-Cadê a garotinha? –eu perguntei. Um barulho se fez atrás do meu pai e nós dois nos viramos assustados segurando a faca fortemente. Assim que ele viu um corpo meu pai o empurrou contra a parede pronto para cravar a faca em sua cabeça, e matá-lo logo de uma vez.
-AHH puta merda! –Michael gritou assustado enquanto era pressionado na parede com alguns porta-retratos. -Eu não ou zumbi! Eu não sou! –meu pai o soltou quase tendo um ataque do coração.
-Quer nos matar de susto? –eu perguntei. -Quase fez o meu coração sair pela boca, Michael.
-Matar de susto? Eu que quase morri aqui, minha filha. –Michael respondeu arrumando a blusa amarrotada pelo empurrão repentino. -O que você tem na cabeça Peter?
-Para de chegar de mancinho nos lugares. Eu já avisei a você. –meu pai disse o encarando. -É estranho.
-Eu só vim ver se estavam bem. Credo. -Michael respondeu indo em direção a porta. -Agressivos! –ele disse alto e bateu a porta. Ela foi aberta novamente e Jerry entrou rindo segurando uma espingarda que era quase do meu tamanho.
-Ele esta naqueles dias. –ele brincou e eu e meu pai rimos.
**
-Eu já falei que pegamos todos eles, Noora. –meu pai falou tentando me acalmar do outro lado da cozinha, quando estávamos desenhando um mapa para começar a organizar o lugar. Eu não respondi, apenas suspirei e encarei a tigela de cereais na minha frente pensando se aquela garotinha da foto poderia estar por aqui escondida em algum lugar.
-Nós revistamos todos os centímetros da casa querida. –minha mãe continuou se levantando após terminar de organizar os produtos de limpeza que acharam em um grande balcão. -Talvez não conseguiram buscar ela a tempo na escola.
-Ou na casa dos avós. –Michael acrescentou. -Ela pode estar muitas coisas. –a porta foi aberta apressadamente e todos olharam assustados para Jackson que segurava uma arma. Seus olhos estavam arregalados e sua boca estava seca parecendo que havia corrido quilômetros.
-O Henry... E o Charlie... –ele começou e eu franzi o cenho olhando para ele.
-O que foi? –minha mãe perguntou o encarando.
-Estávamos buscando coisas em lugares aqui perto. E uns caras apareceram, eu não entendi nada, porque não chegaram a me ver, mas eu ouvi sobre uma cidade... Wood alguma coisa... –ele gaguejava parecendo estar apavorado. -E os caras estão com eles agora. Na mata. Os fazendo de reféns. –meu pai se levantou apressadamente.
-Mas o que... Que merda aconteceu? –ele perguntou não entendendo absolutamente nada. -Eles sabem sobre nós? Onde estamos?
-Eu... Eu não sei. –ele disse.
-Sabe quantos eles são? –Jerry perguntou e se entreolhou com o meu pai.
-Talvez sete. Com uma mulher. –ele respondeu e eu engoli em seco olhando para meu pai. -E eles têm armas. Talvez algum acampamento aqui perto.
-Vão matá-los? –eu perguntei um pouco apavorada. -Quer dizer, e se vierem para cá?
-Ninguém vai vir. –meu pai respondeu me olhando e se abaixou pegando um rifle. -Gale, Charlie, Jackson, e Michael venham comigo. E você também Elizabeth, já esta atirando bem. –eles assentiram com a cabeça e começaram a se organizar para ir atrás dos outros. Notei que Elizabeth ficou apavorada, provavelmente com medo de que algo de ruim acontecesse com Henry enquanto ele estava na mão desses caras. -Jessica e Sarah vocês ficarão com armas aqui dentro o tempo todo. Não sabemos se esses caras obrigaram o Henry ou o Charlie a abrirem a boca sobre nós. –eles passaram pela porta rapidamente.
Assim que saíram, eu me sentei novamente na mesa da casa em que ficaríamos e comecei a tamborilar meus dedos em cima esperando por algum sinal de que ficariam bem. Jensen estava sentado perto de mim fazendo suas tarefas e eu olhei para a minha vendo aquele monte de numero empilhado um em cima do outro.
