Danem-se todas essas garotas bonitas
Elas apenas querem te fazer mal
Elas te tornarão um suicida, suicida
Quando disserem que acabou
Beautiful Girls - Sean Kingston
Soluço
Minha mãe era uma pessoa extremamente romântica. Eu me lembro bem de todas as canções de amor das décadas passadas que ecoavam pelos cantos da casa. Me lembro de vê-la assistindo debaixo das cobertas filmes clichês de adolescentes apaixonados. Porém, se tem algo que me recordo com clareza, são todas as cartas de amor que ela guardava. Sei bem que nem todas eram meu pai que as havia dado. Algumas pertenciam a antigos amores.
Me queixei uma vez para mamãe o porquê ela guardava cartas de garotos que não amava mais. Seria uma paixão duradoura? Ela riu… e me disse que não. Me explicou que cartas concretizam frases do amor em erupção, e que não há nada mais belo de se contemplar do que alguém que está demostrando sentimentos de afeto.
Quando ouvi isso, mesmo sendo tão novo… uma luz em mim se ascendeu.
-Soluço… Soluço? Acorda, cara! - Ouvi alguém me chamar, interrompendo minhas lembranças.
Era apenas Jack.
-Ah… o que foi? - Perguntei, ainda um pouco avoado.
-Já tá na hora de ir! É o primeiro dia de aula do terceiro ano! Cara, vai ser épico igual ano passado! - Afirmou ele, pegando sua mochila e descendo rapidamente pelas escadas.
A animação dele não era contagiante, mas era divertida de se assistir.
Qual é… quem fica animado em ir pra escola? É literalmente uma prisão onde nós passamos a maior parte do dia… alunos famintos e cheios de hormônios, professores hostis e um ar condicionado que quebra no calor, e te congela no frio. Não tem condições.
-Quantos litros de café você tomou ontem a noite? - Brinquei, enquanto ele quase pulava de alegria.
-Não tomei café… tomei chá. - Respondeu ele um com um sorriso maldoso, enquanto esperávamos papai estacionar o carro.
Apesar do tempo de convivência como irmãos, nós éramos bem… diferentes.
Quando eu tinha 13 anos, papai adotou Jack. Por termos a mesma idade. Nos demos bem logo de cara… nos tornamos melhores amigos. Passamos a fazer tudo juntos. Apesar de termos desentendimentos ás vezes, éramos irmãos. Sempre foi assim… nós dois contra o mundo. Até que…
-Oi, amor… - Reconheci imediatamente a quem pertencia a doce voz.
-Oi, meu bem… -Respondeu Jack rapidamente, com um brilho no olhar.
Ele puxou-a pela cintura e iniciou um beijo. Fingi que não estava vendo, comecei a olhar para um ponto específico. É tão constrangedor quando os casais fazem isso bem na sua frente… é ainda mais constrangedor quando você percebe que queria ser um deles.
-Olá, Soluço. Como você tá? - A menina me pergunta, com seu sorriso gentil e bochechas coradas.
-Ah… e - e - eu tô bem! -Gaguejei enquanto respondia. Merda, merda, merda, merda…
Ela pareceu achar graça. Enquanto eu, se pudesse me enterrar… faria isso naquele mesmo momento. Será que eu deixo as coisas tão óbvias assim?
Bom, pela cara de Jack, ele nem se deu conta. Ás vezes ele é bem distraído, e eu agradeço a Thor por isso.
O casal entra no carro de mãos dadas, e elas não se desgrudam nem por um minuto. Trocam selinhos e risadinhas enquanto murmuram algumas bobagens de gente apaixonada. Eu juro por todos os deuses que não vou conseguir aguentar isso por toda a viagem. Mesmo que sejam só quinze minutos de carro, não dá.
-Não vai entrar? - Meu pai pergunta confuso.
-Não, eu… - Tentei pensar em alguma desculpa. -Vou ir caminhando. Tô precisando tomar ar fresco.
Papai me olhou de um jeito curioso. Não julgo… por que eu repentinamente resolveria andar meia hora até a escola?
Mesmo assim, ele decidiu não insistir.
-Tudo bem. A gente se vê mais tarde. Bons estudos. -Falou, antes de começar a dirigir.
Suspirei fundo. Provavelmente, Jack e Elsa nem perceberam que eu não estava no carro. A paixão as vezes faz as pessoas se distraírem.
Eu tenho uma breve teoria de que todo universo me odeia. É sério… de vez em quando eu acho que em outra vida eu era uma stripper que fez pole dance no trono de Odin! Talvez isso justifique o fato de que agora eu pague pelos meus erros vendo meu irmão namorar a garota que eu já fui apaixonado. Ou melhor… ainda sou.
Não me julgue. Não sou um “fura-olho” ou algo do tipo. Eu sei que essa frase chega a ser ridícula de tão clichê, mas… a gente não escolhe por quem vai se apaixonar.
Em minha defesa, eu meio que me apaixonei primeiro. Me lembro até hoje do primeiro dia das férias de verão, quando a família Snow se mudou para minha rua. A filha mais velha, Elsa, tinha doze anos, assim como eu. Fizemos amizade rapidamente.
