Há anos Wonwoo atuava como espião. E como nos filmes de ação; na vida real, bons espiões usam bons ternos frequentemente. Jeon Wonwoo já era acostumado a usar terno, paletó, gravata e roupas sociais eventualmente. Era natural, algo como um uniforme escolar.
Porém, naquele dia em específico, o fino tecido parecia queimar sua pele. As camadas do paletó pareciam mais sacos de batata envoltos em seu corpo, seus sapatos sociais pesavam como tijolos e a forma como o cabelo fora arrumado com muito do gel e da parcimônia de Mingyu estava o deixando irritado a ponto de juntar suas sobrancelhas e bufar pesado no carro onde ele – naquela noite – era apenas um passageiro.
Afinal, o que havia de errado? Ele lembrava bem de suas roupas serem a de sempre, assim como os sapatos e até mesmo a roupa íntima. Tomou banho no mesmo ritual de anos, comeu duas torradas com geléia fresca na mesma calma de anos – o qual Mingyu zombava dizendo que ele mais parecia um bicho-preguiça enquanto devorava migalha por migalha do pão. Fez tudo como sempre fazia, e por isso chegou a conclusão que o seu constante incômodo físico e psíquico tinha nome, sobrenome e uma brutalidade por trás de um renome.
Choi Seungcheol.
Essa é a hora que os leitores dizem um decepcionado Xii…, e bem, não é injusto. Foi exatamente assim que Wonwoo reagiu quando Joshua apareceu repentinamente no seu carro enquanto o Jeon devorava um sanduíche no estacionamento da escola.
— Preciso falar com você. – Wonwoo sobressaltou no banco do motorista quando a figura de Joshua entrou no carro, sentando prontamente no banco do passageiro. O mais velho usava óculos escuros, usava uma camisa de praia e bermuda tactel e cheirava a protetor solar. O mais novo se questionava para onde diabos ele estava indo assim em pleno Inverno de Dezembro.
— Que susto! Meu Deus! Como entrou?! – Wonwoo exclamou após quase se engasgar com o seu adorado sanduíche de patê de frango à la Mingyu.
— Não é novidade você não seguir as normas de segurança da agência. Inclusive, tome cuidado, eu podia ser um assassino.
— Você não mata nem uma barata.
— Ei! Por que eu mataria elas se eu tenho o Jeonghan pra matar pra mim? Eu hein… – O silêncio já ia caindo após a fala do mais velho, mas foi interrompido com um pulo entusiasmado do americano. — Mas eu não vim aqui pra isso.
— E por que veio?
— Hum… Meio que… Choi Seungche-
— Nem pensar! – O Jeon negou prontamente juntando as sobrancelhas.
— Ah, qual é, Wonu?
— Sem Wonu!
— Ele quer conversar com você, sabe? Pedir desculpas… conversar, colocar os papos em dia… Dar uns beijinh-
— Eu entendi! – Wonwoo não entendeu a reação que seu corpo teve com aquela fala, mas sabia que sentiu uma leve repulsão ao se imaginar tendo relações amorosas com o Choi. — Eu não sei, Joshua. É algo a se pensar.
— Está tudo bem, eu entendo que você esteja magoado ainda, Won… Mas não deixe que isso tire grandes coisas de você. – Wonwoo se virou para frente abaixando o olhar em um momento de reflexão. — Seungcheol pode até parecer o Minotauro, ser azedo como um limão e ter sido agressivo com você ou com Mingyu, mas… você sabe, momentos de raiva nós não pensamos direito. Ele disse ter se sentido muito culpado após a briga na sua casa.
— Se ele se sentiu tão culpado, então por que não veio falar comigo? Por que mandou você?
— Ele… Ele anda ocupado com algumas coisas da agência, mas ele reservou um tempo essa noite para você. Se quiser ir e tentar se resolver, ele estará no Darl-Ing hoje às 21h. Apenas peço que, por favor, não se sinta culpado por qualquer coisa que ele fizer ou disser, ou qualquer coisa que ele fez ou disse. Está tudo bem agora, a poeira baixou, estamos tranquilos e bens. Tudo está caminhando como deve. Então, por favor, Wonwoo… Não guarde ressentimentos e nem permita que isso tire coisas grandiosas de você.