-Eles vão voltar. –Jensen falou e eu ergui o olhar em sua direção. -Seu pai é um bom líder. Sabe o que faz. –eu sorri de lado para ele e abaixei o olhar para a minha tarefa.
**
Os portões foram abertos e eu vi o grupo retornando já no final da tarde. Meu pai estava com a cabeça abaixada e assim que ele se entreolhou com a minha mãe, negou com a cabeça. Todos estavam lá, menos Charlie. Engoli em seco e meu pai colocou a arma em cima de uma mesa de ping-pong que ficava no jardim.
-Ele morreu? –Sarah perguntou temendo o pior.
-Foi levado. –meu pai sussurrou. -As coisas saíram do controle. Eles devem ter mais pessoas, que provavelmente vão vir para cá assim que tiverem chance.
-O que vamos fazer? –minha mãe perguntou cruzando os braços e eu vi Jessica e Michael se entreolhando.
-Não vamos embora. –ele falou.
-Mas se disse que eles têm mais gente, não podemos ficar. –Jessica disse. -Vão nos atacar.
-Não deixamos ninguém para trás. –meu pai disse seriamente enquanto a olhava. -Nunca deixe alguém de seu grupo para trás. Somos mais do que isso. Vamos fortalecer esse lugar, demoramos muito tempo para achá-lo e não vamos desistir assim.
-Talvez placas de madeira nas duas casas da frente. –Michael falou apontando. -E no salão aquelas placas de ferro que usaríamos para energia solar.
-Se eles estão lá fora, não vamos poder nem sair. –Elizabeth disse.
-Pelo muro de trás da para fugir. É de frente para a mata. –Henry mencionou e eu vi que seu nariz sangrava e ele tentava controlar o sangue com sua blusa.
-Se Peter disse que não vamos sair, não vamos. –Gale falou.
-Então, qual o plano? –Jerry perguntou.
-Vamos tentar negociar. A vida do Charlie esta em jogo, e nossa vida também. –meu pai disse. --E então se não quiserem, os mataremos. Não sei como, ou quando, mas o faremos.
-Quem é esse pessoal? –eu perguntei.
-São de um acampamento. –Henry respondeu. -Nos abordaram querendo saber se tínhamos um lugar fixo, mantimentos e armas. Falaram sobre ter tentado tomar uma cidade. Woodbury. Não deu muito certo. Entramos na mata porque fugimos de alguns tiros perto de uma loja. Um cara sem mão pegou uma garota bonita, ficamos em duvida se mais deles apareceriam então saímos antes que sobrasse para nós. Foi aí que esbarramos com esse outro pessoal. Nos pegaram por trás, já nos acertando.
-E se tentássemos nos juntar? –Sarah perguntou um pouco indecisa.
-Não, vamos ser mais espertos que isso. Não os conhecemos direito. –Gale disse.-Não quero caras estranhos dormindo no mesmo teto que eu.
-Se o grupo deles for grande estamos ferrados, Peter. –minha mãe falou. -Como Gale disse, nós não os conhecemos. Podem ser assassinos.
-Vamos tentar o acordo. –meu pai falou mais uma vez. -E então se não quiserem, faremos as coisas diferentes. Nós podemos fazer isso, já fizemos com aqueles caras no bar perto de Atlanta. É o sangue deles, ou o nosso. Eu prefiro o deles. Traremos Charlie para casa, vai ser assim que vai ser. É questão de vida, ou morte.
**
-Sinto falta da minha escola. –eu disse a Jessica enquanto ela me ajudava a organizar o quarto em que ficaríamos. -E das minhas amigas. Acha que estão mortas? –eu a olhei e ela parou de fazer o que fazia para me olhar.
-Eu não sei Nory. –ela respondeu. -Podem estar ou podem ter encontrado um grupo legal igual ao nosso. –ela piscou para mim e eu ri fraco. -Estou mentindo? Essas pessoas são família.
-São. –eu falei. -Acha que vamos morrer? Por causa desse grupo?