Era divertido andar de bicicleta no parque e conversar sobre o mundo geek com ela. Tomar sorvete enquanto observávamos a avenida no alto do monte, e brincar que os carros que passavam lá eram nossos. Não demorou muito para eu perceber que estava apaixonado… mas demorou muito para eu me dar conta e confessar isso.
As idas no parque ficaram menos recorrentes, assim como nossas conversas. Eu passei a subir no alto do monte sozinho, sem ninguém para brincar de escolher carros comigo. Jack foi mais rápido… eles estão namorando há 1 ano, e parecendo estar tão apaixonados.
Fico com raiva de mim mesmo por isso. Tinha que ser justo o meu irmão? Sinto que com esses sentimentos, eu estou praticamente o traindo.
Concretizei meus sentimentos por ela em um pedaço de papel. Nunca irei entregá-lo. As vezes, só desabafar o que sente para si mesmo faz bem.
Em minha caminhada para a escola, me deparo com alguns rostos conhecidos.
Raya Jittadad passa correndo de patins ao meu lado. Ela vai rápido com seus cabelos esvoaçando pelo vento, seus olhos observam tudo com faísca.
É engraçado lembrar que já dançamos juntos no Baile de Dia das Bruxas. Quando todos os meninos começaram a me zoar pelo fato da minha fantasia ser o uniforme da frota estrelar de Jornada nas Estrelas, foi reconfortante ver que ela vestia o mesmo que eu. Dançamos juntos e conversamos sobre a série pelo resto da noite. Ela era divertida, sempre foi. Bom… eu tinha 15 anos. Fiquei com uma paixonite esquisita e passageira por ela por quase 1 mês. Apesar de ter passado rápido, no auge dos meus sentimentos eu escrevi uma carta. Guardo apenas por lembrança, não faz nem mais sentido enviá-la.
Ao entrar no inferno, quer dizer… escola, vou direto no armário guardar todos os livros que aos poucos ferram com a minha coluna.
Percebo que alguém se aproxima de mim, abrindo o armário ao lado.
Olho para a esquerda e me deparo com o vasto cabelo ruivo e cacheado.
Acredito que Merida Drumbrooch ao lado de Moana Wakaliki tenha sido meu amor de férias na infância. Quando a minha família e a da ruiva viajaram juntas para a ilha de Taiti, criamos uma amizade que durou por um bom tempo. Conhecemos juntos na ilha a bela Moana, e formamos um trio que transformou aquele período em algo épico.
Naquele mesmo paraíso tropical que era Taiti, acho que tive uma queda pelas duas. Aos meus 10 anos de idade, não sabia bem como lidar com meus sentimentos.
Sim, eu escrevi mais duas cartas. Não, eu não entreguei. Sabe como é amizade e amor de verão, né? Termina com a volta as aulas. Quando tudo acabou, voltamos para Berk e nunca mais vimos Moana. Eu e Merida nos cumprimentávamos nos corredores de vez em quando, mas nada além disso.
O sinal toca e todos vamos para nossas respectivas aulas.
Em quase vinte minutos de aula, eu já estava prestes a desmaiar de sono. A voz da professora Arianna parecia um sedativo.
Mas aí… alguém chegou. Sua presença foi o suficiente para atrair a atenção de todos, inclusive a minha.
Com seu inseparável coturno, uma saia preta que deixava a amostra suas belas (Thor, por que eu tô falando isso?) acompanhadas de uma corrente que ia até a borda do tecido, ela usava uma blusa xadrez azul e preta que cobria seus braços. Seus cabelos estavam soltos com uma trança logo atrás. Chegava apressada e se sentou rapidamente.
-Está atrasada, senhorita Hofferson. - Observou a professora.
-É, eu sei. -Foi a única coisa que a loira respondeu.
Era estranho, e muito difícil de explicar porque uma garota que eu gostei quando criança ainda fazia o meu coração errar as batidas.
Acho que todo garoto já se interessou pela “bad girl” da escola. Não é pra menos… ela é linda.
Quando tínhamos 9 anos, metade da turma brincou de verdade ou consequência. Desafiaram nós dois a darmos um selinho, e assim foi feito. Nunca mais olhamos na cara um do outro. Tive várias paixões depois a dela, porém as vezes parecia que… os sentimentos por ela eram muito mais persistentes.
Ótimo. Em uma manhã, já lembrei de todas as garotas que já gostei na vida. Adivinha com qual eu tô?
**
Papai estava no trabalho. Jack estava na casa da Elsa… e eu aqui, sozinho em casa.
Estar sozinho? É ótimo… Se sentir sozinho? Bom, nem tanto.
Tiro minha camisa e abro armário procurando algo pra vestir em casa. Sem querer, a simples e velha caixa marrom cai no chão.
Lá estão as cartas… as cinco cartas que eu fiz quando estava apaixonado.
Com palavras diferentes, para garotas diferentes, com intensidades diferentes.
Por que eu guardo isso? Bom… eu não sei.
Mas não há nada de errado. As coisas andam relativamente boas, assim do jeito que tudo está.
Não vou enviá-las, porque só de pensar na possibilidade de qualquer uma das meninas lerem o que está escrito aqui…
Eu acho que mudo de país.
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