Wonwoo sorriu com o conselho do mais velho, mas não ousou olhá-lo.
— Com coisas grandiosas você quer dizer Choi Seungcheol? Ele é menor que eu, pra sua informação. – O Jeon brincou.
Joshua riu. — Hum… Não tecnicamente. Mas me refiro ao seu desempenho e reputação na agência também. Sabe… Com a vida de casado eu aprendi que precisamos dar sempre segundas chances às coisas quando necessário. Pense nisso. Fique bem. E principalmente, não se pressione.
Wonwoo o olhou, deu um meio sorriso e assentiu com a cabeça. Era bom ter alguém para lhe dar conselhos de vez em quando, mas o Jeon só conseguia querer que Seungcheol fosse para o inferno e que ele pudesse terminar seu sanduíche. — Obrigado, Shua.
— Me chame de Josh.
— Ninguém chama você de Josh.
[...]
E era naquele carro luxuoso e frio que Wonwoo remoía cada sílaba falada por Joshua mais cedo. Tanto que as luzes de Seul pareciam nem estarem passando pelos vidros, ou o engarrafamento da capital coreana não o incomodava como geralmente fazia. O motorista notou pelo espelho que o seu passageiro, embora a 5 palmos de distância, estava muito mais longe dali.
— Chegamos, Senhor.
— Obrigado. – Wonwoo disse ríspido saindo rapidamente e sem hesitar do carro, como se estivesse fugindo de um incêndio.
Na frente do luxuoso estabelecimento, as luzes amareladas e foscas chamavam a atenção naquela rua de um bairro nobre. Assim que desceu do automóvel, Wonwoo notou prontamente o tapete vermelho estendido pela calçada do restaurante. Algo majestoso, e ele já sabia muito bem que era o estilo do esnobe Choi.
Pensava que se caso estivessem na Roma Antiga, Seungcheol seria um patrício, enquanto Wonwoo um pobre e faminto servo.
Apesar disso, a sua aura sólida o permitiu dar apenas uma olhadela em todo aquele luxo aparente. Não permitiria a si mesmo demonstrar encantamento, não quando era Seungcheol que estava fazendo de tudo para impressioná-lo.
No hall de entrada estavam quatro seguranças altos e bem fardados, a postos com pistolas na mão e sempre varrendo os olhos pela avenida. Assim que identificaram Wonwoo, rapidamente um deles abriu as portas do restaurante para o Jeon, o permitindo passar antes de fechá-las novamente como se guardasse um segredo de milênios.
Quanto mais andava pelo corredor de iluminação fria e amena, mais Wonwoo se impressionava com os quadros e esculturas do local. Embora sua carranca não permitisse demonstrar nada, ele olhava para todos os detalhes com afinco, pelo menos até ter sua atenção totalmente voltada para o salão – um enorme salão de arquitetura barroca –, e, no centro dele, uma única mesa com um indivíduo sentado elegantemente.
Pelo perfume doce que incensava a sala Wonwoo conseguia notar quem era ali: Choi Seungcheol em sua pose imperativa e patrícia. E o mais novo não sabia o que mais odiava naquele momento, se era a música clássica brega ao fundo, a arquitetura barroca europeia em plena Coréia do Sul, a extravagância exagerada e errônea do Choi, o perfume doce ou o próprio Seungcheol. Talvez, talvez, ele estivesse odiando tudo isso na mesma intensidade.
— Sente-se, por favor. – Seungcheol ordenou apontando para a cadeira à sua frente.
Wonwoo pensou em fazer birra e talvez contrariá-lo e ficar em pé, afinal, não tinha outro objetivo ali a não ser escutar o que Seungcheol tinha a dizer. Na sua imaginação, aquele deplorável encontro não duraria mais que 20 minutos, ao menos não sem uma sopa de pato derramada sob a cabeça de um dos dois e alguém com um olho roxo.