-Você faz muitas perguntas para poucas respostas. –eu ri fraco e ela se sentou ao meu lado. -Vamos ficar juntas. Sempre e para sempre. Eu, você, Charlotte e Chloe. As irmãs loiras mais bonitas que esse apocalipse vai ter. –eu ri fraco mais uma vez.
-Queria não ter que me preocupar com o apocalipse e pensar apenas na dor de ter minhas orelhas furadas aos 14 anos. –eu disse e ela franziu o cenho. Ela se levantou abrindo o closet e pegou uma caixinha roxa. -O que vai fazer?
-Disse sobre furar as orelhas. Aqui está. –ela se sentou mostrando a caixinha de agulhas. -Precisa de brincos. –eu sorri para ela e ela retribuiu sabendo que levaríamos uma enorme bronca da minha mãe. Eu pulei na cama olhando os brincos que a garotinha tinha e então ouvimos um grito do lado de fora.
Música: Civilian – Wye Oak
Eu me assustei engolindo em seco e então Jessica saiu correndo pegando sua arma.
-Fique aqui. –eu não me mexi ouvindo os sons dela descendo as escadas. Eu olhei em direção a porta e então me levantei indo atrás da minha irmã. Assim que cheguei aos fundos vi meu pai correndo a toda velocidade na direção de Jerry que estava caído. Meu coração acelerou e então quando ficou claro o que acabava de sair de uma casinha de cachorro, minhas vistas embaçaram. Era um minúsculo ser humano, ou quase um já que seu rosto estava azulado. A criança possuía folhas secas grudadas em seu cabelo e correntes enroladas na cintura e nas pernas.
Meu pai a esse momento está há 15 metros de distancia, correndo sem parar com um martelo em mãos. Jerry rastejava para trás enquanto a garotinha o seguia em energia deselegante parecendo uma tarântula. O homem tentou se levantar, mas uma de suas pernas estava presa nas correntes, o impedindo de ir muito longe.
7 metros de distancia. A criança zumbi prendeu a mão em formato de uma garra no tornozelo de Jerry, e antes que ele conseguisse soltar a perna, a menina enfiou a boca de dentes podres nas pernas dele, puxando o pedaço de carne logo em seguida.
-NÃOO! –meu pai gritou e um arrepio percorreu pelo meu corpo enquanto meu peito subia e descia com a respiração acelerada. Ele acertou o crânio da coisa, enquanto os gritos de dor que Jerry soltava se tornavam ensurdecedores. A criança morta fez uma pirueta e rolou pela grama, parando alguns metros de distancia dos dois. Os outros chegaram correndo, sem fôlego e encararam a cena em choque. Meu pai agarrou Jerry tentando fazê-lo parar de gritar e se contorcer porque o esforço só aumentava a velocidade da hemorragia, com a ferida aberta jorrando litros de sangue no mesmo ritmo dos batimentos cardíacos acelerados de Jerry. Eu comecei a chorar vendo a cena. Era a coisa mais triste de se ver, a pessoa agonizando sabendo que aquele era seu fim. Não importava o que ele havia sido antes, o que ele havia sido agora, tudo estava acabando. Enquanto o vírus tomava conta de seu corpo, fazendo tudo parar aos poucos.
Henry correu ate lá metendo a mão na perna do amigo, estancando levemente o sangue, que escorria por suas mãos. A coisa morta voltou a se rastejar pela grama, mas Gale não hesitou, e correu a toda velocidade com os olhos arregalados de raiva e pânico. O machado aterrissou na cabeça da criança e o zumbi parou de se mexer imediatamente. As imagens começaram a se passar em borrões na minha cabeça enquanto eu ouvia a voz distante do meu pai gritando por um “cinto”. Ele não tinha nenhum treinamento formal em primeiros socorros, mas ele sabe o suficiente para estancar um sangramento. As próximas palavras foram “Curativos, Álcool, O que tiver...” enquanto Jerry esta chorando com sua respiração irregular e superficial.
-Puta merda, a gente tem que levar ele para dentro! –grita Jackson.
-Só façam... –murmurou Jerry enquanto Sarah corria ate lá chorando. -Peter... eu preciso que faça. –meu pai negou com a cabeça e se levantou.
