo com um braço - Estou cansado dessa cara.
- Que cara - Será que quero saber?
- A cara preocupada. Essa que substituiu sua cara de sexo menos de um minuto depois de ter gozado - Não é como se eu pudesse negar sem contar uma mentira. Então, em vez disso, pergunto:
- Tenho uma cara de sexo?
- Tem. Os seus olhos perdem um pouco o foco e sua língua fica meio pra fora - Dou risada em seu peito.
- Nossa, parece muito sexy.
- Ela é sexy quando é por minha causa. Mas eu não faria essa cara na hora das fotos para a entrevista da Sports Illustrated - Quando fala da imprensa, Magnus parece meio… amargo. Nunca usei essa palavra para descrevê-lo. Nunca mesmo. Agora minha coluna formiga de desconforto, porque não sei o que fazer a respeito. Contei a ele ontem que o jornalista da Sports Illustrated não quer somente uma publicação por escrito: decidiu transmitir pela TV.
- Você quer que eu cancele isso? - Ele dá de ombros.
- Você não pode cancelar.
- Hum… - será que eu posso? É tudo território desconhecido. Dennis Haymaker vai perguntar sobre meu relacionamento com Magnus. E acaba de me ocorrer que, independente do que eu disser, preciso antes acertar isso com meu namorado.
- Mags, eu tenho que falar com ele sobre hóquei, porque está no meu contrato. Mas gostaria de saber o que você acha a respeito do resto. Sobre... Nós.
- Por quê?
- Porque somos companheiros - Levanto a cabeça - Certo? Estamos juntos. É o nosso relacionamento. Você precisa participar da decisão sobre o que contar ao mundo - Ele vira o rosto para a janela.
- Pode dizer o que quiser - Meu estômago se contorce. O amor da minha vida parece não se importar com nada que eu digo.
- Magnus - sussurro. Mas ele nem me olha - Acho que a pneumonia não é o seu único problema. E quero falar com você a respeito.
- Estou bem.
Não está, não. Você está deprimido. As palavras estão na ponta da língua. Mas é a primeira vez em semanas que o tenho nos braços. E não consigo criar coragem de estragar tudo com uma conversa séria. Pigarreio e tento uma tática diferente.
- O que você gostaria de fazer agora?
- Agora? - ele pergunta.
- Não, hum… - Escolho minhas palavras com cuidado - Em geral. Quais são suas vontades? - Ele encara o teto.
- Ia ser legal ver o sol. Quero ir pra Califórnia - Meu coração salta. Magnus quer ir embora. Mencionou o sol, mas não consigo ouvir de outra maneira. Preciso de meio segundo pra passar na mente a minha agenda de viagens. Vamos para Minnesota e Dallas. Nenhum lugar com praia. Então digo:
- Tá, hum, ainda tem oito semanas de temporada. Por que não procura passagens pro verão? Podemos fazer uma viagem mais longa e ver seus pais. Você pode me ensinar a surfar.
- Tá - ele diz, devagar - Vou fazer isso - Enterro o rosto em seu pescoço. Talvez planejar as férias o anime. Talvez o sexo ajude com a produção de endorfinas. Talvez o fato de ter me querido hoje signifique que está começando a se sentir melhor. Espero que sim.
A esperança é tudo o que tenho.
~~~~°_°~~~~
MAGNUS
No dia seguinte, fico deitado de costas no sofá, olhando para o teto. Já faz um tempo que estou aqui. Alec foi para o treino e o apartamento está tão quieto que meus pensamentos ecoam alto na minha cabeça.
Algumas horas atrás, dei uma olhada nos voos para a Califórnia. Mas, se o time de Alec se classificar para os playoffs, só vamos poder ir daqui a dois ou três meses. Não faz sentido planejar uma viagem agora.
Parece até que esqueci como é estar animado com algo. Ou como se uma febre houvesse tirado toda a felicidade de mim. Mesmo a sensação boa depois de transar com Alec ontem passou rápido.
O dia se prolonga à minha frente. Não tenho nada para fazer e ninguém com quem conversar. A hora do almoço chega e passa, mas nem sinto fome. Não é preciso energia para ser um completo inútil, então meu estômago se esqueceu de exigir comida.
O tédio me faz levantar e ir até as janelas que dão para o lago. Ele está escuro e parece frio. Me arrepio só de olhar. Então vejo as pessoas lá embaixo, agasalhadas e apressadas no meio da tarde de março. Carros vêm e vão na Lakeshore. O mundo inteiro está ocupado, menos eu.