Todavia, para o seu azar, quando percebeu já se passara uma constrangedora e inteira hora. Wonwoo não ousava falar, também não respondia às investidas e piadas do mais velho, e evitava a todo custo até mesmo beber a taça de vinho ou tomar água. Em síntese, naquela inteira hora Wonwoo ficou apenas inerte ouvindo o Choi falar e falar sobre diversas coisas como se há duas semanas ele não tivesse com os punhos enfiados no nariz do Jeon.
— Eu sinto muito cortar seu barato, Seungcheol, mas eu não vim aqui para jogar conversa fora com você. – Wonwoo juntou as mãos na mesa em frente ao seu dorso.
— Como? – Seungcheol, que estava empenhado até demais em contar do final de semana que passou com os pais em Bali, parou de supetão e o encarou com uma das sobrancelhas arqueadas.
— Sinto muito. Eu vim aqui pois achei que você tinha algo objetivo a dizer. Eu não quero ouvir sobre seus pais que cheiram a croissant, ou como Bali é um lugar maravilhoso para levar seja lá quem for. – Wonwoo cruzou os braços. – Se tiver algo para me dizer, apenas diga, resolveremos e então eu irei embora.
— O que você está falando, Won? Nós sempre fizemos isso. – Riu sem graça.
— Sim, realmente, fazíamos isso antes dessa missão e antes de você resolver me humilhar, me ameaçar, me agredir, não ter coragem de pedir desculpas e ainda agir como se nada estivesse acontecendo. – Explicou.
— É, eu admito que fiz isso, porém… não posso simplesmente dizer que você não mereceu.
— Eu mereci?!
— Sim. Você sabe que mereceu. – Afirmou. O mais novo, porém, não teve outra reação a não ser rir. Soltou uma gargalhada alta a ponto de jogar sua cabeça para trás e rir abertamente para quem quisesse ouvir. Mas não, não era engraçado, muito pelo contrário. Era uma gargalhada de indignação. — Você mudou depois dessa missão. Olha só como você está. Eu nunca deveria ter te colocado nela.
— Ah, por favor, Seungcheol… Não me faça rir.
— Viu só?
— Era só isso o que tinha para falar? Dizer que eu mereci apanhar e ser humilhado? – Wonwoo questionou antes de mencionar se levantar de sua cadeira. — Então, se me der licença, não tenho mais nada a discutir com você.
— Você acha que pode simplesmente sair assim, Wonwoo? – Seungcheol acomodou-se na cadeira enquanto o encarava de forma sombria.
— Tenho mais o que fazer do que esses seus joguinhos de adolescente, Seungcheol. Nunca tivemos nada sério, não haja como se de repente fôssemos casados.
— Claro que não somos. Você nunca aceitou. Sempre preferiu a sua vida fútil de noites com qualquer um… Eu te ofereci tudo. Uma vida, uma família… Um lar. Você quem sempre trocou tudo por casos de uma noite ou menos que isso. Tudo bem. Se você preferir assim…
A fala do Choi era ácida, e de forma irônica ele se referia ao passado da relação que mantinha com Wonwoo. Nunca foram namorados ou mais que isso, ficavam vez ou outra, mas Seungcheol não negaria nunca que a maior ambição de sua vida não eram seus carros importados, empresa ou mansões espalhadas pelos continentes, e sim, Jeon Wonwoo. A única ambição que ele não poderia ter pois se recusava a ser dele.
Por ser de família nobre, Seungcheol sempre foi acostumado a ter tudo o que queria, desde objetos fúteis a amigos ou amores. Sendo herdeiro da família Choi, além de uma fortuna bilionária, o mesmo herdou também a MMR Agency, fundada por seu trisavô. Embora na época de sua posse a empresa fosse bem menor, ao ponto de estar quase falindo, Seungcheol conseguiu reerguer tudo, exatamente como ele queria. Entretanto, como ele conseguiu ainda era uma incógnita que apenas Jeonghan e Joshua sabiam, mas nunca, nem em um milhão de anos, dariam por falar.