-Miranda, venha cá. –eles se viraram e deram alguns passos ate a casa. -Não olhe Noora. Vá para dentro. –eu não consegui me mover. Meus olhos não conseguiam se desviar da cena. -Vamos cortar a perna dele. –meu pai sussurrou para minha mãe e eu arregalei meus olhos assustada.
-Vamos o que?!
-Amputar a perna dele.
-O que?! –ela perguntou apavorada enquanto negava repetidamente. Aquilo seria uma cena horrível e o homem provavelmente iria desmaiar de dor. Ou ate mesmo acabar morrendo do mesmo jeito.
-Antes da doença se alastrar. –ele continuou. -A gente não sabe a velocidade que isso se alastra, mas temos que tentar. Devemos isso a ele. Então pegue a serra lá no galpão e...
-Gente... –a voz de Michael ecoou atrás deles. Meus pais se viraram e eu me aproximei junto com Jensen que parecia tão assustado quanto eu. Jerry Horvath estava duro como pedra. Os olhos do meu pai se encheram de lagrimas prestes a cair e então ele caminhou ate lá se ajoelhando ao lado do corpo. O peito grande e flácido não se mexia o que acabou fazendo minhas pernas bambearem. A boca esta seca, quase roxa. -Ai, não... Meu Deus, não. –grita Michael com as mãos na cabeça enquanto olhamos o amigo morto. Por muito tempo ninguém falou nada, apenas ficamos lá parados, quase entrando em choque.
O cadáver fica quieto, na grama, por minutos que se tornam uma eternidade. Ate que alguma coisa se move nas pontas dos dedos inchados. No começo tudo parecia com típicos espasmos nervosos residuais que alguns agentes funerários presenciam de vez em quando em velórios.
Sarah se levantou boquiaberta e foi se afastando do corpo, recuando lentamente daquilo que um dia já foi seu amigo. Meu pai passou a mão no rosto, respirando fundo, não acreditando que havia deixado algo assim acontecer.
Os olhos de Jerry se abrem. As pupilas estão brancas como pus e eu ouço o choro de Elizabeth bem atrás de mim. Meu pai se levantou engolindo em seco e então sacou sua arma mirando na cabeça antes que o amigo, agora zumbi, resolvesse levantar. Ele o encarou e então as lagrimas escorreram pelo meu rosto. Ele não iria conseguir fazer.
Jackson o olhou pegando a arma da mão dele eles se entreolharam trocando um aceno de cabeça. Meu pai se afastou lentamente e abraçou minha mãe que estava tão incrédula quanto ele.
-Foi mal ai, cara. –Jackson disse.
POW!
Eu encarava a cova bem na minha frente feita no jardim do condomínio. Acabamos de enterrá-lo e todos estavam cabisbaixos. Foi a primeira perda depois de muito tempo e aquilo me doía como se alguém da minha família tivesse morrido. Eu não conseguia não me importar, não conseguia apenas seguir em frente pensando que ele estaria em algum melhor do que aqui. Não conseguia apenas aceitar que ele já foi algo para mim, e que agora estava debaixo da terra enquanto pessoas choravam a sua volta por sua vida perdida.
Eu não conseguia aceitar a morte.
-Eu sei que o Jerry às vezes era um babaca. –meu pai começou enquanto segurava o cordão com duas plaquinhas de uma guerra que o velho participou no Vietnã. -E ele podia te afetar com as coisas que dizia, certamente fez comigo. Ele não tinha medo de dizer o que pensava, e de dizer como ele se sentia a relação a certas coisas. Era corajoso, eu sei. –eu o olhei segurando o choro novamente. -Acho que ele já irritou todo mundo aqui, uma vez ou outra. E muitas vezes não podíamos compreender sua maneira de pensar, mas ele compreendia a nossa. Ele nos via pelo que éramos, e me ensinou que não podemos esquecer essas pessoas. E quando eu pensava em desistir, ele me disse que devíamos parar de sentir pena de nós mesmos. E é isso que vamos fazer. Vamos tomar controle das nossas vidas não importa o que esse grupo lá fora nos obrigue a fazer. Essa é a nossa vida. Estamos aqui. Vamos tomar conta do nosso futuro, vamos lutar. Vai ser assim que o honraremos. Iremos mostrar que somos um grupo, e não existem pessoas mais importantes do que essas que estão aqui. Somos uma família. Jerry queria que fossemos uma.