Meu celular vibra na bancada da cozinha. Isso acontece bastante. Vou até ele e dou uma olhada na mensagem que chegou, mas é só alerta automático indicando que o jogo do meu time vai começar em trinta minutos. Mesmo de licença, os alertas continuam tocando, para me lembrar de tudo o que estou perdendo.
Perambulo pela cozinha, escolho um iogurte e como. Cozinhar tem parecido trabalhoso demais ultimamente.
Quando termino, jogo o pote fora e confronto as horas vazias à minha frente. Pela primeira vez, minha loucura supera a indiferença. Se não sair agora mesmo, vou perder a cabeça.
Pego o celular e enfio no bolso. Então pego um casaco, um gorro e um cachecol, só para que Alec não fique bravo se me vir no frio da rua.
Nem sei aonde estou indo até pegar o elevador. Então tenho uma ideia: estou proibido de trabalhar, mas não fui banido do rinque. Posso assistir aos meus garotos jogando, certo? É um país livre.
Levo meia hora para chegar, entre o metrô e a longa caminhada. Meu peito está chiando quando finalmente vejo o prédio à minha frente. Paro e tusso, porque não quero ter um acesso na arquibancada. Odeio esse som e o modo como minha barriga dói com o esforço que agora me é muito familiar de limpar os pulmões. Rir dói ainda mais. Ainda bem que não faço isso com muita frequência.
Quando finalmente chego ao rinque, o jogo já começou. Mas tudo bem, porque assim posso entrar sem ser notado. Meus garotos parecem bem no gelo. Subo a arquibancada e pego um assento na última fileira. O lugar não é dos maiores — devem caber umas poucas mil pessoas aqui. Mas é estranho ficar tão distante dos garotos durante o jogo. Eu deveria estar lá no banco, onde a cabeça de alfinete de Danton se mexe enquanto fala com o time e chama as jogadas.
Sinto falta de participar. É como se eu fosse alguém de fora aqui. Mas não posso fazer nada. Outro técnico assumiu meu lugar. Gilles está trabalhando com Danton, treinando meus defensores. E está se saindo bem.
Os garotos estão fazendo um bom trabalho, mantendo a cabeça levantada, fazendo o passe antes de ser bloqueados pelo oponente. E meu goleiro parece alerta e pronto. Sua expressão está mais relaxada do que da última vez que o vi jogar, é como se tivesse perdido o medo.
Os dois times estão indo bem, e ninguém marca no primeiro tempo. Dunlop faz algumas belas defesas, mas nem precisa trabalhar muito. Ainda não pelo menos.
As coisas ficam mais difíceis no segundo tempo. O time tem boas chances, mas o goleiro adversário faz defesas incríveis. Mas então nosso central marca, e eu sorrio amplamente pela primeira vez em semanas.
Cerro as mãos conforme o jogo avança. O outro time acelera, dando tudo de si. Dunlop tem que trabalhar bastante por um tempo. Mas não entrega. Estou quase explodindo de orgulho dele. Então nosso time fica com um a menos e paro de respirar por dois minutos, até que ele possa voltar, torcendo para que Dunlop aguente a pressão. E ele é uma rocha. Faz duas defesas durante a suspensão. E se mantém firme em todo o terceiro tempo.
O alarme toca, encerrando o jogo em um a zero. Dunlop fechou o gol. Fico aliviado. É ótimo vê-los ganhar. Mas então toda a alegria é drenada do meu corpo. Como sempre acontece agora.
No gelo, Danton e Gilles reúnem meus garotos. Estão felizes com a vitória, batendo nas ombreiras um do outro e sorrindo, com os rostos vermelhos e suados. Me sinto como Scrooge quando os fantasmas do Natal o fazem assistir a cenas de sua própria vida. Deveria estar lá embaixo, dando os parabéns e fazendo o discurso do pós-jogo. Mas outro técnico assumiu meu lugar, e agora o time está ganhando. Dunlop parece uma centena de vezes mais feliz do que nos últimos jogos comigo.
Por que vim aqui? Foi a pior ideia do mundo.
Preciso ir. Mas a arquibancada esvaziou, e meu time continua no gelo. Então fico ali sentado por mais alguns minutos horríveis, esperando irem para os chuveiros para poder sair sem ser notado. Nem sei o que diria aos garotos agora. "Bom jogo". "Que bom que tive pneumonia, assim vocês conseguiram ganhar algumas partidas".
A verdade me atropela. Sou desnecessário e provavelmente vou ser demitido. Se acontecer, não vai ter nenhum outro trabalho pra mim em Toronto. E aí?