Seungcheol sempre tinha o que queria e o que almejava, sempre foi assim, então, quando recebeu o primeiro "Não" da sua vida – ao pedir Wonwoo em algo mais sério na época que começaram a se conhecerem melhor – Seungcheol agiu amargo e de mal caráter. E continuava até então, pois até então a resposta de Wonwoo continuava a mesma.
— Não. – Wonwoo levantou. — Não ouse começar com isso.
— Você sabe que não vou esperar você por muito tempo, e eu sei que vai acabar se arrependendo se me recusar assim, Wonwon. – O Choi sorriu ladino bebericando o vinho.
— Não me chame assim! E eu realmente não me importo com o que vai acontecer no futuro ou não, a minha resposta agora continua sendo a mesma: Não!
— Eu sou Choi Seungcheol, CEO de onde você é apenas um agente, e sou seu superior! Quem você está achando que você é para falar assim comigo?!
— Foda-se quem você é ou o que você tem! Me poupe disso. – Ao passo que falava e se distanciava da mesa, o celular no bolso de Wonwoo vibrava separar. A raiva quase que o fez ignorar, mas assim que notou prontamente atendeu visto que havia dito para Mingyu ligar caso precisasse de algo.
— Ei, Mingyu. – Cumprimentou ao pôr o celular no ouvido.
— Mingyu…? – A voz áspera do Choi soou junto ao barulho de um estrondo. — Mingyu? Kim Mingyu?
Seungcheol perguntava e repetia o nome dando a entender que não acreditava que estava ouvindo aquele nome, justo aquele nome naquele momento. Com os olhos semicerrados e a mandíbula trincada o mesmo bateu seus punhos contra a mesa, mas do contrário do que queria, Wonwoo o ignorou.
— Mingyu! Mingyu! Mingyu! Você só sabe falar dele agora, não é? Você só se importa com esse bastardo agora, não é? – Esbravejou.
— Falo já com você, Mingyu. – antes de desligar a ligação, Wonwoo falou ainda de costas para o mais velho. — Sim. Algum problema com isso? Somos parceiros de missão, afinal.
— Ora… – Seungcheol gargalhou. — Acho engraçado, de fato, uma comédia que você me recuse por anos e, de repente, aparece com os olhos voltados para o trombadinha órfão pobretão. Vamos lá, Wonwoo... Você sabe, não é? Você sabe que Kim Mingyu, apesar de aparecer todo galante pelos corredores da agência, não passa de uma alma pobre de um assassino que nem os pais dele quiseram.
O sadismo na face de Seungcheol fez Wonwoo se arrepiar. Metaforicamente, as palavras sibiladas escorriam o mais letal veneno e os insultos faziam o âmago de Wonwoo revirar. Era cruel. Sádico.
— Você chamou ele de quê? – Wonwoo cerrou os punhos e semicerrou os olhos. Sentia vontade de chorar, especialmente depois de tudo o que ouviu de Mingyu outra noite acerca de seu passado. Ouvir aquelas palavras serem referidas a ele apenas davam mais revolta no Jeon. — Repita.
Seungcheol sorriu ainda mais ao notar que Wonwoo se aproximava da mesa onde ele ainda estava, e que a essa altura já estava completamente bagunçada.
— Um trombadinha órfão como Mingyu, realmente me surpreende ele ter chegado até aqui. Mas do que adianta se ele chegou até aqui apenas para ser babá da pobre garotinha abandonada. Dois pesos para a sociedade, e os pais dela reconheceram bem isso quando deixaram ela no orfanato mais próximo. – E naquele instante Jeon Wonwoo já não respondia por si.
Como se naquele momento ele fosse um espectador que via tudo em flashs rápidos; Ele não notou quando se aproximou mais ainda em um ímpeto de raiva, não notou quando sua mão puxou um dos garfos da mesa e não notou quando enfiou o objeto na carne da mão espalmada de Seungcheol sob a mesa.
O grito de dor acionou o reflexo de retirar o garfo da carne ligeiro e, em seguida, o desespero tomou conta de Wonwoo. Como podia ter se deixado ser tão impulsivo assim?
Aterrorizado, o Jeon olhava para o garfo ensanguentado com as orbes trêmulas e marejadas. As lágrimas quentes de puro ódio ameaçando caírem pelo rosto fervente de raiva.