**
Gostaria de poder dizer que o suposto grupo aceitou o acordo de devolver o Charlie e seguir cada um o seu caminho sem que ninguém se machucasse. Mas eles não aceitaram, pois não tinham um lugar fixo para ficarem, e nós tínhamos. E eles o queriam. Quando soubemos de um suposto ataque, saímos do condomínio e nos escondemos na mata como se nunca estivéssemos estado lá. O plano do meu pai era pegá-los por trás enquanto eu ficaria na mata com Jensen e as gêmeas, escondidos. Eu estava encostada em um carro segurando uma arma e Jensen estava ao meu lado, prestando atenção em todos os cantos. Os tiros começaram e eu me abaixei tentando controlar o ritmo acelerado que meu coração se encontrava. Um grito nos chamou atenção. Parecia ser Elizabeth ou Sarah, eu não soube distinguir a voz.
-Precisamos ajudar. –Jensen falou olhando em todas as direções e eu engoli em seco enquanto o garoto pegava uma arma.
-Nos mandaram ficar. –eu disse e ouvimos o grito novamente.
-HENRY! –a mulher gritou. Era mesmo Elizabeth. Jensen saiu correndo em disparada e eu o acompanhei com o olhar preocupada sem dizer nada ao garoto que se afastava de mim. Eu me levantei ouvindo alguns tiros e então olhei para as gêmeas dentro do carro dormindo.
-Jensen! –eu o chamei com a esperança dele voltar. -Jensen volta!
Nada.
Eu bati a porta do carro deixando minhas irmãs dentro e fui atrás do garoto apressadamente antes que ele se metesse em alguma enrascada e acabasse se machucando. Andei por alguns metros olhando em volta para procurar pelo pequeno projeto de idiota que não sabia obedecer. Eu só ouvia tiros distantes agora.
-Jensen? –eu o chamei olhando em volta e coloquei a mão por cima de uma faca presa no cinto da minha calça. -Ah que imbecil, ele vai se ferrar. –resmunguei e ouvi passos correndo. Franzi o cenho resolvendo voltar para o carro onde devia ser mais seguro. Eu não estava a fim de topar com ninguém pronto para matar. Voltei pelo mesmo caminho e então vi uma mulher com seu casaco machado de sangue correndo em direção ao automóvel estacionado perto da arvore. -HEY! –eu gritei assim que ela entrou. Eu corri ate lá ate alcançá-la e bati minha mão contra o vidro. -Hey minhas irmãs, me deixe pegá-las! –eu disse com lagrimas nos olhos. Ela parecia desnorteada, quase morrendo. Ela me olhou me apontando o dedo do meio e eu travei o maxilar. -Não faz isso, abre essa porta! –eu bati minhas mãos contra o vidro. Ela ligou o carro saindo dirigindo rapidamente e eu corri atrás dela. Peguei minha arma mirando contra o carro pensando em atirar em alguma parte.
Música: You were never gone –Hannah Ellis
Coloquei meu dedo no gatilho.
-MINHAS IRMAS! –eu gritei com a esperança dela parar o carro. -Me deixe pegá-las! –pedi novamente já quase chorando. Eu não atirei. Não sabia se aquilo poderia pegar em alguma delas, ou em alguma parte do carro que tornaria as coisas piores. Talvez eu devia ter tentado. Talvez “tentar” é o segredo de agora. Talvez é o que faz pessoas sobreviverem. Olhei para o lado e meu pai surgiu da mata acompanhando com o olhar o carro se afastando.
-DROGA! –ele gritou começando a correr desesperado atrás enquanto eu ficava para trás. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo esse exato momento, mas ver o carro partindo com minhas duas irmãs mais novas dentro, fazia um vazio me invadir. Era a minha culpa. Elas estavam sendo levadas por minha culpa. Quando o surto de realidade me invadiu, eu comecei a correr atrás do meu pai que já estava alguns metros à frente.