De repente, não posso mais ficar aqui. Levanto e desço os degraus correndo, seguindo na direção da porta. Não tem ninguém no corredor, de modo que o caminho parece livre. Então alguém grita meu nome.
- BANE! - Viro por instinto, e é Danton que vem trotando até mim. Ele para logo depois - Oi, cara - Seu rosto está vermelho.
- Oi - Respondo. Não tenho nada mais para dizer a ele.
- Olha. Você deveria ter falado comigo.
- Quê? - Encaro seus olhos redondos e raivosos e quase rio. Não pode estar dizendo que eu deveria ter saído do armário para ele. Não somos amigos.
- Se tinha um problema comigo, devia ter falado sobre. Agora Braddock está pegando no meu pé. Você falou com ele pelas minhas costas. Eu não quis dizer nada com aquelas merdas. É só um modo de falar. Você sabe disso. Nunca te chamei de bicha - Fico nervoso. Nunca senti nada assim. Meu corpo todo treme.
- Não interessa pra quem você diz. Ainda assim é errado.
- Mas nunca te tratei mal! Não sou assim. Não teria agido como um babaca se soubesse que você tem... namorado - Já chega. É toda a lógica absurda que posso aguentar em um dia. Pego Danton pelos ombros e o empurro com força contra a parede.
- Seu imbecil. Não fica pensando que me importo com o que pensa de mim - Seus olhos se arregalam em choque, mas não estou nem perto de terminar. Dou outro empurrão nele e seu corpo bate de novo contra a parede - Os garotos ouvem as merdas que saem dessa sua boca. Você é uma figura de autoridade, seu imbecil. Agora eles pensam que tudo bem chamar alguém de bicha desde que não conheça a pessoa. E isso não é verdade. Não mesmo - Estou praticamente cuspindo em sua carinha estreita de rato.
Noto um movimento de canto de olho. Para meu horror, vejo Bill Braddock se aproximando pelo corredor. Cacete. Solto Danton. É ruim chamar alguém de bicha na frente do seu time. Mas não tem discussão quando você imprensa seu colega de trabalho contra a parede e grita na cara dele. Tem uma página no manual do funcionário que proíbe especificamente o toque forçado.
Agora, sim, vou realmente ser demitido.
A porta está a uns dez metros de distância, então corro em sua direção. Bill Braddock grita meu nome, mas não paro. Saio e vou para a calçada. Corro uns cem metros antes que meus pulmões estejam queimando. Perco o ritmo e paro.
Então começo a tossir descontroladamente. Porra. Não consigo nem correr. Não sirvo pra porra nenhuma mesmo.
Quando me recupero um pouco, caminho até o metrô. Ninguém me segue.
~~~~°_°~~~~
ALEC
Esta noite vamos jogar contra Pittsburgh. É um ótimo time, mas estou confiante de que podemos acabar com eles. O treino da manhã foi bom e Blake está de volta ao gelo. E melhor ainda: quando saio da arena para descansar algumas horas antes do jogo, não tem nenhum maluco protestando do lado de fora, e já faz alguns dias que não ouço nada sobre ingressos sendo revendidos.
Será que o frenesi está diminuindo? Espero que sim, porra.
Esta manhã, quando saí, Magnus estava com o calendário dos playoffs numa mão e um site de viagens aberto no notebook. No caminho para a porta, perguntei se tinha algum resort que ele queria visitar na Califórnia.
- "Ou então podemos passar uns dias no Havaí antes de ver sua família” - sugeri.
- “Deve ser caro” - ele murmurou.
Mas eu queria que pensasse grande. Depois de um ano difícil, merecemos nos divertir.
Enquanto dirijo para casa, penso em estar relaxando com Magnus em alguma praia. Em pedir cervejas com fatias de limão no gargalho. Falei no Havaí, mas México também seria legal.
Estou assoviando quando entro no apartamento. A primeira coisa que noto é a bagunça. Vários copos estão na bancada e revistas estão espalhadas pela mesa de centro e pelo chão. Não seria nada de mais, só que Magnus é meio que doido por arrumação na maior parte do tempo, e ultimamente não está nem aí. Isso me preocupa. Muito.
- Lindo? - chamo, como costumo fazer quando chego. Ninguém responde, mas ouço um zíper sendo aberto ou fechado em algum cômodo. Deixo o casaco no mancebo (que Magnus comprou quando cansou de encontrar meus casacos no sofá). Em alguns passos estou no corredor e depois no nosso quarto.
Magnus está inclinado sobre uma mala grande. A mala dele. Está colocando produtos de barbear no bolso externo.
- Lindo? - repito. Ele se assusta, mas se endireita rápido. Como se tivesse sido pego em flagrante.