— SEU MERDA! Eu deveria matar você!! – Seungcheol gritou, muito mais que um esbravejo, ele estava em fúria com o ato de uma pessoa socialmente inferior a ele na sua concepção.
— EU deveria matar você! Como você abre sua boca para falar de uma criança?! – Wonwoo vociferou de volta. Os olhos arregalados e a testa enrugada por conta da expressão de raiva. O Choi não hesitou mais um segundo e virou a mesa sob o outro. Os reflexos de Wonwoo, por sorte, eram bons, então ele desviou ligeiramente se jogando ao chão, entretanto isso não impediu que alguns objetos o acertasse mesmo assim. O seu celular voou longe, e para pior sua situação, a tela acendeu revelando o papel de parede que havia; Uma foto dele com Naeun, tirada há dias atrás durante o período que Wonwoo passou em "quarentena".
Seungcheol apenas gargalhou mais quando viu aquela imagem. Com os sapatos sociais bem lustrados e majestosos, o mesmo pisou no aparelho até que quebrasse. Pisando como se ali fosse apenas lixo, e em sua mente era, principalmente ao ver a foto estampada.
— Você é patético! – Seungcheol gritou ao mesmo tempo que limpava a mão ensanguentada na camisa social. Devagar ele se abaixou para ficar mais próximo de Wonwoo. Tocou os lados do rosto do maior com uma das mãos e o olhava o desprezando completamente. — Lixo! Viu só como você se apegou a essa pirralha a aquele projeto de mendigo? E deixe-me dizer mais, Wonwoo… Eu não acabei. Você está cercado por bastardos, ora, Naeun, a "sua" pequena Naeun.
— Não fale dela. Não toque no nome dela! – Wonwoo vociferou dando um tapa na mão do outro.
— Ora, porque não? – Sorriu sádico e irônico. — Esqueceu que ela não é sua filha de verdade? Ela é só uma órfã qualquer… Se eu tirar você dessa missão, ela volta a ser órfã, esqueceu disso?! Ela volta para o orfanato e voltar a ser rejeitada, esqueceu disso, Wonwoo?!!
O impulso de segurar Seungcheol pelo colarinho foi maior, e com os punhos cerrados e apertados puxando a camisa do Choi, Wonwoo olhou profundamente dentro do olhos do outro.
— Está me ameaçando? Está me ameaçando e ainda está ameaçando uma criança que mal consegue falar?! É sério isso?! Você é tão baixo assim, Seungcheol?!!
— Farei qualquer coisa para te mostrar que não se deve mexer comigo, Jeon Wonwoo.
— Faça o que quiser comigo, me prejudique da forma que for, me jogue no trilhos de um trem se precisar, mas não prejudique Mingyu e Naeun. – O maior bradou com a mandíbula trincada.
— Ela não é sua filha, Wonwoo. Essa não é sua família. – O Choi tinha a voz baixa dessa vez, não era como se há minutos estivesse agindo fria e furiosamente.
— Ela é a minha filha! Naeun é minha filha! Não importa se amanhã você vai me tirar dessa missão, empresa, ou seja lá o que for! Hoje, nesse instante, Naeun é sim a minha filha. Ontem ela foi a minha filha e enquanto ela estiver comigo eu serei o pai dela! – Wonwoo balançava o mais velho pela camisa à medida que falava mais e mais. Já estava cheio, e àquela altura tinha sérias dúvidas do que seria capaz de fazer se ouvisse mais algo do Choi, por isso, tentando manter o resto de sanidade que a raiva não havia esvaído, ele largou o outro e se levantou, desistindo completamente daquela briga.
Caminhou com parcimônia até a saída, e seu corpo estava tão agitado com a adrenalina que era como se milhões de bandas de rock tocassem ao seu entorno. E, naquele instante, nem mesmo as bandas de rock seriam o suficiente para impedirem Wonwoo de ouvir Seungcheol dizer:
— Você mudou. Olhe só como é caridoso com os necessitados. Você vai se arrepender, e essa vai ser a minha maior vingança, Wonwoo. – O mais novo, porquanto, deu as costas e saiu.