-PARA O CARRO! –ele gritou mesmo ele já estando longe de nossas vistas. -CHARLOTTE! CHLOE!
Um carro parou ao meu lado. Henry estava no passageiro enquanto minha mãe dirigia. Eu entrei e logo em seguida foi meu pai. Ela acelerou enquanto minhas mãos tremiam, e minha cabeça rodava. Olhei para trás vendo o segundo carro com pessoas do nosso grupo vindo na estrada. Se não me engano, Michael dirigia.
Uma vez minha mãe me disse que se queríamos muito alguma coisa, devíamos fechar os nossos olhos e pedir para Deus. Sendo assim, por causa da nossa fé e de sua bondade, ele nos concederia a graça pedida. Ele iria ouvir e conceder.
Fechei meus olhos enquanto ela acelerava com o carro enquanto todos mantinham o olhar preocupado no caminho. Me desligando do mundo e do que acontecia a minha volta, fiz algo que há muito tempo eu não fazia. Eu comecei a rezar. Pedindo do fundo do meu coração para que Deus protegesse as minhas irmãs que estavam naquele carro que seguia a nossa frente. Elas eram só duas bebezinhas inocentes, que nunca fizeram mal a ninguém. Eu pedi para que Deus as mantivesse a salvo. Pedi para que ele fizesse tudo ficar bem com elas. Pedi do meu modo inocente de uma criança, para que ele protegesse outras. Para que ele protegesse as minhas irmãs.
O carro parou de repente alguns minutos depois. Freiando e quase fazendo eu me chocar contra o banco da frente. Abri meus olhos. Uma fumaça branca invadia a pista e as portas do carro foram abertas rapidamente. Meu pai saiu correndo com minha mãe ao lado e então eu desci, desejando não ter feito isso. O carro estava de cabeça para baixo.
-Chloe, Charlotte... –minha mãe as chamou com uma voz chorosa.
Os vidros estavam estourados e havia cacos de vidro por toda parte. Eles correram ate o carro e se abaixaram. Henry o contornou indo por uma parte mais acessível e puxou a zumbi lá de dentro enfiando a faca em sua cabeça antes de soltá-la.
-Ah merda... –ele sussurrou. Ele puxou os bebes confortos de dentro do carro. Vi o sangue por toda parte enquanto os... restos se mantinham presos no cinto de segurança. O meu estomago revirou fazendo algum liquido subir pelo meu esôfago. Ver aquilo era aterrorizante. Ver aquilo foi a pior coisa já vista em toda a minha vida.
-NÃOOOOO! –eu ouvi minha mãe gritando aos prantos e correndo ate lá. -Minhas bebezinhas... Eu sinto muito, eu sinto muito... –ela disse soluçando completamente desesperada. Meu pai perdeu todas as forças ao ver que as filhas mais novas estavam mortas. Suas pernas fraquejaram e ele caiu de joelhos se curvando. Um soluço alto escapou da sua garganta e eu comecei a chorar desesperadamente, como se nunca mais eu fosse conseguir parar. Eu engasguei começando a tossir e tentei puxar o ar com força. O segundo carro parou e Jessica desceu correndo nos olhando. -NÃOOO! –minha mãe gritou mais uma vez abraçando as cadeirinhas. Jessica encarou todos e quando viu, virou seu rosto o escondendo na blusa de Michael. Ele engoliu em seco a abraçando e eu funguei ouvindo o choro começando a escapar de sua garganta.
Eu me mantinha estática começando a entrar em uma fase de choque. Eu não conseguia me mexer, nem desviar o olhar, nem manter o controle do meu corpo que tremia. Os gritos a minha volta entravam na minha cabeça, e eram gritos de sofrimento. Dor e pânico. Não havia outras palavras para descrever tudo isso.
Eu rezei. Eu pedi pela segurança delas, mas talvez o tempo que eu tenha ficado sem rezar, mudou as coisas. Deus não ouviu. Talvez ele estivesse ocupado de mais ajudando outras famílias que passavam por alguma situação parecida, que acabou se esquecendo da minha. Ou talvez, eu apenas era uma garota sem sorte perdida em um mundo que um dia já foi bom.
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