- Oi - Magnus diz, com a voz áspera - Não ouvi você entrar - Claro que não. Mas não digo nada. Estou ocupado fazendo os cálculos. Tem uma folha impressa na cama. CARTÃO DE EMBARQUE, Diz. Air Canada. O notebook está no estojo. O celular e o carregador estão ao lado na cama.
- Aonde você vai? - pergunto.
- Pra casa - ele diz. E meu corpo todo estremece. Então acrescenta rápido - Ver meus pais. Eu disse que achava que precisava passar um tempo na Califórnia. Ainda não posso voltar ao trabalho, então achei que podia fazer uma visita.
- Hum… - Tem algo de muito errado com isso. O rosto dele está ficando vermelho.
- E não ia me contar? Não ia nem se despedir? - As palavras saem irregulares e assustadas. Porque estou muito assustado. Meu coração tá batendo tão acelerado.
- Ia, claro - ele diz - Sabia que você estava pra chegar.
Os sinais de alarme ressoam na minha cabeça. Magnus está a cinco passos de distância, com as mãos enfiadas nos bolsos do jeans, claramente desconfortável. Nunca estive num relacionamento antes. Mas sei que não deveria ser assim. Tenho medo do que vou perguntar.
- Magnus. Nós... estamos terminando? - solto. Ele parece assustado, como se não esperasse que eu dissesse tal coisa.
- Não - ele garante depois de uma leve hesitação - Não. São só férias. Eu… - Ele pigarreia - Só preciso ver meus pais.
Mas o que ouço é: Preciso me afastar de você.
Sinto minha pulsação nos ouvidos. Agora devo gritar com ele? É a coisa certa a fazer? Não sei do que Magnus precisa. Se soubesse, daria a ele. Uma demonstração agressiva e expansiva do meu amor seria uma saída? Mas e se essa viagem for o que ele realmente precisa? E se um pouco de sol resolver tudo? A indecisão me paralisa. De repente, sinto a garganta quente e dolorida. Pego o copo de água no criado mudo e o viro enquanto tento decidir o que dizer. O celular dele toca. Magnus o pega para atender.
- Tá bom! Obrigado - ele diz depois de um minuto. E encerra a ligação.
- Quem era? - pergunto.
- Era, hum, a empresa de táxi. Meu carro vai chegar em dez minutos - Não consigo lutar contra o arrepio que percorrer meu corpo inteiro.
- Se precisava de uma carona para o aeroporto, por que não me pediu? - Que PORRA está acontecendo aqui? Magnus volta a parecer culpado.
- Não sei - ele diz, olhando para os próprios pés - Só achei que seria mais fácil assim - E é verdade. Porque eu provavelmente faria uma cena no aeroporto. Estou prestes a fazer uma agora mesmo.
- Não quero que você vá, Magnus - ele se encolhe.
- Eu preciso… - Ele engasga com a palavra - Só tenho que tentar alguma coisa, Alec? - Quando volta a levantar os olhos, eles estão úmidos.
Agora estou em pânico como nunca. Me aproximo dele e o abraço. Magnus me abraça de volta, o que já é alguma coisa. Minha garganta fecha por completo.
Não, não, não, não, repito internamente. Mas como negar a ele uma visita aos pais? Amanhã vou para Minnesota. Não faz nenhum sentido implorar para que fique e então pegar o jatinho do time e passar cinco dias fora.
Merda. Então faço a coisa certa.
- Se cuida então - sussurro - Você é importante pra caralho pra mim - E ele me abraça um pouco forte demais. Sua respiração parece instável.
- Você também é pra mim.
Tá. Acho que posso fazer isso.
- Te amo - digo, me afastando meio passo.
- Também te amo - ele murmura. Mas não me encara.
Porra.
Porra.
Porra.
Magnus guarda os últimos itens sobre a cama e fecha os zíperes da mala. A empresa de táxi manda uma mensagem dizendo que o motorista chegou adiantado e já está esperando. Ótimo.
Eu o levo até a porta do apartamento. Dou um beijo na bochecha dele e o abraço mais uma vez. Inalando o máximo possível do seu perfume.
Então o deixo atravessar o corredor sozinho. Se eu descer, vou fazer papel de bobo.
Em vez disso, apoio a testa contra o aço frio da porta e ouço seus passos se afastando. Se afastando de mim.
Repasso tudo na minha mente: É uma viagem para visitar os pais na Califórnia. Ele não pode mesmo trabalhar. E disse que não estamos terminando. São só férias.
Então por que sinto como se tivesse deixado meu coração saltar do peito e pegar um táxi para o aeroporto?
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