[...]
Quando Jeon Wonwoo ainda era criança, sua avó costumava lhe contar cada vez que acendia o isqueiro para cozinhar, que no mundo sempre haverá alguém fazendo a mesma coisa que nós ao mesmo tempo.
Quando rimos, no mundo, em algum lugar alguém também está rindo. Quando choramos, no mundo, em algum lugar alguém também está chorando. Quando fazemos algo bobo, como por exemplo acender o fogo de um isqueiro, alguém, em algum lugar do mundo, de alguma forma, também está acendendo o isqueiro.
Com um cigarro nos lábios, lágrimas secas em suas bochechas pálidas e com o coração na mão, Wonwoo lembrou dessa memória longínqua mas ainda muito boa.
O aperto em seu coração não demorou a voltar, ou melhor dizendo, voltou a piorar pois naquela noite o nó da sua garganta não o largou em nenhum instante. Já havia perdido a conta de quantas cigarros havia tragado, quantas vezes havia tragado, apenas sentia a ponta chamuscada queimar seus dedos quando estava no fim, em sinal que deveria pegar outro no maço e voltar para o seu limbo de pensamentos, tosses e tragos.
Sentado ao meio fio de uma rua qualquer de Seul – que ele nem fez questão de saber a localidade, hora ou risco. –, Wonwoo acendia cigarro por cigarro com aquele isqueiro que nunca nem imaginou chegar ao ponto de comprar. Não era fumante, não fumava nem socialmente ou raramente. Não gostava do cheiro do tabaco ou da fumaça. Mas naquela noite em específico deixou a curiosidade tomar conta junto da amargura e da tristeza. Se permitiu comprar bebidas alcoólicas, um maço de cigarro e um isqueiro qualquer. Naquela noite ele não era Jeon Wonwoo, não era o Agente Jeon, não era um Jeon, ele era apenas nada. Naquela noite ele não queria existir, e foi isso que fez enquanto sua mente pensava longe, pensava no que sua avó dizia quando menor, e se perguntava se naquele instante alguém no mundo estava fazendo a mesma coisa pelo mesmo motivo.
Wonwoo sabia que não teria resposta. Mas se soubesse, não sei como reagiria ao saber que sim, alguém no mundo estava fazendo o mesmo, e embora os objetivos fossem diferentes, os motivos eram iguais.
Quando Xu Minghao acendeu o isqueiro, não demorou muito até que ele visse tudo queimar diante de seus olhos. Uma casa; memórias; retratos agora reduzidos a cinzas. Minghao sentia remorso e culpa a ponto de chorar como criança e querer se jogar como o fogo para apaziguar sua dor.
Doía, mas era pela sua amada. Logo passaria quando visse Lin Ai bem. Se é que ele veria. Minghao esperava que Lin Ai não morresse agora, não apenas por amá-la intensamente, mas porque tinha medo de que ela fosse para outro plano e acabasse descobrindo que seu marido, na verdade, era um criminoso.
Minghao há muito tempo tinha medo. Por isso, ao observar Lee Seokmin dormindo antes da tragédia, ele apenas sussurrou um "desculpe" que ele não sabia exatamente para quem era. Se era para o Lee, se era para Lin Ai, ou se era para si.
Quando o alvorecer chegou naquele dia, no meio fio onde Wonwoo estava antes agora eram apenas bitucas de cigarro, garrafas vazias e memórias de que, durante a madrugada, um agente moribundo estava ali sofrendo. Onde Minghao estava, não haviam rastros, afinal, ele era sorrateiro em suas ações. Mas talvez o tempo soubesse que ali um amante estava disposto a fazer tudo pelo seu amor.
E onde era a casa de Lee Seokmin, Joshua se deparou com o tudo e nada ao mesmo tempo. Cinzas, destruição, fogo. Seus joelhos vacilaram e seus olhos já não conseguiam mais abrir de tanto que chorava e clamava ao que quer que fosse para que Seokmin estivesse bem.
Quando o alvorecer chegou, três pessoas diferentes se ligaram pelo mesmo sofrimento.
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